Uma publicação do Colégio Dante Alighieri
I S S N 2 2 3 8 -2 9 3 3
Ano IV - N 4 - Novembro de 2014
o
Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante
O Brasil na
vanguarda do
combate à Aids
Dr. Jorge Elias Kalil
Filho, diretor do
Laboratório de
Imunologia do
Incor e do Instituto
Butantan, diz que
pesquisa para
desenvolver uma
vacina contra a Aids
tem potencial para
trazer o primeiro
Nobel para o país
AGRONOMIA
•Sistema de criação semiconfinado
favorece bem-estar de marrecos
e mantém produtividade
•Uso de linhaça na dieta do gado pode
melhorar a qualidade nutricional do leite
CIÊNCIAS HUMANAS
•Ações de conscientização sobre
patrimônio histórico em Icó
•Projeto ajuda meninas a lidar
com seu ciclo menstrual
MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE
•Nova membrana para absorção de
petróleo em casos de derramamento
•Sistema reaproveita água residuária
e ajuda no combate à seca
SAÚDE
•Trabalho investiga propriedade
cicatrizante de pomada de embaúba
•Molécula prostaglandina pode dificultar
ação de células que atuam contra o câncer
•Macaíba é usada como suplemento
alimentar no combate à desnutrição
•Tecido com princípio ativo do boldo
diminui alastramento de fogo
TECNOLOGIA
•Dispositivo aciona socorro
automaticamente após
acidentes automobilísticos
•Projeto desenvolve equipamentos
para detecção de radiação ionizante
+ (Expediente)
Presidente:
Dr. José de Oliveira Messina
Diretora-Geral Pedagógica:
Profª. Silvana Leporace
Comitê Científico:
Profª. Dr a. Sandra Rudella Tonidandel
Profª. Dra. Valdenice M. M. de Cerqueira
Profª. Ms. Carolina Lavini Ramos
Jornalista Responsável:
Fernando Homem de Montes
MTB 34598
Comitê Editorial
Profª. Dra. Sandra Rudella Tonidandel
Profª. Dra. Valdenice M. M. de Cerqueira
Fernando Homem de Montes
Gustavo de Oliveira Antonio
Edição e textos:
Gustavo de Oliveira Antonio
Revisão Científica:
Carolina Lavini Ramos
Desenvolvimento do Logotipo:
Thiago Xavier Mansilla Maldonado
Revisão:
Luiz Eduardo Vicentin
Projeto Gráfico:
Nelson Doy Júnior
Diagramação:
Simone Alves Machado
Contato:
Envie suas críticas e
sugestões para o email:
[email protected]
Créditos finais:
Todas as fotos, informações e depoimentos
cedidos por terceiros para publicação nesta
revista somente foram utilizados após a
expressa autorização de seus proprietários.
Agradecemos a gentileza de todas as pessoas
e empresas que, com sua colaboração,
tornaram esta produção possível.
Reprodução: Esta revista está licenciada sob as normas do Creative
Commons CC – BY – NC, que possibilita a reprodução total ou
parcial do conteúdo, desde que citadas as fontes e desde que a obra
derivada não se destine a fins comerciais.
2
Uma publicação
Alameda Jaú, 1061 – CEP 01420-003 – SP
Tel.: (11) 3179-4400 – Fax: (11) 3289-9365
www.colegiodante.com.br
email: [email protected]
[(editorial)]
[Jovens que discutem e resolvem problemas]4
C1
+ (Índice)
[(Entrevista: Jorge Kalil)]
[diretor do Laboratório de Imunologia do Incor e do Instituto
Butantan]6
[(Agronomia)]
[Uso de linhaça na dieta do gado pode melhorar a qualidade
nutricional do leite]12
[Sistema de criação semiconfinado melhora bem-estar
de marrecos-de-Pequim e mantém produtividade]16
[(Ciências Humanas)]
[Ações de conscientização sobre patrimônio
histórico em Icó ]20
[Projeto ajuda meninas a lidar com seu ciclo menstrual]24
[(Ponto de vista)1]
[Ereci Teresinha Vianna Druzzian
Feiras de ciências: um caminho mais prazeroso para a
aprendizagem]29
C2
[(Meio Ambiente & Sustentabilidade )]
[Nova membrana para absorção de petróleo em casos
de derramamento]30
[Sistema reaproveita água residuária e ajuda
no combate à seca]34
[(Saúde)]
[Macaíba é usada como suplemento alimentar no combate
à desnutrição]38
[Tecido com princípio ativo de boldo diminui alastramento
de fogo]42
[Trabalho investiga propriedade cicatrizante
de pomada de embaúba]46
[(Ponto de vista)2]
[Por Rubem Saldanha
Quando o erro e a dúvida são nossos aliados]49
C3
C4
[(Saúde)]
[Molécula prostaglandina pode dificultar ação de células
que atuam contra o câncer]50
[(Ponto de vista)3]
[Roseli de Deus Lopes
Competências essenciais para a vida e feiras de ciências]53
C5
[(Tecnologia)]
[Dispositivo aciona socorro automaticamente após
acidentes automobilísticos]54
[Projeto desenvolve equipamentos para detecção
de radiação ionizante]58
[(Ponto de vista)4]
[Victor Paolillo Neto - Inovação na educação]62
C1: Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante / C2, C3, C4 e C5: Acervo pessoal dos pesquisadores
3
+ (Editorial)
{Jovens que discutem e
resolvem problemas}
Sandra M. R. Tonidandel
Profª. Coordenadora do Departamento de Ciências da
Natureza e Biologia do Colégio Dante Alighieri e Doutora em
Ensino de Ciências pela Faculdade de Educação da USP
Valdenice Minatel
Profª. Coordenadora do Departamento de Tecnologia
Educacional do Colégio Dante Alighieri e Doutora em
Educação: Currículo – Novas Tecnologias pela PUC-SP
A
tualmente, temos ouvido muitos jovens
discutindo assuntos que dificilmente eram
tratados nas suas rodas de conversas informais:
são os graves problemas ambientais, as
doenças e as dificuldades pelas quais passa
a humanidade. Mesmo quem não mora em
São Paulo deve ter comentado as alterações
climáticas que estão acontecendo, como a
seca extrema e as altas temperaturas, em
locais onde esses fenômenos não ocorriam.
Argumentam sobre as causas para isso, como
o aquecimento global, o desmatamento
na Amazônia, o uso impróprio de área de
mananciais e a destruição dos ambientes
naturais pela poluição. Além desses assuntos,
abordam doenças como o ebola e as
possibilidades de que ocorra uma epidemia
global. A necessária e urgente produção
de vacinas, a compreensão das moléculas
envolvidas nas doenças e o desenvolvimento
da biotecnologia como área estratégica são
questões que estão nas mentes e nos desejos
desses estudantes. A grande diferença é que
os jovens estão percebendo, de modo cada
vez mais concreto, que as previsões científicas
e os dados com que os cientistas lidam podem
ameaçar a qualidade de vida deles agora e
não apenas das gerações futuras.
Alguns alunos, professores e pais perguntam o
que a escola está fazendo com relação a essas
questões sociais e ambientais mais urgentes,
ou seja, que tipo de providências está tomando
4
para tratar desses temas. Querem assim saber
o que a escola pode fazer para minimizar ou
prevenir esses (e outros tantos) problemas.
Em geral, a resposta a tais questionamentos é
que a atuação principal das escolas é propiciar
o fornecimento de informações e o incentivo
às discussões. Acreditamos que muitas fazem
isso. Outras vão além e promovem campanhas
de reuso e reciclagem de materiais, de redução
de desperdício de água, entre outras ações.
Entretanto, nós temos escolas cujos alunos
fazem ciência e constroem novas soluções,
novos conhecimentos! Ou seja, há escolas em
que os jovens podem ir além da discussão!
Identificam problemas sociais, econômicos
e ambientais de grande relevância em sua
comunidade e propõem uma resolução. Além
de entenderem a problemática atual, eles
formulam soluções criativas e inovadoras:
desenham e utilizam metodologias científicas
para a investigação das possíveis causas e
variáveis e procuram contribuir ativamente
com a solução desses e outros problemas da
nossa sociedade e de nosso ambiente. Ou
seja, nas escolas que têm alunos trabalhando
com projetos de pré-iniciação científica,
pode-se verificar que eles avançam no uso da
ciência e da tecnologia para a construção de
ideias viáveis para a resolução dos problemas
identificados.
, em seu quarto número,
A revista
mais uma vez mostra exemplos desses
jovens protagonistas e ativos no processo de
resolução de problemas, que vão além da
discussão das ideias!
Apresentamos pesquisas de jovens autores
que investigaram assuntos relevantes nas
mais diversas áreas. Por exemplo: a utilização
de um fruto (a macaíba) para combater
a desnutrição; a mensuração da radiação
ionizante para tratamentos com radioterapia;
a produção de uma substância a partir do
boldo para ser aplicada em tecidos a fim
de evitar o alastramento de incêndios; o
desenvolvimento de uma pomada derivada da
embaúba para fins cicatrizantes e a melhora
da qualidade nutricional do leite a partir de
uma nova dieta para o gado.
Algumas pesquisas estão focadas na ciência
básica, procurando entender alguns processos
e fenômenos químicos e biológicos, como as
moléculas envolvidas em células tumorais e os
processos bioquímicos relacionados ao câncer.
A compreensão do desempenho produtivo e
comportamental de aves criadas nos sistemas
de confinamento e de semiconfinamento
também foi tema de uma pesquisa presente
nesta edição. Na área ambiental, estudantes
do Ceará trabalharam com um projeto
que pretende promover o reuso de águas
residuárias em locais que enfrentam a seca.
Outros jovens apresentaram uma nova
membrana capaz de fazer a absorção eficiente
de petróleo em caso de derramamento no
meio ambiente.
Na área cultural/social, apresentamos jovens
que trabalharam com a conscientização sobre
a importância do patrimônio histórico. Já para
melhorar a qualidade de vida das mulheres,
duas estudantes elaboraram um projeto
que pretende auxiliar meninas a lidar com
seu próprio ciclo menstrual, ampliando seus
recursos na área de inteligência hormonal de
maneira a potencializar suas habilidades do
ponto de vista psicossocial.
Assim, a revista
traz a percepção
de que fazer ciência, muito mais do que uma
vocação, deve ser um compromisso da escola,
da educação para, de fato, tornar este mundo
mais habitável, melhor e mais justo.
Os projetos divulgados nesta edição vão além
do avanço científico – necessário e desejável
para assegurar e aprimorar as conquistas
humanas. Essas pesquisas promovem
o trabalho em equipe, a colaboração, a
necessidade de um bom planejamento, a
gestão do tempo e a primazia da ética sobre
os resultados.
Todas essas contribuições resultam em
uma formação humana e acadêmica
muito mais sólida, pertinente, aderida e
conectada ao mundo contemporâneo. E,
independentemente da carreira futura
escolhida por esses jovens pesquisadores,
– sim, porque muitos deles se descobrem
advogados, psicólogos, administradores de
empresas e, lógico, cientistas – ao longo
desse trabalho maravilhoso de construção da
ciência, ocorrerá um processo concomitante
de autoconhecimento, tão importante e
necessário para as escolhas futuras.
Para os jovens pesquisadores – e mesmo para
os não tão jovens, mas ainda muito animados
– trouxemos uma entrevista muito especial: o
médico imunologista e diretor do laboratório
de Imunologia do Incor e do Instituto Butantan,
professor doutor Jorge Kallil. Importante ícone
da ciência brasileira – ele lidera uma equipe
que vem conquistando resultados animadores
nos testes para uma vacina contra a Aids – e
incentivador de projetos de pré-iniciação
científica, ou seja, um ídolo para nossos
jovens cientistas, ele levanta a importância
do intercâmbio entre cientistas com carreira
consolidada e jovens pesquisadores.
Nós concordamos com ele e, por isso,
incentivamos essa prática no programa de
pré-iniciação científica (Cientista Aprendiz)
do Colégio Dante Alighieri. Primeiro, porque
esse contato aciona o prazer e a felicidade de
fazer ciência. Parafraseando o professor Jorge:
“quero trazer outras pessoas para ter a mesma
felicidade que eu tenho de ser cientista”; e
segundo, porque compartilhamos com ele
a opinião de que quanto mais brasileiros se
interessarem pela ciência, mais aumentarão
as nossas chances de termos um Nobel
genuinamente verde e amarelo.
Pretensão? Talvez! Sonho grande por demais?
Com certeza! Porém, é preciso pensar grande,
sempre com tenacidade, resiliência e a certeza
de que, em ciência, assim como na vida,
o sonho de uma pessoa transformado em
realidade alimenta outros novos e necessários
sonhos, em um dos ciclos mais virtuosos que
podemos imaginar.
5
+ (Entrevista)
Jorge Kalil: “Falta criar, no Brasil,
mais massa crítica e deixá-la
trabalhar com mais qualidade
durante certo tempo. Com
isso virá um prêmio Nobel”
O
Oficina Dante em Foco
professor doutor Jorge Elias Kalil Filho
é um dos principais nomes da medicina na
área de imunologia. Diretor do Laboratório
de Imunologia do Instituto do Coração (InCor)
e do Instituto Butantan, além de presidente
da IUIS (International Union of Immunology
Societies – mandato 2013-2016), ele comanda
diversas equipes de pesquisadores.
Um de seus trabalhos de maior destaque
na atualidade é uma vacina para o vírus
HIV (causador da Aids). Testada com bons
resultados em camundongos e macacos, a
vacina tem deixado o professor otimista. Tanto
é que, nesta entrevista exclusiva para a revista
, em meio a diversos assuntos, o dr.
Jorge Kalil diz que o trabalho tem potencial
para conquistar o primeiro prêmio Nobel para
o Brasil. “Se descobrirmos algo realmente
relevante, ela [a vacina] tem potencial para
ganhar o Nobel sim”, diz.
Segundo o professor, caso os próximos
experimentos planejados sejam satisfatórios,
os testes em humanos podem começar em
dois anos, tendo-se uma resposta definitiva
sobre a eficácia da vacina em até cinco anos.
“Se esses experimentos todos derem certo, eu
digo que daqui a dois anos estarei trabalhando
com humanos. E daqui a cinco anos poderei ter
6
Entrevista realizada por Francesca Bellelli,
aluna do 9º ano G do Colégio Dante Alighieri e
da oficina de jornalismo Dante em Foco.
Colaboraram os jornalistas Barbara Endo e
Gustavo Antonio e a professora Carolina Lavini
uma resposta se isso [a vacina] funciona. Mas
eu não sei os percalços que eu vou encontrar
no caminho. E essa é a beleza da ciência.”
Na entrevista, o professor ainda destaca
a importância de se desmitificar a ciência
para os jovens, além de criar, no Brasil, um
ambiente propício para a pesquisa. “Hoje em
dia, se você for olhar a lista de vencedores do
prêmio Nobel, verá que não é mais o prêmio
para um indivíduo genial, e sim para grupos
de trabalho, para uma massa crítica de gente
pensando na solução de problemas. Então,
nos falta criar mais massa crítica e deixá-la
trabalhar com mais qualidade durante certo
tempo. Nós ainda temos poucos cientistas que
tenham realmente qualidade internacional.
Precisamos amadurecer. E com isso virá um
prêmio Nobel”, diz.
Confira a entrevista a seguir:
Como surgiu o interesse do senhor pela área
científica?
Jorge Kalil Filho: Eu era estudante de medicina
e tinha muita curiosidade para saber como
as coisas funcionavam. E na medicina havia
muitas coisas que não sabíamos por que
aconteciam. Dizia-se que tudo isso tinha
um fundo imunológico, que a imunologia
Crédito: Barbara Endo/Colégio Dante Alighieri
existem métodos para a gente estudar e
iria explicar. E então eu resolvi me dedicar a
desenvolver.
conhecer a imunologia.
É oportuno falar um pouco sobre os projetos
O senhor foi um dos responsáveis por abrir
que o senhor desenvolve. Com quais ramos
as portas do Laboratório do InCor (Instituto
de pesquisa trabalha atualmente? Qual
do Coração) para a pesquisa de estudantes
pesquisa o senhor destacaria?
da escola básica – no caso, alunas do Dante.
Como foi essa experiência?
Jorge Kalil Filho: Com o passar do tempo, eu
Jorge Kalil Filho: Tem sido muito gratificante.
tenho uma coisa que, ao mesmo tempo, é
Na verdade, nós aqui no Brasil não temos o
boa e não é. Eu não tenho um só projeto, eu
hábito tanto de falar em ciência. A ciência
tenho muitos. Hoje em dia eu tenho muitos
não permeia a sociedade como ocorre nos
assistentes, muitos alunos. E dirijo duas grandes
EUA e na Europa, em que as pessoas estão
instituições (o Laboratório do Instituto do
sempre em contato com o cientista ou com
Coração e o Laboratório do Instituto Butantan).
as descobertas científicas. Para nós é muito
Na maioria dos casos, estou envolvido
gratificante fazer com que os estudantes
em projetos em que queremos modular a
venham para o laboratório ver que o indivíduo
resposta imune. Ou, mais especificamente,
que faz pesquisa não é um lobo mau, nem um
nós queremos desenvolver vacinas para evitar
nerd que nem consegue dizer “bom dia”, mas
doenças. Vacina é o ato médico mais perfeito
que é uma pessoa normal da sociedade, que
porque ele evita doenças. Normalmente, na
tem uma curiosidade enorme e um apetite
medicina, nós temos que correr atrás e curar
intelectual muito grande. Acho interessante
uma doença. A vacina é profilática, ela evita a
os estudantes entrarem aqui e verem isso,
doença. No Instituto do Coração, trabalhamos
porque, no fundo, o que eu quero é trazer
em um projeto superinteressante que é uma
outras pessoas para ter a mesma felicidade
proposta de vacina para o HIV, para evitar
que eu tenho de ser cientista.
a Aids. O vírus da Aids é muito esperto e
escapa de qualquer tentativa de controle. Nós
Quais as vantagens para um pesquisador
estamos estudando o vírus e as pessoas que
profissional em receber jovens alunos em
têm o vírus da Aids, mas não desenvolvem a
seu laboratório e manter contato com eles? E
doença – esses indivíduos têm uma resposta
quais os benefícios para os jovens estudantes
especial. E estudando esses indivíduos, nós
dessa interação?
chegamos a uma proposta de vacina que está
Jorge Kalil Filho: Profissionalmente não tenho
sendo testada em macacos com resultados
vantagem. O que eu quero é, no meu papel
excelentes depois de ter sido estudada em
dentro da sociedade, mostrar aquilo que a
roedores, em pequenos camundongos e ratos
gente faz e também explicar para os jovens
sobre o futuro do conhecimento. No século 21,
cada vez mais vamos
ter o conhecimento
como grande detentor
de riquezas. Para os
jovens, podemos despertar alguma vocação
científica, mas não
necessariamente.
O
importante é o jovem
entender como o conhecimento surge. Às
vezes, na juventude,
você acha que as coisas
simplesmente surgiram
no mundo. Então, o
jovem precisa entender
que não se sabe sobre
Dr. Jorge Kalil acredita que pesquisadores devem abrir as
muitas coisas, que elas
portas dos laboratórios para os jovens da pré-iniciação
podem ser descobertas
científica. “Quero trazer outras pessoas para ter a mesma
e que, para fazer isso,
felicidade que eu tenho de ser cientista”, diz
7
Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Colégio Dante Alighieri
Até o momento, os testes da vacina para a Aids desenvolvida por um grupo
de pesquisa do dr. Kalil têm apresentado resultados animadores
de laboratórios. Esse é um estudo ao qual
dedico muito tempo.
Sobre a vacina para a Aids, em que estágio de
desenvolvimento ela está? Como funciona? Jorge Kalil Filho: Nós primeiro fizemos o
estudo dos indivíduos que têm o vírus e
não desenvolvem a doença; ou seja, eles se
defendem contra o vírus. Depois nós isolamos
aquelas partes do vírus do HIV contra as quais
as pessoas se defendem; nós sintetizamos
essas partes isoladas in vitro no laboratório
e testamos a nossa ideia: se déssemos isso
para o roedor, como é que ele responderia?
Queríamos ver se ele produziria anticorpos,
se os glóbulos brancos dele se defenderiam
também. Dentro do grupo dos glóbulos
brancos, nós temos as células chamadas
linfócitos; dentro dos linfócitos, há linfócitos T
e linfócitos B. Quisemos ver como os linfócitos
T, que são as células que ficam infectadas,
se defendem. Vimos direitinho como os
camundongos respondiam. Depois, nós
tínhamos que ir ao animal que fosse o mais
perto [parecido] do homem e que podia ter
vírus parecidos com o HIV, que são os macacos.
Então, em experimentos que nós fizemos no
Instituto Butantan, nós imunizamos macacos
e vimos como era o tipo de resposta.
E qual a inovação dessa vacina em relação a
outras já existentes?
8
Jorge Kalil Filho: Nós sabemos que o vírus HIV
vai para os glóbulos brancos, especificamente
para as células chamadas T (linfócitos T
auxiliadores). Estes têm um marcador na
superfície na membrana de sua célula, que
é uma molécula chamada CD4, por onde o
vírus entra na célula. Quanto mais a molécula
CD4 se prolifera [ou seja, aumenta o número
de cópias], mais chances existem de o vírus
infectar a célula. Ninguém fez vacinas em
que se estimulasse uma proliferação de
CD4, porque achavam que, com isso, iriam
aumentar a [chance de] doença. Nós partimos
do pressuposto de que não aumentaria.
Pensamos que se não houver uma resposta
dessas células, não existe motivação do
sistema imune. Então, mesmo que isso possa
ser um pouquinho suicida, e que algumas
células morram, nós partimos da ideia de que
tínhamos que imunizar, mesmo que algumas
células morressem. E deu certo. Mesmo com
algumas células morrendo, muitas proliferam
e a gente tem uma ótima resposta. E é uma
resposta boa em linfócitos CD4, que são os
linfócitos que promovem toda resposta imune.
Quais os próximos passos? O senhor já tem
uma ideia de quando vão ser realizados
testes com humanos? Há alguma ideia de
quando essa vacina poderia estar disponível
para o público?
pensar, porque é pensando que a gente acha
as melhores soluções. Se for cientista, melhor
ainda, porque vai conseguir pensar a vida
toda. E a cada dia há um novo desafio, o que
é muito motivador. A motivação intelectual
traz muita felicidade na vida, porque sempre
gera um estímulo para a pessoa, pensando e
usando a própria cabeça, tentar evoluir. Coisas
que você vai descobrir e que são interessantes
para você, mas que podem também ter uma
grande repercussão social.
Até que ponto desenvolver uma vacina
inovadora relacionada a uma questão tão
importante quanto a Aids pode incentivar o
desenvolvimento da pesquisa no Brasil?
Jorge Kalil Filho: Quando a gente fala em
desenvolvimento no Brasil é muito importante
que se pense o quanto são importantes a
ciência e a inovação para resolvermos nossos
problemas. Nós não temos o hábito de fazer
isso. Sempre que temos um problema aqui
no Brasil, vamos buscar a solução lá fora. Se
a solução existir lá fora, tudo bem. Mas às
vezes não existe. Para o caso da dengue não
existe solução, bem como para o caso da
doença reumática cardíaca. Assim como não
Barbara Endo/Colégio Dante Alighieri
Jorge Kalil Filho: Essa é uma pergunta que
todo jornalista faz, mas que é superdifícil de
prever, porque eu não sei os resultados dos
experimentos que eu vou realizar. A ciência é
diferente de outros processos, como construir
uma casa. Neste último caso, você sabe as
etapas que vai fazer, então você pode dizer:
essa casa vai ficar pronta em um ano e meio,
porque já se sabe o caminho. Quando se faz
ciência, não se sabe o caminho. É como se
você tivesse olhando para o escuro tendo as
costas iluminadas, mas para frente você não
vê nada. Então, baseado no que se sabe, que
está iluminado nas suas costas, você tenta
descobrir o caminho, que é o que a gente faz.
Eu sei de experimentos que eu vou fazer. Se
esses experimentos todos derem certo, eu digo
que daqui a dois anos eu estarei trabalhando
com humanos. E daqui a cinco anos poderei
ter uma resposta se isso funciona. Mas eu
não sei os percalços que eu vou encontrar no
caminho. E essa é a beleza da ciência. Porque
se eu soubesse tudo, se fosse tudo previsto,
eu nem precisaria fazer experimentos.
A pesquisa a respeito da vacina para a Aids foi
iniciada em 2001 e ainda não se encerrou. Ou
seja, o trabalho científico exige
muita paciência e persistência. O senhor já pensou em desistir?
O que o motiva a continuar
pesquisando?
Jorge Kalil Filho: Sem dúvida que
precisa de muita persistência. Você
está sempre lutando. Algumas
vezes você perde e, em algumas,
você ganha, na medida em que
algumas vezes sua hipótese de
trabalho é vencedora, às vezes
não é. Se você perdeu aquela
partida, você entra em outra, e
em outra, e em outra. E você refaz
e recomeça. Não existe rotina e
você está pensando sempre em
novas ideias. Não é uma coisa que chega a
cansar. Às vezes você desanima um pouco
porque nos resultados ocorrem altos e baixos,
mas há sempre uma coisa nova e um estímulo
para continuar.
Nesse contexto de persistência, qual
mensagem o senhor deixaria para os jovens
pesquisadores da pré-iniciação científica?
Jorge Kalil Filho: Independentemente se
vão fazer ciência ou não, persistência é a
primeira coisa. Não dá para desistir, porque às
vezes o mundo não é tão afável quanto nós
gostaríamos. Outra coisa: nunca deixar de
Para o dr. Kalil, a ciência será mais
atrativa se conseguir despertar no aluno
a curiosidade intelectual e fazê-lo achar
interessante descobrir coisas novas
existe solução para muitos dos problemas
que nós temos e que são mais tropicais, não
aparecendo nos países mais temperados.
Então, o Brasil tem que buscar suas soluções,
porque com isso ele realmente vai crescer,
ficar independente e conseguir jogar o jogo
mundial.
E quanto ao futuro da pesquisa científica no
9
10
telefone celular, o automóvel e outras coisas
já existiam antes da Idade da Pedra. Não.
Todas essas coisas surgiram porque houve
desenvolvimento científico de que se seguiu
o desenvolvimento tecnológico. Então, se as
pessoas começarem a entender isso, verão
o interesse que existe em descobrir coisas
novas e em fazer com que elas se traduzam
em benefícios para o bem-estar das pessoas e
do próprio cientista.
Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Colégio Dante Alighieri
país? O que falta para o Brasil ganhar um
prêmio Nobel?
Jorge Kalil Filho: O que falta é nós termos
mais ciência, termos um ambiente de ciência.
A gente pensa às vezes que o prêmio Nobel é
só para um cara genial. Realmente, Einstein foi
um gênio e fez quase tudo sozinho. Mas hoje
em dia, se você for olhar a lista de vencedores
do prêmio Nobel, verá que não é mais o
prêmio para um indivíduo genial, e sim para
grupos de trabalho, para uma massa crítica de
gente pensando na solução de problemas.
Então, nos falta criar mais massa crítica
e deixá-la trabalhar com mais qualidade
durante certo tempo. Nós ainda temos
poucos cientistas que tenham realmente
qualidade internacional. Precisamos
amadurecer. E com isso virá um prêmio
Nobel.
A pesquisa sobre a vacina para Aids que o
senhor desenvolve pode ser esse trabalho
que trará um prêmio Nobel para o Brasil?
Jorge Kalil Filho: Se descobrirmos algo
realmente relevante, ela tem potencial
para ganhar o Nobel sim.
Como fazer para tornar a ciência mais
atrativa para os alunos da educação
básica?
Jorge Kalil Filho: Eu acho que a ciência
será mais atrativa se nós conseguirmos
despertar no aluno a curiosidade
intelectual. Quer dizer, ele tem que achar
interessante descobrir coisas novas.
Para finalizar, de que maneira uma revista
de divulgação de pré-iniciação científica,
como a
, pode ser usada em ambientes escolares que já têm essa prática de pré-iniciação ou até naqueles que não têm esse tipo de projeto?
Jorge Kalil Filho: É a maneira mais rápida
de mostrar como a ciência ajuda a vida das
pessoas, ou como a ciência, por exemplo,
na área de saúde, evita tantas doenças ou
cura grande número de doenças. Mais uma
vez eu digo: às vezes, as pessoas acham que o
Coube a Francesca Bellelli, aluna da oficina
Dante em Foco, entrevistar o dr. Kalil
+(Agronomia)
Uso de linhaça na
dieta do gado pode
melhorar a qualidade
nutricional do leite
O
s estudantes Eduardo Lopes da Silva,
Gustavo Hugo Süptiz e Tiago Martins Techio
desenvolveram, durante o Curso Técnico
em Agropecuária na Escola Estadual Técnica
Celeste Gobbato, em Palmeira das Missões-RS,
o trabalho de pré-iniciação científica intitulado
“Dietas diferenciadas à base de linhaça em
ruminantes melhorando a qualidade do leite
e a saúde humana”. Nessa pesquisa, eles
estudaram a influência da inclusão do grão de
linhaça na alimentação de vacas leiteiras da
raça holandesa, objetivando uma melhoria na
qualidade do leite produzido por esses animais
e, em consequência disso, um aumento da
qualidade nutricional proporcionada ao ser
humano.
A pesquisa foi guiada pelo conceito de
alimento funcional, aquele que, por possuir
componentes
fisiologicamente
ativos,
proporciona benefícios adicionais à nutrição
básica. A oleaginosa linhaça já demonstrou,
em outros estudos, a propriedade de regular
as funções corporais. Ela pode prevenir
doenças cancerígenas, mal de Parkinson, mal
de Alzheimer, baixar o nível de colesterol,
evitar a coagulação do sangue, inflamações,
arteriosclerose, entre outros benefícios.
A proposta dos estudantes ao adicionar
a linhaça no leite foi justamente dar-lhe
características diferenciadas e torná-lo um
alimento funcional.
12
Eduardo, Gustavo e Tiago apontaram no
relatório da pesquisa que o leite possui
inúmeras propriedades nutricionais benéficas
à saúde (como o perfil de seus ácidos graxos
modificados), proporcionadas pelo incremento
dos teores de ácidos linoleicos conjugados
(CLA) provenientes do fornecimento de dietas
diferenciadas, como a utilização de linhaça.
No que tange à saúde do consumidor de leite,
a grande concentração de cálcio – essencial
à formação e à manutenção dos ossos –,
a presença das proteínas completas, que
exercem função semelhante nos tecidos do
corpo, e a ocorrência das vitaminas A, B1, B2 e
de minerais que favorecem uma vida saudável,
são outros pontos benéficos do alimento.
Os pesquisadores ressaltaram ainda o
potencial econômico do leite, listando-o
entre os seis produtos mais importantes
da agropecuária brasileira. “O agronegócio
do leite e seus derivados desempenha um
papel relevante no suprimento de alimentos
e na geração de emprego e renda para a
população”, argumentaram, destacando,
ainda, outra justificativa para a realização
da pesquisa. “Ressaltamos também a
importância que essas dietas diferenciadas
exercem no organismo do animal, bem como
melhoram aspectos relacionados à vitalidade
dos bovinos, reduzindo as aplicações de
antibióticos em consequência de uma melhor
sanidade do rebanho.”
Arquivo pessoal dos pesquisadores
Assim, eles se propuseram a realizar um
trabalho capaz de abranger os aspectos de
saúde e econômicos do “leite funcional”.
“Juntamente com os benefícios à saúde, o
trabalho vem com a proposta de encontrar
novas alternativas para a pecuária leiteira,
enfatizando a qualidade dos alimentos
que serão obtidos a partir de dietas
diferenciadas, e a melhoria da qualidade
nutricional do ser humano. A pesquisa
pretende gerar conhecimento práticoteórico aos alunos, baseado na modificação
de dietas para ruminantes, fazendo com que
esse conhecimento alcance os criadores de
gado para servir como alternativa produtiva
para melhorar a qualidade com maior
rentabilidade.”
Referencial teórico
A nutrição é o principal fator da eficiência do
sistema de produção da atividade leiteira.
Assim, quanto mais eficiente for a nutrição
de um rebanho, mais competentes serão seus
índices zootécnicos (referentes a elementos
como produtividade dos animais, duração da
lactação, taxa de fertilidade, entre outros),
podendo-se considerar ainda o uso de grãos
de oleaginosas para melhorar a qualidade do
produto final.
A linhaça seria uma fonte interessante para
a produção do leite funcional, pois é rica em
proteínas, gorduras e fibras dietéticas. O grão
cru apresenta ácidos graxos (entre as funções
desses ácidos está o depósito de energia)
ômega-3, que, por sua vez, possui lipídios
dietéticos, capazes de fornecer energia para
as células e se constituírem na maior reserva
energética corporal para crianças e recémnascidos. Eles são componentes estruturais
de todos os tecidos e indispensáveis para a
síntese das membranas celulares.
O uso de grão de linhaça na alimentação de
vacas lactantes pode gerar uma melhoria na
qualidade dos produtos e derivados lácteos,
favorecendo, também, a saúde dos consumidores
Leite funcional
Para transformar o leite em “leite funcional”,
o setor agroindustrial procura aumentar a
quantidade de ácidos graxos insaturados do
alimento, realizando, para isso, a manipulação
da dieta com o uso de oleaginosas. Tenta-se
ampliar a concentração de certos componentes
no leite, como AG poli-insaturados da série
ômega-3, ácido eicosapentaenoico (C 20:5 ) e
descosahexaenoico (C22:6) e o ácido linoleico
conjugado (CLA).
Metodologia
Aproveitando a tradição da Escola Estadual
Técnica Celeste Gobbato (EETCG) na pesquisa
de uso do grão de linhaça na alimentação de
bovinos de leite, os estudantes realizaram
os experimentos utilizando o rebanho e
a infraestrutura da Unidade Educativa de
Produção de Bovinos de Leite da instituição.
Foram selecionadas 12 vacas da raça holandesa,
homogêneas quanto à idade, número de
lactações, fase de lactação e produção de
leite. Elas foram separadas em duplas, em
função do delineamento experimental duplo
reverso, que será especificado a seguir.
Assim, os pesquisadores organizaram os
bovinos em dois grupos (A e B) para serem
submetidos a dois tratamentos: o testemunha
A proposta dos
estudantes ao
adicionar a linhaça
ao leite foi dar-lhe
características
diferenciadas e
torná-lo um alimento
funcional, ou seja,
aquele que, por
possuir componentes
fisiologicamente
ativos, proporciona
benefícios adicionais
à nutrição básica
Arquivo pessoal dos pesquisadores
13
14
Arquivo pessoal dos pesquisadores
e o grupo teste (em que
receberam a alimentação rica
em linhaça). No tratamento
testemunha, os animais foram
alimentados com pastagem
de aveia preta, azevém anual,
silagem de milho e concentrado
formulado com os ingredientes
comumente utilizados na EETCG
(grão de milho moído, farelo de
soja, farelo de trigo, sal comum
e premix mineral-vitamínico).
Já no grupo teste, os animais
receberam uma alimentação
mais rica em grãos de linhaça
(800 gramas/vaca/dia) quando
comparada à do grupo testemunha. Cabe
destacar que os concentrados dos dois grupos
eram isoenergéticos e isoproteicos.
Pelo delineamento duplo reverso, o grupo A
submeteu-se ao tratamento testemunha no
primeiro e no terceiro período experimental (e
ao de linhaça no segundo período), enquanto
com o grupo B deu-se o contrário.
Em cada período experimental, reservaramse 15 dias para a adaptação e sete dias para
a coleta de dados. Logo, nos três espaços de
tempo, totalizaram-se 66 dias. No 16º e no
21º dia de cada período experimental foram
retiradas amostras de leite para determinação
da composição do alimento e do perfil de
ácidos graxos.
Essas amostras foram enviadas para o
Serviço de Análise de Rebanho Leiteiro
SARLE da Universidade de Passo Fundo para
determinação dos teores de sólidos totais,
gordura, proteína, lactose, nitrogênio ureico
e contagem de células somáticas. Já o perfil
de ácidos graxos do leite foi determinado
no Núcleo Integrado de Desenvolvimento
de Análises Laboratoriais (NIDAL) do
Departamento de Tecnologia e Ciência dos
Alimentos (DTCA) da Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM).
Confecção de derivados lácteos
Em todos os períodos experimentais de
avaliação foram coletados 30 litros de leite de
cada tratamento para a confecção de derivados
lácteos com a ajuda da professora Nair Ganza.
Os pesquisadores produziram queijo, pois
esse alimento possui altas quantidades de
ácidos graxos que são essenciais para a saúde
humana.
“A confecção dos queijos serviu para
conseguirmos comparar a diferença entre
o queijo feito no tratamento que recebe
Unidade Educativa de Produção (UEP) de
bovinocultura da Escola Estadual Técnica Celeste
Gobbato, onde foi desenvolvida a pesquisa
linhaça e no testemunha, tendo como pontos
de avaliação uma densidade mais elevada,
aglutinação mais rápida, maior peso com
a mesma quantidade de produto e melhor
qualidade sem perder o tradicional sabor”,
explicaram Eduardo, Gustavo e Tiago.
Resultados
Após a análise dos resultados, os pesquisadores
afirmaram que os teores de sólidos totais
(componentes do leite com exceção da água)
do leite dos animais que receberam a dieta à
base de linhaça subiram em média 0,50 pontos
percentuais. “Esses valores são de suma
importância para a quantidade de derivados
de produtos lácteos que serão produzidos”,
avaliaram.
A produção de sólidos totais em kg por dia
também aumentou com o acréscimo da
linhaça na alimentação dos bovinos leiteiros,
dado relevante para empresas que trabalham
no desenvolvimento de derivados lácteos, pois
quanto mais sólidos totais, maior a produção
de derivados.
Os pesquisadores cuidaram de fazer uma
comparação entre os teores de sólidos
totais do leite dos animais do tratamento
testemunha e os do “linhaça”. Para isso, os
dados avaliados foram comparados entre
duplas de vacas que possuíam características
mais homogêneas quanto à idade, período
de lactação e produção de leite. O leite dos
que receberam o grão de linhaça em sua dieta
apresentou acréscimo nos teores de sólidos
totais.
Eduardo, Gustavo e Tiago constataram ainda
que o uso do grão de linhaça resultou no
crescimento da produção de sólidos totais
em todos os animais que participaram do
experimento.
A produção de gordura do leite também
aumentou com o uso do grão de linhaça na
alimentação dos animais. Os pesquisadores
destacaram que essa informação pode
representar um aumento de lucratividade
do produtor rural. Por outro lado, não se
constatou influência da linhaça na produção
de proteínas.
Outro elemento analisado pelos estudantes, a
produção de lactose diminuiu em quase todos
os animais que participaram do teste devido
ao uso do grão de linhaça.
Por fim, nos experimentos com o uso da
linhaça, a produção de leite aumentou 1,5 kg
por dia em média. “Podemos assim observar
a relevância desses valores ao final de um
mês, pois, nesse período, o bovino produz 45
kg de leite a mais, melhorando a lucratividade
do produtor”, ressaltaram Eduardo, Gustavo e
Tiago.
Sobre os pesquisadores
Arquivo pessoal dos pesquisadores
Companheiros de pescaria e de futebol,
Eduardo, Gustavo e Tiago compartilham
também o interesse pela área bovina. Assim,
cursando o Técnico em Agropecuária,
procuraram realizar um trabalho de préiniciação científica que proporcionasse novas
formas para aumentar a produtividade, a
lucratividade e para, principalmente, oferecer
um produto benéfico à saúde humana.
Os três estudantes seguiram a ideia inicial de
Ione Maria Pereira Haygert Velho, professora
de Bovinocultura, e criaram um projeto
premiado com o primeiro lugar em Ciência
dos Animais e das Plantas na Mostratec
Com isso, os pesquisadores concluíram que
os objetivos do trabalho foram alcançados. “O
uso de grão linhaça na alimentação de vacas
lactantes gera uma melhoria na qualidade
dos produtos e derivados lácteos, sendo que
esse grão causa mudanças nas propriedades
do leite, proporcionando um alimento
nutracêutico (nutricional e farmacêutico) de
alto valor nutritivo para os seres humanos,
podendo melhorar a qualidade de vida, o bemestar e até mesmo podendo prevenir diversas
doenças. Conseguimos constatar também
que a adição gerou aumento de produção
vaca/dia e maior lucratividade ao produtor.
Estudos nos apontam ainda que o consumo
diário de linhaça pelo animal proporciona
melhora hormonal e na qualidade da carne e
aumento das células de defesa”, afirmaram.
“Dessa forma, o uso da linhaça é uma boa
opção, por melhorar a constituição do leite,
gerando sólidos de melhor qualidade e, além
disso, o produtor é beneficiado pela qualidade
do alimento que está sendo produzido”,
completaram.
2013 e que os levou a participar da London
International Youth Science Forum (LIYSF).
“Com nosso projeto podemos comprovar
os inúmeros benefícios que se pode obter na
atividade leiteira simplesmente com a adição
de linhaça na alimentação dos animais. Esse
leite pode ser chamado de alimento funcional,
pois tem a propriedade de poder melhorar
características de bem-estar dos seres
humanos, prevenir doenças cardiovasculares e
neurológicas, além de melhorar as condições
do animal que o está produzindo. Enfim,
favorece a vitalidade do rebanho e a saúde dos
seres humanos”, explicam os pesquisadores,
que contaram com a orientação do
professor Marcos André Piuco e a
coorientação do professor André Luis
Saldanha Botton no trabalho.
No momento, os três estudantes
realizam o período de estágio do
Curso Técnico em Agropecuária.
Tiago e Eduardo já ingressaram no
ensino superior, cursando Agronomia,
enquanto Gustavo prestará vestibular
para Medicina Veterinária.
Da esquerda para a direita:
André Botton, coorientador da
pesquisa, e os pesquisadores
Gustavo, Eduardo e Tiago
15
+(Agronomia)
Sistema de criação
semiconfinado
melhora bem-estar de
marrecos-de-Pequim e
mantém produtividade
M
16
oradores do Alto Vale do Itajaí, em
Santa Catarina, Ismael França e Bruno Inácio
estudaram, em seu projeto de pré-iniciação
científica, um animal comum na região:
o marreco-de-Pequim (Anas boschas). Os
estudantes do Curso Técnico em Agropecuária
do Instituto Federal Catarinense (IFC) Campus Rio do Sul avaliaram o desempenho
produtivo e comportamental do animal em
dois diferentes sistemas de criação: confinado
(em cama de maravalha [aparas de madeira]
e sem presença de água) e semiconfinado
(com acesso diurno a pastagem e presença de
água).
Segundo os pesquisadores, o sistema
confinado de criação de aves em alta
densidade limita a manifestação dos padrões
comportamentais das espécies, aumentando
os níveis de estresse e podendo afetar seu
desempenho produtivo. Dessa forma, a
pesquisa procurou investigar se, aliando as
técnicas de controle sanitário, ambiental e
nutricional do sistema industrial de criação
a condições mais apropriadas ao bem-estar
dos animais (formando o chamado sistema
semiconfinado), é possível obter uma melhor
produtividade.
“Não houve diferenças significativas entre
os tratamentos no desempenho produtivo,
sendo que os marrecos do confinamento
apresentaram peso ao abate de 3,630 Kg
e os de semiconfinamento, de 3,714 Kg,
ambos com uma conversão alimentar de
2,8. O desempenho no sistema confinado
esteve condicionado à qualidade da cama. Os
marrecos semiconfinados apresentaram maior
atividade de limpeza de penas comparados aos
confinados. O sistema semiconfinado resultou
mais adequado para empreendedores com
baixo capital disponível, por ter menores
custos com cama e mão de obra, embora
requeira maior disponibilidade de área”,
explicam os pesquisadores.
Sistemas de criação
No Alto Vale do Itajaí, o marreco geralmente
é utilizado como agente de controle biológico
de invasores e pragas nas lavouras de arroz
irrigado. O animal também serve para fins
culinários, sendo um prato muito apreciado
pelos descendentes de alemães, presentes
em grande número na região. Assim, a
anacultura (criação de marrecos) está em
expansão no local, apesar de ainda demandar
altos custos. Esses valores estão relacionados,
principalmente, ao sistema confinado, que
exige muitos gastos com o manejo dos animais
e do ambiente onde se encontram.
“O sistema confinado cria um ambiente
desfavorável às necessidades dos animais,
principalmente no que se refere à manifestação
de seu padrão comportamental, instintos
naturais (como, por exemplo, o banho na
Arquivo pessoal dos pesquisadores
A pesquisa se preocupou em relacionar
as condições de criação mais apropriadas
ao bem-estar dos marrecos (sistema
semiconfinado) e seu desempenho produtivo
água) e ao hábito alimentar”, afirmam os
pesquisadores, destacando que tal sistema
pode levar os marrecos a altos níveis de
estresse, o que induziria a um aumento dos
comportamentos anômalos, como a bicagem
de penas e o canibalismo em aves.
Assim, buscando seguir as “cinco liberdades”
que definem o bem-estar animal – ou seja,
serem criados livres de fome e sede; livres de
desconforto; livres de dor, injúrias e doenças;
livres para expressarem seu comportamento
natural; e livres de medo e estresse –, os
pesquisadores optaram pelo sistema de
semiconfinamento, que, segundo eles,
melhora as condições de criação do animal,
podendo configurar um atrativo econômico,
visto que, cada vez mais, os consumidores
estão preocupados em saber como seu
alimento é produzido.
O estudo
Realizado no Campus Rio do Sul do IFC entre 25
de março (recepção dos marrequinhos) e 16 de
maio (abate) de 2013, o trabalho experimental
utilizou 120 marrecos-de-Pequim da linhagem
Cherry Valley SM2, com peso vivo inicial de
47 g, criados em pinteiro convencional e
transferidos aos locais definitivos com 10 dias
de idade.
Os animais foram instalados em um galpão
convencional para criação de frangos, de
tipo semiaberto, com uma área total de 215
m², subdividido em seis baias de 30,8 m². Os
pesquisadores utilizaram duas baias – uma
para cada tratamento – acondicionadas com
bebedouros de tipo pendular, comedouros de
tipo calha e forradas com cama de maravalha.
A baia correspondente ao tratamento
semiconfinado foi ligada através de um túnel
de madeira a uma área de pastagem de
Cynodon dactylon cultivar Tifton 85, de 75
m², atendendo à recomendação de 1,25 m²
por animal, provida de sombra natural. Nessa
área foi instalado um lago artificial de 2,3 m²
de lâmina d’água. No tratamento confinado,
conforme as recomendações comerciais,
a densidade utilizada foi a de 7 animais/
m2, o que veio a ocasionar problemas de
manutenção da cama, gerando um ambiente
menos confortável.
Na fase inicial (que durou até os 21 dias), os
marrecos, alojados em um pinteiro circular
de 2,8 m de diâmetro construído com chapas
de Eucatex, foram alimentados à vontade [ad
libitum] três vezes por dia com ração. A partir
do 10º dia, retirou-se o aquecimento artificial
e formaram-se os lotes de 60 marrecos
correspondentes a cada tratamento. Desde o
11º dia, os animais integrantes do tratamento
de semiconfinamento tiveram acesso à
pastagem e ao lago artificial. As camas
de maravalha foram trocadas conforme a
necessidade, o que no sistema confinado
significou praticamente uma manutenção
diária.
Na fase de crescimento, a ração inicial foi
substituída por ração de crescimento. Aos
25º e 37º dias de vida, respectivamente, foi
adicionado à água um suplemento vitamínico,
em ambos os tratamentos, para tentar reverter
o aspecto dos animais do lote confinado,
que pareciam menos saudáveis quando
comparados aos do lote semiconfinado. No
40º dia de vida dos marrecos, iniciou-se a fase
de engorda com a substituição da ração de
crescimento pela ração final (engorda).
Cabe observar que a rotina de soltura e
recolhimento dos animais submetidos ao
tratamento semiconfinado ocorreu da
seguinte forma: todos os dias, os marrecos
foram soltos às 6h40 e recolhidos às 18 horas,
resultando em um total de 11h20 de livre
acesso à área externa. Quanto ao manejo de
Arquivo pessoal dos pesquisadores
Segundo os
pesquisadores, o
sistema confinado
de criação de aves
em alta densidade
limita a manifestação
dos padrões
comportamentais das
espécies, aumentando
os níveis de estresse
e podendo afetar seu
desempenho produtivo
17
Arquivo pessoal dos pesquisadores
No tratamento
semiconfinado,
além do galpão convencional, os marrecos
passam um tempo do dia em uma área
externa, onde têm contato com água
18
cortinas, a abertura e o fechamento se deram
em conjunto com a soltura e o recolhimento
dos animais do tratamento semiconfinado.
Nos dias de temperaturas menos amenas, as
cortinas foram abertas pela metade para evitar
choques térmicos nos animais confinados.
Determinações
Durante o trabalho, os pesquisadores
determinaram alguns elementos essenciais
na criação dos marrecos. O peso vivo foi
verificado semanalmente a partir de uma
amostra selecionada ao acaso de 50 animais
durante a fase de pinteiro, e de 25 animais de
cada tratamento posteriormente. Os dados
foram ajustados a modelos lineares. Já para
estabelecer o consumo semanal de ração,
calculou-se a diferença entre as quantidades
fornecidas durante a semana e as sobras.
A conversão alimentar (kg ração consumida/
kg de ganho de peso) foi verificada, a cada
fase de criação, a partir dos dados de ganho
de peso dos animais nesses períodos e da
quantidade de ração consumida. Ao final
dos 52 dias de vida dos marrecos, calculouse a conversão total considerando o ganho
total de peso e o consumo de ração durante
todo o período. Quanto ao comportamento,
realizaram-se três avaliações [uma em
cada fase de criação – inicial, crescimento
e engorda] da frequência das atividades
diurnas desenvolvidas pelos animais de cada
um dos tratamentos, tais como alimentação
(comendo, bebendo), descanso (sentado),
atividades de conforto (limpeza de penas,
banho de poeira) e interações agonísticas
(comportamentos agressivos como brigas de
dominância, bicagem, canibalismo).
Por fim, após o abate humanitário [autorizado
por lei e que seguiu todos os procedimentos
para uso científico de animais], realizado no
52º dia de vida dos marrecos, os pesquisadores
avaliaram a carcaça de 10 animais (5 de cada
um dos tratamentos). Foram determinados
peso inteiro, peso despenado e peso
esviscerado. Depois de limpos (esviscerados),
determinou-se o rendimento dos cortes (coxasobrecoxa, peito e pescoço) e dos miúdos de
valor comercial (fígado, coração e moela).
Análises dos resultados
Na fase inicial, os pesquisadores destacaram
o fato de os marrecos do semiconfinado
terem apresentado melhor desempenho,
com um ganho diário de 11,8 g a mais do que
os do tratamento testemunha, registrando
menor coeficiente de variação. Nesse
período, os animais do semiconfinado
usufruíram de uma pastagem de boa
qualidade e condições climáticas amenas,
enquanto os do confinado conviveram com
problemas de manutenção da cama (devido
à escassez de maravalha, insumo difícil de ser
encontrado e que apresenta alto custo para
sua aquisição), o que, provavelmente, gerou
um ambiente menos confortável.
“Conforme a experiência adquirida no manejo
dessa espécie, a manutenção da qualidade
da cama em sistemas confinados pode se
tornar um aspecto limitante, tanto do ponto
de vista econômico, em função do custo e da
escassez crescente de maravalha, quanto do
prático, devido à mão de obra requerida para
as trocas de cama permanentes. Observouse, de todo modo, que existe potencial para
o reaproveitamento da cama, seja como
fertilizante agrícola ou como fonte de biogás”,
apontaram os pesquisadores.
Durante a fase de crescimento, o ganho
médio diário (GMD) dos animais confinados
foi de 96,3g, enquanto os animais do
semiconfinado adquiriram 88,1 g por dia.
Essa diferença pode ter ocorrido devido ao
fornecimento do suplemento vitamínico aos
marrecos ou por um ganho compensatório
(que acontece quando o animal não ganha o
esperado em certo momento, compensando
posteriormente). Esse maior ganho no sistema
confinado determinou que já não houvesse
diferenças consideráveis entre os tratamentos
ao final da fase de crescimento
Porém, na fase de engorda, a taxa de ganho
de peso diminuiu em ambos os tratamentos
quando comparada com a fase de crescimento.
Isso se explica pelo fato de que os animais
já estavam próximos do limite de seu peso
adulto.
No relatório, os pesquisadores apontaram
que, comercialmente, os marrecos são
abatidos com cerca de 3,200kg de peso vivo
e antes dos 60 dias de idade, quando surgem
dificuldades de despenamento devido à
segunda troca de penas desse tipo de ave.
Nas condições do experimento, os marrecos
finalizaram a fase de engorda com 52 dias de
idade e 3,630kg de peso vivo no confinado e
3,714kg no semiconfinado. Portanto, diante
das ótimas condições de criação atingidas,
os marrecos poderiam ter sido abatidos com
antecedência, evitando custos desnecessários
com ração.
Sobre os pesquisadores
Na busca por temas para seu trabalho de
pré-iniciação científica, Ismael França e
Bruno Inácio perceberam uma carência de
informações sobre anacultura em uma região
em que o marreco é muito apreciado como
prato culinário. Assim, decidiram trabalhar
com dois sistemas de criação desses animais,
avaliando-os produtiva e comportalmente. A
professora Elena Setelich orientou a pesquisa
com a ajuda da coorientadora Vera Lúcia
Freitas Paniz.
O projeto participou de feiras de ciências,
sendo premiado com a terceira colocação
na categoria Ciências Animais e das Plantas
na 28ª Mostratec, em Novo Hamburgo-RS.
Atualmente, os estudantes cursam o 3º ano do
Curso Técnico em Agropecuária, no Instituto
Federal
Catarinense
– Campus Rio do Sul.
Ismael quer continuar
na área das Ciências
Agrárias
(pretende
cursar
Agronomia),
enquanto
Bruno
vislumbra o curso de
Ciências da Computação
no próximo ano.
Até por conta do que
planeja para seu futuro,
Ismael (à esq.) pretende cursar Agronomia,
enquanto Bruno (à dir.) vislumbra o curso de
Ciências da Computação; na foto ao lado, os
dois estudantes posam com a professoraorientadora do trabalho, Elena Setelich
Análise comportamental
As avaliações de comportamento realizadas
nas três fases – inicial, crescimento e
terminação – mostraram um padrão bem
definido, independentemente da idade
dos animais. Os marrecos se manifestaram
como animais extremamente calmos,
permanecendo boa parte do dia em repouso
e sempre agrupados. Os animais de ambos os
tratamentos manifestaram uma alta motivação
para a limpeza de penas. “Nossos resultados
comprovaram ser a viabilidade produtiva
dos animais criados em semiconfinamento
equivalente à da produção em confinamento
total. Junto a isso, nossos dados das
avaliações comportamentais mostraram os
melhores índices de bem-estar dos animais
semiconfinados, que puderam expressar os
comportamentos naturais da espécie, sem
que o sistema de criação restringisse essas
manifestações”, concluíram os estudantes.
Bruno, fã de tecnologia e jogos virtuais,
deixou a pesquisa para tentar desenvolver um
projeto na área computacional. Ismael, por sua
vez, agora é bolsista de Iniciação Científica
Júnior do CNPq e realiza um trabalho sobre
alimentos alternativos – oriundos da mandioca
– para a alimentação de marrecos. “A ideia
surgiu devido à experiência adquirida com o
projeto anterior, que mostrou altos índices
de conversão alimentar dos marrecos-dePequim”, explica Ismael, que realiza uma
atividade voluntária junto a um grupo de
agricultores familiares, dando auxílio técnico
para trabalhadores que estão implantando a
produção avícola alternativa.
Arquivo pessoal dos pesquisadores
Considerando o período total, os marrecos do
tratamento confinado apresentaram um ganho
médio de 84,9g/dia, conversão alimentar de
2,84 e rendimento de carcaça de 84,28%,
consumindo em média 9,268kg de ração. Já os
animais do sistema semiconfinado ganharam
em média 84,1g/dia e consumiram 9,329
kg de ração, tendo rendimento de carcaça
de 83,56% e conversão alimentar de 2,78.
Portanto, não houve diferenças significativas
em crescimento, conversão alimentar, peso
de abate, rendimento e composição da
carcaça entre os marrecos criados em sistema
confinado ou semiconfinado.
Na pesquisa, os marrecos produziram em
média 0,245Kg de penas em ambos os sistemas
de criação, destacando-se a qualidade de pena
do tratamento semiconfinado (mais limpas).
19
+(Ciências Humanas)
Projeto propõe ações
de conscientização da
população de Icó sobre
patrimônio histórico
O
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional), órgão responsável
pela preservação do acervo patrimonial no
Brasil, define como objetivo do tombamento
preservar bens de valor histórico, cultural,
arquitetônico, ambiental e também de
valor afetivo para a população, impedindo a
destruição e/ou descaracterização de tais bens.
Entretanto, nem sempre o tombamento de um
prédio, por exemplo, agrada aos moradores
da cidade em que ele está situado – visto que
pode impedir determinadas intervenções
no bem e em seu entorno. Uma situação
semelhante à descrita foi estudada por Alana
Angelim Paulino e Paloma Raquel Felizardo
Borges, alunas da Escola Estadual de Educação
Profissional Dep. José Walfrido Monteiro, em
Icó-CE, no projeto de pré-iniciação científica
“Os impactos do tombamento na vida dos
moradores do sítio histórico de Icó: choque
entre a modernidade e a memória”.
Orientadas pela professora Francisca Claudiana
do Nascimento Vieira, Alana e Paloma
buscaram compreender o choque gerado
pelo tombamento no sítio histórico de Icó e
as causas para a reação negativa da população
a essa situação. Afora isso, estudaram e
propuseram soluções que viabilizem a
conservação e valorização da história e da
memória do patrimônio da cidade, realizando
um trabalho de conscientização da população.
“O estudo da ‘história local’ (modalidade de
pesquisa histórica), voltado para educação
patrimonial, apresenta-se nesse projeto com
uma necessidade de investigar os fatores
20
que levam os moradores do sítio histórico a
desvalorizar a história local e a reivindicar
mudanças significativas na estrutura dos
prédios tombados. Também se justifica
a importância do projeto pela busca de
metodologias adequadas para educar a
sociedade icoense a fim de conviver de
maneira adequada com o seu patrimônio
histórico”, afirmam as pesquisadoras.
Problema, hipótese e objetivo
De acordo com Alana e Paloma, a população
do sítio histórico de Icó não valoriza o
patrimônio do local e, na busca por uma
arquitetura mais moderna, sempre procura
realizar reformas que descaracterizam os
prédios históricos. Diante dessa situação, as
estudantes levantaram algumas questões. “É
possível perceber a desvalorização por parte
dos moradores do sítio histórico de Icó em
relação à sua arquitetura em estilo barroco,
clássico, neoclássico, entre outros. Por que tal
desvalorização acontece? Como pode ocorrer
uma mudança em relação à valorização
da história da cidade de Icó presente nos
patrimônios? Essas são indagações que a
pesquisa busca responder”, escreveram no
relatório.
A fim de solucionar tais questões, as
pesquisadoras elaboraram algumas hipóteses
para a desvalorização dos locais tombados:
o desconhecimento da história local leva
a população icoense a não valorizar o
patrimônio histórico tombado na cidade; há
uma distância da formação educacional do
povo icoense em relação à construção de
Ribeira dos Icós (um edifício de características
neoclássicas construído no século XIX, no
ano de 1860, pelo médico francês dr. Pedro
Théberge) e a Igreja da Nossa Senhora da
Expectação.
No relatório de pesquisa, Alana e Paloma
afirmam que o IPHAN e os governos do estado e
do município realizam esforços para promover
uma política de educação patrimonial. No
entanto, segundo elas, percebe-se que essas
iniciativas ainda não atingiram o grande
objetivo de instruir a população para conviver
e valorizar esse patrimônio. “A população
nem sempre conhece as informações básicas
desses prédios”, explicam, ressaltando o
fato de que, dependendo da área e de seu
sistema de tombamento, a autorização para
intervenções no imóvel pode ser dada com
maior ou menor facilidade.
Metodologia
Com o tema delimitado e a pesquisa
bibliográfica sobre história local e educação
patrimonial feita, as pesquisadoras elaboraram
um questionário que foi respondido por 30
dos 430 moradores do sítio histórico de Icó
(ou seja, apenas da área tombada da cidade),
representando assim um teste quantitativo de
7% da população.
As pesquisadoras ainda realizaram algumas
entrevistas com a população local e com
historiadores. Após todo esse processo –
pesquisa bibliográfica, coleta de dados e
Arquivo pessoal das pesquisadoras
sua identidade cultural; a sociedade costuma
associar o “antigo” a algo velho e feio,
preferindo, portanto, uma arquitetura com
traços modernos.
“Diante do exposto, o objeto da pesquisa é
identificar os fatores que contribuem para a
desvalorização do sítio histórico de Icó pelos
moradores locais, bem como desenvolver
estratégias que eduquem a população para
conviver com o sítio histórico e estimulem a
consciência crítica da população em relação à
história local.”
Icó
A região que hoje corresponde à cidade de
Icó foi colonizada entre o fim do século XVII e
início do XVIII em meio a grandes confrontos
entre os indígenas que já habitavam o local e
os colonizadores. Estes últimos ergueram uma
paliçada para defender os moradores da ribeira
do rio Salgado, dando origem ao povoado
de Arraial Novo (atual Icó). A pacificação só
chegou por meio de uma intervenção da Igreja
católica.
Hoje, parte da história de Icó está vivamente
registrada nas ruas da cidade, por meio de
sobrados, igrejas e outras edificações. Quase
todos esses monumentos do seu centro
urbano encontram-se tombados.
Em 1997, o IPHAN realizou o tombamento
nacional do sítio histórico de Icó. Entre os
imóveis tombados, alguns se destacam,
como a Casa de Câmara e Cadeia, o Teatro da
Em 1997, o IPHAN realizou o tombamento nacional do sítio histórico de Icó
21
Arquivo pessoal das pesquisadoras
Para a realização do projeto, Alana e Paloma
(à esq.) fizeram pesquisas bibliográficas e
entrevistaram moradores do sítio histórico
de Icó-CE (à dir.), entre outros procedimentos
22
porque, segundo elas, o tombamento limita
muito as possibilidades de alterações em
sua propriedade; já 4% não têm uma opinião
formada.
Propostas de educação patrimonial
Da análise dos dados coletados, as
pesquisadoras concluíram que, apesar de
reconhecerem o local como uma cidade
histórica, os moradores de Icó não entendem
as ações do tombamento e vivem em constante
conflito com o IPHAN. A partir disso, Alana e
Paloma apontam a necessidade de fazer com
que esses moradores criem um sentimento de
identidade com o patrimônio.
“Ao desenvolvermos a pesquisa, descobrimos
que essas pessoas não sabem o real valor
nem conhecem a fundo a história que
está viva através da arquitetura desses
prédios históricos. Mesmo sabendo que
seus imóveis guardam uma história, as
pessoas que neles habitam procuram fazer
Arquivo pessoal das pesquisadoras
análise dos resultados –, foram elaboradas
estratégias para possíveis intervenções
junto à comunidade com o objetivo de educála a conviver com um bem tombado.
Resultados
As perguntas do questionário foram
formuladas de modo a investigar o motivo
da desvalorização do sítio histórico por parte
dos seus moradores. Assim, inicialmente,
questionou-se se os indivíduos reconheciam
que o seu imóvel era um patrimônio histórico.
Uma parcela de 88% dos entrevistados
respondeu afirmativamente, enquanto 12%
não souberam dizer. Nenhum entrevistado
disse que não reconhecia seu imóvel
como patrimônio histórico. “Esses dados
demonstram que a população, até certo
ponto, tem consciência de que mora em um
patrimônio histórico, mesmo que não saiba
a história desse patrimônio”, avaliaram as
pesquisadoras.
Na resposta à segunda pergunta – você
sabe o objetivo do tombamento histórico?
–, 52% disseram “não”, diante de
48% que responderam “sim”. Para as
pesquisadoras, o fato de a maioria das
pessoas não entender as decisões sobre
tombamento decorre de uma falha
do IPHAN em passar informações à
população.
Para 39% dos entrevistados, a realização
do tombamento é necessária. Outros
26%, porém, refutaram essa necessidade,
ao passo que 34% não têm opinião
formada sobre o assunto. Tais números,
para Alana e Paloma, significam que, pelo
fato de não saber o que é o tombamento,
grande parte não vê a necessidade de
realizá-lo.
Sobre os trabalhos que o IPHAN executa
na cidade, 52% das pessoas entrevistadas
concordam com as ações de preservação.
Entretanto, 44% não aprovam essas iniciativas,
Entre as medidas para conscientização
da população a respeito da importância
do sítio histórico, as pesquisadoras
desenvolveram uma história em quadrinhos,
que foi entregue aos moradores de Icó e
aos alunos da rede pública de ensino
algum tipo de intervenção. Então, por meio
desses resultados, procuramos possíveis
soluções para o problema. Entre as ideias,
consideramos, juntamente com o IPHAN,
ensinar e conscientizar essas pessoas sobre
o verdadeiro valor da história do patrimônio
cultural existente na cidade”, afirmaram.
As medidas de conscientização planejadas
pelas pesquisadoras foram divididas entre
as de curto e as de longo prazo. As primeiras
buscam mudar de imediato o pensamento dos
moradores sobre a realização de intervenções
nos prédios históricos, consistindo nas
seguintes iniciativas: produção de um filme
de curta-metragem com conteúdo dinâmico
sobre a história da cidade para aplicação em
salas de aula; desenvolvimento de uma história
em quadrinhos e entrega dessas narrativas aos
moradores do sítio histórico e aos alunos da
rede pública; palestra com os alunos do curso
de Serviço Social da Faculdade Vale do Salgado
(FVS); apresentação do problema na Câmara
de Vereadores da cidade; estudo de campo
com alunos da Escola Estadual de Educação
Profissional Deputado José Walfrido Monteiro
que residem na cidade de Icó e também com
estudantes que moram no município de Orós.
Já as medidas de longo prazo se concentram
em amenizar o problema da desvalorização
do sítio histórico de Icó pelos moradores.
Nesse sentido, Alana e Paloma propuseram
campanhas de conscientização nas escolas
municipais da cidade e o desenvolvimento de
um projeto de lei para incluir, no currículo do
Ensino Fundamental, aulas de história local e
educação patrimonial, visto que esses temas
atendem à realidade do município.
“Percebe-se que é possível mudar esse
pensamento de desvalorização do sítio
histórico de Icó por parte de seus moradores,
mas se reconhece que esse trabalho requer
muito esforço, visto que levará certo tempo
até que todos possam adquirir a consciência
da importância da história icoense para cada
morador”, concluíram as pesquisadoras.
Andando pelas ruas de Icó, Alana e Paloma
sempre se impressionaram com a riqueza
arquitetônica e histórica ostentada pela cidade.
Assim, não entendiam os motivos para a pouca
valorização dada a esse acervo por parte dos
moradores em geral. Para investigar – e mudar
– esse cenário, elas desenvolveram o projeto
de pré-iniciação científica “Os impactos do
tombamento na vida dos moradores do sítio
histórico de Icó: choque entre a modernidade
e a memória”.
Arquivo pessoal das pesquisadoras
Sobre as pesquisadoras
“O nosso trabalho procura educar a população
de forma clara, breve e dinâmica para o melhor
entendimento e bem-estar na convivência
direta com esse patrimônio histórico. Visamos
à conscientização e, como consequência, a
uma preservação não forçada”, afirmam as
estudantes da 3ª série do Ensino Médio/Curso
Técnico em Agrimensura.
A pesquisa foi amplamente premiada,
conquistando, inclusive, o primeiro lugar em
Ciências Humanas na Febrace-2014. Nos
próximos anos, Paloma pretende cursar
Arquitetura, enquanto Alana estudará História
ou Publicidade e Propaganda. Entretanto,
elas esperam que a pesquisa/intervenção
seja prolongada. “O projeto ainda está sendo
desenvolvido na cidade de Icó, e prosseguirá
com outros alunos, pois esse é um trabalho
contínuo”, explicam.
As pesquisadoras Alana (à esq.) e
Paloma (à dir.) na Febrace juntamente
com a professora-orientadora Francisca
Claudiana do Nascimento Vieira (centro)
23
+(Ciências Humanas)
Projeto ajuda meninas
a lidar com seu ciclo
menstrual
A
lunas do Colégio Dante Alighieri, Ana
Carolina Paixão de Queiroz e Gabriela
Pane Farias costumavam observar que, em
determinados períodos, suas colegas de
escola se isolavam, brigavam com outros
estudantes e chegavam até a deixar as aulas.
Tais problemas, provavelmente, estavam
relacionados aos efeitos da Síndrome PréMenstrual (SPM), conhecida popularmente
como Tensão Pré-Menstrual (TPM). Foi
então que, em seu trabalho de pré-iniciação
científica, Ana e Gabriela decidiram investigar
a forma pela qual a TPM interfere na vida das
adolescentes, além de tentar ajudar essas
meninas a lidar melhor com o próprio corpo
por meio do incentivo ao autoconhecimento e
à conscientização.
Para atingirem esses objetivos, Ana e Gabriela
planejaram o uso de diversos recursos em
seu trabalho, intitulado “TPM: Tempo para
Mudanças”. Em um primeiro momento, foi
aplicado um questionário para jovens de 14 a
16 anos a fim de identificar suas dificuldades
durante o período pré-menstrual. Para a
segunda etapa, ocasião em que Gabriela deixou
a pesquisa, estabeleceu-se a realização de uma
série de ações, tais como oficinas interativas
com médico especialista, entrevistas, sessões
de arteterapia orientadas e o preenchimento
de tabela para identificação de sintomas,
24
objetivando a análise pessoal (psicológica e
física) do ciclo menstrual. Posteriormente, Ana
realizou entrevistas e utilizou questionários
novamente para analisar o progresso do
autoconhecimento e do protagonismo no
desenvolvimento das inteligências pessoais
das garotas, avaliando se houve melhora na
interação social e diminuição de situações de
preconceito.
“Acho que a parte mais importante do meu
trabalho é a da conscientização, pois a mulher
deve se aceitar e não se preocupar em se
enquadrar nos parâmetros que a sociedade
impõe. Ela deve aproveitar as coisas boas
da TPM, como a diversidade e o fato de às
vezes estar mais criativa. Acredito que a
ideia do alcance do autoconhecimento pelas
mulheres é algo que deve ser disseminado na
sociedade”, afirma Ana Carolina.
Problema, hipótese e objetivos
Como promover ações de conhecimento
do próprio ritmo psicológico e biológico
durante o ciclo menstrual de forma a diminuir
a ocorrência de consequências sociais,
físicas e psicológicas da SPM? Esse foi o
questionamento inicial feito por Ana Carolina
e Gabriela, que, sob a orientação da professora
Rita Maria Saraiva – e coorientação da
professora Sandra Tonidandel –, incumbiramse de formular uma hipótese. “Acreditamos
Arquivo pessoal das pesquisadoras
que o conhecimento das meninas sobre a SPM
é superficial e, muitas vezes, estereotipado,
dando motivos para agirem de forma errada
com os que estão à sua volta. Além disso,
uma grande parte das meninas não tabula
o próprio ciclo menstrual, instrumento
imprescindível no autoconhecimento dessa
fase. Boa parte das jovens não deve se sentir
confortável em conversar com as professoras
sobre o tema, porém, o diálogo com as amigas,
principalmente, e também com a mãe deve
ser significativo”, afirmaram no relatório de
pesquisa.
Ana Carolina e Gabriela procuraram,
justamente, satisfazer cada ponto elencado
na hipótese, com vistas a levar as jovens a ter
um conhecimento mais profundo sobre o seu
corpo e mais, especificamente, sobre a SPM,
fazendo-as também entender em quais casos
o tratamento médico é recomendado e o que
é possível fazer para minimizar os sintomas
pelos quais são afetadas durante o período
pré-menstrual.
Outra iniciativa importante do trabalho
consistiu na intervenção em âmbito escolar
por meio de ações que promovessem o
autoconhecimento e a quebra de tabus por
parte das próprias meninas em relação à
síndrome pré-menstrual. Nesse ponto, um
grupo de meninas com sintomas da SPM
participou das atividades.
Inteligências múltiplas, questionários e
tabela de Abraham
Quanto aos conceitos utilizados no
trabalho, a síndrome pré-menstrual pode
ser definida como o grupo de alterações
físicas, comportamentais e emocionais que
afetam suas portadoras e se manifestam em
um período de cerca de sete dias antes da
menstruação, podendo se estender até o final
do ciclo menstrual.
Ana Carolina e Gabriela também abordaram,
em sua pesquisa, a teoria das inteligências
múltiplas, criada por Howard Gardner.
Segundo ele, há tanto uma inteligência
intrapessoal – desenvolvida a partir do
autoconhecimento do ser humano, que
acessa os próprios sentimentos e emoções
para identificá-los e, assim, compreender e
orientar melhor o próprio comportamento –,
quanto uma interpessoal, em que o indivíduo
foca na observação e na distinção de humores,
motivações e intenções de outros, a fim de
também agir sobre esse conhecimento.
“Em nosso trabalho, pretendemos promover o
desenvolvimento dessas inteligências pessoais
nas adolescentes, uma vez que, quanto mais
a jovem entender seus sentimentos durante
o período pré-menstrual, mais fácil será
lidar e conviver com eles. E também, quanto
mais a garota entender os sentimentos
e o comportamento dos que estão à sua
volta, melhor interagirá com a sociedade,
desempenhando bem seu papel dentro de
uma comunidade maior”, explicaram.
Munidas desses conceitos e de outros, obtidos
com base em análise de literatura sobre o
tema, Ana Carolina e Gabriela elaboraram
um questionário que buscou avaliar, ao
mesmo tempo, as dúvidas frequentes das
adolescentes acerca do ciclo menstrual e seus
conhecimentos sobre o tema, identificando
se estes são estereotipados ou aprofundados.
Para tanto, as perguntas buscavam extrair da
entrevistada não só sua opinião em relação
a uma jovem portadora da SPM, mas uma
autoavaliação sobre seu
comportamento para com
as pessoas à sua volta
durante o período prémenstrual.
Tais questionários foram
aplicados em 2013 para
130 meninas da 1ª série do
Ensino Médio do Colégio
Dante Alighieri, todas em
Gabriela (à esq.) e Ana
Carolina com o dr. Eliezer,
médico ginecologista
e feminólogo que
acompanha o projeto
25
Arquivo pessoal das pesquisadoras
À esquerda, a palestra ministrada pelo dr. Eliezer;
ao lado, as atividades desenvolvidas na arteterapia
uma faixa etária entre 14 e 16 anos, havendo
entre elas adolescentes portadoras e não
portadoras da SPM. Os dados foram tabulados
de modo que sua interpretação fosse simples
e prática. Em seguida, as pesquisadoras
discutiram as informações com o médico
ginecologista e feminólogo que acompanha o
projeto, dr. Eliezer Berenstein.
Cabe destacar que, para atestar a presença
da síndrome pré-menstrual nas meninas que
se dispuseram a participar do grupo regular
da pesquisa, utilizou-se a tabela de Abraham,
instrumento que permite a identificação
e controle dos sintomas da SPM por meio
da marcação diária da intensidade destes
durante, no mínimo, dois ciclos.
Na análise da tabela de Abraham, as
pesquisadoras também contaram com o
auxílio do dr. Eliezer Berenstein, uma vez que
tal processo exige o olhar cuidadoso de um
profissional da área para que o diagnóstico
de cada adolescente seja feito corretamente.
Ana Carolina e Gabriela procuraram, nessa
etapa, verificar os sintomas mais comuns
entre as jovens e a sua frequência para, a partir
disso, juntamente com o ginecologista e uma
arteterapeuta (ver abaixo), desenvolverem
uma estratégia que melhor atendesse às
necessidades das adolescentes.
Arteterapia e palestra
A arteterapia abrange três áreas – arte, saúde
e educação – para beneficiar, preservar e
recuperar a saúde, facilitando o processo
de criação e exteriorização de conteúdos
26
pessoais em forma de arte. Já sem a parceria
de Gabriela na pesquisa, Ana Carolina utilizou
a terapia para ajudar as adolescentes a lidar
com o corpo e com os sentimentos e a se
expressarem melhor, desenvolvendo as
inteligências inter e intrapessoais.
Um grupo de seis meninas – três portadoras
da SPM e três não portadoras – participou de
seis sessões de arteterapia nas instalações
da escola durante seis semanas. Utilizando
materiais
artísticos,
as
adolescentes
puderam desenvolver sua criatividade para
pintar, esculpir, desenhar. Sob a supervisão
da arteterapeuta Maria Beatriz Perotti
(coordenadora do Departamento de Arte do
Dante), elas preencheram um “diário” com o
registro artístico de seus sentimentos, desejos
e dos fatos do cotidiano, além de escreverem
textos sobre como estavam se sentindo
naquele dia – o diário possuía uma tabela de
Abraham, possibilitando relacionar os escritos
ao ciclo menstrual de cada estudante. Em
seguida, essa produção artística foi discutida
com a arteterapeuta.
Já em 27 de novembro de 2013, dentro das
atividades da pesquisa, as alunas do Ensino
Médio do Colégio Dante puderam assistir à
palestra “Ciclo menstrual e TPM: como o ciclo
significativa apenas nas
categorias “irritadiça, mau
humor” e “sentimental,
emoções mais fortes”.
Ana Carolina e Gabriela
Objetivo do trabalho
desenvolvido por Ana
e Gabriela é fazer com
que as adolescentes
entendam e valorizem
o próprio corpo e as
mudanças que ocorrem
mensalmente
afirmaram que, em parte, isso ocorre devido
ao fato de que a imagem que o senso comum
formou sobre a síndrome pré-menstrual é
esta: a de uma menina irritável e sentimental.
O senso comum, segundo as pesquisadoras,
também se fez presente nas respostas a
respeito das causas para os comportamentos
de uma garota portadora da SPM durante seu
período pré-menstrual. Apesar de 56,67% das
pesquisadas citarem os hormônios como o
maior motivo disso, o que chamou a atenção
de Ana Carolina e Gabriela foi o fato de
nenhuma saber exatamente qual é o papel dos
hormônios, a sua importância e como podem
afetar realmente a portadora da síndrome
pré-menstrual. “Com isso, é possível afirmar,
novamente, que as meninas têm uma visão
superficial do ciclo menstrual, principalmente
do período pré-menstrual”, constataram.
Quanto à palestra com o dr. Eliezer, as
estudantes-espectadoras fizeram algumas
considerações ao final da atividade,
destacando, especialmente, o fato de terem
adquirido ali um melhor entendimento
sobre o ciclo menstrual e, especificamente, a
respeito do funcionamento e da regulação dos
hormônios femininos.
As garotas que participaram da pesquisa
também destacaram os benefícios da
arteterapia. Uma delas, por exemplo, afirmou
Arquivo pessoal das pesquisadoras
menstrual pode ser aliado, e não inimigo,
do equilíbrio feminino”, proferida pelo dr.
Eliezer Berenstein. Na ocasião, ainda foram
distribuídas pequenas tabelas para incentivar
o controle do ciclo menstrual. Algumas das
espectadoras admitiram que, até então,
nunca haviam feito regularmente o controle,
mas que, depois da interação com o dr. Eliezer,
perceberam a importância do procedimento e
pretendiam passar a realizá-lo como forma de
entenderem a si mesmas e as mulheres que
as cercam.
Resultados
Ao analisarem as respostas apresentadas nos
questionários pré-intervenção (primeira parte
do trabalho), as pesquisadoras destacaram
algumas informações. Segundo Ana Carolina
e Gabriela, existe uma forte correspondência
entre o fato de as meninas não se sentirem
confortáveis em conversar com a mãe sobre
a SPM e também não fazerem o controle
da menstruação. “Isso nos leva a crer que o
diálogo sobre a síndrome pré-menstrual está
intimamente ligado ao autoconhecimento
(nesse caso, mensurado pelo controle do
ciclo menstrual), pois, uma vez que a jovem
conversa sobre esse assunto, ela deve se
sentir mais confortável em pesquisar, além
de se interessar mais e passar a ver a situação
como realmente é: sem tabus”, avaliaram.
Em outro ponto, as pesquisadoras cruzaram
as opiniões das entrevistadas acerca do
comportamento das portadoras da SPM e a
respeito de seus próprios
comportamentos durante
o período pré-menstrual.
Verificou-se uma relação
27
que a atividade a ajudou a mudar o foco para
algo bom em dias em que estava se sentindo
mal, além de usar suas energias para um
exercício criativo.
Conclusão
Diante de todos esses dados e cenários,
Ana Carolina – que continua a desenvolver
o trabalho – teceu algumas conclusões e
reforçou outras. Por exemplo, a de que o
conhecimento da SPM é realmente superficial
e estereotipado, pois as respostas são as que o
senso comum geralmente associa à portadora
Sobre as pesquisadoras
Arquivo pessoal das pesquisadoras
Ana Carolina e Gabriela Pane Farias
descobriram no programa de pré-iniciação
científica Cientista Aprendiz, do Colégio Dante
Alighieri, a possibilidade de poder produzir
conhecimento – e não só estudar assuntos
já explorados. A partir daí, decidiram realizar
uma pesquisa sobre a síndrome pré-menstrual
(SPM).
“Havíamos lido um livro sobre a síndrome
pré-menstrual e outro sobre a valorização
da feminilidade, da ciclicidade hormonal e
do próprio corpo. Ficamos interessadas em
estudar como era a relação das meninas da
nossa idade com o próprio ciclo menstrual, e
como este afetava a vida delas. Na primeira
parte do trabalho, observamos que as garotas
não tinham uma relação muito positiva com o
próprio ritmo biológico. Foi aí que tive a ideia
de intervir e propor ações que as ajudassem
a ter uma melhor relação consigo mesmas,
28
da síndrome. Ou seja, o conhecimento das
jovens ainda não é o suficiente, tornando a
convivência com a síndrome mais complicada.
Nessa busca pelo autoconhecimento, o
preenchimento da tabela de Abraham se
mostrou uma importante ferramenta, pois
proporcionou às jovens momentos de reflexão
sobre o próprio corpo e seus sentimentos.
“A intervenção teve um efeito positivo na
vida das jovens, ajudando-as a alcançar o
autoconhecimento e a estimar sua variedade
hormonal, assim como lidar melhor com
seu próprio ciclo menstrual e minimizar as
consequências da SPM”, avaliou Ana Carolina.
elevando assim sua qualidade de vida”, explica
Ana Carolina, premiada pelo trabalho em feiras
de ciências nacionais (Febrace) e internacionais
(Genius Olympiad).
Ana Carolina segue desenvolvendo a pesquisa/
intervenção, atividade que concilia com os
estudos na 2ª série do Ensino Médio e no
grupo de robótica do Dante. Além disso,
a adolescente gosta de ler, escrever, jogar
handebol, assistir a filmes, conhecer novos
lugares e discutir sobre o papel da mulher na
sociedade atual – o que tem tudo a ver com
seu trabalho de pré-iniciação científica.
“A importância do meu projeto está no fato
de que a feminilidade, o ciclo menstrual e a
variação hormonal são elementos muitos
importantes, que devem ser valorizados
pelas mulheres. Contudo, atualmente, esses
elementos são considerados negativos, razão
pela qual devem, muitas vezes, ser suprimidos
pelo uso de medicamentos, por
exemplo. Na verdade, a variedade
e ciclicidade podem ser aspectos
muito positivos, mas é preciso que a
mulher entenda como seu próprio
corpo funciona. Meu trabalho busca
fazer com que as jovens entendam
e valorizem o próprio corpo e as
mudanças que ocorrem mensalmente”,
diz. Já Gabriela, que deixou a pesquisa
antes do começo da segunda etapa,
segue estudando na 2ª série do Ensino
Médio e pretende ser médica obstetra.
Gabriela deixou a pesquisa,
mas Ana Carolina (foto) segue
desenvolvendo o projeto
(Ponto de vista)1
Feiras de ciências: um
caminho mais prazeroso
para a aprendizagem
Ereci Teresinha Vianna Druzzian(1)
D
esde os primórdios de sua história, o
homem questiona e tenta entender o mundo
ao seu redor. Por meio da observação dos
fenômenos naturais, busca a resposta para os
mais diversos problemas enfrentados no dia a
dia.
Na escola, essa busca não é diferente, e
proporcionar ao estudante momentos em que
a curiosidade, as competências e as habilidades
individuais possam ser transformadas em
respostas traz um significado muito maior para
a sua aprendizagem. Reconhecer a pesquisa
desenvolvida na sala de aula é oportunizar
aos professores e alunos momentos de
descobertas.
A divulgação dessas descobertas se constitui
um caminho de integração e troca. As feiras
de ciência têm se mostrado um lugar de
construção de múltiplos conhecimentos e
alternativas para os trabalhos e projetos
desenvolvidos nas salas de aula, tanto no
Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio.
Trabalhar com metodologia científica e com
projetos de pesquisa faz com que a construção
das aprendizagens seja efetiva. As feiras de
ciências surgem, assim, como um movimento
na educação que interliga a metodologia
científica ao conhecimento da sala de aula.
Conforme o Programa Nacional de Apoio às
Feiras de Ciências da Educação Básica, tais
eventos são conhecidos como uma atividade
pedagógica e cultural com elevado potencial
motivador do ensino e da prática científica no
ambiente escolar. (2)
A Mostratec – Mostra Brasileira de Ciência e
Tecnologia e Mostra Internacional de Ciência
e Tecnologia – é reconhecida, no estado do
Rio Grande do Sul e no país, como um evento
que tem contribuído para a construção do
conhecimento científico.
Anualmente, mais de 4 mil escolas do Ensino
Fundamental, Médio e Profissional, e quase 15
mil alunos (3) desenvolvem pesquisa científica
na feira realizada em Novo Hamburgo-RS.
Isso representa um número significativo
de pessoas envolvidas no processo, pois
os estudantes, ao iniciarem seus trabalhos
acompanhados por um professor, buscam
apoio em outras instituições, criando e
fortalecendo um “círculo” que reverte para a
produção de conhecimento. E, ao divulgarem
suas pesquisas nas feiras de ciências, fazem
com que outras pessoas entrem em contato
com suas descobertas.
Ao participar desse processo, o aluno se
apropria de inúmeros saberes e competências,
fazendo da aprendizagem um caminho muito
mais significativo e prazeroso. Como diz Pedro
Demo, educar pela pesquisa(4) é motivar o
aluno a fazer as próprias interpretações.
Com isso, chego à conclusão de que participar
de feiras de ciências é dar espaço para que
nossos alunos e professores encontrem
respostas e ampliem suas descobertas. É
construir e reconhecer um caminho que nos
permitirá alcançar, através do movimento
pela ciência, uma educação de qualidade e de
pesquisa no país.
1. Coordenadora-geral da 29ª Mostratec
2. Programa Nacional de Apoio às Feiras de Ciências
da Educação Básica – Fenaceb / Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Básica – Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Básica, 2006
3. Dados da Mostratec 2014
4. DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas:
Autores Associados, 2003, 6ª ed.
29
+(Meio Ambiente
& Sustentabilidade)
Nova membrana
para absorção de
petróleo em casos
de derramamento
E
m 20 de abril de 2010, uma explosão na
plataforma de exploração Deepwater Horizon,
além de 11 mortes, causou o vazamento de
aproximadamente 205 milhões de galões
de petróleo nas águas do Golfo do México,
atingindo mais de 1.000 km de costa e gerando
riscos de gravíssimos impactos ambientais. Em
casos como esse, um dos maiores problemas
é justamente como, após conter o vazamento,
realizar a retirada do óleo que se instala
sobre a água. Gabriel Chiomento da Motta e
Raíssa Müller, estudantes do Curso Técnico de
Química da Fundação Escola Técnica Liberato
Salzano Vieira da Cunha, em Novo HamburgoRS, decidiram enfrentar essa questão em seu
projeto de pesquisa de pré-iniciação científica,
“MASE - Membrana de Absorção Seletiva”. Os
estudantes propuseram o desenvolvimento
de uma membrana porosa de criptomelano
como uma alternativa sustentável e
economicamente viável para a absorção de
óleos em geral.
De acordo com os pesquisadores, a membrana
desenvolvida por eles apresenta a capacidade
de absorção de 8 a 15 vezes seu próprio volume.
Além disso, tem como diferencial em relação
a outros métodos de remoção a habilidade
de absorver apenas líquidos apolares (como
o petróleo, o óleo de cozinha e a gasolina),
não englobando a água. “Tal membrana
30
poderia atuar em derramamentos de óleos
em geral, evitando a contaminação de solos.
Também comprovamos a possibilidade da
recuperação dos líquidos absorvidos com um
rendimento de, aproximadamente, 100%. Ou
seja, ainda podemos reutilizar esse material
diversas vezes sem nenhuma alteração em
suas propriedades”, explicam Gabriel e Raíssa.
Uma das principais fontes de energia utilizadas
no planeta, o petróleo pode, entretanto, ser
causador de inúmeros problemas quando
lançado nos mares e oceanos. Isso porque
ele é capaz de afetar a base da cadeia
alimentar dos ecossistemas aquáticos,
prejudicando a absorção de nutrientes dos
fitoplânctons e dos níveis tróficos seguintes,
e provocar o envenenamento de espécies,
gerando, por exemplo, lesões nas mucosas
do sistema respiratório e hipotermia em aves.
Assim, além de acarretar a morte de muitos
habitantes do ambiente aquático, ocasiona
transtornos à população que utiliza a área
marítima como fonte de sustento ou lazer. E,
infelizmente, vazamentos de petróleo não são
eventos raros. De acordo com um estudo do
ITOPF (International Tanker Owners Pollution
Federation Limited – uma associação que
trabalha no combate à poluição marinha),
de 1970 a 2012, foram registrados 1.350
incidentes do tipo, totalizando cerca 6,75
bilhões de litros de petróleo derramados nos
mares e oceanos – esses dados são referentes
somente a derramamentos de médio porte
(entre 7 e 700 toneladas).
Atualmente, há diversas técnicas para a
contenção e a remoção de petróleo – como
contenção mecânica, uso de dispersantes
químicos, queima in-situ. Porém, em sua
maioria, se apresentam muito lentas ou
tóxicas. Outra modalidade é a de materiais
absorventes (como turfa vegetal e palha de
milho), caracterizados pela capacidade de
retirarem rapidamente o óleo da superfície,
além de causarem prejuízos mínimos ao meio
ambiente. Entretanto, ocupam grande volume
e têm baixa capacidade de absorção.
Dessa forma, Gabriel e Raíssa propuseram
a produção de uma membrana porosa
de absorção seletiva feita do mineral
criptomelano (formado por K1,5-2Mn8O16),
revestida de vapores de silicone (para que os
fragmentos da cadeia de silicione tornassem a
película hidrofóbica, impedindo-a de absorver
água). “A membrana de criptomelano com
revestimento de vapores de silicone é
altamente seletiva, absorvendo até 22 cm3
de óleo por 1 cm3 de membrana. Todo óleo
absorvido ainda pode ser recuperado através
de extração soxhlet e destilação, podendo
voltar para a indústria petrolífera. Ainda,
a membrana pode ser limpa e reutilizada
diversas vezes sem perda na sua capacidade
de absorção”, explica Raíssa.
Troca iônica e aplicação de silicone
Na etapa seguinte, os filmes de criptomelano
produzidos foram mantidos em contato com
soluções contendo cloreto de amônio em
excesso. A intenção era modificar a estrutura
da membrana através da troca de íons potássio
por íons amônio. Para a determinação do
tempo ideal de exposição à solução de NH4Cl
(cloreto de amônio), diferentes fragmentos da
Arquivo pessoal dos pesquisadores
Metodologia
Após realizar um estudo sobre o
comportamento do óleo no mar (o que
compreende os processos de espalhamento,
evaporação, dispersão, emulsificação e
dissolução – importantes nos períodos iniciais
de um derrame de óleo –, além de oxidação,
sedimentação e biodegradação, que ocorrem
em longo prazo), os pesquisadores definiram
a metodologia dos experimentos.
O processo de trabalho foi então dividido
nas seguintes etapas: produção do filme
poroso de criptomelano; processo de
aumento da porosidade da membrana por
meio de troca iônica e decomposição em
forno mufla; modificação superficial com
silicone para tornar hidrofóbico o objeto;
teste da capacidade de absorção de líquidos
apolares (como gasolina, óleo vegetal e
petróleo), e da reutilização destes; teste de
estabilidade térmica do objeto absorvente.
Por fim, analisou-se a estrutura do material
utilizando-se as técnicas de Difração de Raio-X
e Microscopia Eletrônica de Varredura.
Para a produção do filme de criptomelano,
foram testadas duas alternativas: o método
sol-gel – caracterizado pela transição de uma
suspensão coloidal de partículas sólidas para
um líquido (sol), e, subsequentemente, a
formação de um material de fase dupla (gel) –
e o método de refluxo de soluções.
Foi justamente o método de refluxo que
se mostrou o mais adequado, uma vez que
proporcionou a formação de uma película
uniforme e resistente, enquanto o método solgel produziu um filme de superfície irregular
e de menores propriedades mecânicas
(elementos que definem o comportamento
de um material sólido quando submetido a
esforços externos). Cabe observar que, após a
obtenção do criptomelano através da reação
de refluxo, a solução foi colocada em molde de
teflon e aquecida para evaporação e formação
do filme sólido.
Acima, o processo de obtenção do criptomelano
por meio de um refluxo de 24h; abaixo, o filme
de criptomelano em um molde de teflon
31
Arquivo pessoal dos pesquisadores
membrana foram deixados em contato com
a solução por períodos de 4, 6 e 20 horas.
Efetuada a troca iônica completa, o filme foi
colocado em um forno mufla, à temperatura de
600 oC, com o intuito de promover a oxidação
dos íons amônio, seguida da liberação do gás
nitrogênio. A remoção do cátion permite a
abertura dos poros, promovendo um aumento
considerável na porosidade da superfície da
película.
Para tornar a membrana hidrofóbica,
realizou-se o revestimento com vapores de
óleo de silicone durante períodos de 30 e 60
minutos. Tal iniciativa apresentou melhores
resultados em comparação ao filme sem
revestimento, pois, quando aplicada a gota
de água sobre a superfície, o líquido polar
foi repelido, enquanto os líquidos apolares
foram absorvidos pela membrana, mostrando
o caráter hidrofóbico e absorvente do
criptomelano revestido com silicone.
Os testes de absorção – efetuados tanto com
a membrana revestida de TNT (material que
permite a passagem de líquidos apolares e
repele a água, além de ter baixo custo; na
pesquisa, foi usado para facilitar a aplicação
da membrana no mar) quanto sem o tecido –
utilizaram as seguintes misturas: água + óleo
vegetal; água + petróleo; água + gasolina.
Os resultados indicam que a membrana
apresentou capacidade de absorção em
relação aos líquidos apolares de 8 a 15 vezes
seu volume.
Em seguida, os pesquisadores testaram a
capacidade de reutilização da membrana e dos
líquidos por ela absorvidos. Para recuperação
de líquidos voláteis, pôde ser realizado um
processo de destilação simples. Também é
32
Arquivo pessoal dos pesquisadores
A troca iônica do
criptomelano com o
cloreto de amônio (à
esq.) foi realizada para
aumentar a porosidade
do filme e dar-lhe maior
capacidade de absorção;
à direita, o processo de
recobrimento do material
com vapores de silicone
para torná-lo hidrofóbico
possível a evaporação sob aquecimento a 380
C. A gasolina pôde ser recuperada através de
evaporação e sistema de captação de seus
vapores. Já para líquidos viscosos, foi utilizado
o processo de extração soxhlet, seguido de
destilação simples. A membrana apresentou
alta taxa de absorção após os processos,
comprovando a possibilidade de sua
reutilização. Em relação ao reaproveitamento
dos líquidos absorvidos, para o óleo de cozinha
foi obtido rendimento de 97,9%, enquanto o
petróleo teve desempenho de 93,7%.
Testada também a termoestabilidade
(somente a partir de 800 °C que a membrana
começou a se desmanchar), os pesquisadores
utilizaram o método de difração de raio X para
avaliar a estrutura cristalina da membrana.
Comparando com difratogramas obtidos
para o criptomelano em outros trabalhos, foi
possível identificar os planos de difração do
mineral. Ou seja, os picos obtidos no gráfico
confirmaram que o material era realmente
composto por criptomelano, devido à presença
de bandas características dessa substância.
Já a Microscopia Eletrônica de Varredura
(MEV) permitiu uma melhor caracterização
estrutural do absorvente seletivo. As imagens
fotografadas mostraram que o material
possuía estruturas porosas na escala de
nanômetros e micrômetros, sendo que o poro
de tamanho mínimo obtido na amostragem
foi de 485,1 nm e o de tamanho máximo foi
de 2,423 ɥm.
o
Análise econômica e conclusão
Considerando os custos de reagentes
necessários para a obtenção do criptomelano
por meio do método de refluxo,
e ainda, NH4Cl e óleo de silicone,
os pesquisadores estipularam
A repulsa do material à água
(líquido polar) demonstrada na foto
à esquerda; ao lado, um exemplo
de como a membrana poderia ser
aplicada em um derramamento de
petróleo: ela flutua na interface
entre os líquidos, absorvendo
petróleo e repelindo água
Sobre os pesquisadores
Gabriel e Raíssa cultivam a paixão pela ciência
desde a infância – seja assistindo a programas
de televisão no estilo de o Laboratório de
Dexter, seja participando de feiras de ciências
escolares. Já mais velhos, ficaram fascinados
com a possibilidade de desenvolver pesquisas
que propõem soluções para melhorar o
mundo. Foi assim que, no Curso Técnico de
Química da Fundação Escola Técnica Liberato
Salzano Vieira da Cunha, em Novo HamburgoRS, eles decidiram trabalhar com pré-iniciação
científica.
Após escolherem o tema “derramamentos
de óleo”, a dupla encontrou estudos sobre
o criptomelano. Decidiram, então, testar se
o mineral poderia funcionar na prática como
uma esponja capaz de absorver esses óleos
derramados em vez de apenas quebrar suas
moléculas. O longo processo de trabalho para
realizar modificações e descobrir as melhores
condições para se chegar à ideia final do
projeto foi compensado pelo reconhecimento
científico que o “MASE - Membrana de
Absorção Seletiva” recebeu: os estudantes
conquistaram prêmios em renomadas feiras
de ciências, como Mostratec e Intel Isef (essa
última realizada nos EUA). A pesquisa foi
orientada pela profª. Schana Andréia da Silva.
Entretanto, o projeto está temporariamente
paralisado devido à falta de recursos e aos
afazeres dos pesquisadores – Raíssa faz
estágio do Curso Técnico e estuda Psicologia
na Universidade Federal de Ciências da Saúde
de Porto Alegre (no futuro, ela pretende
trabalhar na área de neurociências e seguir
O valor é relativo a uma única aplicação da
membrana, desconsiderando valores de
transporte e extração de líquido da membrana.
Sendo possível afirmar que a membrana pode
ser reutilizada diversas vezes, e o óleo pode
ser recuperado, a taxa de redução econômica
do método vai além dos custos diretos
de produção”, afirmam Gabriel e Raíssa,
satisfeitos com o resultado da pesquisa.
“A membrana produzida representa uma
alternativa sustentável para contenção de
derramamentos de óleos e preservação do
bioma marinho e terrestre. Ainda proporciona
a recuperação dos líquidos apolares
absorvidos e a reutilização da membrana
diversas vezes, devido à sua alta seletividade
e termoestabilidade. Assim, impulsiona
uma redução de impactos econômicos e
ambientais, o que comprova sua eficiência e
viabilidade”, ressaltam.
Arquivo pessoal dos pesquisadores
o preço final da membrana em R$ 15,75/
kg. Com a proposta de cortar gastos, os
pesquisadores sugeriram obter o MnSO4
(sulfato de manganês) através do resíduo de
pilhas. Essa ideia proporcionaria uma redução
do custo para R$ 14,4/kg.
Dessa forma, para fazerem uma análise
econômica dos resultados do projeto, os
pesquisadores usaram como parâmetro o
vazamento de petróleo ocorrido no Golfo
do México, que contabilizou cerca de 780
milhões de litros de petróleo despejados no
oceano. Segundo dados da pesquisa, estimase que foram gastos R$ 5 bilhões para conter
o vazamento de 2010.
“Considerando o preço da tonelada da
membrana e sua taxa de absorção para o
mesmo volume de óleo derramado no Golfo
do México, seriam gastos R$ 3,48 bilhões.
Gabriel e Raíssa conquistaram prêmios
em renomadas feiras de ciências,
como Mostratec e Intel Isef
com pesquisas científicas). Já Gabriel está na
etapa final do Curso Técnico de Química da
Fundação Liberato e também faz o estágio
obrigatório (sua intenção é cursar Farmácia).
Os pesquisadores, porém, ainda sonham em
ver o projeto sendo utilizado no dia a dia
para solucionar problemas relacionados aos
vazamentos de óleo. “O projeto ainda precisa
de aprimoramentos e mais testes em maior
escala para podermos pensar numa aplicação
em mares e oceanos. Porém, precisaríamos
de um laboratório mais especializado para
produção em grande escala”, diz Raíssa.
“Acreditamos que alguma empresa ou pessoas
com experiência nessa área poderiam dar
continuidade à pesquisa para possibilitar o
desenvolvimento e a aplicação desse material
em escala industrial”, completou Gabriel.
33
+(Meio Ambiente
& Sustentabilidade)
Sistema reaproveita
água residuária
e ajuda no
combate à seca
U
34
ma alternativa simples para um problema
grave. É basicamente esse o papel que o
projeto “Água renovada” representa diante
do drama da seca no nordeste brasileiro.
Larissa Brenda Gonsalves Miná, Adelaide
Laleska de Oliveira Santana e Francisco Júnior
Gomes Nicácio, então estudantes do Instituto
Federal do Ceará - Campus Juazeiro do Norte,
propuseram o reaproveitamento de águas
residuárias domésticas (também chamadas
de águas cinzas, provenientes da lavagem de
roupas, pisos e utensílios, além de banhos e
pias). Para viabilizar a ideia, o grupo utilizou
uma técnica de destilação, executada por
meio de um destilador e dessalinizador
facilmente aplicado ao solo, e associada ao
uso de materiais acessíveis.
Em outras palavras, a iniciativa cria um sistema
simples e barato capaz de transformar águas
residuais, vindas de atividades domésticas e
do banho, em uma água de melhor qualidade,
que poderá ser utilizada de diversas maneiras,
influenciando no modo e na qualidade de vida
de muitas pessoas. “Objetiva-se que, com
a aplicação do sistema proposto, em local
apropriado, as famílias possam reutilizar a
água que antes seria descartada [e que poderia
contaminar o solo e lençóis freáticos, pois, em
muitos locais do interior do Brasil e do mundo,
não há saneamento básico], destinando
esta ao plantio de frutíferas, hortaliças ou
até vegetação para consumo animal. Além
disso, há a possibilidade de ser utilizada
no tratamento de adubo orgânico, a partir
do esterco do gado, o qual posteriormente
poderá ser usado para enriquecer o solo
desgastado pelo calor excessivo”, explicam os
pesquisadores.
Funcionamento
O sistema consiste em um buraco com cerca
de 1,30m de diâmetro cavado no chão. O solo
é impermeabilizado com um plástico preto,
onde a água residuária será depositada. Acima,
há um plástico transparente que funciona
como tampa do orifício. Os raios de sol passam
por esse plástico transparente e atingem a
água suja, aquecendo-a e promovendo sua
evaporação, a qual gera gotículas no momento
em que o líquido toca a tampa do sistema.
Tais gotículas caem no meio do dispositivo,
passando por um funil revestido de tecido.
O objetivo do funil é reter pequenos resíduos,
como areia, permitindo que apenas a água,
agora limpa, seja capturada em um balde.
Em seguida, o líquido é retirado e pode ser
reaproveitado para diversos usos. De acordo
com as estimativas dos estudantes, em
condições favoráveis – local aberto, em um
dia quente – é possível obter de 2 a 3 litros de
água limpa em um período de dois dias.
O projeto visa atender aos moradores das
regiões de clima seco em geral, que muitas
vezes deixam seus locais de origem devido
às condições naturais desfavoráveis à
sobrevivência – além de também enfrentarem
problemas com a falta de saneamento básico.
“A água resultante da técnica será de ajuda
significativa para as famílias que vivem em
situações de escassez [de água] e abundância
Arquivo pessoal dos pesquisadores
O sistema desenvolvido pelos
pesquisadores foi testado
em residências de Juazeiro
do Norte que sofrem com
problemas relacionados a
saneamento básico e à carência
de gerenciamento de água
Arquivo pessoal dos pesquisadores
de energia solar. Como a utilização dessa água
é bastante diversificada, várias atividades
poderão ser restabelecidas e aprimoradas,
resultando em melhor qualidade de vida para
os sertanejos. O uso da água resultante da
técnica auxiliará, também, na racionalização
de água potável, a qual ficará restrita apenas à
ingestão e/ou consumo direto do ser humano.
Objetiva-se que a reutilização da água
residuária amenize o êxodo rural e fixe melhor
o agricultor no campo, onde este desempenha
um papel muito importante”, planejaram os
pesquisadores.
O sistema de destilação
Assistindo a um documentário a respeito de
sobrevivência no deserto, Larissa conheceu
o experimento em que um biólogo fazia
uma destilação de urina para obtenção de
água consumível a partir de uma pequena
estrutura rústica cavada no solo. A estudante
logo relacionou a ideia à possibilidade de
desenvolver um projeto para combater
os efeitos da seca, perceptíveis a poucos
quilômetros de sua cidade. “Como a taxa
de saneamento básico nessas localidades
atingidas pela seca são baixíssimas, pensei em
destilar a água que era usada nas atividades
domésticas para que ela fosse utilizada
novamente”, conta a pesquisadora, que
ganhou a companhia dos colegas Júnior e
Laleska no trabalho.
Inicialmente, eles reproduziram o experimento.
A partir de uma quantidade aproximada de 5
litros de água limpa, após dois dias sob luz solar
intensa, obtiveram cerca de 2 litros
de água. O êxito do teste motivou
os estudantes a realizar uma ampla
pesquisa bibliográfica. Em seguida,
partiram para o estudo de campo,
planejando a estrutura do sistema.
Como características do dispositivo, os
pesquisadores elencaram pouca profundidade
(para facilitar a escavação), dimensões
favoráveis para armazenar relativa quantidade
de água residuária e uso de materiais
acessíveis. Entretanto, com as experiências de
campo, essa estrutura seria incrementada.
A primeira estrutura montada (um pouco
menor e diferente da atual, com cerca de
90 cm de diâmetro e pouco mais de 25
cm de profundidade) perdeu muita água
residual ainda na armazenagem, visto que,
na impermeabilização, não foi utilizado um
material contínuo, mas sim retalhos de sacolas
plásticas fixadas no solo com gravetos, que se
mostraram incapazes de reter a água.
À época ainda sem possuir apoio financeiro,
para tentar sanar o problema, os pesquisadores
construíram duas barreiras simétricas a fim de
fixarem duas sacolas pretas mais resistentes.
Estas foram presas com pequenas estacas na
parte exterior do sistema, diminuindo a perda
de líquido.
Além da construção das duas barreiras, os
estudantes adicionaram ao sistema uma valeta
com profundidade aproximada de 5 cm para
auxiliar a fixação e a estabilização da tampa
feita de plástico. As dimensões também foram
alteradas – o sistema atingiu profundidade de
50 cm e diâmetro de 1,5 metros. Para tampar
o sistema, utilizou-se uma lona preta com 2
metros de comprimento e de largura.
A água retirada do sistema também foi usada pelos pesquisadores para o cultivo de uma horta
35
Arquivo pessoal dos pesquisadores
Acima, a montagem do
sistema; abaixo, o dispositivo
já em funcionamento
Entretanto, com a obtenção de um apoio
financeiro, Larissa, Júnior e Laleska
puderam desenvolver uma tampa de
plástico transparente, facilitando, assim,
a condensação do vapor de água, pois a
ausência de coloração permite que a luz
solar atinja a água residuária diretamente,
aquecendo-a com maior facilidade, ao mesmo
tempo que impede que a tampa retenha
grande quantidade de calor.
Mais melhorias
Outra
necessidade
constatada
pelos
pesquisadores durante o desenvolvimento
da estrutura foi a de inclinação da superfície
da tampa, localizando-a sobre o recipiente
coletor de água. “Tal angulação pode ser
alcançada de várias maneiras: utilizando-se
pedras, sacolas brancas contendo água ou até
mesmo um funil. O uso de pedras é a maneira
mais simples, porém, as sacolas plásticas com
água auxiliam na diminuição da temperatura
na tampa e, consequentemente, ajudam na
condensação do vapor de água”, explicam
os pesquisadores, destacando, também, que
a alternativa de uso do funil influi bastante
na quantidade de água que irá resultar do
processo – o ducto menor do funil deve ser
preenchido com algodão, tecido ou retalho
permeável, pois assim, quando houver
precipitação, a água da chuva entrará em
contato com a água destilada somente após
ter sido parcialmente filtrada.
Os estudantes ainda construíram outra
estrutura, montando-a sem as barreiras e com
uma lona contínua, facilitando, dessa maneira,
a alimentação do sistema por meio de uma
encanação simples. Também foi instalada uma
boia no final do encanamento a fim de se ter
melhor controle e evitar que a água residual
chegue em grande quantidade, invadindo o
recipiente coletor.
Nessa fase, os estudantes realizaram alterações
36
nas dimensões do sistema,
que passaram a manter
um padrão (circunferência
maior: profundidade entre 40 e 55cm e largura
[diâmetro] de cerca de 170
cm; e circunferência menor
de 50 cm de profundidade e
40 cm de largura, sendo que
este último valor depende do
diâmetro do balde).
Com todas essas melhorias,
os pesquisadores passaram
às análises quantitativas do
volume de água resultante, estabelecendo
uma frequência com relação à quantidade de
água retirada em determinados dias de coleta.
O próprio líquido coletado destinou-se a
experiências. Por exemplo, duas cebolas foram
mergulhadas por 15 dias em águas distintas:
uma cebola, submersa em água vinda das
torneiras
domiciliares,
desenvolveu-se
perfeitamente; a segunda, colocada em água
recolhida da estrutura de destilação proposta,
apresentou o mesmo desenvolvimento da
primeira. Teste semelhante foi feito com
grãos de feijão – com água natural e água do
sistema sugerido – com ambos apresentando
desempenhos semelhantes. Por fim, essa água
serviu para o tratamento do adubo orgânico
utilizado para enriquecer o solo onde se
cultivou uma pequena horta (na qual também
foi usada a água retirada do sistema).
Análise qualitativa
Por meio de análises laboratoriais, Adelaide,
Laleska e Júnior buscaram a certificação da
qualidade da água resultante do trabalho.
Com o auxílio do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará –
Campus Juazeiro do Norte, juntamente com o
Grupo de Pesquisa em Química, Microbiologia
e Saneamento Ambiental (Quimisam), analisaram uma amostra de 2 litros de água
retirada do sistema, constatando que, após
tratamento convencional ou avançado, seria
possível a utilização dessa água em atividades
como o abastecimento para consumo humano,
a irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e
forrageiras; a pesca amadora; a recreação de
contato e a dessedentação de animais.
Implantação em residências
A etapa mais recente do trabalho consistiu na
aplicação do sistema em algumas residências.
Com base nos dados da Prefeitura de Juazeiro
do Norte, os pesquisadores escolheram um
local que sofre com problemas relacionados
Sobre os pesquisadores
Alunas do Curso Técnico de Edificações
do Instituto Federal do Ceará - Campus
Juazeiro do Norte, Larissa e Laleska tinham
em comum com Francisco Júnior, estudante
de Eletrotécnica na mesma escola, o gosto
pela ciência. Tanto que os três se uniram e
levaram ao professor Ricardo Ferreira da
Fonseca o sonho de participarem da Febrace
(Feira Brasileira de Ciências e Engenharia).
Ele aceitou orientá-los, mas deixou claro que
seria necessário apresentarem um projeto
consistente. “Isso nos despertou a olhar
para além de nossas casas, para analisar as
dificuldades dos outros, pensar no próximo e
buscar soluções para ajudá-los”, explicam os
pesquisadores.
Com o projeto “Água renovada”, eles não
só conseguiram participar da Febrace, como
conquistaram cinco premiações na feira
(incluindo o Prêmio Unesco de Inovação).
Além disso, foram agraciados com o prêmio
“Jovens Inventores”, do programa “Caldeirão
do Huck”, da TV Globo.
“A técnica que desenvolvemos permite que as
pessoas que sofrem com a falta desse recurso
possam restabelecer atividades prejudicadas
pela escassez, promovendo melhor qualidade
de vida. Surgiram algumas propostas para que
uso da água originada do sistema. “É preciso
salientar que essa água é inviável para fins
diretos ligados ao organismo humano, pois,
segundo o Ministério da Saúde, para que a
água seja potável e adequada ao consumo
humano, deve apresentar características
microbiológicas, físicas, químicas e radioativas
que atendam a um padrão de potabilidade
estabelecido. Sendo assim, a água considerada
potável passa por vários processos de
purificação. Uma água já usada, mesmo tendo
passado pelo processo de destilação, pode
conter algumas substâncias impróprias ao
organismo humano, não sendo aconselhável
sua ingestão”, esclarecem.
Os pesquisadores também não escondem o
sonho de que o projeto possa ser aplicado
em larga escala, ajudando a população em
geral. “Confirmamos quão fácil a aplicação e
quão grande pode ser a eficiência do sistema,
podendo considerar que sua aplicação em
maior escala nos levaria ao nosso objetivo
principal, que não envolve apenas o bemestar de uma só família, mas sim uma melhor
qualidade de vida para toda uma população
que sofre com a seca incessante e a escassez
de água”, afirmam.
esse projeto fosse colocado no mercado, mas
ele foi feito com materiais simples para que
qualquer pessoa possa utilizá-lo”, explicam.
Atualmente, Larissa cursa Medicina na
Universidade Federal do Ceará, enquanto
Júnior e Laleska estão no Ensino Médio
integrado aos cursos técnicos de Eletrotécnica
e de Edificações, respectivamente, no IFCE.
Arquivo pessoal dos pesquisadores
a saneamento básico e à carência de
gerenciamento de água.
No bairro Tiradentes, os estudantes
entrevistaram a sra. Cida, fazendo-lhe
perguntas sobre o consumo diário de água.
Larissa, Laleska e Júnior ainda observaram o
local de descarte da água, classificado como
“inadequado e prejudicial à comunidade, pois
serviria como vetor de doenças, por conta
de sua localidade”. Com o auxílio do mestre
de obras do IFCE - Juazeiro do Norte, sr. Luis,
e de seu ajudante, sr. José, os estudantes
implantaram o sistema na casa da sra. Cida.
Conclusão
Larissa, Laleska e Júnior acreditam ter atingido
os objetivos propostos no trabalho. Segundo
eles, após passar pelo sistema, a água perde
a maior parte de suas impurezas e pode ser
reutilizada em atividades relacionadas à
agricultura e ao cultivo de frutíferas e vegetais.
O tratamento do adubo orgânico e a limpeza
de casas são outras ações que poderiam fazer
uso desse líquido resultante do projeto.
Entretanto, eles fazem uma ressalva sobre o
Adelaide Laleska, Francisco e Larissa
sonham que o projeto seja aplicado em larga
escala, ajudando a população em geral
37
+(Saúde)
Macaíba é usada
como suplemento
alimentar no combate
à desnutrição
A
38
o lerem um artigo científico sobre a
macaíba, escrito por Edvaldo Vieira da S.
Júnior, aluno da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), Elda Priscila da Silva
Souza, Maria Aline Silva da Costa e Paloma
Luíza de Souza França pensaram em utilizar o
fruto no combate à desnutrição. Para tanto, as
estudantes da Escola de Referência em Ensino
Médio Maria Vieira Muliterno, em Abreu
e Lima-PE, realizaram o trabalho de préiniciação científica “Acrocomia Intumescens
- fruto demasiadamente rico que pode atuar
como alternativa de suplemento alimentar:
avaliação da eficácia do fruto no tratamento
contra a desnutrição”.
A pesquisa apontou que o fruto analisado
apresenta uma composição rica em micro e
macro nutrientes essenciais ao organismo
humano, podendo ser utilizado para minimizar
os problemas de desnutrição. No trabalho,
além comprovarem essa eficácia, as três
estudantes desenvolveram um questionário
para avaliar o conhecimento da população de
Abreu e Lima sobre os benefícios da macaíba e
promoveram ações para incentivar as pessoas
a consumir esse alimento.
“Segundo nossas pesquisas e análises, a
macaíba é uma alternativa de suplemento
alimentar, apresentando alguns minerais
em sua composição que podem auxiliar no
tratamento da desnutrição. Com o seu alto
teor nutricional, poderia substituir com
facilidade suplementos alimentares que são
mais caros”, afirmam as pesquisadoras, que
traçaram como objetivo principal do projeto
“divulgar para a população o valor nutricional
da macaíba e demonstrar um meio mais
saudável para completar a alimentação de
uma forma mais econômica, trazendo vários
benefícios para nossa saúde”.
Desnutrição
Desnutrição ou deficiências nutricionais são
doenças que decorrem do aporte alimentar
insuficiente em energia e nutrientes ou, ainda,
do inadequado aproveitamento biológico
dos alimentos ingeridos. Segundo a ONU
(Organização das Nações Unidas), quase 20
milhões de crianças menores de 5 anos em
todo o mundo sofrem de desnutrição aguda
grave (nesse caso, bebês e crianças não têm
energia, proteína e micronutrientes suficientes
na dieta, combinado com outros problemas
de saúde, como infecções recorrentes).
O diagnóstico da desnutrição se dá quando a
circunferência da parte superior do braço é
inferior a 115 milímetros ou quando a divisão
matemática do peso pela altura resulta
em um número extremamente pequeno.
Sofrem de desnutrição os indivíduos cujos
organismos manifestam sinais clínicos
provenientes da inadequação quantitativa
(energia) ou qualitativa (nutrientes) da dieta
ou decorrentes de doenças que determinem o
mau aproveitamento biológico dos alimentos
ingeridos.
“A Acrocomia intumescens, por ser uma
planta muito abundante na região nordeste
(região que historicamente sofreu com
problemas relacionados à desnutrição, apesar
da queda recente dos índices de incidência
da doença no local), se apresenta como uma
possibilidade para auxiliar no combate a tal
problema. Ela traz uma série de nutrientes
necessários para o metabolismo fisiológico
que, juntamente com uma alimentação
saudável, podem suprir a falta de proteínas
e minerais”, afirmam as pesquisadoras. “Por
meio do projeto, espera-se mostrar para a
sociedade um método econômico e saudável
para se obter uma melhor alimentação. Assim,
com o devido conhecimento das propriedades
benéficas do fruto, a população terá um meio
mais saudável e econômico de combater
e até diminuir os índices de pessoas com
desnutrição”, completaram.
Metodologia
Após lerem um artigo sobre a ampliação da
utilização da macaíba, Elda, Maria Aline e
Paloma foram investigar a composição química
do fruto. Em conversas com professores da
área de nutrição, constataram que a bocaiúva
(outro nome da macaíba) possui quantidades
significativas de lipídios, carboidratos,
proteínas, zinco, ferro, manganês, sódio,
potássio e outros minerais.
Depois de fazerem mais estudos em livros de
botânica, as estudantes passaram à pesquisa
de campo com a população de Abreu e Lima.
Arquivo pessoal das pesquisadoras
Quanto aos graus de desnutrição, temos a de
1º grau ou leve (o percentual fica entre 10%
e 25% abaixo do peso médio considerado
normal para a idade); a de 2º grau ou
moderada (o déficit situa-se entre 25% e 40%)
e a de 3º grau ou grave (a perda do peso é
igual ou superior a 40%). As crianças são
mais sensíveis a problemas de desnutrição,
pois apresentam necessidades alimentares
relativamente maiores, tanto de energia como
de proteínas, em relação aos demais membros
da família.
Entre as causas da desnutrição, podem
ser citados o baixo conteúdo energético
dos alimentos complementares utilizados
e administrados de forma insuficiente; a
indisponibilidade de alimentos devida à
pobreza, à desigualdade social, à falta de terra
para cultivar; as infecções virais, bacterianas
e parasitárias repetidas, que podem reduzir
a ingestão de nutrientes, sua absorção e
utilização; a fome causada por secas ou outros
desastres naturais; e as práticas inadequadas
de cuidado infantil.
Em geral, o combate à desnutrição se baseia
em medidas como a adequação da dieta, a
prevenção e o controle de doenças infecciosas;
o estímulo ao desenvolvimento da criança
e da educação para a saúde; o suporte para
as famílias através das ações oferecidas nas
unidades básicas de saúde.
Macaíba
Na busca por novos métodos para
auxiliar no combate à desnutrição,
as três estudantes encontraram a
Acrocomia intumescens. Essa fruta
faz parte da família Arecaceae,
representada
por
palmeiras
espalhadas por diversas regiões do
Brasil, das quais se podem aproveitar
variados elementos. Na pesquisa, o
foco esteve na polpa e na amêndoa
da macaíba, pois essas partes
possuem um alto valor nutricional,
configurando uma alternativa de
suplemento alimentar natural que
pode substituir outros produtos
industrializados e submetidos a
processos químicos.
Na pesquisa, Elda, Paloma
e Maria Aline buscaram
valorizar um fruto comum
na região em que moram
e que é capaz de ajudar no
combate à desnutrição
39
Elas questionaram se as pessoas conheciam o
fruto, bem como se sabiam utilizá-lo para fins
variados.
Nos dados obtidos pela pesquisa de campo,
constatou-se que 100% dos entrevistados
conheciam o fruto estudado, sendo que 71 %
dessas pessoas não sabiam como utilizá-lo de
uma maneira diversificada na culinária, o que
acaba implicando em um baixo consumo da
macaíba (46 %).
Chamou atenção também o fato de 80% dos
entrevistados considerarem que o fruto não
sacia a fome, sendo apenas uma sobremesa.
Porém, as estudantes destacam que 99% das
pessoas que responderam ao questionário
reconheceram que a macaíba pode ser uma
alternativa de suplemento alimentar natural.
Elda, Maria Aline e Paloma também verificaram
que existe uma dificuldade maior em relação
ao encontro do fruto na zona urbana.
Análise físico-química
Para a análise físico-química, as estudantes
contaram com a ajuda do biólogo/nutricionista
Edvaldo Vieira da Silva Junior. Pela avaliação dos
ácidos graxos (feita por meio de cromatografia
gasosa, na qual se realiza a separação de
compostos que podem ser vaporizados sem
40
Após a análise físico-química
da composição do fruto, as
pesquisadoras realizaram ações
para divulgar os benefícios
da macaíba para a população
de Abreu e Lima-PE
decomposição), verificouse a predominância de
insaturados na polpa e
saturados na amêndoa,
levando as estudantes a
concluir que o consumo
da polpa é vantajoso na
alimentação
humana.
Quanto ao teor de minerais, constataram que
a polpa da macaíba pode ser classificada como
rica em cobre [elemento importante para o
crescimento e desenvolvimento do indivíduo]
para crianças e como fonte para adultos de
qualquer idade, proporcionando 71 e 27%
da IDR (Ingestão Diária Recomendada) de
referência, respectivamente.
A Acrocomia intumescens apresentou,
também, sete dos 12 aminoácidos chamados
essenciais (isoleucina, leucina, lisina,
metionina, fenilalanina, treonina e valina).
“Baseada na composição cromatográfica,
nota-se que a macaíba possui aminoácidos
essenciais e minerais como zinco, cálcio,
ferro, manganês, magnésio, potássio. Isso lhe
faz um fruto rico em substâncias necessárias
ao nosso organismo. Dessa forma, atua como
uma alternativa de suplemento alimentar,
Arquivo pessoal das pesquisadoras
Arquivo pessoal das pesquisadoras
Segundo a
pesquisa, a
macaíba apresenta
uma composição
rica em micro e
macro nutrientes
essenciais
ao organismo
humano, podendo
ser utilizada
para minimizar
os problemas de
desnutrição
sendo fundamental nos casos de desnutrição,
principalmente nos casos de 1º grau, que são
os mais comuns na sociedade”, afirmam as
pesquisadoras.
Por meio de estudos e análises, as estudantes
ainda chegaram à conclusão de que a macaíba
possui quatro tipos de suplemento alimentar
(hipercalórico, proteico, polivitamínico e
antioxidante). “Além disso, verificou-se a
presença de betacaroteno (o que justifica
seu pigmento alaranjado), um antioxidante
que ajuda na eliminação de radicais livres.
O betacaroteno, quando transformado em
vitamina A em nosso organismo, auxilia na
formação de melanina, pigmento responsável
por proteger a pele dos raios ultravioletas e
de radiações solares indesejáveis, podendo
evitar um câncer de pele”, destacam as
pesquisadoras, que recomendam o uso da
macaíba para o preparo de merenda escolar
e para atender a populações sem acesso a
proteínas de origem animal.
“Assim, o desenvolvimento de produtos feitos
à base do fruto em larga escala torna-se uma
alternativa viável em regiões onde a macaíba
é facilmente encontrada, incentivando o
consumo de alimentos mais saudáveis do
ponto de vista nutricional, mais palatáveis e
que valorizem recursos naturais”, afirmam.
Divulgação
Para difundir os benefícios da macaíba, as
pesquisadoras organizaram palestras com a
comunidade residente nas proximidades da
escola em que estudam. Nessas atividades, elas
explicaram para os ouvintes (nutricionistas,
pais e alunos) a importância de cada mineral
presente na composição química do fruto para
nosso organismo.
Aproveitando os encontros, Elda, Maria Aline
e Paloma orientaram o público presente sobre
a elaboração de pratos culinários utilizando
a macaíba como ingrediente principal.
Nessa mesma linha, as estudantes criaram
um livro de receitas, no qual, inclusive, se
encontram recomendações para a produção
de uma farinha a partir da macaíba, além de
informações sobre os valores nutricionais do
alimento.
Sobre as pesquisadoras
Paloma (à esq.) pretende atuar na área de
Ciências Biológicas; Maria Aline (centro) quer
trabalhar com Química Industrial, enquanto
Elda faz planos para cursar Farmácia
Atualmente, as três pesquisadoras estão na 3ª
série do Ensino Médio em horário integral e já
planejam suas carreiras profissionais: Elda quer
fazer Farmácia, enquanto Maria Aline pretende
trabalhar com Química Industrial e Paloma se
interessa pela área de Ciências Biológicas.
Arquivo pessoal das pesquisadoras
O projeto de Elda, Maria Aline e Paloma
parte da simples premissa de valorizar um
fruto comum na região em que moram e que
é capaz de ajudar no combate a um grave
problema: a desnutrição. Orientadas pela
professora Albertina Dutra de Alcântara, elas
conseguiram desenvolver uma pesquisa que
angariou importantes premiações, incluindo
um 4º lugar na categoria saúde da Febrace.
“O projeto que desenvolvemos pode auxiliar
na problemática da desnutrição, principalmente
em crianças numa faixa etária de até 5 anos
de idade, na qual a desnutrição do 1° grau
é mais comum”, explicam as pesquisadoras,
que planejam a fabricação de produtos
como farinha e biscoito tipo cookie feitos a
partir da macaíba. Além disso, elas estudam a
possibilidade de aplicar a macaíba na merenda
de algumas escolas e creches do município de
Abreu e Lima.
41
+(Saúde)
Tecido com princípio
ativo de boldo diminui
alastramento de fogo
F
oi meio por “acidente” que Bruno
Galbiati, Isabela Cavalcanti Queriquelli e
Karine Christine Ribeiro, então alunos da E. E.
Professora Suely Maria Cação Ambiel Batista,
de Indaiatuba-SP, encontraram o tema para
seu trabalho de pré-iniciação científica. Eles
tinham a ideia inicial de criar um novo tipo
de combustível a partir de uma substância
altamente inflamável expelida pela flor do
boldo (Coleus barbatus). Apesar de não terem
obtido sucesso na primeira tentativa, durante
as experiências, eles perceberam que a flor do
boldo quase não sofria danos quando entrava
em contato com as chamas. “Questionamos,
então, se seria possível extrair a substância que
resiste ao fogo e aplicá-la em outros materiais”,
explicam os estudantes, que desenvolveram,
assim, o projeto “Proteja-se contra o fogo
de forma econômica e sustentável”, voltado,
principalmente, para a prevenção/contenção
de incêndios.
O trabalho consiste na produção de misturas
– macerado do boldo e óleo da flor do boldo
– que são aplicadas em tecidos e em crinas de
cavalo e cabelos em geral, respectivamente,
para conter o alastramento do fogo em casos
de incêndio.
Inicialmente, planejou-se a aplicação do
macerado (solução resultante da maceração
– operação física de retirada de substâncias
42
de certa planta – que contém o princípio ativo
extraído da planta) do boldo em tecidos, pois
a substância, segundo os estudantes, é capaz
de reduzir a combustão quando em contato
com o fogo, possibilitando a diminuição de
seu alastramento e, consequentemente,
potencializando a proteção para o indivíduo
em caso de incêndios. “Considerando
esses fatos, criamos um tecido à base da
maceração do boldo que contribui para evitar
o alastramento de chamas. E, por ser baseado
em uma planta de fácil cultivo no Brasil,
esse material torna-se viável pelo ponto de
vista econômico e sustentável”, argumentam
Bruno, Isabela e Karine.
No relatório de pesquisa, os estudantes
apontam que, nos EUA, por exemplo,
morreram em média 40 mil pessoas nos
últimos dez anos devido a lesões geradas por
incêndios. Os planos dos pesquisadores para
diminuir os problemas causados por acidentes
com fogo – que ocorrem no dia a dia tanto
em residências quanto em locais de trabalho
– envolvem, além de tecidos, a proteção de
fios de cabelo. Eles também já desenvolvem
testes para verificar a possibilidade de utilizar
materiais como bicarbonato de sódio e ovos
para criar um composto aplicável em espumas
e estofados e, assim, evitar o alastramento de
incêndios.
Arquivo pessoal dos pesquisadores
Testes e resultados
Utilizando o boldo (Coleus barbatus, uma
planta da família Lamiaceae, que se adapta
muito bem em todo o território brasileiro),
os pesquisadores partiram para os primeiros
testes. Resultante da destilação das flores do
boldo, uma substância alaranjada não solúvel
em água foi aplicada em amostras de crina de
cavalo. Estas foram expostas às chamas diretas
de um maçarico por 15 segundos. Para efeito
de comparação, amostras que não receberam
nenhuma substância passaram pelo mesmo
procedimento. “No teste da destilação das
flores aplicada em crina, observamos que a
crina que não foi mergulhada na substância
acabou sendo completamente consumida
pelas chamas. Por outro lado, a que possuía
a substância alaranjada ficou solidificada,
e, após ser lavada com água, notamos que
ela havia sofrido apenas danos superficiais”,
explicam os pesquisadores.
Motivados pelos ótimos resultados obtidos
com crinas de cavalo, os pesquisadores
partiram para testes com outros materiais.
Contudo, devido à dificuldade de encontrar
flores de boldo, o teste de destilação foi
realizado com folhas e caules da planta;
também se fez a maceração (operação física
de extrair substâncias de certa planta), em
que não foi preciso adicionar álcool nem
aquecer a solução para obter o princípio ativo
puro semelhante ao extraído por meio da
destilação. Para a maceração, realizaram-se
dois experimentos: o da maceração somente
das folhas e o da maceração das folhas e
caules. Em ambos, os estudantes colocaram
a matéria-prima em um almofariz e a
maceraram com o auxílio de um pistilo (pilão)
– o líquido extraído pela maceração foi usado
em amostras de tecidos para verificar o grau
de proteção contra o fogo.
Da destilação e da maceração resultaram,
respectivamente, um líquido avermelhado
e outro esverdeado. Neles foram submersas
amostras de tecidos como elastano, poliéster,
malha, oxford e 100% algodão cru. Em
seguida, foram feitos testes para verificar se
o tempo que o material ficava submergido
poderia interferir no grau de proteção contra
alastramento de chamas. Os testes foram de
10 minutos, 20 horas e quatro dias submersos.
Após o tempo de submersão de cada um,
os tecidos foram colocados para secar em
condições normais de temperatura e pressão
(CNTP). Com a secagem total, obtida em média
após 24 horas, os pesquisadores realizaram
testes de chamas – todos ao mesmo tempo
e com a mesma chama. O período padrão a
que os tecidos foram submetidos ao contato
direto com as chamas foi de 15 segundos.
Segundo os pesquisadores, entre o teste de
destilação de folhas e caules, o de maceração
de folhas e o de maceração de folhas e caules,
o que obteve melhor
nível de proteção
foi o de maceração
de folhas e caules.
Em relação aos
tipos de tecido, o
100% algodão cru
Pesquisadores
realizaram
destilações para
obter as substâncias
voltadas à contenção
do alastramento de
fogo. Nas fotos, a
destilação das flores
(à esq.) e das folhas
do boldo (à dir.)
43
Arquivo pessoal dos pesquisadores
44
Arquivo pessoal dos pesquisadores
conseguiu o resultado
mais satisfatório. Já
na questão do tempo
de submersão dos
tecidos, os estudantes
concluíram que não
há diferença se eles
são afundados por
dez minutos, 20 horas
ou quatro dias, pois
em todos os casos
tiveram o mesmo
grau de proteção.
De qualquer forma,
ficou evidente a
eficácia
do
uso
do boldo para a
proteção do tecido. “O tecido com o boldo
foi submetido às chamas por 35 segundos, e
o que não possuía o preparado da maceração
pôde ficar em contato com o fogo por apenas
20 segundos, pois as chamas se alastraram
e o fogo teve de ser contido”, apontaram os
pesquisadores.
Clareamento, múltiplas lavagens
e caráter alcalino
Visando melhorar as características estéticas
dos tecidos que passaram pelo tratamento
com boldo, os pesquisadores tentaram clareálos por meio da submersão em peróxido de
hidrogênio por 24 horas. Entretanto, por não
possuírem um fixador, o efeito da substância
do boldo foi anulado e o tecido pegou fogo.
Para saberem se os tecidos ainda manteriam
a propriedade de conter o fogo mesmo
Maceração das folhas e caules
do boldo (à esq.); ao lado, a
pesquisadora Karine apresenta o líquido
extraído por meio desse processo
depois de serem lavados diversas vezes,
os pesquisadores banharam os panos de
diferentes formas: com água sanitária, com
sabão neutro e com água pura. Os testes foram
feitos da seguinte forma: das nove amostras de
cada tecido disponíveis para o experimento,
três foram lavadas apenas uma vez; outras
três, duas vezes, e as últimas três passaram
por três lavagens. “Com os resultados obtidos
após lavarmos os tecidos, tanto com água pura
quanto com sabão neutro e água sanitária,
percebemos que é necessário estabelecer um
fixador da maceração do boldo para que o
tecido não perca sua capacidade de diminuir
o alastramento de chamas”, observaram.
Investigando os motivos pelos quais o
macerado do boldo era capaz de conter o
alastramento do fogo – e considerando que
o nível de pH do boldo é, em média, 8,0 –,
os pesquisadores resolveram estudar outras
substâncias alcalinas para descobrir se a
proteção tem relação com o pH. Assim, os
tecidos foram submersos em hidróxido de
sódio, leite de magnésia e hidróxido de cálcio
por 24 horas. Em seguida, após secarem,
passaram pelo teste de chamas, donde o
hidróxido de sódio obteve o melhor resultado
– ainda que o leite de magnésia e o hidróxido
de cálcio também tenham apresentado
desempenhos significativos.
Os pesquisadores Bruno e Isabela
colhendo boldo para experiências
Arquivo pessoal dos pesquisadores
Conclusão
Diante dos testes realizados, os pesquisadores
concluíram que as melhores opções para
conter o alastramento de incêndios são o óleo
da flor do boldo, para crinas e cabelos em
geral, e a maceração do boldo para tecidos.
“Utilizando um produto que demanda baixo
custo de fabricação e facilidade de produção,
o país também se beneficia economicamente,
já que é possível observar que, só nos EUA,
foram gastos, apenas em 2012, mais de US$
12 milhões com os prejuízos decorrentes
de incêndios, segundo relatório divulgado
no site do Departamento de Administração
de Incêndio dos Estados Unidos (USFA).
Essa alternativa no controle de combustão
poderá tanto reduzir o número de mortos
ou lesionados devido aos incêndios, quanto
diminuir a verba que é direcionada às
construções de novas casas, prédios e ajuda
às vítimas”, completam.
Comparação entre tecidos após teste
de chamas: o tecido bege possui boldo,
enquanto o branco, não; ambos ficaram
expostos às chamas pelo mesmo tempo
Sobre os pesquisadores
Arquivo pessoal dos pesquisadores
O estudante Bruno Galbiati conta que, quando
criança, ateou fogo acidentalmente em uma
flor de boldo e percebeu que ela liberava uma
substância altamente inflamável. Anos depois,
quando teve a oportunidade de criar um
projeto para I Feira de Ciências das Escolas
de Ensino Integral, ele decidiu desenvolver,
juntamente com Isabela Cavalcanti Queriquelli
e Karine Christine Ribeiro, um combustível
alternativo a partir do boldo. Entretanto,
acabou fazendo um trabalho quase oposto à
proposta original: um retardante de chamas.
A pesquisa “Proteja-se contra o fogo de
forma econômica e sustentável” obteve
êxito e possibilitou aos estudantes participar
da MOP (Mostra Paulista de Ciências e
Engenharia) 2013 e da Febrace 2014, na qual
receberam um certificado de reconhecimento
da Ricoh Sustainable Development Award.
“As substâncias utilizadas na fabricação
dos produtos de proteção contra incêndio
desenvolvidos neste trabalho, além de serem
bem acessíveis e econômicas, são mais eficazes
do que alguns tipos de retardantes de chamas
que circulam no mercado atualmente”, afirmam
os estudantes como justificativa para o bom
desempenho do projeto, ao qual pretendem
dar continuidade até que o produto esteja
apto a ser comercializado. O projeto teve a
orientação da professora Eliane Della Torre
Honorato e coorientação da profa. Rosimeire
Denny de Melo.
Atualmente, todos os integrantes do
grupo trabalham e estudam. Bruno
faz um curso técnico em Nutrição e
Dietética e pretende entrar em uma
faculdade de Química em 2015. Já
Karine estuda Farmácia, enquanto
Isabela cursa Psicologia.“Continuamos
desenvolvendo o projeto, porém,
em um ritmo mais lento devido aos
trabalhos e estudos”, explicam.
Pesquisadores exibem
o certificado da Ricoh
Sustainable Development Award,
conquistado na Febrace 2014
45
+(Saúde)
Trabalho investiga
propriedade
cicatrizante de
pomada de embaúba
A
embaúba (Cecropia glaziovii snethl),
planta endêmica no Brasil e dotada de diversas
propriedades medicinais, foi o assunto
da pesquisa de pré-iniciação científica da
estudante Camila Agone, da Escola Estadual
Jardim Riviera, de Santo André-SP. Em “A
produção de uma pomada com propriedade
cicatrizante a partir da embaúba” (gênero
Cecropia), Camila procurou investigar os
possíveis benefícios cicatrizantes que a
pomada extraída da embaúba pode fornecer
ao ser humano.
Graças a uma parceria com a Faculdade de
Medicina do ABC (FMABC), Camila conseguiu
produzir a pomada. Entretanto, ainda é
necessária a realização de testes de extrema
importância para que se comprovem a
eficácia cicatrizante da planta e as hipóteses
gerais do trabalho. “Atualmente, estou com
uma parceria com a Unifesp de Diadema.
Estamos desenvolvendo os testes necessários
para comprovar a eficácia da planta”, explica
Camila.
A embaúba é habitualmente encontrada
na Mata Atlântica e apresenta como maior
dificuldade para sua extração a altura (a
planta pode ultrapassar 5 metros). Entre suas
propriedades medicinais estão a cardiotônica,
46
a diurética, a hipotensora, a sedativa, a
analgésica, a adstringente e a cicatrizante,
entre outras. Em seu relatório, porém, Camila
destaca que a embaúba é pouco conhecida
pelas pessoas.
Assim, um dos objetivos do trabalho também
foi apresentar a planta à população. “A
embaúba não é uma planta muito pesquisada.
A partir da hipótese de que ela apresenta
inúmeras propriedades medicinais, busquei
estudá-la e verificar especialmente se uma de
suas propriedades, a cicatrizante, é realmente
verídica”, diz a estudante.
Processo de produção da pomada
Em sua metodologia, Camila adotou os
testes da água e das cinzas, que, segundo
ela, são básicos para produção e pesquisa
de um fármaco. “A umidade é um dos
principais fatores causadores de alterações
em medicamentos. A despeito do fato de que
a água é o solvente de primeira opção em
qualquer processo de solubilização, também
se trata de um meio natural para reações de
hidrólise. Já o teste de cinzas insolúveis resulta
da fervura e carbonização e garante que não
há adulteração [da pomada]”, explicou a
estudante.
Após desenvolver a pomada,
Camila fará testes para
comprovar a eficácia
cicatrizante da embaúba
se 0,196g (esse número, que seria a sobra das
cinzas, representa 6,5% em relação à amostra
inicial de pó).
Já no preparo da tintura a ser usada na
produção da pomada, 100g do pó da folha
triturada anteriormente foram colocadas
em um filtro dentro do percolador químico,
recebendo o acréscimo de álcool 96. A
intenção foi produzir 1 litro de tintura com
essas 100g de amostra.
Preparo da pomada
Para o preparo da pomada, 140g de vaselina
foram repartidas igualmente em duas placas
de Petri. Em um gral de vidro, colocaramse 60g de lanolina, as quais receberam, aos
poucos, a tintura da embaúba.
À lanolina e à tintura no gral de vidro
foi acrescentada, em dois momentos,
a vaselina. Em seguida, Camila fez uma
diluição geométrica (método para assegurar
que pequenas quantidades de pó sejam
distribuídas uniformemente em uma mistura)
até chegar a uma cor única. “É importante
ressaltar que a mistura começou em um
gral de vidro com o pistilo e que, como a
quantidade foi aumentando, o término da
mistura se deu em uma placa de granito, com
espátulas. Por último, a mistura foi transferida
para a embalagem”, explicou Camila.
Próximos passos
Segundo a pesquisadora, considerando os
testes realizados até agora, não é possível
comprovar a atuação da propriedade
cicatrizante da pomada. Após trabalhar a
identificação das espécies e suas características
– como existem diversas espécies de embaúba
dentro do gênero Cecropia e algumas delas não
Arquivo pessoal da pesquisadora
Assim, sob o intermédio da professora Andrea
Ruggiero, da FMABC, Camila, inicialmente,
realizou a trituração da folha de embaúba. Para
tanto, a folha foi colocada para secar em uma
câmara por 48 horas em uma temperatura de
50 °C. Em seguida, cobriu-se o vegetal com
jornal e papelão, sobre os quais foi colocado
um peso para realizar a planificação.
Já planificada, a folha foi inserida em um
liquidificador e, logo após, em um moinho.
Nesse processo de trituração, as células se
rompem, gerando um forte odor.
A etapa seguinte consistiu no teste da água:
nesse experimento, a amostra de embaúba
triturada perdeu água por dessecação
(processo de extrema secagem) em uma
estufa. O objetivo foi determinar a quantidade
de substância volátil de qualquer natureza
eliminada.
Colocou-se 2,012 g da amostra de embaúba
triturada em forma de um pó fino em um
pesa-filtro vazio de 86,819 g, somando-se
88,832 g. Após essa pesagem, a amostra
foi levada a uma estufa à temperatura de
105°C por 8 horas. Na sequência, a pesquisadora
arrefeceu a amostra à temperatura ambiente
e pesou-a novamente, chegando ao resultado
de 88,662 g.
A diferença entre o peso inicial do sistema
(pesa-filtro com o pó) e o peso após a
dessecação foi de 0,17. Subtraindo esse valor
do peso inicial da amostra de embaúba (2,012
g), chegou-se ao número de 1,842 para o peso
da amostra final da planta. Este, aplicado a
determinada equação (PI – PF. 100 / PI), gerou
a porcentagem de 8,4%.
Teste de cinzas
No teste de cinzas, pesaramse 3,022g do pó obtido a
partir da folha da embaúba,
levadas, em seguida, para
um cadinho de porcelana de
51,649g, obtendo-se o valor
total de 54,670g. Após uma
incineração a 500°C, restaram
51,845g. Logo, calculandose a diferença entre o peso
final do conjunto amostra/
cadinho e o peso do cadinho
de porcelana isolado, obteve-
47
indicações de possíveis tratamentos com a
planta – no diabetes e na hipertensão, ela
atuaria como reguladora da glicose e da
pressão arterial, respectivamente”, afirma.
Arquivo pessoal da pesquisadora
apresentam as propriedades buscadas
no estudo, foi necessário identificá-las e
saber quais continham essas propriedades
–, Camila vem buscando parcerias para
fazer os experimentos necessários.
“O próximo passo será efetuar os testes
(como o quantitativo de presença de
propriedades químicas e medicinais) para
comprovar as propriedades cicatrizantes
presentes na pomada, bem como
realizar mais pesquisas sobre a ação da
embaúba em doenças como o diabetes, a
hipertensão arterial e o mal de Parkinson,
pois, na literatura, é possível encontrar
Acima, a pesquisadora realizando
experimentos; ao lado, o preparo da pomada
Sobre a pesquisadora
Arquivo pessoal da pesquisadora
Quando se deparou com a disciplina eletiva
de Pré-iniciação Científica na 1ª série do
Ensino Médio, Camila Agone decidiu que iria
desenvolver um projeto na área de botânica.
Mais especificamente, quis trabalhar com uma
planta medicinal.
“O Brasil tem uma flora imensa e
extremamente diversificada que, infelizmente,
48
não é pesquisada. Dessa maneira, fiz uma
análise da região onde moro e vi as plantas
de maior incidência, endêmicas do local, e que
poderiam ser usadas para um fim medicinal.
Assim, cheguei à embaúba, que desde o início
despertou meu interesse”, relata Camila, que
foi orientada na pesquisa pela professora
Lia Flávia Araujo Santos e coorientada pela
professora Rute Correia Scardua.
Mesmo que a pesquisa ainda não tenha
apresentado resultados concretos quanto
ao efeito cicatrizante da pomada, Camila
já participou das feiras de pré-iniciação
científica Inicien e Febrace. A estudante
segue realizando os experimentos
enquanto cursa a 3ª série do Ensino Médio
e se prepara para prestar o vestibular para
o curso de Farmácia.
Camila segue realizando os experimentos
enquanto cursa a 3ª série do Ensino
Médio e se prepara para prestar o
vestibular para o curso de Farmácia
Por Rubem Saldanha*
U
ma folha trêmula na mão é o único indício
de nervosismo daquela dupla parada no meio
de centenas de stands. Ao redor deles, uma
confusão de diferentes línguas sendo faladas,
uma profusão de cores de bandeiras vindas
dos mais remotos cantos do mundo. A data era
maio de 2013 e o lugar, a ensolarada Phoenix,
no estado norte-americano do Arizona.
Apesar de toda confusão ao redor, nada
abalava a confiança daqueles dois jovens
que, estando naquele ambiente mágico pela
primeira vez, tinham atitude de veteranos.
Não só pelo fato de que o projeto de iniciação
científica que iriam apresentar era muito bom,
mas, principalmente, porque haviam treinado
incontáveis vezes em frente ao espelho e para
pessoas experientes que lhes deram dicas
preciosas: “Mostrem confiança”, disse um
especialista. “Olhem sempre nos olhos e não
titubeiem ao falar”, completava outro.
Camisa engomada, gravata, apesar de
incômoda, ajeitada, e lá estavam eles prontos,
esperando os juízes passarem para que eles
pudessem descrever no inglês bem treinado
todos os passos, todas as hipóteses levantadas,
todo o caminho percorrido na pesquisa.
A cada instante, eles relembravam
mentalmente as dicas dadas: “Apertem a mão
com firmeza para demonstrar segurança ao
cumprimentar os juízes”. “Usem os gráficos
para explicar os passos”, “agradeçam pela
pergunta”, “mostrem os passos da pesquisa
numa sequência lógica”, etc. etc. etc.
Chegando ao final da apresentação
praticamente perfeita de tão bem treinada,
veio uma questão pela qual eles não estavam
esperando. Um dos juízes perguntou-lhes
qual foi o momento do projeto em que eles
tiveram a maior discordância sobre o rumo
que a pesquisa deveria seguir. Eles olharam
um para o outro, pensaram por dois segundos,
lembraram que precisavam passar segurança
acima de tudo e não pensaram duas vezes.
“Não houve nenhum momento em que
não concordamos durante a pesquisa”.
Os juízes olharam uns para os outros,
agradeceram a apresentação, elogiaram
imensamente o trabalho e terminaram a
avaliação.
Os jovens saíram certos de que passaram no
teste e demonstraram a confiança necessária
para ganhar altas notas; já os juízes ficaram
certos de que um projeto tão bom não
poderia ter se desenvolvido sem nenhum tipo
de discordância entre os pesquisadores sobre
os rumos do trabalho.
Obviamente, os jovens tiveram momentos de
discordância, mas, como foram “treinados”
para demonstrar confiança, acharam que
descrever isso para os juízes demonstraria
fraqueza. Mal sabiam eles que é exatamente
esse tipo de atitude que diferencia os
verdadeiros pesquisadores daqueles que
estão ali somente para tentar ganhar a
“competição”.
Quando estamos falando em pesquisa
científica, não há somente certezas. Você
pode começar um projeto de pesquisa com
mil dúvidas, e terminar com mil e uma,
algumas iguais e outras diferentes. Você
pode iniciar com uma questão e, no meio do
caminho, mudar completamente o seu foco
por conta de descobertas que aconteceram
durante o percurso e que se mostraram mais
interessantes.
E se na hora da sua apresentação você
achar que é mais interessante descrever um
caminho reto do ponto A até o ponto B, em
vez de todas as idas e vindas geradas pelos
erros que cometeu, você estará deixando
de mostrar algumas das maiores qualidades
de um cientista: resiliência, capacidade de
recomeçar por conta de uma nova descoberta
ou por conta de um erro e, principalmente, os
momentos de dúvidas que o fizeram discordar
dos colegas e do seu orientador e as discussões
que surgiram por causa disso.
*Gerente de Educação da Intel Brasil
49
49
(Ponto de vista)2
Quando o erro e a dúvida
são nossos aliados
+(Saúde)
Molécula
prostaglandina pode
dificultar ação de
células que atuam
contra o câncer
Carolina Lavini Ramos
E
stima-se, atualmente, que o câncer seja a
segunda maior causa de óbitos na população
brasileira, representando 15,5% do total
de mortes. Até 2020, 500 mil novos casos
de câncer deverão surgir no Brasil. Além
disso, previsões indicam que, até 2030, 17
milhões de pessoas morrerão acometidas
dessa doença. Diante desse cenário, cercado
por estatísticas importantes, e motivada
pela vontade de descobrir como células
cancerígenas conseguem burlar o sistema
de defesa de um organismo e criar um
microambiente completamente favorável à
sua disseminação, Giulia Maria Ramella, aluna
da 2ª série do Ensino Médio e do programa
Cientista Aprendiz do Colégio Dante Alighieri,
desenvolveu o trabalho “Busca por novos
alvos terapêuticos no combate ao câncer:
modulação do FASL por Prostaglandina E2 em
linfócitos”.
O câncer é uma doença causada pela
mutação genética em células normais, que
passam a se comportar diferentemente do
restante das células, realizando diversas
façanhas que favoreçam sua sobrevivência,
como: proliferarem-se descontroladamente,
invadirem tecidos vizinhos,
escaparem
do sistema imune (sistema de defesa do
nosso organismo), desenvolverem seus
próprios vasos sanguíneos, disseminarem-
50
se pelo organismo (metástase) e adquirirem
resistência à apoptose (morte celular
programada). Tratamento existe, porém, é
inespecífico e traz diversos efeitos colaterais
para o paciente.
Pensando nessas características, Giulia optou
por estudar o sistema imune humano e seus
componentes. “Estudar as principais células
relacionadas ao combate de tumores e outras
moléculas incluídas nesse processo poderia
ser uma maneira de compreender melhor o
funcionamento do tumor, a resposta imune
que ele desencadeia, entender como células
malignas são capazes de escapar do sistema
imune e o mecanismo do qual células de defesa
usufruem para realizar suas ações efetoras de
maneira eficaz”, explica a pesquisadora.
No futuro, o trabalho da estudante pode trazer
novos alvos terapêuticos. “A importância
do meu trabalho é buscar novos alvos no
combate ao câncer, com o futuro intuito de
contribuir para a formação de tratamentos
mais específicos, mais direcionados e que
se baseiem na potencialidade do nosso
sistema imune. Isso poderia contribuir
para a diminuição de efeitos colaterais
gerados atualmente nos pacientes tratados,
melhorando o quadro geral de saúde deles.”
À esquerda, Giulia fazendo
o cultivo celular; à direita, a
pesquisadora realizando uma etapa
do experimento de western blot
constatou a presença dos dois receptores mais
relacionados ao processo de morte celular,
que seria estudado mais adiante.
Sabendo-se que a PGE2 podia ligar-se às células
em questão, a aluna deu prosseguimento aos
experimentos. Ela queria identificar quais
outros mediadores lipídicos são capazes de
reduzir a morte por AICD (do inglês, activated
induced cell death, uma indução artificial
para causar a morte da célula) em um tipo
de linfócitos TCD4. Tal ideia seria importante,
pois, ao reduzirem esse tipo de morte, essas
outras moléculas poderiam estar reduzindo
o FASL na superfície dos linfócitos TCD4,
e, consequentemente, estar associadas ao
mesmo mecanismo da PGE2. A técnica aí
aplicada foi a citometria de fluxo, que permite a
detecção de proteínas existentes na superfície
ou no interior de cada célula por meio de
reagentes marcados com um fluorófulo.
Os resultados confirmaram o potencial
significativo da molécula de prostaglandina E2
de redução da morte induzida. Esses mesmos
dados foram obtidos após o tratamento com
dmPGE2, uma análoga da prostaglandina
E2, o que ressalta o potencial de proteção
da morte por AICD, já que são moléculas
similares, possuindo apenas pequenas
alterações em suas estruturas. Além disso,
outras moléculas testadas, como leucotrieno
B4 e prostaglandina D2, apresentaram uma
tendência significativa da redução de morte
por AICD.
Desse modo, conclui-se que as moléculas
que apresentam um potencial de redução de
morte induzida (AICD) são a PGD2 e LTB4, fato
a favor da hipótese de que essas moléculas
auxiliam a PGE2. Em outras palavras, elas
protegem as células da morte induzida (AICD).
Perspectivas futuras
O trabalho está em andamento e ainda há
muito a ser feito. De todo modo, a partir dos
Arquivo pessoal da pesquisadora
Sobre a pesquisa
Estudos mostraram que células cancerígenas
produzem
uma
molécula
chamada
prostaglandina E2(PGE2), um mediador
lipídico relacionado a inúmeros processos no
nosso organismo, entre os quais processos
inflamatórios e modulação da resposta imune
[sistema imune é o sistema de defesa do nosso
organismo que combate infeções e mantém
a homeostase (o equilíbrio do organismo)].
Já foi demonstrado também que a PGE2
produzida pelas células tumorais favorece
a sobrevivência do tumor, pois interfere na
função efetora de células muito específicas
do nosso sistema de defesa, as chamadas
matadoras naturais ou NK (do inglês, natural
kiler), que são um dos principais agentes que
combatem o câncer.
Além disso, a PGE2 é capaz de interferir na
ação de outras células do sistema de defesa,
como os linfócitos TCD4, mudando a expressão
de uma molécula chamada FASL na superfície
dessa célula. Isso teria como resultado a
diminuição de um processo de morte celular
programada chamado apoptose.
A hipótese de Giulia é a de que a prostaglandina
E2 (PGE2), assim como em linfócitos TCD4,
seja capaz de inibir a expressão de FASL na
superfície das células NK, podendo configurar,
assim, mais um mecanismo de escape tumoral
– ou seja, a célula não é combatida pelo sistema
imune –, já que a PGE2 é secretada, nesse
contexto, por células tumorais. Além disso,
outras moléculas podem estar relacionadas a
esse mecanismo, diminuindo o FASL em outro
tipo celular e, provavelmente, também em
células NK.
Assim, o objetivo do trabalho foi verificar qual
o mecanismo de ação da PGE2, baseando-se
no fato de que uma das formas de atividade
das células NK, que levam a célula tumoral
à morte, é o contato direto entre duas
moléculas: FASL e seu receptor FAS
(como se fosse o modelo de uma
chave (FASL) encaixando na sua
fechadura (FAS)), levando à morte
por apoptose da célula-alvo.
Metodologia e resultados
Previamente ao tratamento, a aluna
realizou a caracterização celular,
que tem como intuito verificar a
presença de receptores EP2 e EP4
(como se fossem as fechaduras para
a molécula PGE2) através de uma
técnica chamada western blot. Ela
51
Arquivo pessoal da pesquisadora
Esquema explicativo de alguns pontos da pesquisa
primeiros resultados, o futuro tratamento das
células com prostaglandina E2 e o restante das
experimentações da pesquisa (verificação da
expressão basal de FAS e FASL) já poderão
ser efetuados, visto que a prostaglandina
Sobre a pesquisadora
Arquivo pessoal da pesquisadora
Interessada por biologia desde pequena, Giulia
Ramella diz que a vontade de fazer ciência
aflorou efetivamente no 8º ano do Ensino
Fundamental, no Colégio Dante Alighieri,
quando ouviu a professora Sandra Tonidandel
falar sobre o programa Cientista Aprendiz.
“Nesse dia, vi que era possível buscar soluções
inovadoras para diversos problemas intrigantes
e de alto impacto na sociedade. Isso me deixou
muito animada”, explica.
Segundo Giulia, a ideia do seu projeto demorou
bastante para ser bem formulada: “Desde o
início queria trabalhar com câncer, por ser um
tema de grande magnitude. Pode parecer meio
clichê, mas queria de verdade poder ajudar de
alguma forma os pacientes que sofrem tanto
com o tratamento. Além de ser muito comum
(meu avô foi acometido por essa doença),
acredito que é uma área muito desafiadora,
52
em questão será capaz de atuar em níveis
intracelulares, por meio dos respectivos
receptores.
Pretende-se ainda executar um ensaio
na presença e na ausência de PGE2 para a
posterior análise da influência dessa molécula
no potencial de ação de células NK através
de seus dois principais mecanismos efetores
(FASL e grânulos citotóxicos). Paralelamente a
esse objetivo, planeja-se repetir o tratamento
com PGJ2 e PGF2α e averiguar o percentual de
morte celular pós-indução de AICD através de
citometria de fluxo. Além disso, a pesquisadora
continuará testando novas prostaglandinas e
leucotrienos para, posteriormente, quantificar
a expressão de FASL na superfície das células
tratadas a fim de confirmar o mecanismo de
ação da molécula citada. O resultado esperado
é que, assim como a PGE2, a molécula reduza
a expressão de FASL na superfície das células
e, por consequência, diminua a morte celular.
cheia de novas propostas e soluções criativas.”
O projeto de Giulia inova ao estudar a relação
entre as moléculas da família das prostaglandinas
e sua ação nas células de defesa. “Meu projeto
estuda um mecanismo extremamente
específico, ainda não desvendado, de ação da
PGE2 em células natural killer e busca novas
ações de mediadores lipídicos relacionadas
ao controle de morte celular em linfócitos
auxiliares.”
Pela pesquisa, a aluna já ganhou cinco prêmios:
dois na feira interna do Dante; 4º lugar em
Ciências Biológicas na Mostra Paulista de
Ciências e Engenharia (MOP); 3º lugar em
Ciências Biológicas na Feira Brasileira de
Ciência e Engenharia (Febrace) e uma medalha
de prata em Biodiversity na Genius Olympiad
(EUA).
Orientada pela professora do Colégio
Dante Alighieri Carolina Lavini Ramos [e
coorientada pela professora Sandra Rudella
Tonidandel], a pesquisa é desenvolvida,
na prática, três vezes por semana no
Laboratório de Biologia Celular e Molecular
da USP (dirigido pelo prof. dr. Gustavo
Amarante Mendes), sob a supervisão da
dra. e pesquisadora Luciana Medina, o
que estimula Giulia a pensar em prestar
Biologia ou Biomedicina: “Quero cursar
alguma área relacionada ao meu projeto”,
diz Giulia, que pretende finalizar a pesquisa
até a metade de 2015.
Giulia apresentou seu trabalho em
feiras de ciências nacionais, como
a Febrace, e internacionais, como
a Genius Olympiad, nos EUA
(Ponto de vista)3
Competências
essenciais para a vida
e feiras de ciências
Roseli de Deus Lopes*
U
m recente estudo da União Europeia
sobre aprendizagem ao longo da vida,
intitulado “Key Competencies for a Changing
World”, identifica e define oito competências
essenciais para a realização pessoal, cidadania
ativa, inclusão social e empregabilidade na
sociedade do conhecimento.
Neste cenário, as feiras de projetos
investigativos elaborados por estudantes
da Educação Básica podem ser vistas como
estratégias pedagógicas que contribuem para
o desenvolvimento dessas competências.
Vejamos como:
1 - Comunicação na língua materna: ao
realizar um projeto investigativo, o estudante
desenvolve competências em sua língua
materna: tanto para a leitura, feita em busca
de informações relevantes para seu projeto,
quanto para a comunicação na forma escrita,
elaborada em seus registros (diário de bordo,
relatório), e na forma oral – treinada ao se
preparar e ao apresentar seu projeto em feiras.
2 - Comunicação em línguas estrangeiras: o
aluno desenvolve competências de leitura
em língua estrangeira, por exemplo, quando
busca respostas às perguntas que formula,
e de comunicação escrita e oral, quando se
prepara ou participa de feiras internacionais.
3 - Competência matemática e competências
básicas em ciências e tecnologia: em busca de
explicar um fenômeno observado ou resolver
um problema real, o estudante usa e aprimora
suas competências e também desenvolve
novas habilidades relacionadas à matemática,
às ciências e à tecnologia.
4 - Competência digital: ao realizar um projeto
de seu interesse, o estudante é motivado
a se desenvolver e utilizar novos recursos
para acesso à informação, representação,
simulação, comunicação e autoria individual
e coletiva. Aprende a navegar para buscar
informações e oportunidades de crescimento
e para disseminar e compartilhar o
conhecimento que gera.
5 - Aprender a aprender: o estudante se
apropria dos métodos da pesquisa científica
e tecnológica, se torna mais observador e
curioso, amplia sua capacidade de análise
e síntese, desenvolve estratégias, se coloca
desafios, se torna mais ativo e autônomo para
enfrentar os desafios. Aprende a aprender
sempre.
6 - Competências sociais e cívicas: desenvolve,
também, mais sensibilidade para observar
e compreender questões sociais e políticas.
Passa a colocar o ser humano e o bemestar coletivo no centro das atenções ao
tentar entender os problemas e desenvolver
soluções.
7 - Sentido de iniciativa e empreendedorismo:
quando se coloca um desafio e decide que
pode enfrentá-lo, o estudante passa a ter
motivação para se dedicar, persistir, ser
responsável, trabalhar estratégias e buscar
alternativas. Desenvolve iniciativas e atitudes
empreendedoras para viabilizar e concretizar
suas ideias.
8 - Sensibilidade e expressões culturais: a
participação em feiras, principalmente nas
que envolvem diferentes escolas, propicia
momentos de forte interação social e cultural,
em que o estudante aprende a perceber e
apreciar diferentes formas de pensar, e a
respeitar e valorizar a diversidade.
Agora, deixo a pergunta: você está investindo
no desenvolvimento das oito competências
essenciais para viver neste mundo em
transformações aceleradas?
*Coordenadora-geral da Febrace
(Feira Brasileira de Ciências e Engenharia)
53
+(Tecnologia)
Dispositivo aciona
socorro automaticamente
após acidentes
automobilísticos
D
esenvolver uma ideia para salvar vidas.
Esse foi o objetivo do projeto de pré-iniciação
científica de Adriely Evelyn Larissa Magalhães
Carioca, Caroline Soares Alves e Wesley da
Rocha Lima, então estudantes da Fundação
Nokia, de Manaus-AM. O DMAPS (Dispositivo
Microcontrolado de Auxílio à Perícia e Socorro
de Acidentes Automobilísticos) se propõe
a acionar automaticamente os serviços de
resgate, como o SAMU (Serviço de Atendimento
Móvel de Urgência), em casos de acidentes
automobilísticos em que as vítimas ficam
incapacitadas de fazê-lo. Além de informar a
localização do veículo, o aparelho, por meio
de um cartão de memória, armazena dados –
como data, horário, velocidade do veículo – a
fim de auxiliar o trabalho dos peritos.
Ao desenvolver o projeto, a preocupação
dos estudantes foi, principalmente, com
acidentes ocorridos em estradas de pouca
movimentação – como as do Amazonas,
estado dos pesquisadores –, em que as
chances de as vítimas serem socorridas por
outras pessoas são menores. “Em 2013,
aconteceu um acidente em uma rodovia do
Amazonas. Uma família ficou desaparecida e,
depois de alguns dias, o carro foi encontrado
com os passageiros mortos. A partir disso, nós
passamos a pensar em como desenvolver um
dispositivo para ficar alocado ao carro e, ao
identificar que este sofreu um acidente, avisar
automaticamente um serviço de atendimento
médico”, explicam os pesquisadores.
No relatório de pesquisa, Adriely, Caroline
e Wesley apontam que, segundo dados
do Departamento Nacional de Trânsito
54
(Denatran), cerca de 42 mil pessoas morreram
vítimas de acidentes de trânsito no Brasil em
2012. Os pesquisadores ainda relatam que, de
acordo com o Ministério da Saúde, o número
de vítimas de invalidez permanente, de 2005
a 2010, passou de 31 mil para 152 mil por ano.
Diante desses dados, o projeto focou suas
atenções em desenvolver um dispositivo capaz
de proporcionar rapidez no atendimento,
fator fundamental para que a vítima de
acidente não morra ou sofra graves sequelas.
“Nosso objetivo é garantir que os órgãos de
socorro tenham rápido conhecimento da
ocorrência de acidentes automobilísticos.
O DMAPS atuará informando esses órgãos
instantaneamente sobre a localidade do
ocorrido. Também auxiliará a perícia,
contribuindo principalmente com dados
sobre a velocidade do automóvel momentos
antes e depois da fatalidade”, explicam os
pesquisadores.
Atualmente, já existe um dispositivo que
monitora o veículo via satélite e registra os
seus dados físicos. Contudo, um diferencial
do DMAPS, segundo seus idealizadores, é a
possibilidade de acionar o órgão de resgate,
fator que se torna essencial quando o acidente
possui vítimas que estão desacordadas.
Etapas do projeto
A elaboração do dispositivo foi realizada em
três etapas, focando diferentes elementos
necessários para o rápido envio de informações
aos órgãos de resgate: identificação do
acidente, acionamento do socorro e
armazenamento de dados importantes para a
perícia sobre o ocorrido.
Arquivo pessoal dos pesquisadores
À esquerda, foto do projeto em desenvolvimento;
acima, o dispositivo já pronto
Arquivo pessoal dos pesquisadores
calculada a desaceleração, gerada pela
mudança de frequência do CI555, sendo
Para obter a identificação do acidente,
utilizado um potenciômetro para isso.
utilizou-se o mesmo padrão de acionamento
O dispositivo também é acionado por meio
de airbags – um sensor é ativado pela
da detecção de incêndio indicado pelo sensor
desaceleração violenta gerada pela colisão.
de temperatura LM35 quando este registra
Assim, o dispositivo DMAPS é acionado
pelo menos 480°C – esse é o mesmo padrão
quando o carro sofre uma desaceleração de
utilizado em combate a incêndios em veículos
pelo menos 20 km/h em um curto espaço de
movidos a GNV(Gás Natural Veicular). Há ainda
tempo, como por exemplo 0,4 segundo.
a opção de identificar eventuais capotagens,
Já na segunda etapa, o acionamento do
usando-se para isso um acelerômetro de três
socorro foi estabelecido com o uso do GPRS
eixos MMA7631.
Shield SIM900, aparelho que tem um módulo
Sobre o acionamento de socorro, quando o
para operar na rede móvel GSM/GPRS de
acidente é detectado, há um contato entre dois
celulares e é capaz de realizar todas as
microcontroladores, sendo que um deles ativa
funções de um aparelho convencional, como
o outro, que, por sua vez, aciona o shield GPS.
efetuar e receber chamadas, enviar e receber
Este obtém e envia a localização em latitude e
SMS, entre outras utilidades. Dessa forma,
longitude para um terceiro microcontrolador
no DMAPS, esse módulo de acionamento e
conectado com o shield GPRS. Em seguida,
controle remoto foi utilizado para enviar, por
faz-se o envio de um SMS com a localização
SMS, a informação do acidente e a localização
e uma mensagem de socorro para o órgão de
da vítima ao órgão de resgate. Esse último
resgate.
dado pôde ser estabelecido com o uso do
Assim que detecta o acidente, o
Shield GPS, capaz de identificar
dispositivo passa a guardar dados
latitude, longitude, hora e data.
em um SD card. São armazenadas
As referências adotadas são a
as
seguintes
informações:
linha do Equador e o meridiano
velocidade antes e depois do
de Greenwich.
acidente;
desaceleração
do
Por fim, o armazenamento de
veículo;
hora
e
data
do
ocorrido
dados resolveu-se com o uso de
por meio de um relógio de tempo
um leitor/gravador de cartão SD
real; e se houve ou não capotagem
(cartão de memória), permitindo
do carro (dado obtido por um
que os arquivos do dispositivo
acelerômetro).
DMAPS ficassem reservados na
Montagem e testes
memória do cartão.
Adriely, Caroline e Wesley
Funcionamento
pensaram, em um primeiro
A dinâmica de funcionamento
momento, em desenvolver a
do DMAPS ocorre da seguinte
estrutura do protótipo com
maneira: de acordo com a
acrílico. Contudo, devido ao preço
frequência de atuação, o circuito
elevado do material, optou-se
integrado 555 envia pulsos de
pelo uso de placas de poliestireno.
5 volts a um microcontrolador
Já na montagem do dispositivo, os
Arduino, que, a cada quatro
pesquisadores analisaram o sensor
segundos, calcula a velocidade
de temperatura LM 35. O circuito
Exemplo
de
mensagem
por meio da soma dos pulsos
projetado fez a leitura do sensor
de
socorro
enviada
pelo
gerados e divide esse resultado
dispositivo
ao
órgão
de
pelo intervalo de tempo. Através resgate após identificar que por meio do microcontrolador
da velocidade adquirida, é o carro sofreu um acidente Arduino e a exibição desse valor
em um display LCD.
55
carro de brinquedo. Essa atividade permitiu
que os pesquisadores constatassem alguns
problemas no DMAPS e os sanassem.
Assim, um novo teste foi feito, simulando
a velocidade. Quando era percebida uma
desaceleração de 20 km/h, acionava-se o
socorro. Em tal experimento, os pesquisadores
usaram um celular comum para receber o
SMS, verificando como, supostamente, a
mensagem chegaria ao órgão de resgate.
Orçamento
Para realização do estudo e seus experimentos,
os pesquisadores não precisaram comprar
muitos dos equipamentos, uma vez que
foram fornecidos pela Fundação Nokia.
Ainda assim, eles fizeram um orçamento,
chegando ao custo de produção de uma
unidade do dispositivo em R$ 712,30, porém,
com algumas ressalvas. “Os componentes
que usamos são em sua maioria de kits
educacionais utilizados em escolas técnicas e
universidades de tecnologia. Mas na indústria
são utilizados componentes que, embora
com as mesmas funções, são diferentes e
têm um custo reduzido”, afirmaram. Além
disso, o sensor de rotação utilizado no
DMAPS, segundo os pesquisadores, já vem
incluso nos carros, fazendo parte do sistema
de velocímetro. “Caso o dispositivo DMAPS
tivesse a oportunidade de ser implantado em
veículos, o sensor de rotação do carro apenas
seria aproveitado pelo sistema. Ou seja, o
custo de produção do nosso dispositivo não
inclui esse sensor”, disseram.
Conclusão e uso no dia a dia
Adriely, Caroline e Wesley afirmam que, após
a finalização do desenvolvimento do projeto,
pôde-se aferir um resultado satisfatório –
tanto no envio do pedido de socorro a órgãos
de resgate, quanto no registro de informações
para os trabalhos de perícia. “Realizamos
Arquivo pessoal dos pesquisadores
A esse circuito, acrescentou-se uma chave
interruptora com a função de dispensar
o socorro quando assim for conveniente.
Dessa forma, na ocasião em que certa
temperatura for atingida, será perguntado
ao usuário do DMAPS se ele quer chamar os
serviços de resgate. Caso a chave não seja
acionada, significará que a pessoa aceitou
o socorro; porém, se não quiser o apoio, o
passageiro do veículo ativa a chave para que o
microcontrolador entenda que não é preciso
o chamamento de ajuda. Um relógio RTC
também foi instalado para registrar a hora
e a data do ocorrido quando o socorro for
solicitado.
O passo seguinte consistiu no estudo
do
funcionamento
do
acelerômetro,
cujo acionamento se dará caso ocorra
um capotamento. Ao mesmo tempo,
implementou-se um SD card no circuito para
o arquivamento das informações a serem
analisadas pela perícia.
Sem a possibilidade de trabalhar com um
carro dentro do laboratório de sua escola a
todo instante, os pesquisadores utilizaram um
método alternativo para medir a velocidade
(e a desaceleração do veículo) nos testes.
Usando como principal componente um
oscilador de pulsos CI 555, eles montaram um
circuito elétrico capaz de simular os pulsos
elétricos criados a partir dos giros do motor –
em um veículo normal, quanto mais pulsos a
cada segundo, maior é a rapidez.
Encerrando a montagem do protótipo,
inseriram-se os Shields GPRS e GPS para
a realização da chamada de socorro e do
envio da localização para o órgão de resgate.
Com o dispositivo pronto, efetuou-se um
experimento para testar o acelerômetro e
a funcionalidade de alerta de capotagem.
Para tanto, colocou-se o circuito sobre um
56
Estudantes procuraram desenvolver um
dispositivo capaz de proporcionar rapidez no
atendimento, fator fundamental para que a vítima
de acidente não morra ou sofra graves sequelas
Arquivo pessoal dos pesquisadores
Alunos conquistaram o segundo lugar na
categoria Engenharia da Febrace 2014
diversas simulações e sempre obtivemos os
resultados planejados. Isso quer dizer que
todas as funcionalidades – identificação do
acidente; envio automático de mensagem
a órgão de resgate informando a localização
em latitude e longitude do acidente; registro
da velocidade do veículo na hora da colisão;
registro da desaceleração sofrida; registro de
capotagens, e geração de relatório com os
dados registrados e importantes para perícia –
foram concluídas nas simulações”, afirmaram.
“Percebe-se a importância de um dispositivo
que seja capaz de ajudar na segurança em
lugares com pouca movimentação, justamente
como o projeto DMAPS se propõe a fazer.
Dessa forma, garante-se minimizar os casos
de mortes e sequelas graves decorridas de
acidentes automobilísticos”, completaram.
Os estudantes, porém, advertem que, para
ser usado no dia a dia, o DMAPS precisa
ser ajustado a um carro. “É necessário que
o circuito de velocidade do projeto seja
implantado em conjunto com o circuito
interno do carro. Isso para que o DMAPS
possa monitorar a velocidade do veículo”,
apontaram.
Sobre os pesquisadores
Arquivo pessoal dos pesquisadores
Adriely, Caroline e Wesley estudavam no
Curso Técnico de Mecatrônica na Fundação
Nokia (que é concomitante ao Ensino Médio)
quando resolveram colocar em prática o
conteúdo aprendido em uma matéria sobre
desenvolvimento de projetos tecnológicos.
Com a ideia de tentar salvar vidas – e com
a ajuda dos professores Paulo Alberto
Mouzinho (orientador) e Marcelo Ribeiro
dos Santos (coorientador) – eles criaram o
DMAPS – Dispositivo Microcontrolado de
Auxílio à Perícia e Socorro de Acidentes
Automobilísticos.
“O projeto é bastante importante para salvar
vidas de vítimas de acidentes automobilísticos,
pois muitas vezes os acidentados ficam
incapacitados de chamar o socorro”, afirmam
os pesquisadores, que receberam vários
prêmios pelo projeto – entre os quais, o
segundo lugar na categoria Engenharia da
Febrace 2014.
Os estudantes dizem que o objetivo do
DMAPS já foi cumprido. Agora, eles se dedicam
a outras atividades: Adriely cursa Direito na
Universidade Federal do Amazonas (UFAM);
no mesmo local, Caroline estuda Engenharia
de Produção, enquanto Wesley é aluno de
Engenharia Elétrica na Universidade do Estado
do Amazonas (UEA). Além disso, os três fazem
estágio na fábrica de softwares da Fundação
Nokia, desenvolvendo aplicativos.
Atualmente, Adriely (à esquerda) cursa
Direito, enquanto Caroline é aluna de
Engenharia de Produção e Wesley estuda
Engenharia Elétrica. Além disso, os três
fazem estágio na fábrica de softwares da
Fundação Nokia, desenvolvendo aplicativos
57
+(Tecnologia)
Projeto desenvolve
equipamentos
para detecção de
radiação ionizante
D
esde a sua descoberta no fim do século
XIX, as radiações ionizantes – expressas na
forma de raios X e partículas carregadas –
vêm ganhando importância na área de saúde
para fins terapêuticos e de diagnósticos.
Entretanto, para que não causem danos
ao organismo humano e, sim, ajudem a
solucionar problemas – como no combate ao
câncer, por exemplo –, as radiações ionizantes
devem ser medidas e controladas por meio de
equipamentos detectores. Foi justamente essa
questão que a estudante Rebecca Konig, da
Escola Antonietta e Leon Feffer, de São Paulo,
abordou em seu trabalho de pré-iniciação
científica, intitulado “Desenvolvimento de
equipamentos para detecção de radiação
ionizante”.
O objetivo geral da pesquisa de Rebecca
consiste em construir um cíclotron (acelerador
de partículas carregadas, fazendo uso da
diferença de potencial elétrico) que possa
produzir o radiofármaco Iodo 131 de uma
maneira mais barata e com materiais presentes
no mercado nacional, já que a elaboração
atual de semelhante radiofármaco se dá em
reatores nucleares, tecnologia extremamente
cara e pouco desenvolvida no país. Entretanto,
na presente reportagem, será abordada
unicamente a primeira parte do trabalho –
pois, quando foi avaliado e premiado pela
, o projeto apresentava apenas essa
etapa realizada.
58
Nessa primeira parte, Rebecca projetou a
construção de uma câmara de ionização, um
dos medidores de radiação mais comuns. Para
esse caso específico, escolheu-se a câmara
de ionização de placas paralelas, também
conhecida como câmara superficial e utilizada
na medição de baixas quantidades energéticas.
“Esse modelo de câmara de ionização é o mais
usado em tratamentos radioterápicos e em
radiodiagnósticos, sendo detalhadamente
estudado em clínicas de radioterapia do Brasil”,
explicou a pesquisadora em seu relatório,
apontando, também, o que pretendia com o
projeto. “O objetivo deste trabalho é projetar,
construir e estudar as características de uma
câmara de ionização de placas paralelas de
forma circular, acoplada a um eletrômetro que
possua mecanismos de construção simples e
um baixo custo.”
Rebecca estabeleceu, ainda, um segundo
objetivo para a pesquisa: a construção de
uma câmara de nuvem de difusão (câmara de
Wilson), cuja função é identificar partículas
subatômicas a partir da condensação de
seu meio. “Os resultados a serem obtidos
[na câmara de ionização] serão comparados
à trajetória de uma partícula carregada
detectada por uma câmara de nuvem de
difusão, que também é parte constituinte
da pesquisa. Como esta câmara de nuvem
identifica tais partículas, ela seria um excelente
método para demonstrar a pacientes imersos
um eletroscópio (eletrômetro) diretamente
ligado ao eletrodo, possibilitando saber a
medida da radiação ionizante emitida pela
carga detectada.
No projeto, Rebecca decidiu produzir uma
câmara de ionização de placas paralelas
(tipo superficial), com o corpo formado de
alumínio. Os eletrodos são de cobre, e os
isoladores, de teflon. A pesquisadora ainda
optou pela utilização dos gases hidrogênio
(H), nitrogênio (N) e xenônio (Xe) devido ao
baixo potencial de ionização (o que permite
que sejam facilmente detectados) e à fácil
aquisição (têm baixo custo) desses elementos.
Outro fator importante para a construção
da câmara de ionização é o eletroscópio –
responsável pela coleta das partículas que
apontam a medida de radiação ionizante.
A princípio, Rebecca pensou em utilizar o
modelo 617 projetado por Keithley. Contudo,
essa opção foi descartada em virtude de seu
alto custo. Assim, a pesquisadora decidiu
construir um eletroscópio eletrônico. Para
tanto, juntou uma placa Gogo Board (um
pequeno computador que coleta informações
do ambiente, como luz, temperatura e
umidade) com um pequeno aparato produzido
em laboratório contendo fios de cobre e
transístores. Esse aparato fica diretamente
ligado por um cabo USB a um computador,
que possui o software Gogo Monitor, capaz de
fornecer digitalmente os dados quantitativos
medidos pelo eletrômetro.
Assim, esse eletroscópio (eletrômetro) é
conectado por meio da ligação do fio de cobre
a um dos eletrodos da câmara (condutor ou
Arquivo pessoal da pesquisadora
em um processo de radioterapia a natureza
da radiação, a atuação dela no meio ambiente
e no próprio organismo humano, tornando a
radioterapia um processo menos superficial”,
afirmou Rebecca.
Radiação ionizante e a câmara de ionização
Radiação
ionizante
é
uma
onda
eletromagnética que apresenta energia
suficiente para arrancar elétrons de átomos,
transformando-os em íons. Por meio da
energia, a radiação ionizante interage com
a matéria, o que pode se dar através de três
processos. No efeito fotoelétrico, quando
uma radiação eletromagnética incide sobre
determinado material, um fóton excita um
elétron, rompendo as forças de ligação deste
com o núcleo do átomo. Assim, o elétron deixa
o átomo e passa a ser denominado fotoelétron.
Já no efeito Compton, há uma colisão entre um
fóton e um elétron, gerando, para o elétron
espalhado, uma energia cinética que variará
de acordo com o ângulo de espalhamento. Por
fim, a formação de pares ocorre quando um
fóton de energia mínima de 1,022MeV colide
com o núcleo de um átomo, cedendo toda sua
energia para o núcleo e dando origem a um
par de partículas, o par elétron-pósitron.
Quanto ao funcionamento da câmara de
ionização, em seu interior ocorre uma colisão
das partículas do gás ali presente com as de
um gás externo que penetra o recipiente. Isso
faz com que as partículas percam elétrons e se
tornem íons, sendo submetidas a um campo
elétrico uniforme. Neste local, se dirigem
aos eletrodos de polaridade inversa às suas
– seguindo o princípio da atração e repulsão
de cargas elétricas – e formam uma corrente
elétrica. Os íons, então, serão coletados por
A câmara de nuvem de difusão desenvolvida
por Rebecca no trabalho
59
Arquivo pessoal da pesquisadora
de polarização), podendo captar as cargas
elétricas encaminhadas a este. Após realizar
tais medições, o eletroscópio transmite os
dados ao programa Gogo Monitor, que, a
partir de um gráfico de barras, demonstra a
medição dessas cargas elétricas na unidade
desejada.
Câmara de nuvem de difusão
Antes, porém, de construir a câmara de
ionização, a pesquisadora dedicou-se a
montar a câmara de nuvem de difusão para
possibilitar a visualização do rastro deixado
por partículas subatômicas em um meio
condensado. Esse dispositivo possui, em seu
interior, álcool isopropílico, que é aquentado,
tornando-se gás, e, posteriormente, resfriado
devido à presença de gelo-seco no ambiente
externo onde se acha a câmara. O gás ainda
será ionizado a partir do bombardeamento
de partículas provenientes de raios X ou de
raios gama. Assim, com a condensação, pode
ser verificada a existência dessas partículas
por meio de um caminho deixado por elas em
meio ao gás presente na câmara.
Para a montagem da câmara de nuvem de
difusão, utilizou-se uma caixa retangular de
acrílico com dimensões de 40x20x27cm,
com uma altura de 7cm. Duas lanternas
com potência média foram instaladas no
dispositivo para possibilitar a visualização
das partículas. Na parte inferior da caixa, a
pesquisadora colocou uma placa metálica que
permite a separação da câmara do ambiente
60
externo. Logo abaixo do objeto, introduziu um
material isolante, como isopor, e que resfriará
o recipiente a partir da presença de geloseco responsável pela condensação do álcool
isopropílico.
Diante disso, a pesquisadora realizou três
testes, mudando, em cada um deles, o suporte
para o gelo-seco. Na primeira experiência,
um feltro embebido com álcool isopropílico
foi colocado na parte superior da caixa de
acrílico. Na avaliação de Rebecca, esse foi
um dos motivos para que não fosse possível
visualizar as partículas subatômicas, uma vez
que o papel deveria estar na parte inferior da
câmara.
Assim, no segundo teste, colou-se o feltro
com cola quente na parte inferior da caixa de
acrílico retangular, que também foi vedada
com massinha para que o álcool presente
em seu interior não vazasse. A pesquisadora
colocou a câmara em cima de três folhas de
papel-alumínio, que, por sua vez, estavam
sobre uma quantidade significativa de geloseco. Segundo Rebecca, foi possível visualizar
partículas subatômicas, mas com uma
intensidade baixa, pois, em seu ponto de
vista, as folhas de papel-alumínio não foram
tão eficientes como condutoras de forma a
permitir a condensação do álcool isopropílico,
e a massinha não conseguiu evitar o vazamento
desse líquido.
Contudo, no terceiro teste – também com o
feltro colado na superfície
inferior da caixa –, ocorreu
a total condensação do
álcool isopropílico, o que
possibilitou a completa
visualização das partículas
subatômicas. Para que
isso
fosse
possível,
utilizou-se uma placa
metálica
considerada
100% condutora de carga
elétrica.
Pela sua pesquisa,
Rebecca (centro) recebeu
diversos prêmios, como o
primeiro lugar em Física,
Matemática e Ciências
Planetárias e Terrestres
na Mostratec 2013
Sobre a pesquisadora
Rebecca Konig teve em sua própria família a
inspiração para seu trabalho de pré-iniciação
científica: Meiry Rosenblit, avó da estudante,
trabalhou com medicina nuclear na área de
aplicação de radiofármacos no organismo
humano. Após conversar com a avó e com
professores, Rebecca se interessou pela
produção de radiofármacos, tema que, segundo
ela, não era muito explorado no Brasil.
“Assim, com muita ajuda do meu colégio
[Escola Antonietta e Leon Feffer] e de meu
orientador [professor Mauro Pontes], pude
pensar no desenvolvimento de métodos que
ampliassem, barateassem e, acima de tudo,
diversificassem a produção de tais substâncias
em território nacional”, afirma Rebecca, que já
recebeu sete premiações pelo trabalho.
“O projeto é de grande importância e aplicação
no campo de estudo da física e da área da
saúde, pois, quando finalizado, poderá produzir
radiofármacos com um preço muito inferior
ao preço dos presentes hoje no mercado e
Rebecca está na 3ª série do Ensino Médio
e pretende cursar Engenharia Física
Assim, quanto à primeira parte da pesquisa,
resta a construção da câmara de ionização.
Além disso, há diversas outras etapas para
concluir o projeto todo (incluindo a elaboração
do acelerador de partículas que possa produzir
o radiofármaco Iodo 131). Entretanto, como
no momento Rebbeca está na 3ª série do
Ensino Médio e estuda em um cursinho prévestibular (quer fazer Engenharia Física), o
trabalho foi temporariamente paralisado.
“Ainda também é preciso aprimorar a câmara
de nuvem de difusão e testá-la em alguns
hospitais com pacientes que estão realizando
o processo radioterápico”, explica Rebbeca,
que, porém, pretende finalizar o trabalho
futuramente. “Assim que eu ingressar em uma
universidade e estabilizar minha nova rotina,
desejo continuar o projeto, talvez até como
iniciação científica”, diz.
em uma quantidade muito maior, podendo
atender a uma parte maior da população
brasileira”, explica.
Arquivo pessoal da pesquisadora
Avaliação
No relatório entregue para avaliação da
, Rebecca considerou que parte dos
objetivos propostos na pesquisa haviam sido
alcançados até aquele momento: ela construiu
a câmara de nuvem de difusão, além de
realizar os primeiros testes desse dispositivo,
apresentando um resultado significativo.
Rebbeca também produziu o eletroscópio
eletrônico (classificado como alternativo por
seu custo corresponder a apenas 0,937% do
preço atribuído ao eletroscópio do modelo
Keithley 617), tendo realizado também um
teste de funcionamento a partir da medição
de cargas elementares. Por fim, elaborou o
plano de construção da câmara de ionização
e a coleta de grande parte de seus materiais.
61
(Ponto de vista)4
Inovação na educação
Victor Paolillo Neto*
U
sar a palavra desastre para descrever
danos causados por um vazamento de óleo
não é exagero. Uma pequena quantidade é
suficiente para contaminar uma grande área.
Por isso, é preciso agir rápido para conter
os derramamentos. Dois pesquisadores
brasileiros criaram uma membrana capaz de
absorver até 22 vezes o seu volume em óleo.
A “esponja”, feita de criptomelano, é bem
mais eficiente que os materiais tradicionais, e
os líquidos absorvidos podem ser recuperados
em quase 100%, deixando a membrana
pronta para ser reutilizada. Pode-se dizer que
o novo material tem potencial para se tornar
o próximo estágio no tratamento de águas
contaminadas.
Seria fácil apostar que esse projeto inovador
foi desenvolvido dentro de uma universidade
ou de uma empresa multinacional, mas não foi.
Ele é resultado de uma pesquisa feita por dois
alunos do ensino médio: Gabriel Chiomento e
Raissa Muller. A surpresa que essa informação
causa em muitas pessoas é um sinal do quão
pouco se discute a importância da educação
e da formação científica pré-universitária.
Ensinar estudantes a fazer ciência faz parte da
realidade de poucas instituições.
Diante disso, fica fácil entender por que está
acontecendo uma gradativa perda de interesse
dos alunos por ciências. Para citar somente
um exemplo, dados do Inep mostram que
apenas 6,3% do total de formados no ensino
superior são das engenharias. O reflexo disso
pode ser observado no Ranking Mundial da
Inovação, da consultoria BCG, no qual o Brasil
ocupa a 72ª posição – atrás de países como
Cazaquistão e Sri Lanka.
Pensando na importância da formação
científica, o Google possui iniciativas que
promovem a geração de conhecimento e
o desenvolvimento de jovens talentos. Um
desses projetos é o Google Science Fair,
que visa inspirar e unir jovens do mundo na
experimentação científica. Como resultado,
o apoio ao movimento de feiras de ciências
se torna uma maneira de revelar jovens
brasileiros apaixonados pela inovação como
o Gabriel e a Raíssa, ganhadores da última
edição do Google Science Fair no Brasil.
Com o incentivo do movimento de educação
científica, é possível não só criar talentos, mas
também resolver problemas de escala global.
Para que o Brasil eleve seu patamar de inovação
na educação e tenha seus primeiros prêmios
Nobel, é necessário construir um ambiente e
um sistema de ensino que incentive os jovens
a criar soluções inovadoras.
A alternativa para isso é uma ação conjunta
entre iniciativa privada, governo, escolas e
ONGs. As empresas entram com a inovação
e com maneiras diferentes de pensar; o
governo, com o financiamento de iniciativas
e a aceleração de projetos em escala; os
professores participam como principais
atores do movimento científico e, por fim, as
organizações não governamentais trabalham
como agregadoras na disseminação do fazer
científico. Somente com essa parceria será
possível transformar o sistema educacional
no Brasil, incentivando a ciência, a tecnologia,
a engenharia e a matemática, e levando
o país a um novo estágio de inovação e
desenvolvimento.
*Coordenador do Google Science Fair no Brasil
62
Download

quarta edição da revista InCiência