“A solidão: uma ou muitas?” in Adalberto Dias de Carvalho; Isabel Baptista, “Filosofia e
Pedagogia Social”, A Filosofia e a Cidade, org. Paula Cristina Pereira, Porto, Campo das
Letras, 2008.
A solidão é, mais do que uma situação objectiva, um estado de alma. Tende a
ser conotada negativamente com a melancolia e a depressão que, por seu turno, aparecem
ligadas a sentimentos de tristeza, de recurvamento perene de cada um sobre si mesmo e de
isolamento. Nos nossos dias e nas nossas sociedades, ela é principalmente associada à perda
de laços e de reconhecimento social em contextos em que, algo paradoxalmente, não há um
isolamento físico generalizado. Muito pelo contrário, as cidades – as suas casas e os seus
espaços colectivos - proporcionam uma proximidade quase promíscua de nichos vitais que,
porém, raramente é acompanhada de proximidades pessoais. Daí a importância social e a
urgência antropológica da problemática da solidão urbana.
José Machado Pais, no seu livro Nos rastos da solidão, deambulações sociológicas
(2006, pp. 354-357)), dá-nos onze definições de solidão, desde a solidão do ressentimento (por
reacção a lembranças dolorosas), até à solidão por enclausuramento (por falta de respeito pelo
que o outro tem de diferente), passando pela solidão da perda (pela ausência de alguém), a
solidão da disjunção (por desunião do que antes foi união), a solidão da procura (por busca
incessante de conexão), a solidão possessória (que tenta substituir o vazio do ser pelo delírio
do ter), a solidão dos desapossados (associada à privação dos bens de sobrevivência
mínimos), a solidão depressiva (por falhas no encontro com o outro ou consigo mesmo), a
solidão por opção (por redescoberta da identidade na interioridade), a solidão por descrença
(por ausência de afectos e de esperança) e, finalmente, a solidão por indiferença (derivada do
sentimento de falta de significado por parte de quem nos rodeia).
Sendo a solidão, conforme ainda nos lembra Machado Pais (idem, pp. 27-28) que, para
o efeito, cita Blumer, um conceito sensibilizador, isto é, um conceito que, em lugar de marcar
limites bem determinados como acontece com os conceitos definitivos, somente sugere
indícios, sugestões e orientações, não é óbvia uma demarcação entre o que é ou não é
solidão. Muito menos, acrescentamos nós, será pacífica a delimitação entre os vários tipos de
solidão. Aliás, os conceitos sensibilizadores são, em si mesmos, rebeldes à imposição de
limites.
Em qualquer dos casos, constituirá um desafio interessante a tentativa de se
identificarem os tipos de solidão especificamente emergentes das sociedades urbanas. Sem
podermos chegar aqui a quaisquer conclusões redundantes, diremos que as solidões que mais
directamente procedem dos contextos de vida próprios das cidades ou neles se agudizam são,
a nosso ver, a solidão por procura, a solidão possessória, a solidão dos desapossados e a
solidão por indiferença. As outras corresponderão essencialmente ao foro psicológico – sem
prejuízo de se poderem agravar quando associadas e reforçadas pelas anteriores – ou até
mesmo à idiossincrasia comunitária, como é o caso da solidão por enclausuramento na medida
em que corresponde a uma não aceitação da diferença, pelo que esta é objecto de exclusão.
Nas comunidades a comunhão assenta, de acordo com a própria etimologia do termo, no que é
comum, sendo este o critério que define as fronteiras daquelas e da respectiva exterioridade.
Já a solidão dos desapossados é vivida designadamente pelos sem-abrigo e pelos mendigos,
sobretudo quando, fruto da massificação e da dessacralização contemporâneas dos grupos
humanos, se perde a filiação social e pessoal característica das relações de caridade reinantes
nas sociedades tradicionais.
Nos nossos dias, acresce que as sociedades urbanas são apontadas como
responsáveis por esta quase expulsão dos indivíduos do meio social para dentro de cada um
deles. Precisamente por causa do individualismo que as caracterizaria. Principais vítimas? Os
mais vulneráveis: os velhos, as crianças, os pobresEA solidão dos vagabundos, essa, é a dos
que andam sós entre todosE
Mas, a par da solidão individual surge também a solidão grupal, aquela que condena
por exemplo um bairro ou um grupo étnico à exclusão. Uma solidão que aqui se consolida com
uma solidariedade marginal interior à comunidade visada que assim se torna uma irmandade
de gueto.
Da solidão positiva à solidão negativa: a solidão urbana
A solidão urbana estará indelevelmente marcada por viver no interior dos espaços
citadinos e não para além dos seus perímetros. O que é bem diferente da prática ritual do bode
expiatório mandado para o deserto e que René Girard (1982) tão bem estudou ou do farmakós
que, enquanto veneno social se transformava em remédio para os males da sociedade grega
ao ser expulso para o exterior da polis para bem de todos. A solidão parece ser agora
intrínseca ao colectivo. Bem diferente, inclusive, também, da solidão procurada e até elogiada
por Montaigne que, vivendo-a intencionalmente nos seus retiros bucólicos, encontrava nela a
força para pensar o que estava fora: o estado e o universo. Diferente da solidão mística dos
anacoretas que, após o reconhecimento do cristianismo por Constantino, rejeitam, no silêncio e
no retiro, a nova burocracia da organização urbana das comunidades cristãs, procurando
construir no deserto a verdadeira cidade de Deus.
São os enciclopedistas e as Luzes que vão fazer o elogio da vida em comum. Diderot
afirmava mesmo que “o homem nasceu para a sociedade”, sem prejuízo de fazer o apanágio
do ser moral que, virando-se para o seu interior, se liberta das contingências e do imediatismo.
Valoriza-se o ideal comunitário e, com ele, a essencial sociabilidade do ser humano. Apenas
Nietzsche, contra a corrente, irá ver no gregarismo uma expressão da fraqueza humana a que
os fortes não se sujeitam.
Mas que solidão é então esta que se ergue no âmago do colectivo e parece ser-lhe
inerente? Qual a especificidade da solidão urbana? Da “cidade-mundo” à “cidade mundial” que
novas solidões se inauguram? A primeira representa, pela condensação da humanidade, a
urbanização do mundo; a segunda é expressão da meta-cidade virtual construída não com
betão mas com as imensas e complexas redes de comunicação. A verdade é que naquela a
proximidade física do outro, quebrando o isolamento, não deixa de gerar isolamento; nesta, a
possibilidade de um contacto instantâneo com todo o mundo coexiste com a anulação do facea-face.
Estando perante dois fenómenos sociológicos com um impacto contemporâneo vital,
não podemos deixar de pensar como contribuem eles para o fomento ou superação da solidão
enquanto ocorrência antropológica e eticamente negativa, ou seja, enquanto ela socialmente
corrói a relação intersubjectiva e a solidariedade e, individualmente, compromete a felicidade, a
esperança e a auto-estima. Julgamos ser inevitável pensar que o aparente incremento dos
fenómenos de solidão negativa (por oposição à solidão procurada, por exemplo, por escritores,
artistas e outros pensadores que nela buscam um estímulo reflexivo e criativo), se prende com
a decadência dos padrões comunitários de vida, a expansão do individualismo e a implantação,
segundo a terminologia durkheimiana, da chamada solidariedade orgânica. O individualismo
característico da sociedade de massas seria o responsável pelo fim do sentido da relação de
entreajuda e de conhecimento recíproco das comunidades pré-industriais, seria a causa de um
isolamento propiciador da solidão. Com o fim das grandes distâncias, a circulação instantânea
e ubiquitária da informação e a implantação da proximidade urbana, eis que, desmembrandose a unidade e isolamento dos grupos comunitários, se instituem paradoxalmente os contextos
das grandes solidões. As pessoas vivem juntas não tanto por se identificarem umas com as
outras, o que geraria ou pressuporia sentimentos e atitudes de partilha, mas apenas porque
são úteis umas às outras no que se refere sobretudo à protecção assegurada pelas instituições
de saúde, educativas, recreativas, policiais e outras, bem como pelo acesso facilitado ao
consumo. Trata-se assim, como nos lembrou Robert Ezra Park num texto datado de 1929 (“La
ville comme laboratoire social”, in Y. Grafmeyer; I. Joseph, L’École de Chicago, naissance de
l’écologie urbaine, 2004, pp. 167-179), de viver relações de simbiose e não propriamente
relações sociais. Dentro daquele que foi o espírito da Escola de Chicago, este investigador
debruçou-se ainda sobre os vários sectores sociais, culturais e étnicos da cidade, as chamadas
áreas naturais, constatando que tais mundos, embora tocando-se, nunca se interpenetram
completamente, isto sem prejuízo de se valorizar a possibilidade de expansão das
potencialidades individuais que os meios urbanos proporcionam.
Com efeito, como nos alerta por seu turno Bauman Zygmunt (2003, pp. 13, 14), a
comunidade, nomeadamente pelo fortalecimento dos vínculos de pertença, traz-nos segurança
na justa medida em que nos priva de liberdade, sucedendo o inverso com a sociedade. Se
aquela acaba por gerar uma certa forma de escravidão, esta, nas suas expressões de
individualismo extremado, condena-nos ao abandono, ao isolamento, a um “convivência de
solitários” (idem, p. 63), eventualmente iludida com fugazes vivências de práticas colectivas
como as manifestações ou outros actos cívicos, ou então com a integração nas chamadas
comunidades estéticas em torno de um ídolo, de uma música ou de uma causa mobilizadora.
As vítimas da solidão urbana: o caso dos vagabundos
Há, neste contexto, pessoas e grupos particularmente vulneráveis como os idosos, os
imigrados ou as pessoas que vivem as consequências de fenómenos de desagregação
familiar. Contudo, a solidão percorre também quantas vezes, de um modo mais ou menos
oculto, os jovens na adolescência, as crianças em famílias pouco disponíveis e inclusive
aqueles que, desfrutando de um reputado êxito social, experimentam a dificuldade de encontrar
relações sinceras de afecto A solidão assume igualmente, como vimos já, dimensões
colectivas como ocorre frequentemente com grupos étnicos minoritários decorrentes da
mobilidade contemporânea ou com comunidades socialmente marginalizadas por razões
económicas.
Todos estes casos assumem dimensões particularmente delicadas nas nossas
cidades.
Mas, também em todos os casos, a solidão é tanto mais aguda quanto é ignorada
pelos outros. Um alheamento que, todavia, pode não significar, como foi acentuado antes, um
isolamento físico efectivo ou uma ausência de olhar por parte dos outros. Reparemos, a este
propósito, no fenómeno da vagabundagem urbana, dos sem-abrigo, aqueles a quem
emblematicamente Patrick Declerck apelidou de náufragos justamente no livro com o mesmo
nome: Les naufragés, avec les clochards de Paris (2001). Destas personagens urbanas diz-nos
o autor que com eles partilhou durante quinze anos a sua existência (p. 14): (E) ”os
vagabundos não constituem uma sociedade clara e distintamente identificável como tal. Se há
sociedade, ela existe apenas por defeito, composta por agregados instáveis e pontuais de
indivíduos mais ou menos isolados no silêncio ou na vociferação dos seus delírios etílicosE”.
Na solidão, acrescentamos nós. Solidão que, no caso dos vagabundos estudados por Declerck
e de tantos outros, ocupa as suas próprias histórias pessoais marcadas, desde a infância, por
múltiplos disfuncionamentos e politraumatismos incompletamente revelados pela anamnese
utilizada enquanto prática clínica a partir de um sujeito vazio “exilado da sua própria
historicidade”. Mais ainda, eles aparecem como fazendo “uma verdadeira omissão do espaço
corporal que, desinvestido, se encontra então como que abandonado à sua própria sorte na
aparente indiferença do sujeito (?)”, tornando “estes homens e estas mulheres vazios,
desapossados deles mesmos e da sua história” (idem, p. 308).
Michel Serres (1995, pp. 50-53), por seu turno, depois de desvalorizar a ideia que
desde Aristóteles faz do homem um animal político, ou seja, que o define essencialmente pela
sua vida pública, denuncia o carácter eminentemente político (público) do vagabundo que,
todavia, é, por isso mesmo e de uma forma paradoxal para os critérios antropológicos
tradicionais, o mais miserável de todos nós E E é-o porque vive publicamente toda a sua vida
privada ou, talvez melhor, íntima, o que não acontece com o mais poderoso dos políticos. Ora,
os vagabundos que percorrem continuamente as ruas das nossas cidades, numa exposição
permanente aos olhares mais ou menos discretos de todos, são um produto, com certeza que
não acidental, da vida urbana ou que, pelo menos, esta incorporou na sua própria lógica. Os
vagabundos, (auto)marginalizados, vivem uma solidão exposta ao serem segregados, na sua
anomalia antropológica, pela indiferença dos olhares recíprocos. Acompanhamos as posições
de Michaël Foessel (2008) que vê na consumação da intimidade a plena realização da
solicitude já que, em última instância, aquela passa pela disponibilidade desinteressada e frágil
ao olhar implicado mas desinteressado do outro como ocorre, por exemplo, nos laços da
relação amorosa. Acontece que os olhares que incidem sobre os vagabundos e, de um modo
geral, sobre os excluídos da cidade não são solícitos mas antes demolidores em termos
relacionais, bloqueamento que eles próprios aprofundam entre si ao roubarem-se e ao
violarem-se, como nos casos descritos por Declerck.
A imagem que a sociedade urbana tem dos vagabundos vem do facto de eles, ao não
possuírem o seu espaço, não se comportarem como senhores deles mesmos, o que
constituiria um atentado à autonomia e ao domínio do privado. A reconstrução deste privado
individual aparece então como um objectivo político e social prioritário. Contudo, assim,
acabará por ser secundarizado e recusado o íntimo e, com ele, a abertura da sociedade à
experiência da vulnerabilidade e da sensibilidade.
É curioso que constituindo, por vezes, os vagabundos aparentes comunidades em
torno designadamente dos lugares onde pernoitam, a verdade é que a privação de si que eles
constantemente vivem, impede-os de se abrirem à alteridade fora e dentro deles mesmos.
Situação diferente é já a que é vivida por outras comunidades étnicas e residenciais
onde, quando surge a solidão, esta é colectiva e raramente individual. Sendo fortes os laços
entre as pessoas, há portanto uma forte identidade e solidariedade na vida interior ao grupo
que tende para o isolamento relativamente ao exterior e, desta maneira, à configuração de
fenómenos de solidão colectiva. Os guetos representam aqui a sua expressão mais acabada,
vivendo uma solidão social ainda que compensada pela radicalização das culturas que
segregam e lhes dão internamente coesão e capacidade de resistência. Erguem-se em
conformidade fronteiras convencionais que assinalam a proximidade estranha do outro e a
possibilidade de encontro, em princípio negativa. Fronteiras que marcam um mapa de espaços
e temporalidades múltiplas decorrentes do nomadismo contemporâneo e em contraposição à
sua fixidez tradicional.
As cidades são, afinal, espaços de encontro de todas as solidões. Resta saber se
assim elas não assumem apenas o que parece ser uma das dimensões da identidade humana.
Há realmente solidões humanas que contrastam com solidões desumanas Estas serão, por
isso, eticamente inaceitáveis ao atentarem precisamente contra a dignidade humana. É que se
há solidões que marcam e exprimem o desenvolvimento existencial dos homens ou que estes
procuram, inclusive na perspectiva de nelas encontrarem a felicidade pelo encontro com eles
mesmos, outras há que os assaltam e degradam, privando-os de felicidade e de esperança.
A solidão como violência e os antídotos da sociedade urbana
Poderá a cidade – nomeadamente com o fortalecimento e universalização da
educação e do trabalho social – acompanhar melhor as solidões positivas e subalternizar as
outras? Eis o grande desafio que o projecto antropológico da educação social nos coloca e a
que não podemos ficar indiferentes.
Descartados os casos patológicos e os fenómenos de solidão positiva, teremos de
admitir que a solidão é, antes de tudo, uma violência ao incidir numa cisão do eu com os outros
sujeitos ou daquele com a sua própria subjectividade, privando o ser humano de se encontrar.
Esta falta de encontro constitui um atentado ao cariz relacional do homem, o qual faz dele,
como tão bem o demonstrou Francis Jacques em Différence et Subjectivité (1982) ao afirmar o
primado da pessoa relacional, um ser dialógico, aberto à alteridade, seja de outros seres, seja
de si mesmo. Ora, aquele que sofre de solidão é o que não mais (se) escuta porque apenas
sente a ausência mais do que ouve o silêncio. É por isso que a solidão é uma privação que,
sendo dolorosa, provocando sofrimento, pode tornar-se insuportável e ser prelúdio de uma
morte que se afigura como inevitável. Suicídio físico, suicídio simbólico mas sempre suicídio,
isto é, uma morte que não é um acontecimento que nos assalta, mas que é o resultado de um
trilho que fomos levados a percorrer. Isto porque a partir de certa altura, a solidão – profunda –
é irreversível na medida em que se perdeu a autonomia e, com ela, a iniciativa de reflexão ou
de acção. A solidão realiza-se ao esgotar-se, esgotando o ser em quem se instalou.
Entre as crianças e adolescentes, dificuldades de afirmação ou de reconhecimento
junto dos colegas, dos professores e até mesmo dos pais são condicionantes a ter bem
presentes. Os educadores – a família e a escola – têm de estar atentos: a solidão é um malestar que cresce normalmente no silêncio ou porque o silêncio – ainda que com palavras – se
torna insuportável e, a partir daí, se foge para o abismo. A maior parte das vezes, ou talvez
sempre, trata-se, claro, de um silêncio de afectos gerado por ausências: de estímulos, de
reciprocidades e, no fundo, por ninguém ter tempo para escutar. Ela pode avançar
insidiosamente como reacção ao autoritarismo ou ao laxismo, à falta de espaço para estar com
os outros. Inclusive por entre as horas infindas frente ao aparelho de televisão ou diante do
computador.
Quando há solidão não há partilha, não há solidariedade: ninguém nos olha, ninguém
nos ouve, ninguém nos tocaEos sentidos ficam vazios de sentido. Contudo, a solidão, mesmo
que silenciosa, é sempre um grito, um gesto, uma interpelação que se queda pelo seu próprio
eco. A solidão é, pois, um sofrimento sem resposta mas que espera angustiosamente por ela.
Haverá uma educação para a solidão ou contra a solidão?
A nosso ver, uma conduz à outra. É que, com realismo, temos de admitir que as
situações de solidão nem sempre podem ser evitadas, por razões que se prendem com os
modelos de organização das sociedades contemporâneas, com a evolução das estruturas
familiares, com o individualismo, etc. Assim sendo, temos de admitir que é decisivo superar os
tabus e aceitar que a solidão, enquanto doença da nossa vulnerabilidade como seres
humanos, deve ser considerada e abordada nos projectos educativos: falando-se dela e
aprendendo-se a viver perto dela para a transgredir sem nunca com ela nos conformarmos.
Educar para a solidão passa por fazer germinar a auto-estima e por fortalecer a capacidade de
suportar o sofrimento, inclusive em função da competência para gerar projectos de vida.
Mas, quantas vezes se fala da solidão na escola ou na família? Muito poucas,
concordemos. Todavia a solidão vive sempre connosco ou perto de nós. Porque, para além de
tudo o mais, nas nossas sociedades, cada um de nós, em todos nós, é indivíduo e multidão.
A solidão que (nos) esmaga é uma des-possessão de mim enquanto nós.
Se as sociedades urbanas proporcionam, pelo seu individualismo, esta despossessão,
facilitam igualmente, pelo apuramento, proximidade e número das suas instituições, um
conjunto de meios e recursos sociais e educativos para a vencer. Seja em relação às crianças,
seja relativamente a todos os outros grupos, etários ou não, isolados nas suas profissões, nos
lares, nas famílias, nos quarteirões ou nos não-lugares do nosso nomadismo.
O papel do trabalho social aqui é sobretudo o de ajudar a abrir portas e, mais ainda, o
de incentivar a construção de passagens onde antes havia barreiras: entre cada um e os
outros, entre o indivíduo e a sociedade, gerando relações inter-subjectivas para que, nesta
sociedade e não necessariamente noutra cujos contornos desconhecemos, haja pessoas e não
apenas indivíduos e colectivos. Tanto uns como outros próximos da fasquia da solidão se não
houver traços de afectos, de solidariedade e de reconhecimento pessoal recíproco.
Eis a aliciante proposta da noção de hospitalidade urbana. Eis o grande desafio que se
coloca à pedagogia social E
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