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6/3/2006 10:43:39
AMB quer fim do nepotismo nos três Poderes e cumprimento do teto salarial
Almir Teixeira
A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que considerou constitucional o fim do nepotismo no Poder Judiciário precisa ser estendida também para o Executivo e o Legislativo. A opinião é do presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Rodrigo Collaço, para quem o artigo 37 da Constituição, usado como base para a decisão do Supremo, é aplicável a todo o funcionalismo público, não somente ao Judiciário.
Em entrevista exclusiva a Última Instância, Rodrigo Collaço faz um balanço positivo do atual estágio da Reforma do Judiciário, mas afirma que, além do conjunto de medidas que estão sendo adotadas, será necessário um esforço pela mudança da cultura do Judiciário, impregnada de “excesso de formalismo”, nas palavras do magistrado.
Para Collaço, a luta já anunciada pelo presidente do Supremo, Nelson Jobim, pelo cumprimento do teto salarial do Poder Judiciário não será tão difícil quanto se espera, uma vez que muitos Estados já avançaram _com apoio da AMB_ na implantação do sistema de remuneração por subsídios, criado pelo Supremo.
O presidente da AMB também considera saudável que a decisão do TJ­SP de declarar a absolvição do coronel Ubiratan Guimarães _que comandou o massacre do Carandiru_ tenha ganhado a mídia e esteja sendo polemizada. Para Collaço, é “extremamente positivo que as decisões judiciais sejam discutidas por quem é atingido”, e a discussão pode mesmo gerar uma “valorização do Poder Judiciário”. Segundo Collaço, a discussão não representa qualquer ofensa à decisão judicial, e é importante que “o Judiciário tenha conhecimento da reação da opinião pública às suas decisões”.
Leia abaixo os principais momentos da entrevista: Última Instância ­ Como a AMB recebeu a notícia de que o Supremo decretou constitucional a resolução do CNJ que veda o nepotismo no Judiciário?
Rodrigo Collaço ­ A AMB não recebeu com surpresa. Na medida em que a AMB decidiu entrar com a ação declaratória de constitucionalidade, já considerava que cabia ao conselho regulamentar esta matéria, que já estava prevista na Constituição Federal, especificamente nos princípios da impessoalidade e da moralidade. Então, para nós, foi um resultado normal e esperado.
Última Instância ­ Foi então uma vitória da associação?
Rodrigo Collaço ­ A AMB considerou uma vitória do Poder Judiciário brasileiro. Para nós, é muito importante que tenha sido o Poder Judiciário o primeiro dos poderes a se libertar desta prática nociva. Isso dá muita credibilidade ao Poder Judiciário e, principalmente nos dá legitimidade para cobrar que o nepotismo seja banido também do Executivo e do Legislativo.
Última Instância ­ E essa é uma batalha da AMB?
Rodrigo Collaço ­ Essa é sim uma batalha da AMB, na medida em que o Supremo reconheceu que o artigo 37 da Constituição exige que qualquer administrador público respeite os princípios da moralidade e da impessoalidade. Na visão da AMB, esse artigo 37 não é dirigido exclusivamente ao Judiciário, mas, sim, a toda a administração pública. Então, a extensão desta proibição ao Executivo e ao Legislativo é uma bandeira da AMB, e pretendemos utilizar todos os meios para alcançar este objetivo.
Última Instância ­ A decisão do Supremo já é extensível, ou tem de haver outra decisão para que o artigo 37 tenha validade aos outros Poderes?
Rodrigo Collaço ­ A idéia da AMB é provocar o Ministério Público da União e dos Estados, para que se ajuízem ações civis públicas que visem a determinar o fim desta prática. Nós entendemos que isto é perfeitamente cabível, na medida em que o Supremo estabeleceu que a administração pública de qualquer ramo do Estado brasileiro deve obedecer ao artigo 37 e, por isso, temos plena convicção de que o fim do nepotismo nestes poderes pode ser alcançado tanto pela via judicial, como por um outro caminho, que nós estamos apoiando, que é a votação de uma emenda que já foi aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara e que, segundo o presidente Aldo rebelo, será votada no mês de março.
Última Instância ­ Então a decisão sobre o Judiciário não é automaticamente extensível aos outros Poderes?
Rodrigo Collaço ­ Não. A decisão do Supremo não é automaticamente extensível, mas o princípio, na nossa visão, é absolutamente extensível aos demais Poderes.
Última Instância ­ O ministro Jobim já anunciou que a próxima batalha do CNJ vai ser para que o teto salarial do Poder Judiciário seja cumprido. A AMB é a favor ou contra este pleito?
Rodrigo Collaço ­ A AMB lutou muito pela implementação do sistema por subsídios. Esta é uma bandeira histórica da AMB e este sistema prevê a existência de tetos. E hoje a AMB tem apoiado muito diversas associações dos Estados que têm lutado para tentar transformar a sua remuneração num sistema de remuneração por subsídios. Tem colhido vitórias porque muitos Estados têm conseguido implantar e, em alguns Estados, está havendo uma negociação final com os governadores e faltam pequenos detalhes para acertar.
Última Instância ­ Então o senhor considera que esta não será uma batalha tão difícil, correto?
Rodrigo Collaço ­ Eu acho que esta será uma batalha menor do que muitos estão pensando porque muitos Estados já se enquadraram e, principalmente, porque este sistema de remuneração representa um ganho muito expressivo para a base da magistratura. Então ela mesma tem feito esforços para que o sistema de remuneração passe a ser o sistema por subsídios.
Última Instância ­ Como funciona, sucintamente, o sistema por subsídios?
Rodrigo Collaço ­ O Supremo mandou para o Congresso uma lei estabelecendo que a remuneração da magistratura em geral se daria naqueles patamares e, obedecido dali para baixo o escalonamento, que é no mínimo 5% e no máximo 10% de diferença entre os diversos tribunais e entrâncias. Então, os Estados estão remetendo projetos iguais ao do Supremo, estabelecendo o mesmo sistema que foi implantado na Justiça Federal nos Estados. Última Instância ­ As implantações do CNMP e do CNJ são consideradas por analistas do Judiciário como provas de que a reforma do Poder avançou durante o governo Lula. O senhor concorda com esta posição?
Rodrigo Collaço ­ A AMB foi uma crítica severa da criação do CNJ por uma crítica que persiste até agora. Que é possibilidade deste conselho interferir nas decisões judiciais. Então o que a AMB faz? Ela dá um apoio crítico ao conselho. Ela considera que o conselho como órgão central de planejamento, como órgão central de administração judiciária, ele pode ser muito produtivo e muito proveitoso. Agora, a AMB sempre estará vigilante para impedir que o conselho faça qualquer tipo de interferência com relação ao mérito de julgamentos. Quando nós recorremos ao Supremo para declarar a constitucionalidade de uma resolução do conselho, nós fizemos questão de deixar bem claro que o conselho é subordinado ao Supremo. Mas, sem dúvida, que o término da primeira parte da Reforma do Judiciário pode ser considerado um avanço do governo Lula, até porque encerrou uma questão que se arrastava há muito tempo e com desgaste, sem dúvida nenhuma, para o Judiciário brasileiro, porque foi uma reforma que tramitou durante 12 anos.
Última Instância ­ Sobre a questão do teto salarial, o CNJ poderá também atuar, como está propondo o ministro Jobim?
Rodrigo Collaço ­ Vinculado às decisões do Supremo Tribunal Federal. Eu não tenho dúvida de que quem vai definir o sistema remuneratório brasileiro vai ser o STF, quando julgar o mandado de segurança impetrado por ex­ministros. Sem dúvida alguma, o CNJ não poderá dar uma orientação a este assunto diferente daquela que o Supremo dará no mandado de segurança.
Última Instância ­ Se o CNJ depende do Supremo para definir exatamente se suas resoluções são ou não constitucionais, podemos afirmar que o conselho e esta tendo um papel predominantemente indicativo?
Rodrigo Collaço ­ Eu acho que, na verdade, esta impressão surge pelo fato de nós estarmos tratando de assuntos que têm repercussão constitucional. E, quando é assim, é natural que a última palavra seja dada pelo Supremo. Há uma série de ações do Conselho Nacional de Justiça, por exemplo, existem grupos de trabalho sobre sistematização de dados, estudos no CNJ sobre juizados especiais, uma série de iniciativas que não têm o mesmo destaque que essas outras matérias e que não têm nenhuma repercussão constitucional, que são do dia­a­dia do conselho, são regulamentadas lá sem que se dê relevância, pelo menos na mídia. Então, o conselho não tem sido só indicativo. Ele tem sido um órgão atuante quando essa esfera não tem repercussão constitucional. Isto está incorporado ao dia­a­dia do fórum com a participação de tribunais nestas comissões. Tem todo este trabalho administrativo que não tem aparecido.
Última Instância ­ Quais são os mais importantes destes trabalhos?
Rodrigo Collaço ­ Já citei o programa de sistematização de dados, que eu acho muito importante. O CNJ quer padronizar os dados do Judiciário brasileiro. Que todo mundo tenha os mesmos parâmetros para verificar o número do processo e tipo de ação para que se possa desenvolver uma política nacional de administração judiciária. Juizados especiais. Cada Estado desenvolve o seu trabalho com juizados especiais de uma maneira. Estão tentando uniformizar regras para o juizado especial ser igual no Brasil todo.
Última Instância ­ Voltando à questão da Reforma do Judiciário. Na sua opinião, as últimas mudanças no CPC farão diferença no andamento dos processos?
Rodrigo Collaço ­ Eu estou convencido de que o Judiciário vai melhorar, não com a reforma de um tópico especificamente. É um conjunto, é uma soma de esforços que pode melhorar o Judiciário. Dentro desta soma de esforços, uma das partes mais importantes é a reforma processual. Se nós não tivermos uma reforma processual no Brasil, tudo o que nós fizermos não será suficiente para reverter o quadro. Vamos pensar: vamos aumentar o número de juízes. Mas com as atuais regras processuais não adianta. Porque, enquanto a parte puder recorrer para quatro graus diferentes de jurisdição, o processo começa na primeira instância e vai até o Supremo, não há número de juízes que dê jeito na situação. Enquanto houver este número de recursos disponíveis à parte que é vencida, na sentença ou durante o processo, não há possibilidade do processo ser mais rápido. Agora, se nós formos imaginar que a reforma do Judiciário implantou voto aberto e motivado nas promoções _então o mérito vai ser valorizado internamente_, se nós imaginarmos que vai haver eleição de metade dos membros do órgão especial _então planos de gestão vão ser debatidos num colegiado mais amplo_, o nepotismo não é mais possível, o sistema processual está sendo reformado, a estabilidade econômica diminui o número de processos, tudo isso... Me parece que essa soma é que vai transformar o Judiciário, não a curto prazo, mas a médio e longo prazo, num judiciário melhor do que temos hoje.
Última Instância ­ O que mais pode ser feito para auxiliar nesta mudança do Judiciário?
Rodrigo Collaço ­ O que eu penso é que, depois de somarmos todos estes esforços, nós teremos também de fazer um esforço de modificação cultural, de juízes, advogados e promotores. Eu vejo que o sistema judicial brasileiro é desenvolvido dentro de uma cultura extremamente formalística. E este formalismo, muitas vezes faz com que os juízes, advogados e promotores tirem pouco proveito das mudanças legislativas, então, embora a lei simplifique, a cultura formalista não permite a aplicação da simplificação. Isso ficou muito claro na Lei dos Juizados Especiais. Teria sido possível ao Judiciário ter um processo muito mais simplificado no âmbito dos juizados especiais do que o que ele realmente tem. E ele não chegou a ter este sistema porque a nossa cultura é a cultura formalista, burocrática.
Última Instância ­ Como está o andamento da PEC (proposta de emenda constitucional) da AMB que propôs a quarentena dos membros do Poder Judiciário com relação a candidaturas?
Rodrigo Collaço ­ Ela foi apresentada, e a nossa expectativa é de que ela vai ter o mesmo andamento que a Reforma do Judiciário, porque ela está integrando a reforma nesta parte que está na Câmara. Então, ela vai ser discutida junto com a Reforma do Judiciário.
Última Instância ­ Como a AMB vê a dupla atuação de membros da magistratura, como Nelson Jobim ou Edson Vidigal, que nem assumem nem negam supostas candidaturas?
Rodrigo Collaço ­ A AMB considera que isso não é bom para o Judiciário. Tanto que apresentou esta PEC. A consideração da AMB é de que o juiz deve ser uma figura completamente afastada da luta político­partidária. Essa é uma luta desenvolvida com base em paixão, em solidariedade, em sentimentos que são incompatíveis com a independência para julgar. E, por isso, a AMB não aprova esta conduta.
Última Instância ­ E a quarentena deveria durar quanto tempo?
Rodrigo Collaço ­ Na verdade, apresentamos duas propostas. Uma em que o juiz ficaria impedido de concorrer na eleição seguinte ao período em que deixasse o cargo. Aí não haveria prazo. E a outra é que o juiz não poderia participar de eleições nos quatro anos seguintes àquele em que deixou o cargo. E, na verdade, nossa proposta não é dirigida só aos juízes, mas também ao Ministério Público e aos tribunais de contas.
Última Instância ­ Qual a sua posição sobre a discussão na mídia acerca da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo de absolver o coronel Ubiratan Guimarães?
Rodrigo Collaço ­ Eu acho extremamente positivo que as decisões judiciais sejam discutidas por quem é atingido de uma forma direta ou indireta. Eu não tenho nenhum preconceito quanto à discussão das decisões judiciais. Pelo contrário, eu considero que isso é até uma valorização do Poder Judiciário. E vejo com toda a naturalidade que segmentos estejam se posicionando de forma rigorosamente contrária à decisão do Tribunal de Justiça, como também tenho visto opiniões favoráveis à decisão. Acho que tudo isso é muito importante no ambiente democrático. Não vejo isso como qualquer tipo de ofensa ou menosprezo à decisão judicial. Para mim, faz parte completamente do jogo, e acho importante que o Judiciário tenha conhecimento da reação da opinião pública às suas decisões.
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