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A companhia “Era
uma vez... teatro”
da Associação
Portuguesa de
Paralisia Cerebral
(APPC) já tem dez
anos e um vasto
currículo de peças
encenadas.
Constituída por
actores com este
tipo de deficiência
demonstra que, ao
contrário do que se
possa pensar, os
elementos do grupo
são autênticos
profissionais. O
corpo e a forma
como o utilizam são
os principais
instrumentos para
transmitir emoções, a
que se junta a voz, a
música e os cenários.
Texto: Carla Nogueira
Fotos: APPC
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“
verdose de vida” é
uma das mais mar
cantes peças da companhia “Era uma vez... teatro” da APPC. Esta dramaturgia aborda as várias fases da
vida do nascimento à morte,
dando conta de alguns exces-
Ninguém fica indiferente ao
trabalho destes jovens, pois as
emoções mais primárias, o
riso e o choro ficam despertas
e bem presentes.
E como são feitos os ensaios? Mónica Cunha, directora
artística e também actriz, refere que tem como ponto de
partida que está a trabalhar
com adultos e que nalguns
casos há dificuldades motoras e cognitivas, tentado a
partir daí explorar as suas potencialidades. “Quando há
grupos de teatro constituídos
por pessoas com deficiência a
tendência é infantilizá-los”,
salienta. O trabalho desenvolvido por esta companhia mostra o quanto são capazes de
surpreender e de ser tão profissionais quanto os outros
grupos. Comentários como
“coitadinho” e “não é capaz”
frequentemente ouvidos por
quem é portador de deficiência, entristecem Mónica Cunha que considera que essa
Viva! Local
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Expressões corporais
sos que, por vezes, são cometidos ao longo desse percurso. Uma das personagens é
uma mãe que está com sida e
que abandona o filho. A música tem um papel fulcral na
peça, mas os movimentos
corporais ocupam igualmen-
te um lugar de destaque. Algumas das limitações são
“aproveitadas” para as coreografias que transmitem sentimentos e vivências. A palavra surge sobre a forma de
poesia e funciona como elemento de contextualização.
mentalidade deve ser alterada. O “Era uma vez” prova que
é possível fazer tanto ou mais
do que as outras pessoas, trabalhando com as limitações
existentes. “O trabalho deles
é exploratório, essencialmente de expressão. Eles têm
muitas limitações motoras.
Quando leio uma poesia, eles
interpretam-na através do
corpo”.
Viagens sensitivas
Foi em 1997 que surgiu
esta companhia teatral e des-
de esse período já foram levadas a cena mais de uma
dezena de produções, na sua
maioria adaptações de textos
de conceituados escritores
como Fernando Pessoa, Ernest Hemingway, Sophia
Mello Breyner e Mia Couto.
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Existem também textos
originais, criados por
Mónica Cunha que partindo de uma ideia, ou de
uma poesia, constrói
uma história.
A encenação passa por
um trabalho de equipa.
Os actores que dão corpo às personagens, dentro das suas limitações
vão auxiliando nesse
processo. Por vezes acontece que depois de ter
106 sido apresentada uma
peça, ela sofra ligeiras mudanças, porque são encontradas outras soluções para alguns diálogos ou personagens.
São 34 os elementos do
grupo, mas nem sempre todos participam, pois estão
divididos por várias produções realizadas ao longo do
ano. Para Mónica Cunha, há
várias peças marcantes na
história da companhia. “Sonho de um mendigo”, com
apenas seis actores em palco, contava a história de um
pedinte que adormece num
banco de jardim e sonha com
a sua infância, brincando com
os seus brinquedos e revivendo as boas memórias desse
tempo. “Fantasma da Ópera”, “Onde Foste hoje” e
“Fragmentos de um espelho”
são outros dos grandes êxitos.
O público do “Era uma vez...
” é hoje bem vasto. Se inicialmente começou pelos pais
e familiares mais próximos
dos elementos do grupo, actualmente abrange amigos de
amigos, curiosos, ou pessoas
que simplesmente gostam de
teatro.
Os convites para participarem em festivais de teatro de
pessoas com deficiência (ou
não) são uma constante, o que
leva Mónica Cunha a brincar
com os seus actores, dizendo
que “se fartam de viajar graças ao teatro”. A permuta de
experiências também é um
factor importante para o grupo. Anualmente a APPC organiza o festival Extremos (Expressão de Teatro e Música),
em que são convidadas a participar diferentes companhias
profissionais de pessoas com
deficiência.
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Era uma vez teatro