Universidade Nova de Lisboa
Faculdade de Direito
Ano académico 2008-2009
1º Semestre
Sociologia jurídica
Docente : Pierre Guibentif
Sumários
23 de Setembro (1)
Preenchimentos pelos alunos de um questionário sobre os motivos da escolha da cadeira
e sobre conhecimentos em ciências sociais. Sensibilização geral ao tema da cadeira:
Tem-se assistido nos últimos anos a um forte desenvolvimento da investigação sobre o
direito, levada a cabo por especialistas das ciências sociais. Manifestações deste
desenvolvimento: a cooperação entre o Research Committee on Sociology of Law (
http://rcsl.iscte.pt/ ), da Associação internacional de sociologia, e a Law & Society
Association, que conduziu à realização do Congresso de Berlim “Law and Society in the
21st Century” ( http://www.lsa-berlin.org/ ); a criação de um Instituto internacional de
sociologia jurídica (http://www.iisj.net/?sesion=1347 ); a negociação de um “World
Consortium on Law and Society, etc. Razões desta dinâmica: necessidade sentida de
perceber melhor as transformações que o direito atravessa, ligadas, em particular, à
importância crescente das normatividades internacionais e regionais, nomeadamente
europeias, que põem em causa a imagem piramidal da ordem jurídica; e ao surgimento
de novos modos de governação, nos quais o direito é utilizado em articulação com
diversas outras ferramentas. – Para apresentar este domínio de conhecimento, opta-se
por centrar o ensino no estudo de cinco autores através dos quais se pode, a partir de
percursos concretos, ver melhor como as referidas transformações foram experienciadas
e abordadas como objecto de uma reflexão científica. São cinco autores muito lidos e
citados, pelo que o seu estudo facilitará no futuro aos estudantes a leitura de trabalhos
de ciências sociais pertinentes para aprofundar o conhecimento da realidade jurídica. –
Exame concebido em função deste objectivo pedagógico: um exercício de leitura e de
interpretação cuidadosa de um texto em ciências sociais. – Informação adicional: o
docente também é responsável de um ensino de Sociologia do Direito dirigido a
sociólogos, logo concebido de maneira muito diferente. Interessados poderão encontrar
mais informações sobre este ensino em http://cadeiras.iscte.pt/SDir/ .
23 de Setembro (2)
Primeira introdução geral às ciências sociais e à sociologia : (1) surgimento das ciências
humanas e sociais, entre as quais o direito, com a tomada de consciência da
possibilidade de dominar / de se dominar a si próprio, pelo conhecimento. Recorda-se
FD-UNL Licenciatura em Direito – Sociologia jurídica 2008-2009 – Sumários – página 2
como decorre este processo do lado do direito: das compilações de leis (Ordenações),
passando pelas codificações, até ao constitucionalismo, que consagrou a lei como
instrumento de governo da Nação por si própria. Processo paralelo nas ciências da
sociedade. Desenvolvimento progressivo de mecanismos permitindo um melhor
conhecimento da colectividade a governar. Um momento revelador : a criação do
Institut no decorrer da Revolução Francesa (ver Tabela 1). Desenvolvimento das
diferentes ciências sociais (direito, economia, história, geografia, demografia, etc.). (2)
Motivos da criação de uma disciplina generalista : - necessidade de se dotar de
instrumentos para analisar as estatísticas sociais, que são produzidos nomeadamente
para responder à necessidade de melhor conhecer a gravidade da « questão social »; necessidade sentida de « pensar a sociedade como unidade » face a fenómenos de «
desintegração social » (Europa) ou face à nova heterogeneidade do tecido social urbano
(Estados Unidos da América); - necessidade de criar um contrapeso ao materialismo
histórico, interpretação global da realidade social que emana de intelectuais próximos
do movimento operário. (3) Evolução da sociologia desde a sua fundação (ver tabela 2):
(i) na Europa, recuo entre as duas guerras (mas de referir o caso particular da Escola de
Frankfurt); desenvolvimento nos EUA; (ii) envolvimento no esforço de reconstrução
empreendido pelos governos depois da II Guerra Mundial; a sociologia torna-se mais
“funcional” e especializa-se; (iii) reacção face aos aspectos “disciplinadores” da etapa
anterior; crítica de um conhecimento condicionado pela procura de saber dos governos;
apelos à inter- e transdisciplinaridade (entre outros Habermas e Foucault no início dos
seus percursos); (iv) normalização progressiva procurando conciliar contribuição
construtiva com distanciamento crítico (representativos desta fase, entre muitos outros:
Bourdieu e Luhmann); fase actual marcada pelos processos ditos de “globalização”
(tema central na obra de Boaventura de Sousa Santos). – Objectivo da uc: dar aos
estudantes ferramentas intelectuais que lhes permitam participar mais conscientemente
nas transformações em curso, que afectam o trabalho tanto dos juristas como dos
cientistas sociais, para que possam avaliar com algum fundamento o que foi o
contributo do direito moderno e da sua prática, e para que possam, tendo esta avaliação
em conta, melhor formular novas concepções destes trabalhos.
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Institut national des sciences et des arts
(décret du 3 Brumaire an IV, 25 octobre
1795)
Académie française (Richelieu, 1635)
Académie royale de sculpture et peinture
(Mazarin, 1648)
Classe des Beaux-Arts
Académie royale des sciences
(Colbert, 1662)
Classe des sciences physiques et
mathématiques
Académie royale des inscriptions et
médailles (Colbert, 1663)
Classe des sciences morales et politiques
(*) (**)
(*) Seis secções:
- Análise das sensações e das ideias
- Moral
- Ciências sociais e legislação
- Economia política
- História
- Geografia
(**) Abolida por Napoleão em 1803; reestabelecida por Guizot em 1832.
Fontes: Encyclopaedia Universalis (“Académies”), Gusdorf, Introduction aux sciences
humaines, Paris 1974, p. 276 s., 1978, p. 308 s.
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Tabela 2
Sociologia
Fundação
Émile Durkheim
1858-1917
De la division du travail
social, 1893
L’Année sociologique
(1896)
Apagamento / Resistência
Max Weber
1864-1920
Archiv für
Sozialwissenschaft und
Sozialpolitik (1903)
Rechtssoziologie, 1911
American Journal of
Sociology (1895)
Escola de Francoforte
Max Horkheimer (18951973)
Theodor W. Adorno (190369)
Zeitschrift für
Sozialforschung (1931-41)
Franz Neumann,
Behemoth, 1944
Talcott Parsons
(1902-79)
Robert K. Merton
(1910-2003)
Funcionalismo
Reconstrução
Interaccionismo Simbólico
Erving Goffman
(1922-1982)
Críticas
Michel Foucault
(1925-1984)
Consolidação
Pierre Bourdieu
(1930-2002)
Alain Touraine (1925)
Globalização
Jürgen Habermas
(1929)
Niklas Luhmann
(1927-1998)
Rechtssoziologie, 1972
Anthony Giddens
(1938)
Boaventura de Sousa
Santos (1940)
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30 de Setembro (1)
Complemento ao panorama apresentado na semana anterior: fase actual caracterizada
por um lado, pela crescente importância de realidades transnacionais e da “sociedademundo” como objecto da sociologia; por outro lado pelo facto de a sociologia ser em
crescente medida sustentada por entidades supranacionais, nomeadamente, no caso das
investigações levadas a cabo em Portugal, a União europeia. Boaventura de Sousa
Santos exemplar desta evolução: não só trata o tema da globalização, fá-lo em particular
para apoiar iniciativas de tipo “Forum Social Mundial”. - No desenvolvimento da
sociologia, etapas da sociologia do direito (Tabela 3): (1) Para os Fundadores da
disciplina: capítulo indispensável de uma sociologia geral. Émile Durkheim quer
entender a tansição das sociedades arcaicas para as sociedades evoluídas. O que as
distingue seriam as formas de “solidariedade”: passa-se de uma solidariedade
“mecânica” para uma solidariedade “orgânica”, isto é: de uma moral que visa proteger
cada um contra agressões dos outros, para uma moral que associa compromissos
diferentes a diferentes funções sociais, para possibilitar uma complexa divisão do
trabalho. Procura observar esta evolução empiricamente, e fá-lo analisando a evolução
do direito: principalmente direito penal nas sociedades arcaicas; direito “cooperativo”
nas sociedades evoluídas. – Max Weber quer entender a evolução das nossas formas de
pensar o mundo, antes da modernidade muito ligadas à religião, a formas de “magia”;
agora “racionais”, no sentido em que podemos olhar para a realidade sob vários
ângulos: científico, jurídico, artístico, etc., tendo o nosso pensamento perdido o antigo
nexo com formas tradicionais de religião e com a “magia” (Entzauberung). As
transformações do direito contribuíram para esta evolução – Racionalização –
nomeadamente pela maneira como os juristas se especializaram num saber sobre o
direito apoiado cada vez mais nos conteúdos do direito positivo, desligando-o
nomeadamente da religião. Transformações favorecidas pela Reforma e pelas
necessidades geradas pelo desenvolvimento do comércio e da industria.
30 de Setembro (2)
(2) A sociologia utilizada por juristas para propor um fundamento do direito alternativo
à teoria do direito positivo; com a ambição de apoiar regras sociais num conhecimento
científico da sociedade. O que conduziu ao corporativismo e faz parte de evoluções que
levaram ao autoritarismo e ao totalitarismo. (3) A Escola de Frankfurt. Resultado da
necessidade sentida pelos pensadores críticos do início do século XX de melhor ter em
conta a importância dos fenómenos culturais; de melhor aproveitar os avanços
(culturais) do conhecimento conseguidos nas universidades. Criação, com estes
objectivos, de um instituto universitário. Desenvolve-se em particular sob a direcção de
Horkheimer, que lança a revista Zeitschrift für Sozialforschung, consegue transferir o
instituto para os Estados Unidos quando os Nazis tomam o poder, e manter o ritmo de
publicação durante estas deslocações. disciplina de apoio aos políticos do direito. Neste
âmbito, em particular os trabalhos de Franz Neumann. – Depois da II Guerra mundial,
uma fase durante a qual se avança pouco em sociologia do direito. Os sociólogos
entraram numa fase de especialização, e não avançam no terreno do direito por este
estar reservado às Faculdades de Direito; os juristas evitam a sociologia depois de
doutrinas jurídicas inspiradas nela terem-se comprometido com os regimes autoritários.
Ver a exigência de Hans Kelsen em voltar a um conhecimento do direito baseado
FD-UNL Licenciatura em Direito – Sociologia jurídica 2008-2009 – Sumários – página 6
apenas no próprio direito. (4) Sociologia jurídica promovida por juristas conscientes da
necessidade de melhor conhecer as realidades sociais para melhor antecipar os efeitos
das leis. Entre outros, Jean Carbonnier. Tomam a iniciativa da criação do Research
Committee on Sociology of Law nos anos 1960. (5) critical legal studies : contra uma
visão tecnocrática do direito, e insistindo na urgência de um trabalho transdisciplinar
sobre o direito (6) regresso do direito como objecto de discussões genuinamente
sociológicas, apoiadas em resultados de investigações conduzidas por cientistas sociais
com longa experiência em matéria de direito, e nas quais se vão envolver vários
sociólogos e cientistas sociais – entre estes os autores tratados na UC – interessados em
elaborar teorias mais globais da realidade contemporânea, às quais, no entender deles,
deveriam estar particularmente atentas ao papel do direito.
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Tabela 3
Direito
Émile Durkheim
1858-1917
De la division du
travail social, 1893
L’Année sociologique
(1896)
A sociologia jurídica
como alternativa ao
positivismo
Archives de
philosophie du droit et
sociologie juridique
(1931-1940)
Sociologia
Fundação
Max Weber
1864-1920
Archiv für
Sozialwissenschaft
und Sozialpolitik
(1903)
Rechtssoziologie, 1911
Apagamento /
Resistência
Escola de Francoforte
Max Horkheimer
(1895-1973)
Theodor W. Adorno
(1903-69)
Zeitschrift für
Sozialforschung
(1931-41)
Franz Neumann,
Behemoth, 1944
Reconstrução
Talcott Parsons
(1902-79)
Robert K. Merton
(1910-2003)
Funcionalismo
Normativismo
Hans Kelsen
(1881-1973)
Reine Rechtslehre, 1934
Research Committee
on Sociology of Law,
1962
Jean Carbonnier
(1908-2003)
Sociologie juridique,
1972
“Critical Legal Studies”
American Journal of
Sociology (1895)
Interaccionismo
Simbólico
Erving Goffman
(1922-1982)
Michel Foucault
(1925-1984)
Críticas
Jürgen Habermas
(1929)
“Critical Legal Studies”
Richard Abel, Marc
Galanter, etc.
Consolidação
Pierre Bourdieu
(1930-2002)
Niklas Luhmann
(1927-1998)
Rechtssoziologie, 1972
Globalização
Boaventura de Sousa
Santos (1940)
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