GT 1 – JUVENTUDES, PROCESSOS EDUCATIVOS E TRABALHO.
TÍTULO: “HÁ UMA GRANDE DESORDEM SOB O CÉU, A SITUAÇÃO É
EXCELENTE” - jovens, trabalho e futuro.
Autora: Maria Isabel Silva Bezerra Linhares (UFC/UVA-GEPCJU)
[email protected]
Co-autora: Ana Margarete Pereira (UVA-GEPCJU)
[email protected]
“ HÁ UMA GRANDE DESORDEM SOB O CÉU, A SITUAÇÃO É EXCELENTE” 1 jovens, trabalho e futuro.
Maria Isabel S. Bezerra Linhares (UFC/UVA-GEPCJU)2
Ana Margarete Pereira (UVA-GEPCJU)3
RESUMO
As referências teórico-metodológicas para tomar as trajetórias juvenis como perspectiva metodológica nas
reflexões que apresentamos neste artigo, apoiam-se nas produções de Giovanni Alves , Jessé Souza e Richard
Sennet e, principalmente, nas produções e reflexões de Machado Pais (2001), daí, adotar a compreensão dos
sociólogos da juventude, que adjetivam as transições dos jovens para a vida adulta, de modo a acentuarem a sua
vulnerabilidade e imprevisibilidade. O substrato empírico que motivou a busca da compreensão dos caminhos
investigativos, que tomam o cotidiano como alavanca para o conhecimento da realidade, ancoram-se na pesquisa
sob o título “Trajetórias juvenis face aos desafios do mundo do trabalho: experiências sociais e interpretações
individuais de jovens sobralenses que buscam o primeiro emprego”, da autora deste artigo. O foco de análise da
referida investigação centrou-se na questão da juventude das periferias da vida, prováveis trabalhadores
precários, que em seu cotidiano, constroem trajetórias, nem sempre lineares, quando enfrentam os desafios do
mundo do trabalho na sociedade contemporânea.
Palavras-chave: trajetórias juvenis. Primeiro emprego. Mundo do trabalho.
1 INTRODUÇÃO
No seu livro intitulado “Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro”,
Machado Pais (2001) analisa a trajetória de jovens portugueses a partir de uma multiplicidade
de trabalhos precários, cujas inserções provisórias se constituem as próprias expressões das
dificuldades que têm em se integrarem no mercado de trabalho, o que tem levado muitos
deles a recorrerem à estratégias cuja singularidade e expressão abala os modos tradicionais de
entrada na vida ativa. As experiências vivenciadas por esses jovens, entendidas como vivência
precária do emprego e do trabalho, que compreendem “trabalho doméstico, eventual,
temporário, parcial, oculto ou ilegal, pluriemprego, formas múltiplas de desenrascanço a que a
1
Expressão de Mao Tsé Tung citada por Slavoj Zizek em seu livro “Vivendo nos fins dos tempos”
(2012) ao afirmar que, podemos distinguir os cinco padrões no modo como nossa consciência social trata o
apocalipse vindouro. “A primeira reação é a negação ideológica de qualquer ‘desordem sob o céu’; a segunda
aparece nas explosões de raiva contra as injustiças da nova ordem mundial; seguem-se tentativas de barganhar
(‘Se mudarmos aqui e ali, a vida talvez possa continuar como antes...’); quando a barganha fracassa, instalam-se
a depressão e o afastamento; finalmente, depois de passar pelo ponto zero, não vemos mais as coisas como
ameaças, mas como uma oportunidade de recomeçar. Ou, como Mao Tsé-Tung coloca: ‘Há uma grande
desordem sob o céu, a situação é excelente’”.
2
Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora da Universidade
Estadual do Ceará (UVA) e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Culturas Juvenis (GEPCJU)
3
Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Pesquisadora do Grupo
de Estudos e Pesquisas sobre Culturas Juvenis (GEPCJU)
linguagem comum se refere com as sugestivas expressões de ganchos, tachos, e biscates”
(MACHADO PAIS, 2001, p. 7).
O autor propõe uma nova reflexão sociológica em torno dos percursos profissionais
dos jovens abordando uma nova concepção de sociologia – A Sociologia da Pós-linearidade.
A análise linear desenvolve interpretações que abordam o presente e o futuro de forma
homogênea, parecendo haver uma necessidade implícita de analisar as descontinuidades
através das continuidades.
Para as relações que se pretendeu estabelecer aqui, foi dado ênfase ao diálogo com
Machado Pais, evocando, por algumas vezes, aproximações com a sociologia da Póslinearidade e com outros autores que tratam da análise crítica do que Giovanni Alves (2012)
vem denominando de “enigma do precariado e a nova temporalidade histórica do capital”.
O substrato empírico que motivou a busca da compreensão dos caminhos
investigativos, que tomam o cotidiano como alavanca para o conhecimento da realidade,
ancoram-se na pesquisa sob o título “Trajetórias juvenis face aos desafios do mundo do
trabalho: experiências sociais e interpretações individuais de jovens sobralenses que buscam
o primeiro emprego”, da autora deste artigo.
O foco de análise da referida investigação centrou-se na questão da juventude das
periferias da vida da cidade de Sobral-Ceará, prováveis trabalhadores precários, que em seu
cotidiano, constroem trajetórias, nem sempre lineares, quando enfrentam os desafios do
mundo do trabalho, especialmente quando buscam o primeiro emprego. Considerando seus
percursos de inserção no mundo do trabalho, das mais diversas formas, seja pela via das
políticas públicas, seja como “arranjos”, que vêm construindo em nome de um futuro melhor.
Os caminhos investigativos transitaram pelos pressupostos da pesquisa qualitativa,
tomando as trajetórias dos jovens e suas experiências pessoais como perspectiva
metodológica e agregando as análises sobre a questão do novo precariado, que é produzida e
reproduzida numa lógica perversa capitalista de deterioração do indivíduo encarnado no
“homo precarius”, que segundo Alves (2012), enquanto “sujeitos monetários” tem aderido a si
o fetiche da mercadoria com toda sua carga de intransparência social.
2 JUVENTUDE E TRABALHO: trânsitos pelas “periferias da vida” e pelo mundo do
trabalho
Ao se falar em juventude e trabalho, inúmeros estudos apontam para um quadro de
complexos dilemas e contradições, que tornaram a compreensão de seu imaginário coletivo
um verdadeiro desafio. Para Jessé Souza (2006), este sempre foi um motivo para reflexão nas
ciências sociais.
Daí, minha inquietação nesse artigo é com uma questão específica no mundo do
trabalho contemporâneo: a análise da atual situação do jovem no mercado de trabalho
brasileiro, remetendo um olhar mais específico para a realidade de Sobral-CE, onde
desenvolvo uma pesquisa intitulada “Trajetórias juvenis face aos desafios do mundo do
trabalho: experiências sociais e interpretações individuais de jovens sobralenses que buscam
o primeiro emprego”. Se há constrangimentos no ingresso e progresso do jovem no interior do
mercado de trabalho, o agravamento da condição juvenil aparece como inexorável
reproduzido pela decadência educacional e pela degradação social.
Nesse sentido, o presente artigo traz à reflexão a questão da juventude face ao mundo
do trabalho na sociedade contemporânea, tendo como eixo analítico a qualificação
profissional, enquanto condição inicial para a busca do primeiro emprego.
O objetivo desse artigo se limita a esclarecer o ponto de vista epistemológico que
conduzirá à análise acerca da discussão juventude e trabalho no capitalismo contemporâneo (e
seus dilemas), à luz dos dados quantitativos presentes nas análises de alguns autores que
tratam da questão do desemprego juvenil e da condição do “precariado”
4
na nova
temporalidade histórica do capital.
Nos limites desse artigo, tomar-se-á como recorte dessa temática, a reflexão da
condição de proletariedade da juventude brasileira, que constroem trajetórias pelo mundo do
trabalho, sendo estas ladrilhadas por percursos (in)certos
e (in)definidos. Daí, adotar a
compreensão dos sociólogos da juventude, que adjetivam as transições dos jovens para a vida
adulta, de modo a acentuarem a sua vulnerabilidade e imprevisibilidade (MACHADO PAIS,
2001).
Em seu livro “Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro”, José Machado
Pais (2001) traz uma contribuição aos estudos qualitativos sobre a juventude, apresentando
uma metodologia formada por entrevistas profundas e etnografias detalhadas em um cenário
de largo alcance temático e precisão analítica.
Machado Pais adentra a complexidade do trabalho precário na população jovem, em
um estudo qualitativo, no qual a rastreia em seus caminhos de redes simbólicas e
“transjetivas”. O autor dá-nos conta de como, segundo ele, a Sociologia deve encarar a
realidade que analisa e retrata. De acordo com o autor “não é mais possível que se encare o
4
Expressão utilizada por Giovanni Alves para referir a uma camada social da classe do proletariado
tardio. Para o autor, trata-se de uma camada social e não não uma classe social (2012)
tratamento da realidade juvenil segundo uma visão linear”. No desafio de biografar jovens na
contemporaneidade, depara-se com o avesso das histórias de vida, do tipo “nasceu, frequentou
a escola, chegou à universidade, publicou sua primeira obra”, ou, pelo contrário, “nasceu
pobre, desde cedo entrou para as drogas e o crime”.
Na concepção do autor, é perigoso falar em inclusão em uma sociedade que exclui.
Neste aspecto, a realidade é, ao mesmo, tempo sombria e animadora; sombria pela presença
constante da ineficácia da Escola em produzir perspectivas, na precariedade e perversidade
das relações de trabalho e emprego. O fio de esperança parece justamente refletido na grande
energia inventiva dos jovens em batalhar por ideais que quase sempre são incertos ou
inexistentes, ou na luta pela própria sobrevivência.
Quais esperanças e expectativas movem os jovens na contemporaneidade? Quais
planos traçam para seu futuro? Se há um horizonte promissor, quais meios e caminhos traçam
para suas vidas?
Em entrevistas realizadas pela autora, no final de 2011, com jovens sobralenses 5, que
participam do Projeto Primeiro Passo6, ao serem indagados sobre seus planos para futuro, no
que diz respeito à família, escola e ao trabalho, assim responderam:
“Estudar muito e ter uma boa formação, para que os meus filhos e pais se orgulhem
de mim” (J1)7
“Ter um bom emprego, fazer faculdade e exercer no mercado de trabalho” (J2)
“conseguir um bom futuro para mim, é dar algo de melhor para minha família e
sempre ter a harmonia que tenho com minha família e comigo mesmo. […] para
meu futuro quero me formar na área de enfermagem” (J3)
“pretendo terminar os estudos, me formar e ter uma vida bem sucedida” (J4)
“não sei” (J5)
Entre expectativas e incertezas, esses jovens sobralenses creditam no futuro a
realização de sonhos, manifestos no emprego e na formação profissional, já que vivenciam no
5
Projeto de pesquisa “Trajetórias juvenis face aos desafios do mundo do trabalho: experiências
sociais e interpretações individuais de jovens sobralenses que buscam o primeiro emprego”, realizado pela autora
desse artigo, desde abril de 2011.
6
PROJETO PRIMEIRO PASSO é uma inciativa do Governo do Estado do Ceará, que se propõe criar
oportunidades voltadas à cidadania, a inclusão social e profissional, proporcionando o aprendizado prático e
experiências que possibilitam o crescimento profissional e pessoal dos jovens de comunidades vulneráveis, entre
16 e 22 anos, que estão cursando o Ensino Fundamental II, Educação Especial, Ensino Médio ou que tenha
concluído o Ensino Médio na tentativa de promover uma melhoria na qualidade de vida do publico focalizado.
De acordo com a idade e nível escolar, o jovem será oportunizado em uma das três linhas de ação: Jovem
Aprendiz, Jovem Estagiário e Jovem Bolsista para conquistar sua primeira oportunidade no mercado de trabalho
(http://www.stds.ce.gov.br/index.php/projetos/63-projetos/282-pimeiro-passo )
7
Utilizo as sigla J1, J2, J3, J4, J5, para preservar a identidade dos jovens entrevistados. Importante
ressaltar que selecionei apenas cinco entrevistas e algumas respostas desses jovens, como amostra para conduzir
as reflexões contidas nesse artigo.
presente um emaranhado de desventuras, exclusões e impedimentos, o que inviabiliza a
constituição de uma cidadania ativa.
No Brasil, temos de 6 a 7 jovens na faixa de 15 a 24 anos no mercado disputando uma
vaga. São justamente os jovens filhos de pobres, porque os filhos de ricos, em geral, só
ingressam no mercado de trabalho depois dos 25 anos, já concluído o Ensino Superior. Frente
a essa realidade torna-se fundamental se ter grandes programas de bolsas de estudo, em escala
nacional, para que o jovem se insira no mercado de trabalho mais tardiamente e melhor
preparado.
Para Alves não se trata apenas de um problema social – os vínculos laborais precários,
baixos salários, falta de direitos laborais – mas sim de um problema existencial que corrói a
individualidade pessoal. “Na verdade, a precariedade interdita a vida pessoal do sujeito de
classe” (2012, p. 8), afirma o autor.
Para os trabalhadores jovens-adultos escolarizados ou não, que não conseguem se
inserir na cidadania salarial construída pelo Estado de Bem-estar social, o principal problema
da precariedade é esse futuro incerto, nos dizeres de Alves, um “futuro hipotecado”. Esta
percepção de futuro hipotecado é um traço recorrente no discurso de indignação de jovens/
adultos que construíram sua individualidade pessoal de classe baseada na perspectiva da
carreira e perspectiva de consumo.
Jessé Souza (2006), em sua obra “A invisibilidade da desigualdade brasileira”,
problematiza
a
questão
da
condição
psicossocial
dos
trabalhadores
socialmente
desqualificados na modernidade periférica, contextualizando tal questão em um universo de
intersubjetividade moral e simbólica que naturaliza e perpetua sua condição objetiva precária.
Para ele, esta perspectiva tem como pressuposto central o fato de que as relações
intersubjetivas modernas são estruturadas por uma hierarquia moral pré-reflexiva do trabalho
que naturaliza e reproduz situações objetivas de desigualdade social.
No texto organizado por Fabrício Maciel “Todo trabalho é digno? Um ensaio sobre
moralidade e reconhecimento na modernidade periférica” (2006), o autor apresenta uma
questão específica no mundo do trabalho contemporâneo, que diz respeito a condição
psicossocial de trabalhadores socialmente desqualificados
na modernidade periférica,
contextualizados em um universo de intersubjetividade moral e simbólica que naturaliza e
perpetua sua condição objetiva precária. Esta perspectiva tem como pressuposto central o fato
de que as relações intersubjetivas modernas são estruturadas por uma hierarquia moral préreflexiva do trabalho que naturaliza e reproduz situações objetivas de desigualdade social.
Segundo o autor, os estudos sobre a desigualdade atualmente têm se dividido em
torno das temáticas do trabalho e da exclusão como meios para uma explicação cabal da
pobreza material de milhões de pessoas no mundo inteiro. Para ele, os estudos de autores
consagrados na temática do trabalho no Brasil também não conseguem avançar de suas
interpretações materialistas, que muitas vezes são reafirmação assumida da posição marxista,
com o objetivo claro de intervenção política na realidade, o que relega a explicação
sociológica a segundo plano. Conforme o autor, estes trabalhos se limitam a descrever a forma
como a miséria se agravou a partir da queda do Welfare State na Europa e com o processo de
reestruturação produtiva que afetou especialmente a América Latina.
O mesmo autor ao buscar entender a divisão do trabalho na vida moderna e,
conseqüentemente, os efeitos causados por ela nos indivíduos, se ampara aos estudos de
Cunha e Torres (2004), que por sua vez recorrem a Norbert Elias. Este mostrou que na
modernidade o trabalho deixou de ser uma atividade vil e passou a ser gerador de dignidade e
reconhecimento social, causando assim o surgimento de uma moral única e válida para todos.
Os referidos autores entenderam que se filiar ao mercado de trabalho coloca-se como
regra universal na busca pelo que Taylor ( 2005) chamou de “dignidade”. Isso ajuda a explicar
por que a dimensão econômica da realidade social não determina, sozinha, a configuração das
relações sociais. Afirmam que é preciso entender que o conjunto de valores que se
institucionalizou na modernidade nos diz o tempo todo que qualquer forma de
reconhecimento pessoal, e conseqüentemente dignidade e auto-estima, só é possível quando
conseguimos provar nossa utilidade prática na sociedade de mercado (MACIEL, 2004).
Ao analisar a tríade trabalho, identidade e cidadania, Fabrício Maciel afirma que um
desafio para a identidade moderna é derivado da lógica de isolamento dos indivíduos
modernos acirrada ainda mais pela ideologia da flexibilidade do capitalismo contemporâneo.
Diz ser essa uma reflexão empreendida por Richard Sennett em seu livro “A corrosão do
caráter” (2000). Para Sennett o caráter dos indivíduos modernos, o que significa sua
individualidade subjetiva, é corroído pelo fato de que a flexibilidade não permite a fixação em
um emprego e em decorrência a identificação com uma carreira e projetos sólidos e estáveis,
o que é indispensável para a identidade individual moderna. Prossegue afirmando que a
relação individual com as ocupações é sempre superficial, o que causa uma dificuldade
cognitiva de apego a qualquer projeto coletivo.
Essa expectativa baseada na obtenção do diploma de curso superior, para construção
de carreira profissional a partir de emprego estável, passa a ser uma “miragem” na sociedade
contemporânea. Essa esperança é presente na fala dos jovens sobralenses entrevistados ao
afirmarem, quando falaram sobre escolarização e perspectiva de futuro, assim responderam
Iniciei aos 5 anos de idade, quero um futuro bem melhor tendo um bom emprego”
(J2)
Comecei a estudar acho que tinha uns 8 anos de idade e sempre procurei dar o
melhor de mim, nunca fiquei reprovado e pretendo ir bem mais além, pretendo me
formar e ser um bom profissional. (J4)
Nos últimos “trinta anos perversos” de capitalismo global, sob a nova temporalidade
histórica do capital (ALVES, 2012), ocorreu a troca espúria dos sonhos coletivos e utopias
sociais que caracterizaram o movimento juvenil da contracultura nos anos 1960 no período de
crise do fordismo-taylorismo, pelas utopias pessoais, expectativas e “valores-fetiches”8 de
mercado disseminados pela ordem burguesa neoliberal. Nos locais de trabalho, a ideologia do
taylorismo-fordismo deu lugar ao espírito do toyotismo como nova implicação subjetiva da
manipulação do capital.
Nas condições do capitalismo global, a garantia do emprego interverteu-se na
mera empregabilidade. A palavra de ordem no mundo neoliberal é competitividade. É pela
concorrência no mercado que o homem burguês tardio, como autoempreendedor, se afirma
como individualidade pessoal de classe.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na pesquisa Juventude e Trabalho, sobre jovens, suas trajetórias de vida e horizontes
de futuro, presente, em curso na cidade de Sobral (LINHARES, 2011), evidenciou-se que o
trabalho é tido mais como uma “oportunidade” do que “escolha pessoal”, além do que tem
como objetivo primeiro contribuir para as despesas da família e as pessoais. Quando se trata
de despesas pessoais os jovens referem aos desejos de consumo que pretendem adquirir, em
especial quando pensam num futuro promissor, idealizado a partir da possibilidade de adquirir
bens de consumo, que os tornem participantes ativos da sociedade salarial.
Referida pesquisa com jovens, com idade entre 15-24 anos, investiga as suas
inquietações de vida, seus tempos de incerteza, tensões que emergem quando o presente se
8
Segundo Alves (2012, p. 5) o plano contingente, o precariado possui afinidades eletivas com a nova
ordem do capitalismo manipulatório. Diante das rupturas (ou rachaduras) do metabolismo social da ordem
burguesa tardia, surgem novos mecanismos de manipulação e reposição de “experiências expectantes” e valoresfetiches capazes de permitir a reprodução do capital em escala global. Ora, a crise de reprodução social é
momento histórico de afirmação de novos valores-fetiches, sonhos e expectativas de mercado capazes de
resignificar o controle estranhado do metabolismo social do capital. Deste modo, sob o capitalismo
manipulatório com sua “sociedade em rede”, dissemina, numa proporção inaudita na história humana, o tráfico
de sonhos e expectativas de mercados capazes de criar um novo horizonte de realização pessoal estranhado.
confronta com o futuro, em situações de impasse e de ameaças de desemprego. As
dificuldades de emprego e as necessidades de sobrevivência explicam porque os jovens
procuram recorrer aos mais diversos expedientes, aproveitando trabalhos precários arranjando
dinheiro nos limites do legal e do ilegal, do legítimo e do ilegítimo, do formal e do informal,
situação essa reforçada pela baixa escolarização e pelas ocupações precárias, quando
encontram, que são justificadas tanto por essa condição, como pela baixa qualificação 9 para o
mundo do trabalho.
Para a presidenta do Conselho Nacional de Juventude, Regina Novaes o “casamento
entre educação e trabalho”, no Brasil, “vai mal”. Se de um lado há jovens fora do mercado de
trabalho porque não estão capacitados, estão fora da escola ou atrasados, de outro, existem
jovens que chegam à universidade e também não conseguem se inserir. A incerteza, portanto,
está muito mais presente, o que exige tanto novas formas de educação como mecanismos de
inserção no mercado de trabalho.
O objeto circunscrito na proposta da pesquisa, em curso, remete à discussão
contemporânea da crise do trabalho e a inserção de jovens no contexto da “(des)
institucionalização” do sistema de educação profissional para formação de jovens
trabalhadores em nível técnico, em função das novas exigências do mercado, relacionando o
acesso ou não ao primeiro emprego à qualificação ou desqualificação do trabalhador.
As análises apontam que o agravamento do desemprego é um fenômeno que compõe a
atual etapa de acumulação capitalista, não sendo uma decorrência direta da qualificação ou da
desqualificação do trabalhador. Entende-se que a concepção de qualificação, hoje vigente
assume uma dimensão ideológica de configurar-se como condição de possibilidade de
trabalho, desviando o eixo das determinações estruturais do desemprego e da precarização do
trabalho.
Tal concepção revela a atual configuração do Estado e das políticas públicas sociais,
de caráter neoliberal, que vêm se distanciando do ponto de vista da efetividade do discurso
difundido.
Para uma compreensão do debate acerca da qualificação e da requalificação dos jovens
e sua condicionada inserção no mundo do trabalho, impõe-se a reconstrução de cenários
político-econômico e sociocultural, relacionando processos de qualificação no Brasil a
fenômenos mais gerais e remetendo às suas determinações fundamentais.
É preciso adentrar em uma reflexão crítica acerca da reestruturação do mundo do
9
A esse repeito ver Erivã Velasco (2007)
trabalho, para ingressar naquilo que se considera o eixo central desta pesquisa: a idéia que
vem se difundindo de que o fenômeno do desemprego entre jovens pobres é conseqüência da
desqualificação técnica do trabalhador e da sua pouca ou inexistente escolarização. Tal idéia
vem justificando os altos investimentos de recursos públicos, a exemplo do programa de
inclusão de jovens, em suas diversas modalidades (PROJOVEM ADOLESCENTE,
PROJOVEM URBANO, PROJOVEM TRABALHADOR e PROJOVEM DO CAMPO),
dentre outras iniciativas e políticas públicas, cujo foco principal é a qualificação e formação
profissional.
REFERÊNCIAS
ALVES, Giovanni. O enigma do precariado e anova temporalidade histórica do capital.
Disponível em: http://boitempoeditorial.wordpress.com/2012/07/13/o-enigma-do-precariadoe-a-nova-temporalidade-historica-do-capital-parte-3/ . Acesso em 15/09/2012.
CARRETEIRO, Tereza Cristina. A doença como projeto: uma contribuição à análise de
formas de filiações e desfiliações sociais. In: Sawaia, Bader. (Org). As Artimanhas da
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GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ/SECRETARIA DO TRABALHO E
DESENVOLVIMENTO SOCIAL (STDS). Projeto Primeiro Passo. Disponível em:
(http://www.stds.ce.gov.br/index.php/projetos/63-projetos/282-pimeiro-passo). Acesso em
28/09/2012.
INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS (IPEA). PNAD 2006:
Primeiras Análises .Brasília/Rio de Janeiro: IPEA, 2007.
LINHARES. Maria Isabel S. Bezerra. “Trajetórias juvenis face aos desafios do mundo do
trabalho: experiências sociais e interpretações individuais de jovens sobralenses que buscam
o primeiro emprego” (pesquisa em andamento desde abril de 2011).
MACIEL, Fabrício. Todo trabalho é digno? Um ensaio sobre a moralidade e reconhecimento
na modernidade periférica. In: SOUSA, Jessé (0rg.). A invisibilidade da desigualdade
brasileira. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 2006.
PAIS, José Machado. Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro. Porto: AMBAR,
2001
POCHMANN, Márcio. Situação do jovem no mercado de trabalho no Brasil: um balanço
dos últimos 10 anos. São Paulo, 2007 (mimeo)
___________________. A batalha pelo primeiro emprego: a situação atual e perspectivas
do jovem no mercado de trabalho brasileiro. 2. ed. São Paulo: Publisher Brasil, 2007
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo
capitalismo. Tradução Marcos Santarrita. Rio de Janeiro, Record, 1999.
SOUSA, Jessé (0rg.). A invisibilidade da desigualdade brasileira. Belo Horizonte, MG:
Editora UFMG, 2006.
TAYLOR, Charles. As fontes do self. São Paulo: Loyola, 2005.
VELASCO, Erivã Garcia. Jovem e qualificação profissional: programas e trajetórias de
jovens em busca do primeiro emprego em Mato Grosso. Tese de doutorado em Políticas
Públicas. São Luís, MA, 2007.
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há uma grande desordem sob o céu, a situação é excelente