POLÍMEROS DE TÊMPERA À BASE DE PAG
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POLÍMEROS DE TÊMPERA À BASE DE PAG
Lauralice de Campos Franceschini Canale
EESC-USP, São Carlos, SP, Brasil
George Edward Totten
Portland State University, Portland, OR, USA
Antonio Carlos Canale
EESC-USP, São Carlos, SP, Brasil
Resumo
Embora os óleos minerais sejam os meios de resfriamento mais utilizados para as operações de tratamento térmico de
têmpera, as soluções de polímeros atualmente têm conquistado mais espaço à medida que as preocupações com o meio
ambiente e com os problemas toxicológicos associados à utilização dos óleos minerais se tornam crescentes. Para que
a utilização dessas soluções aquosas ocorra de maneira adequada, é necessário o entendimento das influências de
parâmetros do processo de tratamento térmico em seu desempenho durante o resfriamento. Assim, o que se pretende é
apresentar e discutir o desempenho das soluções de polímeros, em particular dos polímeros à base de PAG, que são os
mais amplamente usados para essa aplicação.
Palavras-chave: tratamento térmico, meios de resfriamento, óleos minerais, soluções de polímeros.
Introdução
Tradicionalmente, os óleos minerais têm sido os
fluidos mais comuns para a têmpera de aços carbono e
aços liga nas plantas de tratamento térmico. Entretanto,
com a crescente preocupação com o meio ambiente, descarte,
segurança e problemas toxicológicos, tem havido potencial
interesse na utilização de fluidos de resfriamento alternativos.
Uma das alternativas mais comuns, em substituição aos
óleos minerais, tem sido as soluções de polímeros solúveis
em água, especialmente aqueles formulados à base de PAG
(polialquilene glicol ). Há ainda algumas vantagens adicionais
na utilização dessas soluções de PAG, quando comparadas
aos óleos minerais: custo, desempenho, limpeza no processo
(eliminação de desengraxantes) e flexibilidade.
Neste trabalho será apresentado breve resumo dos
polímeros como fluidos de resfriamento e a influência de
alguns parâmetros de processo. Além disso, serão discutidos
alguns procedimentos mais comuns quando se usam soluções
de polímeros como meio de resfriamento no tratamento
térmico de têmpera.
necessidade de equipamentos mais onerosos. As soluções
de polímeros são isentas desses perigos.
Ao longo dos anos, muitos polímeros solúveis em
água têm sido avaliados e/ou usados como fluidos de corte
(Totten et al., 1993a). Polímeros PAG foram primeiramente
patenteados por Blackwood (Blackwood & Cheesman,
1965) e, desde então, muitas formulações foram
desenvolvidas e patenteadas (Totten et al., 1993a). Dentre
os polímeros mais comuns usados nas nações mais
industrializadas do mundo estão as formulações com PAG.
A Tabela 1 fornece uma lista ilustrativa dos processos
comuns em que as soluções PAG são correntemente usadas.
Polímeros PAG são copolímeros de óxido de etileno,
(C2H4O) e óxido de propileno (C3H6 O) e seu desempenho
é definido pelo seu peso molecular (tamanho) e a razão
(n/m) das repetições das unidades dos monômeros de cada
óxido, ilustrados genericamente na Figura 1.
HO-(C2H4O)n(C3H6O)m-H
Figura 1
Discussão
Polímeros mais comuns
Além do custo, há ainda outro incentivo para a
utilização de soluções aquosas na indústria. É de
conhecimento da indústria os potencias problemas associados
ao uso de óleos minerais em tratamento térmico, incluindo
potencial risco de incêndio, com perdas humanas, e a
Estrutura genérica de um copolímero PAG.
Desempenho dos polímeros PAG × óleos minerais
O processo de resfriamento de um típico óleo de
têmpera e de um polímero são mostrados na Figura 2 (Tensi
et al., 2003).Quando o aço austenitizado é primeiramente
imerso no óleo, o metal quente é imediatamente circundado
por uma “camada de vapor”, resultando em resfriamento
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bastante vagaroso. À medida que a temperatura da superfície
decresce para o ponto de ebulição do óleo, um processo
de nucleação de bolhas se inicia, elevando as taxas de
resfriamento aos valores mais altos de todo o processo.
Finalmente, quando a temperatura da superfície é menor
do que o ponto de ebulição do óleo, há o resfriamento
convectivo e a taxa de resfriamento volta a cair para os
valores mais baixos de todo o processo de resfriamento. É
importante notar que os três processos ocorrem simultaneamente na superfície, fato que contribui para aumentar os
gradientes térmicos e transformacionais, aumentado as
distorções e o potencial para trincamento.
O processo de resfriamento em solução aquosa de
polímero é substancialmente diferente, como mostrado
na Figura 2. Quando ocorre a imersão do metal quente na
solução, há a formação de um filme fluido contínuo de
polímero ao redor da peça, que é separado da superfície
do metal por um vapor superaquecido. À medida que o
resfriamento acontece, o filme de polímero subitamente
colapsa (vapor de água rompe o filme de polímero), resultando
em taxas de resfriamento bastante rápidas. É particularmente
importante notar que isso ocorre simultaneamente por toda
a superfície do metal, resultando em um processo de
resfriamento uniforme. Quando a temperatura da superfície
cai abaixo do ponto de ebulição da água, acontece o
resfriamento convectivo.
É especialmente importante notar que, em se tratando
de polímeros, o processo de resfriamento leva a uma
substancial redução dos gradientes térmicos e de
transformação, resultando em menor potencial para o
aparecimento de trincas e distorções se comparados ao
processo que utiliza óleos minerais. Isso pode ser comprovado
na Figura 3, em que os fluidos vaporizáveis provocam
diferentes padrões de resfriamento (curvas de resfriamento)
ao longo da superfície do componente cilíndrico, enquanto
no caso do polímero as curvas de resfriamento praticamente
se sobrepõem ao longo da superfície (Tensi et al., 2003).
Esta seria uma das razões pelas quais um sistema de
resfriamento usando polímeros, desde que propriamente
projetado, pode ter desempenho superior ao seu similar
usando óleo mineral.
Parâmetros do processo de resfriamento
Nas discussões anteriores, foi mostrado que os
mecanismos de resfriamento de um óleo mineral e de uma
solução de polímeros, por exemplo, PAG, são fundamentalmente diferentes. Isso fica mais evidente quando ambos
são usados em uma planta de tratamento térmico. Por exemplo,
os óleos exibem menor sensibilidade às variações de severidade
com relação às variações de temperatura do que os polímeros
em geral. Além disso, desde que muitos óleos são usados
em condições de não agitação ou de agitação inadequada,
parece claro que as soluções de polímeros não podem ser
consideradas como substituto direto dos óleos minerais sem
apropriadas adaptações ao sistema de resfriamento. Nesta
seção, serão discutidos os parâmetros mais comuns do processo
de resfriamento que devem ser considerados e controlados
para a utilização de polímeros.
Tabela 1 Lista ilustrativa das práticas de tratamento térmico mais comuns em que PAG é usado.
Têmpera por chama
Cementação
Fornos tipo câmara
Peças de metalurgia do pó
Fornos contínuos
Carbonitretação
Têmpera direta de forjados
Forno de atm. neutra ou redutora
Têmpera por indução
Leito fluidizado
b)
a)
4,3 s
8,3 s
12,3 s
6s
6,35 s
7,65 s
Figura 2 Comparação do processo de resfriamento de: a) um óleo mineral e b) uma solução aquosa de polímero.
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Temperatura (ºC)
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211
3
2
1
C
750
1
500
A
2
3
B
250
1-3
0
0
10
20
30
40 0
5
10
15
20
Tempo (s)
Tempo (s)
a) termopares localizados
a) termopares localizados
no centro
na superfície
Figura 3 Ilustração dos gradientes de resfriamento tipicamente exibidos por um fluido de resfriamento vaporizável (A) em
comparação a um polímero PAG (B) que apresenta resfriamento praticamente uniforme em toda a superfície da peça.
Para obter melhor entendimento de como o polímero
é usado na prática, novamente a Figura 2 será referida.
Notar:
l Primeiramente há um filme de polímero circundando
a superfície do metal. A espessura e a viscosidade desse
filme determinarão a taxa de transferência de calor.
Tipicamente, essas taxas diminuem exponencialmente
com o aumento da concentração do polímero em solução.
A espessura do filme também é determinada por esta
concentração. Geralmente, aumentando-se a concentração,
diminuir-se-á a severidade da têmpera. Conseqüentemente,
um sistema de resfriamento otimizado minimizará a
variação da espessura desse filme ao redor do componente
durante o resfriamento.
l Para que haja homogeneidade no resfriamento, uma
agitação uniforme através dos componentes é
fundamental. Geralmente, aumentando-se as taxas de
agitação, a severidade do resfriamento aumenta, e este
efeito é sentido na superfície metálica dos componentes.
l Além disso, uma vez que a viscosidade é também
criticamente importante, é necessário se assegurar de
que a temperatura do fluido seja razoavelmente uniforme
através dos componentes da carga durante o resfriamento.
Geralmente, aumentando-se a temperatura do banho,
diminui-se a severidade do resfriamento. Novamente,
isso ilustra a importância de agitação adequada e a
necessidade de um trocador de calor conveniente. Deve
ser notado também que os polímeros PAG possuem
separação reversível da solução se a temperatura exceder
o ponto de turvamento do polímero, como ilustrado
na Figura 4 (Totten et al., 1993b). Isso é importante
porque, se a separação térmica ocorrer no tanque de
resfriamento, resultará em resfriamento não uniforme,
provocando, nos componentes, o aparecimento de pontos
moles, aumento das distorções e trincas, bem como
arraste excessivo. Por isso é necessário que a temperatura
do banho seja mantida, e que não se exceda o ponto
de turvamento do polímero.
l Uma vez que a viscosidade e a uniformidade do filme
de polímero são importantes para assegurar que os
gradientes térmicos sejam mínimos, devem ser evitadas
as misturas de diferentes fluidos, bem como o uso de
polímeros altamente degradados.
Por meio de controle adequado dos parâmetros do
banho, fornecidos pelo controle da concentração e
temperatura e também da agitação uniforme por meio do
tanque, especialmente através dos componentes da carga,
é possível obter valores de severidade de Grossman (Valores
H), que cobrem uma faixa exibida pelos óleos minerais
convencionais (H ~ 0,2) até os valores correspondentes à
utilização da água em temperatura ambiente (H > 1). Isso
é ilustrado na Figura 5, em que se pode conferir a flexibilidade
que a utilização de soluções de polímeros pode trazer ao
processo (Totten et al., 1993b).
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25ºC
75ºC
Solução inicial a 20%
(com agitação)
Solução imediatamente
após separação
(com agitação)
Figura 4 Separação térmica reversível de uma solução aquosa de polímero PAG.
140
Temperatura do banho (ºF)
0,4
0,2
0,6
130
Taxas de
circulação
0,4
0,6
0,8
120
110
50 ft/min
0,6
75 ft/min
0,8
1,0
100 ft/min
0,8
100
15
1,0
1,2
25
20
Concentração da solução (%)
Figura 5 Gráfico mostrando o impacto da temperatura do banho,
concentração do polímero e agitação na severidade do resfriamento.
Quais ligas e componentes podem ser temperados com
polímeros PAG?
Em função da enorme flexibilidade exibida pela
ampla faixa de severidades de resfriamento potencialmente
atingíveis, ampla variedade de componentes (veja Tabela
2) confeccionados em aços carbono e aços liga (veja Tabela
3) é comumente temperada em soluções de polímeros PAG.
Para uma lista mais expressiva de aços liga para os quais
as soluções de polímeros podem ser usadas, o leitor deve
consultar a AMS 2759.
Tabela 2 Lista de aços (SAE/AISI) mais comuns usados para a fabricação de
componentes que podem ser temperados com polímeros.
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103B3x
1070
5046
1012
1141
5160H
1020
4140
5135
1022
4150
52100
1045
4320
8645
1046
4340
8650
1048
4820
8655
1050
4870
8670
1065
41055
9620
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Tabela 3 Lista parcial de típicos componentes produzidos a partir de têmpera usando polímeros.
barras
pinos
roda dentada
eixos
parafusos
bloco de matriz
rolamento de esfera
rebites
anéis forjados
eixos comando de válvula
eixos chavetados
cilindros de alta pressão
componentes da suspensão
uniões entalhadas
molas planas de suspensão
juntas forjadas
blank de engrenagem
eixos de pequeno diâmetro
engrenagens
tubos
placas
Além disso, componentes forjados e trabalhados
de alumínio (ligas da série 2000, 6000 e 7000) e fundidos
de alumínio (ligas da série 300) são usualmente produzidos
usando polímeros PAG do tipo I (como definido pela AMS
3025, eles só podem ser produzidos com baixos valores
de distorção se este tipo de polímero for usado). Uma
ilustração da substancial melhora da distorção usando
polímeros PAG em ligas de alumínio é fornecida na Figura
6 (Totten et al., 1993b). Alguns componentes aeronáuticos
bastantes críticos são produzidos usando polímeros PAG,
como ilustrado na Figura 7 (Totten et al., 1993b). As
concentrações adequadas e outros parâmetros para essa
aplicação são especificados na AMS 2770 para forjados
e trabalhados e na AMS 2771 para fundidos.
Água: 160ºF
Agitação: 25 pés/min
Distorção total: 1,385”
Água: 85ºF
Agitação: 25 pés/min
Distorção total: 1,55”
Polímero PAG a 20%
Agitação: 25 pés/min
Distorção total: 0,12”
Figura 6 Ilustração do uso do polímero PAG do tipo I para minimizar a distorção de chapas de alumínio 7075.
a)
b)
Figura 7 Componentes aeronáuticos produzidos a partir da utilização de polímeros PAG do tipo I com concentração a 25%. a)
Colocação no tanque de maneira inadequada. b) Colocação adequada no tanque gerando escoamento do fluido mais adequado.
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Conclusões
O uso de fluidos de resfriamento à base de polímeros
vem crescendo globalmente nas plantas de tratamento térmico,
tornando-se viável como substituto para os óleos minerais,
uma vez que fornecem substanciais vantagens em relação
ao uso, desempenho, flexibilidade de processo, toxicidade,
biodegradabilidade e inflamabilidade.
O desempenho de polímeros aquosos é dependente
da temperatura do banho, agitação e concentração. Portanto,
soluções de polímeros não podem substituir diretamente
os óleos minerais sem que adaptações sejam feitas no
tanque, proporcionando melhores condições de agitação
e controle da temperatura do banho. Entretanto, com essas
adaptações apropriadas, a substituição poderá ser efetuada
com enormes vantagens.
Os polímeros como fluidos de têmpera há muito já
vêm sendo usados para a produção de componentes de
aços de alta e baixa temperabilidade e também em ligas de
alumínio. O uso desses fluidos, embora ainda não amplamente
aceito, já encontra especificação em muitas normas, como,
por exemplo, AMS 2759, AMS 2770 e AMS 2771.
Em decorrência de suas vantagens associadas ainda
ao cumprimento de regulamentações governamentais
relacionadas aos problemas de emissão de ar, água e
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toxicidade, espera-se que a utilização de polímeros como
fluidos de resfriamento continue a crescer no futuro.
Referências Bibliográficas
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quenchant. Chapter 5. In: Handbook of quenchants and
quenching technology. ASM, 1993. p. 161-190.
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3, 220, 893. 1965.
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