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Educação &
Políticas
Educacionais –
Extensão
Uma via de mão dupla:
a extensão na Universidade Metodista de
Piracicaba no período de 1978 a 1986
A two-way road: the extension in the Methodist University
of Piracicaba (UNIMEP) from 1978 to 1986
Maria Tereza Sokolowski Queiroz
Doutora em Educação
R e s u m o
Este texto trata das principais atividades de extensão na UNIMEP num período de 8 anos a partir de 1976. A autora
discorre sobre a primeira grande ação – o Projeto Periferia e sobre outros momentos marcantes, como o apoio ao 32º
Congresso da UNE. A partir da descrição, ela demonstra como, no período, a Universidade empenhou-se para que seu
trabalho de extensão não fosse marcado pelo aspecto assistencialista.
Unitermos: comunidade; movimentos populares; intercâmbio; comprometimento
Synopsis
This text deals with the major extension activities in UNIMEP during an eight-year period, starting in 1976. The author
narrates the first big action – the Projeto Periferia (the Suburb Project) and other important moments, like the support to
the 32nd Congress of UNE. Through the description, she shows how the University has strived so that its extension work
was not marked by an “assistencialist” aspect.
Terms: community, popular movements, interchange, engagement
Resumen
Este texto trata de las principales actividades de extensión en la UNIMEP en un período de 8 años a partir de 1976. La
autora discurre sobre la primera gran acción – el Proyecto Periferia – y sobre otros momento importantes, como el apoyo
al 32º Congreso de la UNE (Unión Nacional de los Estudiantes). A partir de la descripción, la autora demuestra como, en
ese período, la Universidad se empeñó en que su trabajo de extensión no estuviese vinculado a un aspecto asistencialista.
Términos: comunidad; movimientos populares; intercambio; comprometimiento
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A
Igreja Metodista iniciou suas atividades educacionais em Piracicaba, SP, no ano de 1881, com a
abertura do Colégio Piracicabano.
Sua primeira Faculdade de Ciências
Econômicas, Contábeis e de Administração de Empresas só começou a
funcionar em 1964. A princípio eram
faculdades isoladas, passando posteriormente a faculdades integradas e,
em 1975, criou-se a Universidade
Metodista de Piracicaba – UNIMEP. É
uma universidade confessional
mantida pelo Instituto Educacional
Piracicabano – IEP, ligado à Igreja
Metodista do Brasil.
O primeiro reitor da UNIMEP, Dr.
Richard Edward Senn, administrou a
Universidade entre os anos de 1975
a 1978. O segundo, Prof. Dr. Elias
Boaventura, assumiu em 1978 e permaneceu até 1986, período que pretendo analisar.
Foi nesse período que a instituição entrou em ebulição internamente e se projetou junto à sociedade
local, nacional, e em certos aspectos
até internacionalmente. Projetou-se
como? Pela qualidade do seu ensino?
Não, a maioria dos cursos era nova e
enfrentava uma série de dificuldades.
Pela sua pesquisa? Absolutamente, a
UNIMEP não tinha qualquer tradição
em pesquisa à época. Foi por meio
de suas atividades extensionistas que
mudou e se projetou na sociedade.
Este não foi um fato isolado; ocorreu em outras universidades e imprimiu uma característica às do tipo dela.
Pucci assim expressou o fato: “a extensão assumida no sentido crítico e
acadêmico se processa com muito mais
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As primeiras práticas
extensionistas da
UNIMEP foram as de
caráter permanente
Foi por meio de suas
atividades
extensionistas que a
UNIMEP mudou e se
projetou na sociedade
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intensidade e competência nas universidades particulares confessionais” 1 .
Mas a extensão praticada na UNIMEP
teve suas particularidades.
Poderíamos classificar as atividades extensionistas unimepianas em:
atividades de caráter permanente;
eventos de caráter local e nacional;
eventos de caráter internacional e
intercâmbio cultural; manifestações
da comunidade universitária diante
de questões locais e nacionais; e
manifestações da comunidade universitária diante de questões internacionais.
As primeiras práticas extensionistas da UNIMEP foram as de caráter
permanente e iniciaram-se à época de
sua primeira administração. É o caso
do Centro de Extensão e Treinamento, que promovia cursos a título de
pós-graduação, e do Departamento
de Assistência Jurídica Gratuita e da
Clínica de Fisioterapia, Psicologia e
Terapia Ocupacional. As três atividades foram mantidas na segunda administração da Universidade.
O primeiro projeto extensionista
de caráter permanente criado durante a segunda administração foi o Pronto Atendimento Integrado à Comunidade – PAIC, em janeiro de 1979. Seu
objetivo inicial era atender alunos,
funcionários e professores da Universidade procurando solucionar problemas emergenciais do tipo acidentes,
doenças, dificuldades financeiras, desagregação familiar, dentre outros.
Visitavam-se os familiares de funcionários quando ocorriam nascimentos,
enfermidades ou mortes2 . O PAIC não
se restringiu apenas à comunidade
1
B. Pucci. A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. In: Impulso – Revista de Ciências Sociais da Unimep,
n. 10, 1991, p. 41.
2
R. M. Fleuri. Educação popular e universidade: contradições e perspectivas emergentes nas experiências de
extensão universitária em educação popular da Universidade Metodista de Piracicaba (1978–1987)
(1978–1987), 1988, p. 68.
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universitária, estendendo seus serviços à população carente da periferia
piracicabana nas áreas jurídica, de
serviço social, psicológica, pastoral,
de terapia educacional, de serviços
ambulatoriais e de fornecimento de
amostras grátis de medicamentos.
Para prosseguir este relato e reflexão, é preciso registrar que, conforme a Constituição brasileira de
1988, são três as funções da universidade: o ensino, a pesquisa e a extensão. Esta terceira função tem por
objetivo mediar a articulação da universidade com a sociedade, que
pode ocorrer de modos diferentes.
Ela pode ser, por exemplo, assistencialista. Saviani assim descreveu
a concepção assistencialista da extensão: “assistencialista, isto quer
dizer: aqueles que têm, aqueles que
sofrem prestam assistência àqueles
que não têm, àqueles que não sabem... Esta idéia assistencialista traz,
pois, uma direção unilateral, quer dizer, é uma espécie de mão única: só
vai da universidade para a sociedade. A mão inversa não é considerada. É interpretada mesmo como não
existente. Logo, não se leva em conta o que vem da sociedade para a
universidade” 3 .
As experiências extensionistas
até aqui se enquadram nessa classificação; eram essencialmente assistencialistas. Não poderia ser diferente, porque o próprio projeto missionário
da mantenedora – a Igreja Metodista
– chegou ao Brasil preocupado em
implantar a sua experiência totalmente descompromissada de um in-
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tercâmbio cultural. Era um projeto
de mão única; “O metodismo norteamericano que chegava ao Brasil trazia uma ideologia capaz de mostrar
aos brasileiros que ele desejava partilhar os benefícios da civilização protestante norte-americana com os menos afortunados”4 .
Foi com essa ideologia que a Igreja
Metodista foi fundando suas escolas e
idealizando seu projeto de universidade, como descreveu Boaventura: “ confessam os intelectuais metodistas que a
educação formal era extremamente importante, que a Igreja Metodista precisava de uma universidade cristã-evangélica compromissada com a fé-cristã e
que levasse claramente a todos os seus
alunos a confissão religiosa”5 .
A UNIMEP, primeira Universidade
Metodista fundada no Brasil, nasceu
sob essa ideologia; mas o final da
década de 1970 foi marcado por importantes fatos políticos e sociais. Os
movimentos populares e sindicais
foram ressurgindo e a eles se aliaram
algumas instituições jurídicas,
eclesiais e educacionais. Foi crescendo, assim, o movimento social de
oposição ao regime militar.
Este conflito chegou ao interior da
Igreja Metodista. A maioria dos seus
membros era conservadora e liberal,
mas grupos progressistas favoráveis
às causas populares começaram a
surgir. Na década de 1970, esses grupos começaram a questionar a doutrina social e a proposta educacional
metodista e, em 1975, conquistaram
o controle da Universidade Metodista
de Piracicaba.
Os movimentos
populares e sindicais
foram ressurgindo e a
eles se aliaram
algumas instituições
jurídicas, eclesiais e
educacionais
3
D. Saviani. Extensão universitária: uma abordagem não-extensionista. Educação & Sociedade
Sociedade, n. 8, jan. 1981, p. 66–67.
P. Mesquida. Hegemonia norte-americana e educação
educação, 1994, p. 125.
5
E. Boaventura. Evolução histórica do conceito de confessionalidade no metodismo brasileiro. Revista de Educação do
COGEIME
COGEIME, n. 18, jun. 2001, p. 14.
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O surgimento do Projeto
Periferia
Uma nova mentalidade foi-se esboçando na UNIMEP e esta nova orientação foi, cada vez mais, dando ênfase e
respaldo para a extensão universitária.
Em 1979 surgiu o Projeto Periferia, a
“menina dos olhos” da nova administração. Mantinha ainda a característica assistencialista dos outros programas de extensão. Atuava na pré-escola;
sua principal motivação era cuidar de
crianças desassistidas pelos pais trabalhadores. O objetivo geral era “criar
um programa de extensão da Universidade, em nível de estágio de alunos e
de prestação de serviços que a universidade mantém em função dos cursos, à
comunidade de baixa renda, através da
implantação de pré-escolas em bairros
periféricos da cidade”6.
O Projeto pretendia atender também as famílias das crianças e a comunidade com: orientação a gestantes e
mães de recém-nascidos; programas
de estimulação para crianças de zero
a dois anos; ampliação do atendimento para crianças de dois a seis anos,
visando a compensar o provável atraso em seu desenvolvimento; estimulação de aptidões e de condutas que
facilitem a integração e o desempenho
da criança no primeiro grau; encaminhamento das crianças para atendimentos especiais; fornecimento de
uma refeição durante o período escolar; realização de programas de orientação para pais e de treinamento para
os profissionais da comunidade envolvidos na assistência a crianças de zero
a seis anos; e participação da própria
equipe do Projeto nas mobilizações da
comunidade.
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Tão logo foi implantado, o Projeto Periferia passou a ser criticado por
setores acadêmicos da Universidade
como meramente assistencialista.
Para discutir esse problema e procurar solucioná-lo, organizaram-se debates sobre educação popular. O primeiro deles – o Seminário de
Educação Popular – aconteceu em
1981. Seus desdobramentos apontaram para o Seminário Internacional
de Educação Popular, para o Ciclo de
Debates com Paulo Freire – ambos
em 1983 – e também para o Fórum
Nacional de Educação Popular, em
1984, todos realizados nas dependências da UNIMEP.
O debate levou a uma reestruturação dos objetivos gerais do projeto para o ano de 1982, que foram
assim descritos: “1. Possibilitar a criação de Programas de Extensão Universitária engajados com a realidade
social brasileira, numa perspectiva de
educação popular. 2. Possibilitar o desenvolvimento de estudos e pesquisas
principalmente na linha da educação
popular. 3. Efetivar propostas de luta
pela justiça social expressas pela
UNIMEP em seus pronunciamentos e
documentos”7 .
Além dessa reestruturação nos
objetivos, propôs-se também uma
ampliação no seu campo de atuação,
até então limitado à área da pré-escola. As novas abrangências seriam
o Programa de Educação de Adultos,
no qual sua finalidade era transformar a leitura e a escrita num instrumento de superação não só da condição de analfabeto, mas também da
opressão nas suas diferentes formas;
o Plano de Área de Educação para
Em 1979 surgiu o
Projeto Periferia, a
“menina dos olhos”
da nova
administração
O Projeto pretendia
atender também as
famílias das crianças
e a comunidade
Propôs-se também
uma ampliação no
seu campo de
atuação, até então
limitado à área da
pré-escola
Projeto Periferia. Programa Unimep de pré-escolas na periferia
periferia; plano geral. Piracicaba, jun. 1981.
Projeto Periferia. Planejamento para 1982
1982, fev. 1982.
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Saúde, que pretendia promover uma
maneira adequada de assistência à
saúde, levando-se em consideração
a situação econômica, social e cultural das comunidades envolvidas; e o
Plano de Área de Organização Popular, que visava a estreitar o compromisso da Universidade com a comunidade, procurando contribuir na
organização popular em busca de
uma transformação social.
No segundo semestre de 1983, o
Projeto Periferia foi reformulado
mudando, inclusive, a sua coordenação. Passou a atuar conjuntamente
com a Associação dos Favelados de
Piracicaba – ASFAP. Suas novas diretrizes passaram a ser: “fomentar maior participação dos pais nas decisões
importantes e no quotidiano da préescola; preparar momentos de
problematização e reflexão da realidade junto aos pais; fomentar a organização, através do debate e da
mobilização, sem contudo centralizar
a organização na pré-escola; acompanhar e manifestar solidariedade aos
setores do bairro que participam em
iniciativas de organização popular;
propiciar a vivência do trabalho conjunto entre os pais”8 .
O novo direcionamento do Projeto Periferia demonstrou-se frágil em
sua estrutura interna. Se, por um
lado, avançou-se nas discussões sobre educação popular, por outro,
acirraram-se suas contradições, a
ponto de o Projeto tornar-se incontrolável. Somando-se a esse quadro
o agravamento da crise financeira
institucional, a administração da
UNIMEP decretou, no final de 1985, o
seu encerramento.
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Projetos, entidades
e publicações
Outra atividade extensionista de
caráter permanente foi o Grupo de
Reflexão e Assessoria de Educação
Popular – GRAEP. Sua criação resultou das discussões do Seminário de
Educação Popular. Seus objetivos
eram integrar os projetos extensionistas procurando entrosá-los com
aqueles que atuavam numa perspectiva popular e provocar mudanças na
academia.
O primeiro resultado dos trabalhos do GRAEP foi a realização do
Seminário de Saúde e Educação Popular, em outubro de 1981. Com ele
pretendia-se uma melhor integração
dos cursos da área de saúde aos projetos populares. Faziam parte do
GRAEP representantes do PAIC, do
Projeto Periferia, da diretoria acadêmica, dos diferentes centros da Universidade, da associação dos professores e da dos funcionários9 .
A extensão da UNIMEP abrangeu
algumas publicações. Dentre elas o
Caderno de Estudos n.1: Saúde e Educação Popular que circulou no final
de 1981, impresso pela Editora da
Unimep. Sua edição foi exclusivamente voltada para as reflexões do Seminário de Saúde e Educação Popular.
Outro exemplo foi o Jornal POPULAR,
publicado de maio de 1982 até maio
de 1983, totalizando nove números.
Era editado e custeado pela UNIMEP.
Seu conselho editorial era composto
de representantes dos diversos bairros ligados aos núcleos do Projeto
Periferia. As notícias seriam escritas
pelos moradores dos bairros, sob
O primeiro resultado
dos trabalhos do
GRAEP foi a realização
do Seminário de Saúde
e Educação Popular
8
R. M. Fleuri. Educação popular e universidade: contradições e perspectivas emergentes nas experiências de exten(1978–1987), 1988, p. 221–222.
são universitária em educação popular da Universidade Metodista de Piracicaba (1978–1987)
9
E. E. B. César. A política acadêmica da Unimep desde 1975 e seus resultados
resultados, out. 1986.
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supervisão do curso de Comunicação
Social. Pretendia-se torná-lo independente da Universidade, sob um sistema cooperativo, garantido pelas vendas nas bancas de revista 10 . Cabe
mencionar ainda a publicação do
Caderno de Estudos n.2: Educação
Popular: Experiências e Reflexões, em
julho de 1985. Nele estava contido o
relatório do Fórum Nacional de Educação Popular, realizado em julho de
1984.
Outra experiência extensionista de
caráter permanente foi o projeto Ação
Cultural e Tecnologia Apropriada –
ACTA, elaborado no início de 1983.
Ele acabou recuperando os primeiros projetos comunitários da
UNIMEP, que estavam se desagregando, e se consolidou no apoio dado à
Associação dos Favelados de
Piracicaba. Suas principais áreas de
atuação eram: “alfabetização de
adultos, comunicação popular, recuperação de tecnologia apropriada,
capacitação de líderes populares, assessoria jurídica e administrativa, estendendo-se estes serviços também a
outras associações comunitárias locais” 11 . Seu objetivo junto à comunidade era a valorização da cultura
e da tecnologia popular. Já em relação à academia, pretendia-se discutir conteúdos curriculares propondo uma valorização na área de
educação popular, estimular a
integração entre os trabalhos intelectual e manual e incentivar o intercâmbio entre outras universidades envolvidas com a tecnologia
apropriada.
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Seu objetivo junto à
comunidade era
a valorização da cultura
e da tecnologia popular
Com a ASFAP a atuação da ACTA
se dava “prestando apoio metodológico
nos processos de divulgação e
mobilização; intermediando projetos
de financiamentos; capacitando administrativamente favelados para conduzir seus programas; facilitando processos de reflexão, conscientização e
organização; sistematizando experiências e produzindo cadernos populares;
assessorando seus congressos”12 .
A descrição dessas práticas
extensionistas de caráter permanente da UNIMEP possibilita algumas
observações.
A UNIMEP herdou, à princípio,
certas características históricas da
extensão universitária. O Centro de
Extensão e Treinamento, por exemplo, ao propor cursos na área financeira, de projetos hidráulicos, contabilidade, engenharia de segurança no
trabalho, endocrinologia ou fisiologia
vegetal, estava abrindo mais uma
possibilidade de atendimento para
aquela parcela da população que já
tinha acesso à sua estrutura regular.
Essa experiência assimilou a característica principal das atividades de
extensão da década de 30, que era o
elitismo.
Já o Departamento de Assistência
Jurídica Gratuita, as Clínicas de Fisioterapia, de Psicologia e de Terapia
Ocupacional e o Pronto Atendimento Integrado à Comunidade represen-
Outra experiência
extensionista de
caráter permanente
foi o projeto Ação
Cultura e Tecnologia
Apropriada
Essa experiência
assimilou a
característica principal
das atividades de
extensão da década de
30, que era o elitismo
10
C. de Oliveira. Análise crítica de uma experiência universitária
universitária: o caso da Universidade Metodista de Piracicaba,
1983, p. 72-73.
11
R. M. Fleuri. Educação popular e universidade: contradições e perspectivas emergentes nas experiências de
extensão universitária em educação popular da Universidade Metodista de Piracicaba (1978–1987)
(1978–1987), 1988, p. 18.
12
Idem, Ibidem, p. 246.
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tavam basicamente uma extensão
voltada para o assistencialismo e
para a prestação de serviços, como
o projeto extensionista da reforma
universitária de 1968, que tem no Projeto Rondon seu maior exemplo. Porém, a concepção de assistência e
prestação de serviços da ACTA e do
projeto extensionista da reforma universitária eram qualitativamente distinta. Enquanto este valia-se do
assistencialismo e da prestação de
serviços para desmobilizar o movimento estudantil, tentando levar os
universitários engajados dos grandes
centros para regiões interioranas do
país, aquela os utilizou como ponto
de partida de um trabalho que procurou respeitar as organizações estudantil e docente, e incentiva-las a
participar de movimentos locais.
O Projeto Periferia foi uma tentativa de uma nova postura extensionista.
Dentro dele existiam as contradições
entre o passado – a princípio seu discurso mantinha aspectos assistencialistas e depois procurou concorrer
com a organização popular – e a procura de uma nova prática que contemplasse o momento político local e nacional, como veremos adiante, bem
como as diferentes propostas existentes dentro da instituição. Este projeto criou espaço para ricas discussões
sobre os rumos da extensão por meio
dos seminários, do ciclo de debates,
do Grupo de Reflexão e Assessoria de
e algumas publicações.
O projeto de Ação Cultural e
Tecnologia Apropriada representou
uma fase de amadurecimento da extensão. Nele, procurou-se superar o
assistencialismo desengajado e a
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mera prestação de serviços e destituir a extensão de qualquer conotação elitista. A partir da ACTA, a extensão universitária assumiu um
papel relevante no incentivo e na assessoria aos movimentos populares.
A extensão na forma
de eventos
O Projeto Periferia foi
uma tentativa de uma
nova postura
extensionista
O projeto de Ação
Cultural e Tecnologia
Apropriada
representou uma fase
de amadurecimento
da extensão
Os eventos de caráter local e nacional foram um segundo tipo de atividades extensionistas praticados na
UNIMEP no período compreendido
entre 1978 e 1986. Alguns deles envolviam questões relevantes da cidade e
outros pocisionavam-se diante de temas emergentes no país. Serão citados aqui os de maior repercussão.
Durante a segunda administração
da UNIMEP abriu-se um espaço para
a discussão de problemas de discriminação racial, chegando a ser reconhecida no Jornal de Piracicaba 13
como a central de divulgação do
Movimento Negro de Piracicaba.
O problema da marginalização e
dos maus tratos ao menor foi tema
principal dos debates da Semana da
Criança. Pretendeu-se abrir uma ampla discussão sobre o assunto. A
UNIMEP colocou ônibus gratuitos em
quatro bairros periféricos para transportar os pais interessados em participar do evento14 .
A violência nos seus diferentes
aspectos foi o tema do Simpósio Sociedade Violenta, que a UNIMEP promoveu. A realização transcorreu no
período de 14 a 17 de abril de 1980.
Debateram-se as causas da violência
e as respostas alternativas a ela, discutindo-se os fatores sociais na gera-
Jornal de Piracicaba
Piracicaba, 11 mai. 1970.
Piracicaba, 07 out. 1979 e O Diário
Diário, 10 out. 1979.
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ção da violência; a marginalização da
juventude; a religião e a repressão; a
educação na sociedade violenta; a
mulher na sociedade violenta, a criança e a violência na América Central a
expansão desordenada dos centros
urbanos; a violência dos sistemas jurídico-policiais; a violência ecológica, a
violência numa interpretação bíblica e
teológica; e a violência nos sistemas
penitenciários. O simpósio contou com
a presença de d. Paulo Evaristo Arns15 .
Foi significativo o apoio dado
pela segunda administração da
UNIMEP ao movimento estudantil.
Exemplo disto foi a sua colaboração
para a realização do 32º Congresso
da UNE, o primeiro que a entidade
conseguiu abrir oficialmente desde
1968. O Congresso aconteceu no
período de 13 a 15 de outubro de
1980, no ginásio municipal de esportes. A UNIMEP colocou sua estrutura administrativa à disposição do
evento e também as suas dependências físicas para alojamentos, sede
para reuniões menores e espaços
para alimentação. A Prefeitura Municipal, além de dispor de sua infraestrutura, garantiu a segurança pondo o efetivo da Guarda municipal a
serviço do Congresso. A UNIMEP
decretou recesso escolar para incentivar seus estudantes a participarem 16 . Cinco mil estudantes estiveram na abertura e uma presença
chamou a atenção: a do representante da Organização para Libertação
da Palestina – OLP no Brasil17 .
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A UNIMEP sofreu intimidações
por estar colaborando com o Congresso; a reitoria recebeu um telefonema com ameaças de explosão de
bombas nas suas dependências. Segundo o reitor, o Prof. Dr. Elias
Boaventura, num pronunciamento
que fez no plenário, as ameaças culminaram com a invasão da residência do coordenador da Pastoral Universitária, um dos colaboradores na
realização do evento18 .
Se, por um lado, havia interesses
contrários à sua realização, por outro, foram significativas as manifestações de apoio de 26 entidades locais, nacionais e internacionais.
Dentre elas, uma foi especial – a do
povo piracicabano, que acolheu com
simpatia o 32º Congresso da UNE19 .
A UNIMEP posicionou-se também
ante a questão indígena promovendo a Semana do Índio, que teve início no dia 22 de abril de 1981. Seu
objetivo era divulgar a temática indígena aos universitários, procurando
conscientizà-los da importância do
índio na preservação de nossa identidade cultural20 .
A UNIMEP propôs-se a discutir a
conjuntura nacional num ciclo de
palestras que aconteceu no período
de 19 a 23 de outubro de 1981. Contou com a presença de Franco
Montoro pelo PMDB, Hélio Bicudo
pelo PT e Cláudio Lembo pelo PP21 .
O incentivo à mobilização estudantil ocorreu novamente por ocasião do 34º Congresso da UNE, ocor-
A UNIMEP sofreu
intimidações por estar
colaborando com o
Congresso
A UNIMEP posicionouse também ante a
questão indígena
promovendo a
Semana do Índio
O Diário
Diário, 23 mar. 1980 e 13 abr. 1980.
Diário Popular
Popular, 14 ago. 1980.
Jornal da Tarde
Tarde, 14 out. 1980.
Folha de S. Paulo
Paulo, 17 out. 1980.
Tribuna Piracicabana
Piracicabana, 19 out. 1980.
O Diário
Diário, 15 abr. 1981.
Jornal de Piracicaba
Piracicaba, 18 out. 1981.
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rido entre 23 e 26 de setembro de
1982. Sua promoção foi da própria
entidade, da União Estadual dos Estudantes e do DCE da UNIMEP, com
o apoio da Prefeitura e da UNIMEP22 .
Esse Congresso não teve o mesmo
impacto que o 32º.
Cabe lembrar aqui o rol dos eventos de caráter local e nacional que as
discussões sobre educação popular
suscitadas pelo Projeto Periferia levaram a organizar: o Seminário sobre
Educação Popular, realizado no período de 28 a 30 de maio de 1981; o Seminário sobre Saúde e Educação
Popular, que ocorreu em outubro de
1981; o Ciclo de Estudos sobre Educação Popular com Paulo Freire, realizado em 12 encontros semanais entre 04 de agosto e 03 de novembro
de 1983; e o Fórum Nacional de Educação Popular, que aconteceu entre
12 e 15 de julho de 1984.
Pelas suas práticas extensionistas,
a UNIMEP procurou colaborar com a
criação de uma nova consciência local e nacional. Num processo de
redemocratização de uma nação, do
qual ela se interessou em participar,
não se poderia deixar de lado a opinião e o interesse do favelado, do
menor abandonado, do negro, do índio, do trabalhador ou do estudante.
A extensão da UNIMEP ultrapassou os limites das questões locais e
nacionais voltando-se, também para
temas de interesse internacional, promovendo eventos de caráter internacional e de intercâmbio cultural.
A primeira atividade extensionista
de cunho internacional, durante sua
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segunda administração, foi o I Curso
Internacional de Direito Comparado do
Meio Ambiente, promovido conjuntamente pela Faculdade Internacional de
Direito Comparado de Estrasburgo,
França, no período de 20 de agosto a
01 de setembro de 1979. Houve inscrições dos seguintes países: Grécia, Bélgica, Itália, França, Marrocos, Espanha,
Alemanha, Portugal, Holanda; além de
quinze Estados brasileiros23 . O objetivo do curso era conhecer o problema
da poluição de água e do ar dos países
participantes e a legislação em vigor
para o seu controle.
Na perspectiva de intercâmbio
cultural, em 1981 o reitor Elias
Boaventura visitou a Nicarágua, onde
foi recebido pelo Ministro da Educação daquele país. Sua viagem
objetivava a formalização de convênios entre a UNIMEP e a Universidade de Manágua no sentido da troca
de experiências entre professores e
estudantes 24 .
A UNIMEP destacou-se no cenário
internacional pelo incentivo dado à
divulgação da teologia da libertação,
trazendo a Piracicaba alguns de seus
representantes. Em agosto de 1981
esteve na cidade o teólogo francês
George Casalis25 . Além dele vieram,
no mesmo período, dois representantes das Comunidades Cristãs Camponesas da Nicarágua, Padre Pedro
Leoz e Juan Isitro Betanco26 . Em abril
de 1982, a Universidade recebeu a
visita do teólogo da libertação Enrique Dussel, argentino residente no
México 27 e, em agosto daquele ano,
proferiu palestra na UNIMEP o teólo-
O objetivo do curso
era conhecer o
problema da poluição
e a legislação em vigor
para o seu controle
A UNIMEP procurou
colaborar com a
criação de uma nova
consciência local e
nacional
22
Idem, 26 ago 1982.
Idem, 19 ago. 1979.
24
Diário Popular
Popular, 09 jul. 1981.
25
O Diário
Diário, 04 ago. 1981.
26
Idem, 14 ago. 1981.
27
Idem, 17 abr. 1982.
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go jesuíta uruguaio Juan Luiz Segundo, um dos precursores da teologia
da libertação28 . Ainda no ano de 1982,
veio à Piracicaba mais um teólogo
católico, entre fim de novembro e início de dezembro. Era o peruano Juan
Cano, pertencente à Comissão Latino-Americana de Educação Cristã 29 .
No mês de maio de 1983, a UNIMEP
realizou o Seminário Internacional de
Educação Popular. Participaram cerca
de 600 educadores do Brasil, da Bolívia, da Nicarágua e de El Salvador. Seu
objetivo era possibilitar o intercâmbio
de experiências em educação popular.
Ao final dos debates, os participantes
do Seminário concluíram que esta seria um instrumento de organização do
povo, possibilitando-lhe lutar pela conquista de sua hegemonia. A realização
deste Seminário trouxe “consequëncias
marcantes na vida da UNIMEP. A repercussão internacional e nacional do evento reforçou a imagem de uma universidade comprometida com a educação
popular”30 .
Na linha de convênios, a UNIMEP
enviou, em julho de 1983, seu Programa Integrado de Educação Popular –
PIEP para a Comissão Intereclesiástica de Coordenação para Projeto de
Desenvolvimento, a agência holandesa ICCO.
Os objetivos do PIEP eram: “incentivar a ação organizada em nível comunitário e a consciência de situações
que impedem a solução de problemas
básicos; promover a auto-suficiência
das pessoas dentro dos limites de seus
próprios recursos e a sua participação
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na tomada de decisões que afetam
suas vidas; incentivar cada grupo local a transformar-se em um centro de
denúncias contra as forças opressoras
da comunidade e reeducar a área acadêmica na sua visão da realidade social, de modo a possibilitar à comunidade popular reencontrar-se com a
universidade” 31 .
Em novembro de 1984, foi realizado um evento de grande proporção: a Semana Cultural Pró-Reatamento das Relações Diplomáticas
entre Brasil e Cuba, promovida pela
UNIMEP e pela Associação José
Marti 32 . O ano de 1985 foi marcado,
no campo dos eventos internacionais, pelos debates acerca da causa
palestina ocorridos no mês de fevereiro, entre os dias 01 e 03 – 1º Congresso Nacional das Associações Culturais Sanaud; 04 e 07 – Ciclo de
Conferências; e 08 e 09 – 1º Encontro
da Juventude Árabe –Palestina da
América Latina e Caribe33 .
Toda essa variedade de eventos
até aqui apontados demonstra a amplitude que a extensão unimepiana
conquistou. Por um lado, a atuação
em frentes tão diversas pode sugerir
uma falta de clareza quanto aos objetivos de sua extensão, por outro
lado, sugere que o compromisso da
Universidade com uma transformação social que privilegiasse as camadas mais carentes e marginalizadas
da população fé-la romper com os limites da sala de aula e ousadamente
se inserir em movimentos locais, nacionais e internacionais.
Toda essa variedade
de eventos até aqui
apontados demonstra
a amplitude que a
extensão unimepiana
conquistou
28
Idem, 17 ago.1982.
Tribuna Piracicabana
Piracicabana, 02 dez. 1982.
R. M. Fleuri. Educação popular e universidade: contradições e perspectivas emergentes nas experiências de
extensão universitária em educação popular da Universidade Metodista de Piracicaba (1978–1987)
(1978–1987), 1988, p. 198.
31
Idem, Ibidem, p. 208.
32
O Diário
Diário, 07 nov. 1984.
33
Idem, 01 fev. 1985.
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Espaço aberto para
a comunidade
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de e transgressões aos direitos individuais. Faziam parte dele setores
como a Prefeitura, a Câmara Municipal, o Comitê Brasileiro pela Anistia
– secção Piracicaba, o Sindicato dos
Bancários, o jornal Tribuna da Luta
Operária e a UNIMEP, dentre outros.37
• O reitor da UNIMEP colocou os
serviços jurídicos da Universidade na
coordenação da defesa do pastor
metodista Orvandil Barbosa, incurso
na Lei de Segurança Nacional, acusado de ofender o presidente da República e as Forças Armadas quando vendia exemplares do jornal Hora do Povo
na cidade gaúcha de Santa Maria.38
• A UNIMEP enviou um telegrama à Rádio Nacional do Rio de Janeiro protestando contra a campanha difamatória do bispo D. Pedro
Casaldaliga, e de outros sacerdotes
católicos, que a emissora vinha realizando nos últimos tempos. Solidarizou-se, ainda, com a CNBB, por sua
luta em defesa de posseiros. 39
• A UNIMEP prestou solidariedade a D. Paulo Evaristo Arns, quando
o cardeal foi chamado de “mau brasileiro” pelo general Coelho Netto.40
• No dia 25 de março de 1982, noticiou-se que a UNIMEP era uma das
vinte e nove entidades formadoras
do Conselho do Movimento em Defesa do Menor, associação de caráter
estadual. 41
• O reitor da UNIMEP repudiou
publicamente o inquérito aberto pelo
Ministério da Justiça com o objetivo
de expulsar do país o presidente da
Uma quarta forma de práticas
extensionistas da UNIMEP foram as
manifestações da comunidade universitária ante as questões locais e
nacionais. A seguir, um breve registro das principais:
• O período de 1978 a 1986 foi marcado por uma grande movimentação
política e social no país. A sociedade
civil organizou-se em diferentes frentes, e quase todas elas voltadas para
o fim do regime militar e a redemocratização nacional. A UNIMEP fez-se
presente em algumas delas.
• Foi co-organizadora, juntamente
com o Comitê Brasileiro pela Anistia,
Seção Piracicaba, de uma passeata
pelas ruas centrais da cidade em prol
da anistia ampla, geral e irrestrita.34
• A UNIMEP aderiu à Campanha de
Preservação do rio Piracicaba ao lado
da Cetesb e do Conselho Coordenador
das Entidades Civis de Piracicaba.35
• Formou-se, na cidade de
Piracicaba, um Comitê de Apoio aos
Metalúrgicos do ABC, por ocasião
dos movimentos grevistas entre os
anos de 1979 e 1980. Participavam
dele a Igreja Católica, o Comitê Brasileiro pela Anistia e a UNIMEP. Este
Comitê promoveu um ato público em
solidariedade aos metalúrgicos. 36
• Criou-se na cidade um Comitê
de Defesa dos Direitos Humanos, com
o objetivo de denunciar abusos de
autoridades ocorridos na comunida34
Idem, 08 ago. 1979.
Idem, 13 nov. 1979.
Jornal de Piracicaba
Piracicaba, 24. abr. 1980.
37
Idem, 02 abr. 1981.
38
Tribuna Piracicabana
Piracicabana, 07 mai. 1981.
39
Idem, 25 out. 1981.
40
O Diário
Diário, 17 mar. 1982.
41
Idem.
35
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UNE, que era estrangeiro mas vivia
no Brasil desde criança.42
• A reitoria apoiou o movimento
pelas “Diretas Já” em Piracicaba dispensando professores, alunos e funcionários e convocando-os a participar
de uma passeata e de um comício.43
Finalizando esta descrição das diferentes práticas extensionistas da instituição estão algumas manifestações
da comunidade universitária ante
questões internacionais: estudantes da
UNIMEP criaram um Comitê de Apoio
ao povo da Nicarágua44 ; a Universidade prestou solidariedade ao povo cubano respondendo ao apelo do presidente da Igreja Metodista Cubana, que
se mostrava preocupada com possíveis tentativas de invasão de seu país
por parte dos Estados Unidos45 ; em 29
de setembro de 1982 decretou-se na
UNIMEP o dia de luto pelo massacre
dos palestinos ocorrido no Líbano alguns dias antes46 ; apoiou-se também a
criação de um Comitê de Solidariedade
à Democracia na Bolívia47 ; durante a realização do Seminário Internacional de
Educação Popular, programou-se um
ato público em solidariedade à Bolívia,
a El Salvador e à Nicarágua, que estavam vivendo processos tumultuados de
conquista de suas democracias.
Esta última relação apenas completa as observações feitas no decorrer deste artigo. Exemplifiquei até
aqui as diferentes práticas extensionistas da UNIMEP no período de 1978
a 1986 e procurei interpretar suas
principais características.
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Ultrapassando os limites
do assistencialismo
Saviani compara a extensão universitária de natureza assistencialista
a uma rua de mão única, que vai da
universidade para a sociedade e defende a extensão como uma via de
mão dupla, pois “para que a universidade se insira efetivamente na sociedade de modo consequënte, é necessário que se considere a mão inversa
também. Com efeito, é a sociedade que
vai colocar os problemas; é o contato
com os problemas efetivos da sociedade que vai permitir à universidade
transformar os objetos de suas pesquisas em algo relevante para a sociedade e adequar o ensino às necessidades da sociedade”48 .
A UNIMEP se esforçou para ultrapassar os limites de uma extensão
universitária assistencialista e se
empenhou num projeto extensionista
como uma via de mão dupla. Levou
experiências acadêmicas para fora
dos seus muros privilegiando a periferia mas, sob alguns aspectos, trouxe da sociedade elementos para aprimorar seu perfil de universidade.
A extensão universitária mudou o
ensino do curso de psicologia da
UNIMEP. Os alunos se envolveram
nos projetos extensionistas permanentes da Universidade e se influenciaram pela efervescência política do
momento. Leila Jorge, coordenadora
do curso à época, explica que “o curso de formação de psicólogos se ini-
A UNIMEP se esforçou
para ultrapassar os
limites de uma
extensão universitária
assistencialista
A extensão
universitária mudou o
ensino do curso de
psicologia da UNIMEP
42
Diário Mercantil
Mercantil, 10 mai. 1982.
Tribuna Piracicabana
Piracicabana, 20 jan. 1984.
44
O Diário
Diário, 30 jun. 1979.
45
Idem, 21 nov. 1981.
46
Diário Popular
Popular, 24 set. 1982.
47
O Diário
Diário, 22 out. 1982.
48
D. Saviani. Extensão universitária: uma abordagem não-extensionista. Educação & Sociedade – Revista Quadrimestral
de Ciências da Educação, n. 8, jan. 1981, p. 67.
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ciou em 1972, para formar profissionais
para atuar nas áreas clássicas da psicologia: clínica, educacional e trabalho.
Nunca houve uma reorientação da linha básica, para readequar os conteúdos e a prática das disciplinas à nova
realidade social. No entanto, de forma
latente, estas questões estiveram sempre presentes, permeando o dia a dia
ou a realidade do curso. A vida da Universidade começou a dar indícios de
grande instabilidade, com visíveis modificações na conduta dos alunos frente aos problemas, gerando fortes crises
internas ao curso. Isto refletiu diretamente na sua administração didáticoacadêmica e também na atuação dos
professores junto às classes”49 .
O conflito entre alunos, docentes
e administração do curso começou
em 1984, quando constatou-se que
este não atendia às necessidades da
população. O período crítico se estendeu, com algum nível de reflexão,
até 1987, quando surgiu o projeto de
reformulação curricular do curso de
psicologia da UNIMEP. O projeto partiu de dois pressupostos: “é preciso
reformular o currículo do curso de psicologia, à luz das nessecidades da
população que utiliza ou poderia utilizar os seus serviços; há uma outra
esfera de saber que o psicólogo deve
dominar. O referido projeto tinha
como objetivo proceder a uma
reformulação curricular a partir da
análise das expectativas dos setores
envolvidos com a psicologia (setores
que utilizam seus serviços ou exercem
atividades interdisciplinares) e das
necessidades apontadas pela realidade da população”50 .
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A extensão universitária unimepiana não só trouxe elementos para
a mudança do ensino; ela também
contribuiu decisivamente para uma
mudança profunda e radical na postura da mantenedora. Num documento escrito pelo Bispo Paulo Ayres
Mattos, no qual ele resgata dados históricos da educação metodista no
Brasil, algumas críticas ilustram a visão que uma ala dos metodistas passou a ter sobre o relacionamento Igreja Metodista – Escola no Brasil: a
Igreja desconhecia o mundo da escola e não a respeitava; não reconhecia
a escola como um patrimônio da sociedade e tentava manipulá-la como
um instrumento da sua ação; mantinha um comportamento autoritário
ao tentar solucionar as crises e foi
perdendo, assim, o respeito das escolas; a tendência das Igrejas é reduzir a liberdade de produção e reprodução de conhecimentos 51 .
Essa ala progressista da Igreja
Metodista, formada principalmente por metodistas da UNIMEP que
se inseriram nos movimentos da
sociedade civil, influiu no XIII Concílio Geral da Igreja Metodista, realizado no período de 18 a 28/07/
1982. Nele foi aprovado uma coleção de textos que expunha suas
novas doutrinas. As decisões tomadas no Concílio abriram as portas
da Igreja para que ela assimilasse,
pelo menos teoricamente, as contribuições da sociedade civil para
o seu Plano de Vida e Missão, para
as suas Diretrizes Educacionais,
para o seu Plano Diretor Missionário e para o seu Credo Social.
A extensão
universitária
unimepiana contribuiu
decisivamente para
uma mudança
profunda e radical na
postura da
mantenedora
As decisões tomadas
no Concílio abriram as
portas da Igreja para
que ela assimilasse as
contribuições da
sociedade civil
L. Jorge. Inovação curricular
curricular: além da mudança dos conteúdos, 1993, p. 54, 57.
Idem, Ibidem, p. 58.
P. A. Mattos. Confessionalidade, educação e escola: um enfoque histórico. Revista de Educação do COGEIME
COGEIME, n. 1, 1991.
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Alguns trechos do documento Diretrizes para a Educação na Igreja
Metodista exemplificam isto:
“A Igreja desenvolverá sua prática
educativa, de tal modo que os grupos:
• desenvolvam consciência crítica da realidade;
• compreendam que o interesse social é mais importante que o individual;
• exercitem o senso e a prática da
justiça e solidariedade;
• alcancem a sua realização como
fruto do esforço comum.
Nossos esforços educacionais de
todo tipo têm também que se identificar mais com a cultura brasileira, e
atender às principais necessidades
do nosso povo. Por isso é preciso que
busquemos novos caminhos.
A busca destes novos caminhos
deve procurar a superação do modelo
educacional vigente. Não se pode mais
aceitar uma educação elitista, de discrimina e reproduz a situação atual do
povo brasileiro, impedindo transformações substanciais em nossa sociedade. Também não podemos nos conformar com a tendência que favorece
a imposição da cultura dos poderosos,
impedindo a maior participação das
pessoas e aumentando cada vez mais
seu nível de dependência.
O ensino formal praticado em
nossas instituições não se limitará a
preparar para o mercado de trabalho,
mas, além disso, igualmente, deverá
despertar uma percepção crítica dos
problemas da sociedade.
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pressões do saber, a partir da realidade e expectativa do povo52 .
Analisando todo o leque de inserções da UNIMEP na sociedade local e
até nacional, poder-se-ia dizer que houve uma extrapolação de seu papel de
universidade, ou seja, de formadora de
intelectuais, e assumiu-se a função de
um partido. Mas esta foi justamente a
demonstração de sua capacidade de
compreensão das finalidades deste
tipo de instituição pois, segundo
Gramsci, as funções do partido, ou “intelectual coletivo” ou, ainda “educador
permanente”, correspondem com às
do intelectual, respondendo pela concepção de uma postura política renovada53 . Dessa maneira, a UNIMEP pode
ter ajudado na formação de intelectuais comprometidos com uma nova ordem política.
Além de desempenhar a sua função de formadora de cidadãos para o
exercício do trabalho, a UNIMEP se
propôs a prepará-los politicamente
para a sua articulação na vida social,
incentivando-os a participar, de forma
efetiva, na construção da história54 .
Juntando-se a outros organismos da
sociedade civil, ela foi co-autora de
uma nova ordem, ajudando a pôr fim
a um regime autoritário e abrindo espaço à construção de uma sociedade
democrática. O caminho que lhe permitiu todas estas conquistas foi a extensão universitária que, além de concorrer com as transformações na
sociedade, foi responsável por mudança no em sua política de ensino,
fortalecendo sua sintonia com os princípios doutrinários da mantenedora.
A UNIMEP pode ter
ajudado na formação
de intelectuais
comprometidos com
uma nova ordem
política
As instituições superarão a simples
transmissão repetitiva de conhecimentos, buscando a criação de novas ex-
52
Vida e Missão. Decisões de XIII Concílio Geral da Igreja Metodista (18 – 28/07/1982) e Credo Social da Igreja
Metodista, 1983, p. 42-43, 45-46.
Metodista
53
Apud A. T. de Jesus. Educação e hegemonia no pensamento de Antonio Gramsci
Gramsci, 1989, p. 74.
54
N. Rodrigues. Por uma nova escola
escola: o transitório e o permanente na educação, 1985 p. 96.
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Cortez, 1985.
SAVIANI, D. Extensão universitária: uma abordagem não-extensionista. Educação &
Sociedade – Revista Quadrimestral de Ciências da Educação. São Paulo: Cortez, n. 8,
jan. 1981.
VIDA E MISSÃO. Decisões de XIII Concílio Geral da Igreja Metodista (18 – 28/07/1982) e
Credo Social da Igreja Metodista
Metodista. 3. ed. Piracicaba: Editora Unimep, 1983.
Demais publicações
Diário Mercantil
Mercantil. Juiz de Fora, MG.
Diário Popular
Popular. São Paulo, SP.
Folha de São Paulo
Paulo. São Paulo, SP.
Jornal da Tarde
Tarde. São Paulo, SP.
Jornal de Piracicaba
Piracicaba. Piracicaba, SP.
O Diário
Diário. Piracicaba, SP.
Tribuna Piracicabana
Piracicabana. Piracicaba, SP.
Revista de Educação do Cogeime
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71
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Ano
11 -
n 0 21
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dezembro /
2002
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Uma via de mão dupla: a extensão na Universidade