Alternativo O Estado do Maranhão - São Luís, 25 de setembro de 2014 - quinta-feira 5 Comentário Road-movie no Cerrado do Brasil Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa, do diretor brasiliense Gustavo Galvão, mostra a busca de um personagem que procura um sentido para sua vida em uma aventura solitária pelo Brasil; filme está em cartaz no Cine Lume Divulgação Davi Coelho Especial para o Alternativo O melhor efeito de ter visto Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa, filme do diretor brasiliense Gustavo Galvão, é a sensação de possibilidade que a obra inspira. É gratificante ver o Cinema Brasileiro Independente que funciona, provoca, faz pensar. E o elo de identificação chega cedo, com o protagonista Pedro (Vinicius Ferreira), um homem na altura de seus 30 e poucos anos, que tem a coragem que muitos de nós gostaríamos de ter: abandonar a rotina sufocante, o trabalho deprimente, repetitivo (e obrigatório) para sair sem o menor destino pelas estradas – talvez em busca de motivos para voltar. Lembrei daquele Na Natureza Selvagem, do Sean Penn, que traz um personagem que, embora norteado por outras filosofias, também compreende que a vida é demais para se dar ao luxo de gastá-la sem significados. Ainda que o ritmo dos filmes de estrada seja naturalmente mais acelerado, Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa se permite tomadas longas que intensificam a noção de tempo real, especialmente nas cenas com diálogos entre os protagonistas. Quando Pedro encontra Lucas (Marat Descartes, sempre ótimo), as conversas dentro do carro e fora dele tornam-se um trunfo do roteiro, que não economiza em frases ardentes como “Família é uma droga pesada... uma hora a gente tem que largar” ou “Mais cedo ou mais tarde, todo romântico se f*de”. Ainda que fique claro que Lucas está tão perdido Os atores Marat Descartes e Vinicius Ferreira em cena do filme Serviço • O quê Uma Dose violenta de Qualquer Coisa, de Gustavo Galvão • Onde Cine Lume (Renascença) • Sessão 19h20 quanto Pedro, ele de alguma forma sabe que pertence àquele cenário. Há uma cena em que o personagem dá voltas de carro num posto de gasolina abandonado, enquanto Pedro assiste de fora, parado; metáfora visual perfeita para a condição do primeiro, que anda em círculos, e do segundo, estagnado em suas próprias aspirações. Destaque - A Direção de Arte de Valéria Verba fez um acordo certeiro com a aridez das locações do Cerrado, valorizadas pelos planos abertos que exploram a sensação de vazio e desolação – reflexo direto da alma dos personagens. De volta a Brasília, Bia (Maria Manoella) tenta encontrar pistas que expliquem o sumiço do irmão – ali o filme dá lugar a tons claros, oferecendo um contraste preciso entre a realidade poeirenta de horizonte aberto das estradas e os cubículos claustrofóbicos do trabalho e de casa. Além disso, a trilha sonora incômoda assinada por Ivo Perelman chama atenção de imediato, já que também dialoga fortemente com o sentimento de inadequação presente ao longo de toda a narrativa. Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa é um filme cáustico e seco com nuances de Cinema Marginal e literatura beatnik, que também sabe divertir na medida. Mas que, principalmente, oferece ao espectador tempo para refletir, junto com seus personagens, sobre o sentido da própria existência, entre cigarros e mais alguns goles de cerveja.