A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
A Pesca Artesanal na Geografia Brasileira: Proposta de Constituição de
uma Rede Acadêmica e Social
CRISTIANO QUARESMA DE PAULA1
Resumo: Partimos da análise espacial das abordagens sobre a pesca artesanal na Geografia
brasileira com base nos anais do Congresso Brasileiro de Geógrafos – CBG e dos Encontros
Nacionais de Geógrafos – ENGs de 2004 a 2014. Destacamos os principais conceitos, métodos e
temas estudados. Os artigos se referem aos impactos ambientais que afetam a oferta dos recursos
pesqueiros e aos conflitos territoriais que se expressam como tensões entre pesca artesanal e outras
atividades econômicas. A emergência do interesse por este tema na Geografia e a necessidade de
diálogo com o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais - MPP tem fomentado a
constituição de uma rede de cooperação acadêmica e social chamada de Rede de Geografias da
Pesca.
Palavras-chave: Impactos ambientais; Conflitos territoriais; Teoria e Método.
Abstract: We start from the spatial analysis of the approaches about the artisanal fisheries in the
Brazilian geography, based in the Brazilian Congress of Geographers (i.e. CBG), and in the National
Meeting of Geographers (i.e ENG) annals from 2004 to 2014. It is highlighted the main concepts,
methods, and studied topics. The articles are related to the environmental impacts that affect the offer
of fishery resource, and the territorial conflicts that are expressed as tensions between artisanal
fishery and other economic activities. The emergency of the interest in that topic in geography, and the
need for dialog with the Movement of Artisanal Fishers (i.e MPP) have fomented the formation of an
academic and social cooperation network called "Fishing Geographies Network".
Key-words: Environmental impacts; Territorial conflicts; Theory and Method.
1- Introdução
Como se trama uma rede de Geografias da pesca? Nesta empreitada
partimos da analise espacial dos trabalhos sobre pesca artesanal na Geografia
brasileira. Isto permite apontar as principais teorias e métodos utilizados e traçar
perspectivas. Também favorece compreender a relação entre impactos ambientais e
conflitos por territórios, os quais se expressam nesses artigos.
Sendo um trabalho sobre uma rede de pesquisadores tentaremos responder
as questões básicas, que costumeiramente utilizamos para pensar projetos: Quando
e onde se pesquisa pesca artesanal na Geografia (estados e regiões)? Quem realiza
1
- Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
E-mail de contato: [email protected]
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estas pesquisas (instituições de pesquisa, grupos de pescadores)? Como se realiza
tais pesquisas (teorias e métodos)? A partir destas perguntas vamos buscar
estabelecer uma problemática, enquanto tendência de pesquisa em Geografias da
pesca.
A base da pesquisa se deu sobre 62 artigos que foram apresentados nos
Congressos Brasileiros de Geógrafos - CBGs e Encontros Nacionais de Geógrafos ENGs (de 2004 a 2014). Tendo consciência do elevado número de trabalhos que
compuseram esses eventos, a escolha dos trabalhos analisados tomou por critério
selecionar aqueles que continham no título palavras como: pesca, pescador,
ribeirinho, caiçara, etc. Assim, compreendemos que outros trabalhos devem ter sido
apresentados, contudo, não compuseram a amostra dessa análise.
Diante do exposto o artigo se organiza em três sessões: Sujeitos Envolvidos
nas Pesquisas em Geografias da Pesca, Conceitos e Métodos Utilizados, Principais
Problemáticas: impactos ambientais e conflitos por territórios. Assim buscaremos
concluir com tendências e lacunas.
2- Sujeitos Envolvidos nas Pesquisas em Geografias da Pesca
Os trabalhos analisados dos ENGs e CBGs de 2004 a 2014 (Tabela 1)
envolveram 15 Estados das cinco regiões brasileiras. Destacamos que dos cinco
Estados mais pesquisados, quatro estão situados no litoral. Consequentemente essa
análise expõe uma lacuna de pesquisas sobre a pesca na Geografia, principalmente
nas regiões norte e centro-oeste, onde a atividade é realizada em águas interiores.
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Tabela 1: Trabalhos apresentados, sobre pesca artesanal, nos CBGs e ENGs
(2004-2014)
Região
Estado
Instituição
PR
Sul
1
FURG
3
UFRGS
2
SC
UNICENTRO
1
ES
UFS
4
MG
UFJF
1
IFFLU
4
UERJ
10
UFF
1
UFRJ
1
UNESP
3
UNICAMP
1
UNICSUL
1
USP
1
MT
UFMT
1
BR
IFBRA
1
BA
UFBA
3
CE
UFC
3
PB
UFPB
4
IFRN
1
UFRN
1
SE
UFSE
2
AM
INPA
1
UEAM
1
UFAM
2
RS
Sudeste
SP
Nordeste
RN
Norte
Trabalhos
UNIOEST
RJ
Centro-Oeste
Número de
PA
Fonte: Anais do CBGs e ENGs (2004-2014).
As pesquisas sobre pesca, na Geografia brasileira, ocorreram em 30
instituições de ensino superior, sendo elas universidades federais, estaduais e
privadas; e institutos federais. Frisamos que das oito instituições citadas quatro
estão situadas na região sudeste, duas do nordeste, uma da região norte e uma da
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região sul. Assim se confirma a lacuna das regiões centro-oeste e norte. Os estados
São Paulo, Amazonas, Bahia e Rio Grande do Sul são os que contêm maior
pluralidade de instituições de pesquisa envolvidas.
As comunidades pesqueiras são apontadas como os principais grupos
abordados (28). Na sequência, são significativos os trabalhos que abordam as
Colônias de Pescadores (14). Estas instituições foram estudadas em todos os
Estados brasileiros. Resende (2014, p.49) destaca que a instituição de Colônias de
Pescadores serviu de estratégia para o Estado dominar seu território conhecendo-o,
favoreceu o controle das áreas costeiras pela Marinha e possibilitou ao governo
republicano o controle dos meios de produção do setor. Cabe destacar que desde a
Constituição de 1988 essas entidades ganharam status de sindicato.
No caso do Estado de São Paulo ocorre outro arranjo comunitário que, por
deter particularidades no que tange à relação entre pesca e pequena atividade
agrícola, são identificados como caiçaras (DIEGUES, 2004). Fora da Geografia eles
foram amplamente estudados, sobretudo pelo Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre
Populações Humanas em Áreas Úmidas Brasileiras - NUPAUB. Mais recentemente
os trabalhos sobre os caiçaras vêm sendo realizados por geógrafos, nos anais
verificamos quatro artigos.
No caso do Rio Grande do Sul tem sido citado o arranjo institucional Fórum
de Pesca Artesanal – presente em três trabalhos. Essas são entidades que
envolvem tanto gestores quanto representações de pescadores. Não são
deliberativos, mas colaboram com a gestão da pesca na sua região de abrangência
e tem aberto vias de comunicação junto ao Estado (DE PAULA, 2013).
Cabe destacar que, no período analisado, somente no Estado da Bahia foram
verificados trabalhos sobre o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais MPP. Isso se deve principalmente pelo envolvimento do Grupo de Pesquisa
“GeograFAR” da UFBA com o referido movimento, no que tange a Campanha
Nacional pela Regularização dos Territórios das Comunidades Tradicionais de
Pescadores.
Assim, compreendemos que se estabelece um diálogo de saberes entre
instituições de ensino superior e entidades de pescadores artesanais e, disso
resultam inúmeras experiências de geografias da pesca. Agora o desafio está em
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estabelecer articulações entre essas experiências. Uma iniciativa é a Rede de
Geografias da Pesca, a qual está articulada por meio de rede social, a fim de
promover discussões sobre a pesca artesanal brasileira com base nessas
experiências tópicas.
3- Conceitos e Métodos Utilizados
As abordagens territoriais foram as mais frequentes nos trabalhos analisados.
Esses enfoques utilizam conceitos de território, territorialidade, territorialização,
desterritorialização. Para tanto, o autor mais utilizado para tratar de território é
Claude Raffestin, com a obra Por uma Geografia do Poder (1993). O autor baseiase na realidade material quando compreende que as relações sociais se
materializam no território e significam territorialidades. A partir de uma concepção
multidimensional destaca o poder como prática espacial estratégica em todos os
níveis, logo, se afasta da abordagem do poder unidimensional cristalizado no
Estado, no capital ou na máquina de guerra. Nesse contexto, a ênfase é dada às
particularidades
do
corpo
social.
Para
discutir
os
processos
de
(re)desterritorialização o autor mais evocado é Haesbaert (2007) o qual entende que
a dinâmica territorial deve ser estudada no processo contínuo de territorialização e
desterritorialização dos atores sociais.
Abordagens ambientais também ocorrem com frequência nos trabalhos
analisados. Esses enfatizam a relação entre a sociedade e natureza na pesca
artesanal. Assim se referem à sustentabilidade ambiental (LEFF, 2004) e aos
conhecimentos que resultam da relação diferenciada das comunidades tradicionais
com a natureza. Enquanto atores cognoscentes, que conhecem porque o
conhecimento está inscrito nas suas vidas, esses “peritos tradicionais” têm se
destacado por ampliar a qualidade do conhecimento sobre o ambiente em que vivem
e pela qualidade da eficácia das suas práticas (PORTO-GONÇALVES, 2002).
As relações espaciais na pesca artesanal também aparecem nos artigos
analisados. A principal concepção de espaço segue a perspectiva de Santos (2006)
de formação socioespacial, fixos e fluxos, meio técnico-científico-informacional.
Nessa perspectiva se discute o espaço da pesca na sua relação com o tempo, o
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qual é empiricisado pela técnica. Também, ocorrem casos do emprego do conceito
de espaço com a adjetivação urbano, rural, pesqueiro. Os conceitos de paisagem e
de modo de vida aparecem com menor frequência nos artigos analisados e
frequentemente estão associados aos conceitos de território e ambiente.
Quanto aos conceitos trazidos de outras ciências humanas cabe destacar os
relacionados diretamente à pesca, como: pesca artesanal, pescador, pequena
produção mercantil, etc. das obras de Antônio Carlos Diegues. O autor entende
como pesca artesanal, a pesca realizada nos moldes da pequena produção
mercantil, realizada por pescadores autônomos com tecnologias rudimentares e
empregando força de trabalho familiar ou de grupos de vizinhança (DIEGUES,
1984). Contudo ocorrem outros autores como Habermas (2012a, 2012b), Lukács
(1981) e Pollak (1982,1989).
Destacamos que há a predominância das abordagens de pesquisa qualitativa
em todos os Estados brasileiros. Gobbi e Pêssoa (2009) destacam que a pesquisa
qualitativa tem origem com os antropólogos e posteriormente com os sociólogos
chegando, em seguida, à pesquisas em educação. Entendendo que a Geografia
clássica estava muito relacionada com a antropologia, podemos compreender que, a
pesar da carência de discussão metodológica, a Geografia tem tradição em
pesquisa qualitativa.
Entre os trabalhos baseados em pesquisa qualitativa a totalidade aponta o
emprego de trabalho de campo entre os procedimentos metodológicos. Suertegaray
(2009) destaca que em cada método há uma composição distinta de procedimentos
de campo, pois se pretende destacar aspectos distintos da realidade. Entendemos
que a análise das escolas de pensamento geográfico aponta diversas possibilidades
de pesquisa qualitativa e que isso se expressa nos trabalhos de campo.
Ressaltamos que, embora não esteja explícito nos trabalhos, as pesquisas
qualitativas progressivamente tem adotado os princípios de pesquisa-ação. Esta
última “é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo” (THIOLLENT, 2002).
Entre os procedimentos metodológicos mais utilizados na pesquisa qualitativa
em Geografia se destacam as variedades de entrevistas: abertas, estruturadas,
semiestruturadas, periódica, história oral, etc. Gil (1999) apud Almeida e Ferreira
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(2009) ao explicar as potencialidades do uso de entrevistas estruturadas destaca
que estas favorecem o procedimento de analise, pois é possível a quantificação dos
resultados. Quanto à pesquisa quantitativa predomina a utilização de questionários
de resposta direta, sobre questões pontuais. Também se utiliza fontes de dados
oficiais, como tabelas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Já as pesquisas documentais tomaram por bases documentos oficiais como
normas dos órgãos diretamente implicados na gestão da pesca e do ambiente e atas
de órgãos colegiados de gestão.
4- Principais Problemáticas: impactos ambientais e conflitos por territórios
Cabe destacar que a maioria das problemáticas apresentadas nos artigos
analisados trata de impactos ambientais e suas repercussões nos territórios
pesqueiros. Assim, apesar dos autores elegerem o conceito de território ou de
ambiente, percebemos um contínuo entre esses dois conceitos, um híbrido
(SUERTEGARAY, 2002, p.161).
Diante do exposto apresentaremos duas abordagens, uma da repercussão de
impactos ambientais sob recursos pesqueiros que resultam na redução do estoque.
A segunda abordagem trata de disputas territoriais entre pescadores e outras
atividades econômica que impõem seu domínio sob os territórios tradicionais,
restringindo o acesso ao território pesqueiro (DE PAULA, 2013).
Suertegaray (2015) destaca que o tratamento de impactos ambientais por
geógrafos se dá de forma distinta de outros profissionais, como os ecólogos. Nesse
caso não se estuda os impactos da sociedade sobre a natureza, mas os impactos de
uma natureza transfigurada sob a sociedade, principalmente dos grupos que tem
maior dependência do ambiente, como as comunidades tradicionais.
A poluição é apontada como causadora de impactos ambientais. Esta é
causada principalmente pelo despejo de efluentes domésticos e industriais in natura,
causando a contaminação dos corpos d`água. Este impacto desencadeia outro, que
é a diminuição da quantidade e da qualidade da fauna aquática, o que resulta em
toda uma desestabilização da dinâmica biológica, como por exemplo, na cadeia
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alimentar. Eventos de acentuada mortandade de peixes e extinção de espécies
também são apontados nos artigos analisados.
Apetrechos de pesca predatórios também são considerados altamente
impactantes no ambiente. Muitos deles causam modificações nas características dos
pesqueiros comprometendo a
manutenção
de
um
estado de
“equilíbrio”.
Destacamos o papel da pesca industrial nesse impacto, uma vez que no ímpeto de
acelerar o ritmo da produção na pesca, equiparando-o ao da indústria, tem levado
ao colapso dos estoques pesqueiros.
A gestão estatal da pesca e do ambiente também é apontada como
causadora indireta de impacto ambiental. A ineficiência do Estado em desenvolver
as atividades de gestão acarreta, frequentemente, na redução dos recursos
pesqueiros. Outra consequência da incapacidade do Estado na gestão dos recursos
pesqueiros é observada na normatização, que muitas vezes estão desatualizadas ou
não correspondem às características do ambiente e das especificidades regionais.
Uma das razões da incapacidade dessas normas é que as mesmas foram
elaboradas sem participação das comunidades e, por isso, não integram os seus
saberes, nem são reconhecidas pelos pescadores, o que resulta em desobediência.
Nossa segunda abordagem trata de conflitos por territórios pesqueiros,
travados com outras atividades econômicas, sendo que essas atividades também
causam impactos ambientais. Nesse contexto cabe destacar que apesar de
causadora de impactos sob os recursos, as disputas são por territórios. Assim, se
reafirmam relações de poder e de influência no acesso aos territórios pesqueiros.
A modernização é apontada como a principal causadora de perda de
territórios
tradicionais
dos
pescadores
artesanais.
Destacam
que
muitas
comunidades pesqueiras que no passado se encontravam em espaços rurais, hoje
já foram englobadas pelo tecido urbano. Assim, estão sujeitas ao modo de viver
urbano e veem a deterioração do seu modo de vida. Este quadro é ainda mais grave
em contexto de metropolização, onde há atração de grandes projetos, sobretudo de
logística e industrial, os quais são instalados sob os territórios pesqueiros. A
modernização do mercado também causa impacto na cadeia produtiva da pesca em
todas as suas etapas. Como a primeira etapa da pesca é a captura, o pescador é
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pressionado a pescar mais e utilizar apetrechos de pesca predatórios para atender
às demandas da cidade.
O mercado imobiliário também tem gerado conflitos por territórios.
Interessados no valor agregado à paisagem das comunidades pesqueiras a
especulação imobiliária tem pressionado às comunidades a venderem suas terras
para a instalação de habitações da classe média-alta. Tendo em vista que muitas
comunidades de pescadores somente detém a posse da terra, também estão
sujeitas a processos de grilagem e são forçadas a se retirarem dos seus territórios.
Grandes empreendimentos de energia, em todo o país, se instalam sobre
territórios tradicionais de pesca. Hidroelétricas, plataformas de petróleo, e gasodutos
são implantados em áreas que eram importantes territórios pesqueiros. Apesar de
se mobilizarem, os pescadores artesanais são apenas expectadores desse processo
sem possibilidade de reivindicarem seus territórios tradicionais frente aos grandes
poderes econômicos. Também são relatados inúmeros empreendimentos indústrias
e agroindustriais, que semelhantes aos de energia, são priorizados, e se instalam
sob os territórios pesqueiros.
Nesse mesmo contexto a instalação de portos e estaleiros avançam sob a
orla onde, historicamente, estão as comunidades pesqueiras. No sul e no sudeste
são destacados conflitos e consequente afastamento das comunidades de
pescadores da orla para a instalação de terminais portuários e avanço da indústria
naval.
O valor agregado à paisagem também tem causado o avanço de grandes
empreendimentos de turismo e lazer sob os territórios tradicionais de pescadores.
Atividades de turismo e lazer são motivadas pelo poder público em comunidades de
pesca, como possibilidades de consumo. Isso implica na atração de indivíduos com
culturas diversas ao lugar, que costumeiramente não respeitam a dinâmicas e as
convenções das comunidades. Em casos mais extremos são instalados resorts e
praias são privatizadas, o que influi diretamente no acesso aos territórios tradicionais
de moradia dos pescadores e pesqueiros.
As concessões das águas públicas para hidronegócios (MPP, 2012) como a
aquicultura também compete diretamente por territórios de pescadores artesanais.
Esses são motivados pelo Estado e inclusive são beneficiados por políticas do
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Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). No nordeste esses processos estão mais
avançados e já desencadearam diversos conflitos por territórios pesqueiros.
CONCLUSÕES
Quanto à amostra, ou seja, os artigos dos ENGs e CBGs, como
representantes da Geografia brasileira, entendemos que esses eventos favorecem
reunir geógrafos de todo o Brasil. Também é importante ressaltar o protagonismo de
algumas instituições de ensino superior e a concentração da maioria das pesquisas
na área litorânea. Assim, já destacamos a lacuna quanto às geografias das pescas
em águas interiores.
Sobre os conceitos e métodos destacamos que a análise expõe carências na
discussão e falta de aprofundamento. Território e ambiente são os conceitos da
Geografia mais utilizados. A maioria das pesquisas é de caráter qualitativo, com
emprego de trabalho de campo.
Quando analisamos as problemáticas compreendemos uma relação direta
com o aporte teórico. A relação entre território e ambiente se expressa na
repercussão de impactos ambientais sob os recursos pesqueiros e, pela redução do
estoque, extinção de territorialidades tradicionais. Assim como as disputas territoriais
entre pescadores e outras atividades econômicas que impõem seu domínio sob os
territórios tradicionais, restringindo o acesso aos recursos pesqueiros.
Consequentemente o principal tema, dos trabalhos analisados, é a resistência
dos pescadores e de suas comunidades para permanecerem na atividade e nos
seus territórios tradicionais. Outros temas como comunidades tradicionais são
recorrentes, pela necessidade da Geografia potencializar essas discussões,
sobretudo no que tange às relações espaciais estabelecidas por essas
comunidades.
Finalmente, a pesquisa favorece correlacionar as problemáticas e os temas
analisados com as demandas da Campanha Nacional pela Regularização dos
Territórios das Comunidades Tradicionais de Pescadores, do MPP. Destacamos que
a referida campanha objetiva o direito das comunidades tradicionais de pescadores
permanecerem nos seus territórios, argumentando sobre impactos ambientais e
impossibilidades de acesso aos territórios tradicionais. Uma possibilidade de diálogo
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com o movimento é a Rede de Geografias da Pesca, a qual tem integrado geógrafos
de todas as unidades da federação.
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