Avaliação da redação – Professor 1
Uma análise apurada da redação feita pela estudante Bianca Peixoto Pinheiro Lucena no Enem 2011 aponta para um
erro grave na atribuição da nota.
Para perceber isso, basta verificar a enorme discrepância na nota atribuída pelos dois primeiros avaliadores: 800 e 000.
Embora bastante questionável, a nota 800 ao menos demonstra o resultado de uma avaliação real, realizada por um
corretor do exame. A nota 000, por sua vez, evidencia uma falha grave, na medida em que nenhum corretor, mesmo
desatento ou destreinado, pode argumentar a favor de uma anulação de um texto em que há uma clara adequação ao
tipo de texto exigido (dissertação) e ao tema proposto (“Viver em rede no século XXI: o limite entre o público e o
privado”).
De fato, pelos anos de trabalho com avaliação de redações de ensino médio e cursos preparatórios para vestibulares e
Enem, pela experiência como corretor do Enem em 2009 e pela participação no treinamento realizado pela banca de
correção desse exame no mesmo ano, posso afirmar com absoluta convicção que não há qualquer embasamento para a
nota 000. Além de a redação ser obviamente adequada, vale lembrar que existe uma orientação da própria banca de
correção para que os corretores atribuam nota mínima apenas a textos que sequer tangenciem a discussão proposta e o
tipo de texto, o que ocorre somente em casos considerados “absurdos”.
Nesse caso, minha hipótese é a de que o resultado do “avaliador 2” não tenha sido fruto de uma correção mal feita, e
sim de um erro no sistema. Nesse caso, a necessidade de revisão torna-se inquestionável.
A atuação de um “avaliador final”, que supostamente resolveria o problema, não invalida essa necessidade, pois o
resultado acabou por criar um novo erro e uma nova injustiça. A nota 440 está longe de reproduzir o nível de exigência
da correção do Enem (ou de qualquer banca de vestibulares), especialmente ao se considerar que a média histórica das
notas de redação desse exame gira em torno de 600. Qualquer professor com o mínimo de experiência – ou mesmo
qualquer cidadão crítico – concordará que o texto da aluna Bianca Peixoto Pinheiro Lucena apresenta qualidades muito
superiores à média nacional, ainda mais em um país em que ano a ano se evidencia a precariedade da educação.
Para perceber isso, basta analisar a redação em cada uma das cinco competências:
- COMPETÊNCIA I (NORMA CULTA): A redação demonstra muito bom domínio da norma culta, sem nenhuma falha
grave de modalidade escrita. Com adequação de questões como grafia, concordância, regência, pontuação e
acentuação, por exemplo, não há justificativa para a subtração de pontos. Nesse caso, tampouco há um
questionamento dos próprios avaliadores, na medida em que todos, à exceção do “avaliador 2” atribuíram nota máxima
a essa competência. NOTA SUGERIDA: 200
- COMPETÊNCIA II (COMPREENSÃO DA PROPOSTA DE REDAÇÃO): O texto aborda o tema corretamente, como fica
evidente inicialmente pela apresentação de uma “tese” (a frase final do parágrafo de introdução): “Nessa perspectiva, o
indivíduo do século XXI, mergulhado na era da internet, encontra dificuldades para delimitar a sua privacidade e a sua
vida pública, seja pela eficiência da globalização ou pela lógica individualista”. A expressão “o indivíduo do século XXI,
mergulhado na era da internet” aponta para uma óbvia adequação da discussão ao trecho “viver em rede no século XXI”,
presente no tema. Igualmente, o fragmento “encontra dificuldades para delimitar sua privacidade e sua vida pública”
atende à segunda parte do tema: “os limites entre o público e o privado”. Mais do que isso: a sugestão de que há
“dificuldades” a esse respeito direciona o tratamento que será dado ao tema, inclusive com a antecipação dos prismas
que serão avaliados nos dois parágrafos de desenvolvimento: a influência da globalização e a presença de uma lógica
individualista.
No que diz respeito ao respeito aos padrões dissertativos, da mesma maneira, a redação é perfeitamente adequada em
todos os aspectos: um claro teor argumentativo, com a apresentação de opiniões, análises e justificativas de base
principalmente indutiva; uma estrutura pertinente, com uma divisão coerente, funcional e regular dos parágrafos de
introdução, desenvolvimento e conclusão; e a linguagem impessoal e objetiva típica das dissertações. NOTA SUGERIDA:
200
- COMPETÊNCIA III (SELEÇÃO/ORGANIZAÇÃO DE ARGUMENTOS): A dissertação apresenta argumentos pertinentes ao
tema, coerentes interna e externamente. Embora não surpreenda pela originalidade, é uma argumentação clara,
organizada e eficiente. Após apresentar seu direcionamento na introdução, o texto analisa estrategicamente, nos dois
primeiros parágrafos de desenvolvimento, duas causas da dificuldade do homem contemporâneo na separação entre o
público e o privado. Trata-se de uma estratégia eficaz, na medida em que se demonstra a compreensão do problema e
se dá sentido à necessária proposta de intervenções, uma exigência da competência 5, posteriormente cumprida. O
terceiro parágrafo de desenvolvimento, de modo orgânico, avalia as conseqüências do fenômeno discutido, a partir das
causas identificadas, e introduz os primeiros meios de reduzir o problema. NOTA SUGERIDA: 160 - 200
- COMPETÊNCIA IV (CONSTRUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO): Trata-se de uma redação formalmente correta, com frases
sintaticamente bem construídas, com períodos de tamanho adequado, que facilitam a compreensão e permitem a
fluência do texto. Além disso, faz bom uso dos recursos coesivos, sem ambiguidades e com emprego diversificado de
conectivos. NOTA SUGERIDA: 200
- COMPETÊNCIA V (PROPOSTA DE INTERVENÇÃO): Após avaliar causas e consequências da dificuldade que o homem do
século XXI demonstra para delimitar público e privado, o texto sugere mecanismos para que esse problema seja
resolvido ou, ao menos, amenizado. De maneira breve, talvez devido à limitação de linhas, são identificados os possíveis
papéis de cinco agentes: governo, ONGs, mídia, escola e família. Em todos os casos, o foco das propostas de intervenção
recai sobre a questão da conscientização. Embora pareça genérico, trata-se de uma escolha em sintonia com a
abordagem apresentada, já que, em última instância, o indivíduo muitas vezes opta por ter sua intimidade exposta em
redes de diversas naturezas. NOTA SUGERIDA: 160 - 200
Além de atender objetivamente às competências do Enem, a redação apresenta qualidades diferenciadas e incomuns
no cenário nacional de ensino. Devem ser destacadas, nessa perspectiva, as referências históricas, culturais e
interdisciplinares presentes de modo circular na introdução, na conclusão e no título.
Por tudo isso, uma nota certamente mais adequada às exigências da correção do Enem ficaria entre 920 e 1000.
Rafael Pinna Sousa
(Professor e coordenador de Redação do colégio e curso _A_Z e do Pré-vestibular Social do Cederj, mestre em
Linguística pela PUC-RJ e corretor do Enem em 2009)
Avaliação da redação – Professor 2
Análise da redação da aluna Bianca Peixoto Pinheiro Lucena
Desde o ano de 2010 venho acompanhando por meio de aulas particulares o desenvolvimento das redações da
referida aluna. Bianca que sempre apresentou notas acima de 7,5, não só em redação, mas em boa parte das
disciplinas do currículo da educação básica não poderia ser, agora, avaliada com uma nota 440.00 na Prova de
Redação do Exame Nacional do Ensino Médio. Suas médias nas outras disciplinas avaliadas pelo exame foram
satisfatórias, porém AA nota de redação foi inconsistente com o desempenho que sempre apresentou. Além
disso, a nota 440.00 inviabiliza sua concorrência a vaga ao curso de medicina em universidades públicas
federais de todo o Brasil.
É fato que desde 2008, quando optou pela carreira de medicina, orientou-se pelos programas e provas do
ENEM para estudar e por tal motivo conseguiu desenvolver uma escrita que atendesse ao que solicita a prova.
Logo, esperava-se que sua nota fosse algo superior as médias que vinha recebendo de seus professores e/ou
avaliadores.
Ao ler o arquivo solicitado pela candidata por meio judicial e prontamente enviado pelo INEP, pude verificar
inconsistências quanto à avaliação feita pelos três professores.
A redação apresentada pela estudante à banca do INEP é, em minha avaliação, muito boa e trata o tema
sugerido de maneira criativa e coerente com tudo aquilo que é solicitado pelo ENEM. Não se feriram os Diretos
Humanos, não houve falhas quanto à Norma Culta, não ocorreram construções frasais ou de parágrafos que
deponham contra a coesão e coerência macro e micro textuais. A proposta de intervenção, que é a grande chave
para a redação, encontra-se bem apresentada nos quarto e quinto parágrafos. Logo uma avaliação que dê ao
texto da aluna apenas 440.00 torna-se uma avaliação equivocada.
Competência I
A Norma Culta da Língua figura-se atualmente nas avaliações de redações e textos em geral como recurso
importante para a boa leitura dos mesmos. Além de mostrar que o autor do texto domina bem as regras da
gramática tradicional, também nos diz que esse aluno/candidato/autor deseja que seu texto seja profundamente
compreendido, visto que o uso da variante culta traz ao texto maior clareza. É claro para todo aquele que deseja
redigir um bom texto que os recursos de coesão e coerência estão ligados a questão do uso da norma. A
avaliação da competência fez-se nesse caso correta, de acordo com o esperado pela candidata, logo não há
questionamento a ser feito em relação este.
Nota mantida: 200.00
Competência II
A redação da aluna atende perfeitamente ao tema solicitado pela banca do concurso: VIVER EM REDE NO
SÉCULO XXI: OS LIMITES ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO, não sendo, portanto permitido que a ela
seja dada uma nota baixa no critério ao qual se refere ao tema.
Quando a estudante busca na disciplina Literatura o estilo de época Barroco para construir sua tese, versando
sobre o conceito de dualidade proposto por esta escola literária em que as contradições eram comuns faz seu
primeiro eixo interdisciplinar, conectando essa idéia ao conceito de globalização, aqui extraído da geografia.
Isso promove uma releitura da realidade atual, que segundo ela, vive um conflito por ocasião da perda da noção
dos espaço público e privado na grande rede. Assim pode-se perceber que a fuga total ao tema defendida pelo
avaliador 2 (dois) não é possível, bem como considerar a abordagem feita pela candidata como parcial.
Portanto, percebe-se que há uma falha na construção da nota da candidata que pode ter ocorrido por uma falha
do avaliador do texto, que entendeu a abordagem de forma equivocada ou ainda uma falha de ordem técnica na
colocação da nota do avaliador no sistema. Defendo que pela abordagem feita à candidata obtenha pontuação
adequada, isto é, 180,00 pontos.
Competência III
Nesta competência foi dada por um avaliador a nota 160.00 e por outro a nota 0.00, ou seja, duas pessoas viram
a Seleção/Organização de Argumento de maneira diferente, contudo isso sinaliza para um grave problema, pois
diante disso somente dois avaliadores puderam olhar os argumentos utilizados pela aluna, visto que o avaliador
de nº2 zerou a redação por fuga ao tema e, portanto, não pôde analisar esta competência. De um ponto vista
técnico da redação não há nenhum problema na construção e/ou seleção argumentativa apresentada. As
estratégias que a prova do ENEM solicita aos candidatos, por exemplo, usar conhecimentos adquiridos ao longo
de sua formação escolar e apresentar senso crítico, além da voz de autoria estão presentes em todo o texto,
assim avaliar a competência com a nota zero como fez o avaliador final é uma grande falha. Logo, sugere-se
uma revisão da nota atribuída para um valor acima de 160.00 pontos, a fim de dar-lhe a pontuação que penso
ser adequada, 180.00.
Competência IV
Esta competência tem por objetivo analisar as construções frasais e as conexões feitas pelo candidato por meio
dos recursos de coesão e coerência. Nesta perspectiva é fato que pela leitura do texto não se percebe nenhuma
falha ou conjunto de falhas que possam depor contra o texto. Logo a avaliação pela banca, conferindo a redação
160.00 na referida competência torna-se coerente, porém, por não apresentar problemas em relação aos
aspectos da construção textual, acredito que seja mais coerente com o que foi mostrado pela candidata por meio
de seu texto uma revisão da nota a fim de fazê-la ser um valor maior que somente 160.00.
Nota Sugerida: 200.00
Competência V
De todas as competências exigidas na redação, acredito que a proposta de intervenção seja a mais importante,
visto que nela o candidato mostrar-se-á como um verdadeiro agente de transformação do meio social.
Apresentar aspectos como valorização da cidadania, inclusão social por meio de ações que visem à inserção de
todos os cidadãos de maneira igualitária e a difusão da educação são fatores essenciais para construção da
proposta. As propostas defendidas pela aluna em seu texto atendem a todos esses critérios, que a meu ver são
essenciais para a compreensão global do tema da prova. Logo para que um candidato receba a nota 40.00 nessa
competência, este deve ter simplesmente citado algo que não tenha uma boa conexão com o tema. Defender a
atuação de agentes transformadores com soluções a curto prazo, a união entre o governo e a sociedade para
campanhas de conscientização da própria sociedade sobre a necessidade se ter limites na rede e unir escola e
família para sedimentação desses limites, parecem-me propostas que tenham tudo o que é exigido pela banca.
Assim, há real necessidade de se alterar a nota atribuída a competência para algo acima dos 160.00 pontos, ou
seja, 200,00.
Nota final sugerida: entre 900 e 1000.00
Conclusão do Parecer:
Pede-se a Banca do ENEM que reavalie a redação da aluna Bianca Peixoto Pinheiro Lucena a fim de que se
possa dar à candidata a chance de concorrer a uma vaga ao curso de medicina em nossas universidades federais.
Não se deseja aqui simplesmente questionar o trabalho já feito por três avaliadores, mas necessita-se exigir uma
reavaliação para ser atribuída uma nota que seja condizente com aquilo que foi desenvolvimento pela estudante
em seu texto. Saber-se que o trabalho feito pelo MEC para inserção do ENEM como meio de ingresso nas
universidades federais tem como base a inclusão social, ou seja, para que todos os candidatos ao fazerem o
exame que tem iguais e reais possibilidades de entrada. Logo, um novo olhar sobre a redação da aluna trar-lheia a chance de poder participar de todo o processo.
Prof. Luiz Herculano de Sousa Guilherme
Membro do Fórum de Ensino da Escrita (CFCH/UFRJ) desde 2009
Graduado em Letras pela UFRJ
Mestrando em Letras pela PUC- Rio
Professor do Sistema Elite Rio e da Escola Municipal Professora Amélia Araujo
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recurso - O Globo