KARIN VIEIRA DA SILVA GESTÃO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO NAS DECISÕES: estudos de caso em cooperativas catarinenses Dissertação submetida ao Curso de Pós-graduação em Administração da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Administração. Orientador: Prof. Dr. Luis Moretto Neto Florianópolis 2013. Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC. Silva, Karin V. GESTÃO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO NAS DECISÕES : estudos de caso em cooperativas catarinenses / Karin Silva ; orientador, Luis Moretto neto - Florianópolis, SC, 2013. 200 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Sócio-Econômico. Programa de Pós-Graduação em Administração. Inclui referências 1. Administração. 2. Gestão Social. 3. Participação. 4. Tomada de Decisão. 5. Cooperativismo. I. Moretto neto, Luis . II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Administração. III. Título. KARIN VIEIRA DA SILVA GESTÃO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO NAS DECISÕES: estudos de caso em cooperativas catarinenses. Esta dissertação foi julgada adequada para obtenção de Grau de Mestre em Administração e aprovada, em sua forma final, pelo Curso de PósGraduação em Administração da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 08 de fevereiro de 2013. Professora Eloise Helena Livramento Dellagnelo, Dra. Coordenador do curso Apresentada à Banca Examinadora Integrada pelos professores: Professor Luís Moretto Neto, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina – Orientador Professora Andressa Sasaki Vasques Pacheco, Dra. Universidade Federal de Santa Catarina – Membro Interno Prof. Paulo Otolini Garrido, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina – Membro Interno Prof. Marcus Vinícius Andrade de Lima Universidade Federal de Santa Catarina – Membro Interno Prof.ª Carla Cristina Dutra Búrigo, Dra. Universidade Federal de Santa Catarina – Membro Externo Aos meus pais, pelo amor e apoio incondicional. AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa não seria possível sem o incentivo e apoio de importantes pessoas ao longo de minha caminhada. Por isso, gostaria de registrar meus agradecimentos aos que foram essenciais nesse período de minha vida. Em especial ao Professor Luís Moretto Neto, pela dedicação dispensada, conselhos, apoio e orientação, acadêmica e pessoal, que fizeram com que eu trilhasse bons caminhos desde a graduação e contribuiu, enormemente, para o meu amadurecimento. Muito, muito obrigada Professor, pela oportunidade de caminhar ao seu lado. Ao Professor Paulo Garrido, por sua colaboração e sempre disposição em ajudar. Aos colegas Samuca, Carlos e Luciane, do Grupo de Estudos em Gestão Social, pelo companheirismo e amizade. À Universidade Federal de Santa Catarina, ao seu Programa de Pós-Graduação em Administração e aos Professores desta casa, por mais esta oportunidade de aprendizado e crescimento. Aos componentes da banca examinadora pela disposição e contribuições à dissertação. Às batalhadoras mulheres da COLIMAR pela cordialidade com que me receberam e disposição em compartilhar sua história. Aos membros da COEPAD pela atenção e disposição em contribuir. Em especial, ao Seu Aldo, que a cada encontro proporcionou ensinamentos incríveis e aos deficientes intelectuais pelo carinho com que me receberam. Aos meus amigos, sempre presentes e acolhedores, em especial ao Jefferson, o irmão que tive a oportunidade de escolher. Ao Anderson, fundamental durante minha caminhada, pelo amor, dedicação e paciência. Às minhas companheirinhas, Nina e Suki, que, mesmo sem saber, tornam meus dias mais felizes. À minha família, meus pais Luis e Aurora, exemplos de força e hombridade, pelo amor, compreensão e apoio incondicional, meus irmão Juliano e Cassiano, pelo cuidado e abraço sempre carinhoso e motivador, meu sobrinho e afilhado Bruno, a luz da minha vida. À DEUS, com imensa gratidão, por ter colocado em meu caminho pessoas tão especiais e ter me dado força e saúde para concretizar este trabalho. Um leitor vive mil vidas antes de morrer, o homem que nunca lê vive apenas uma. George R. R. Martin SILVA, Karin Vieira da. Gestão social e participação nas decisões: estudos de caso em cooperativas catarinenses. 2013. 171f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. RESUMO A observação do cotidiano de organizações que emergiram da sociedade civil e se desenvolveram através da construção coletiva de diversos atores sociais evidencia que não são raras as iniciativas que reproduzem em suas ações administrativas a lógica mercadológica, marcada pelo utilitarismo e pela tecnoburocracia. Acredita-se, todavia, que a lógica estratégica de mercado diverge, fundamentalmente, da orientação pluralista e coletivista sobre as quais estas organizações estão fundadas. Surge, nesse âmbito, a atenção para alternativas de gestão que possam convergir com os propósitos das organizações de origem social, com orientação dialógica e participativa. Optou-se então, neste trabalho, pelo uso da gestão social como lente analítica para compreensão da participação dos atores organizacionais nos processos de tomada de decisão em duas cooperativas catarinenses de origem popular, principal objetivo desta pesquisa. O presente trabalho teve como lócus de análise a Cooperativa de Mulheres Maricultoras de Governador Celso Ramos (COLIMAR) e a Cooperativa Social de Pais, Amigos e Portadores de Deficiência (COEPAD), localizada em Florianópolis/SC. Como base para pesquisa, utilizou-se referencial teórico que aborda os seguintes temas: gestão social, cidadania, cidadania deliberativa e participação, associativismo civil, cooperativismo e processo decisório. Os procedimentos metodológicos utilizados seguiram uma abordagem qualitativa do tipo estudo de casos múltiplos, caracterizando-se ainda como uma pesquisa aplicada e descritiva. A coleta de dados foi realizada através da análise documental, observação e entrevistas semi estruturadas. Para análise dos dados foram utilizadas as técnicas de análise de conteúdo e análise documental. Em linhas gerais, concluiu-se que a participação dos membros da COLIMAR nos processos decisórios aparece com maior intensidade, assim como o caráter deliberativo e consensual das decisões é mais acentuado. A organização apresenta fortes traços de gestão social e de cidadania deliberativa desde a sua origem até a forma como está atualmente estruturada. Na COEPAD, averiguou-se, de forma mais latente, a coexistência de traços de gestão social e de gestão estratégica no que tange a participação dos atores organizacionais no processo decisório, pois apresenta maior burocracia em suas estruturas e processos, todavia com possibilidades de participação e potencial para a sua ampliação. Palavras-chave: Gestão Social. Participação. Tomada de decisão. Cooperativismo. SILVA, Karin Vieira da. Social management and participation in the decisions: case studies in cooperatives located in Santa Catarina. 2013. 171f. Thesis (Master in Management) – Program of Post-Graduation in Management, Federal University of Santa Catarina, Florianópolis, 2013. ABSTRACT The routine observation of the organization that emerged from society and developed through the collective construction of social actors, shows that is not rare, that there are management initiatives actions that reproduce the market logical, labeled by the utilitarianism and the technical bureaucracy. It is believed, however, that the strategic logical diverges, fundamentally, from the pluralist and collectivist orientation which these organization are grounded. Arises, in this scope, the attention to the alternatives in management that could converge with the purposes of the organizations sourced in social, with dialogical and participation orientation. So, it was decided, in this work, to use the social management as analytical focus to comprehend the participations of the organization actors in the decision making process in two cooperatives stated in Santa Catarina, sourced in popular factors, to be the main goal of this research. The present work had as analysis locus the Mariculturists Woman Cooperative located in Governador Celso Ramos (COLIMAR), and the Social Cooperative of Parents, Friends and Patients with disability (COEPAD) located in Florianópolis/SC. As the base to this research, it was used the theoretical referential that discusses the following themes: social management; citizenship; deliberative citizenship and participations, citizen associativism, cooperativism, and decision making process. The methodological procedures used, was followed by a qualitative approach of the multiple case study type, characterizing also as an applied and descriptive research. The data gathering was done through the documental analysis, observations and semi structured interviews. To the data analysis, it was used the content analysis technique and the documental analysis. Roughly, it was concluded that the participation of the members in COLIMAR in the decision making process shows in a more intensive manner, as well the deliberative nature and consensus in the decisions. The organization shows stronger traces of social management and citzen deliberative , since their origin until the actual organization structure. In COEPAD, it was observed, more latent, the coexistence of social management traces and the strategic management in regard the participation of the organization actors in the decision makin process, because shows more burocracy in their structures and process, however with possibilities of participation and potential for expanding. Keyword: Social Management; Participation; Decision Making; Cooperativism. LISTA DE QUADROS Quadro 01: Elementos constitutivos da gestão para cada processo organizacional .......................................................... 26 Quadro 02: Tipos de gestão e suas características .................. 37 Quadro 03: Mapa conceitual da gestão social – Eixo temático: societário ................................................................................. 39 Quadro 04 :Mapa conceitual da gestão social – Eixo temático: organizacional ......................................................................... 40 Quadro 05: Mapa conceitual da gestão social – Eixo temático: metodológico. .......................................................................... 41 Quadro 06: Diferenças societárias entre associação e cooperativa. ............................................................................. 70 Quadro 07: Evolução dos princípios cooperativistas segundo a Aliança Cooperativa Internacional. ......................................... 73 Quadro 08: Abordagem Racional e Abordagem Racional Limitada. ................................................................................. 84 Quadro 09: Abordagem Racional e Abordagem Incremental . 85 Quadro 10: Síntese das Abordagens Teóricas do processo decisório .................................................................................. 87 Quadro 11: Categoria: processo de discussão ......................... 98 Quadro 12: Categoria: inclusão ............................................... 99 Quadro 13: Categoria: igualdade participativa..................... 100 Quadro 14: Categoria: autonomia. ........................................ 101 Quadro 15: Avaliação da COEPAD segundo as Categorias da Pesquisa ................................................................................. 145 Quadro 16: Avaliação da COLIMAR segundo as categorias da pesquisa. ................................................................................ 173 LISTA DE FIGURAS Figura 01: Proposta inicial de uma aproximação teórica para a Gestão Social, baseado em Categorias Teóricas da Gestão Social e suas interações. .......................................................... 46 Figura 02: Produtos COEPAD .............................................. 108 Figura 03: Espaço de comercialização da COEPAD no Centro de Eventos da UFSC. ............................................................ 109 Figura 04: Mural COEPAD................................................... 114 Figura 05: Mural COEPAD................................................... 115 Figura 06: Mural COEPAD................................................... 115 Figura 07: Mural de produção COEPAD .............................. 116 Figura 08: Programação COEPAD. ...................................... 117 Figura 09: Sede da COLIMAR, em Governador Celso Ramos/ SC .......................................................................................... 150 Figura 10: Embalagem antiga dos produtos COLIMAR. ..... 154 Figura 11: Nova embalagem dos produtos COLIMAR. ....... 155 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 25 1.1Contextualização e apresentação do problema de pesquisa ... 25 1.2 Objetivo Geral .................................................................. 28 1.3Objetivos Específicos .......................................................... 28 1.4 Justificativa ...................................................................... 29 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 33 2.1 Gestão Social: perspectivas epistemológicas e conceituais .... 33 2.2 Cidadania, cidadania deliberativa e participação: alternativas democráticas de gestão ........................................................... 50 2.3 Associativismo Civil .......................................................... 62 2.4 Cooperativismo ................................................................. 68 2.4.1 Cooperativas Socais .................................................................. 75 2.5 Processos decisórios........................................................... 80 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 91 3.1 Caracterização do estudo ................................................... 91 3.2 Universo do estudo ............................................................ 94 3.3 Coleta de Dados ................................................................ 94 3.4 Categorias de análise ......................................................... 97 3.5 Análise de dados.............................................................. 102 3.6 Limitações do trabalho .................................................... 104 4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS 105 4.1 CASO 1: Cooperativa Social de Pais e Amigos dos Deficientes ............................................................................................ 105 4.1.1 Caracterização da Cooperativa de Pais, Amigos e Portadores de Deficiência – COEPAD ................................................................... 105 4. 1. 2 Descrição e análise dos resultados com base nas categorias113 4.1.2.1 Avaliação da COEPAD segundo a Categoria 1: Processo de discussão .......................................................................................... 113 4.1.2.1.1 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 1: Canais de difusão .............................................................................................. 113 4.1.2.1.2 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 2: Qualidade da informação ....................................................................................... 119 4.1.2.1.3 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 3: Pluralidade do grupo promotor ................................................................................ 120 4.1.2.1.4 Considerações gerais sobre a categoria “Processo de discussão” ........................................................................................ 121 4.1.2.2 Avaliação da COEPAD segundo a Categoria 2: Inclusão .. 121 4.1.2.2.1 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 1: Abertura dos espaços de decisão ........................................................................... 121 4.1.2.2.2 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 2: Aceitação social ......................................................................................................... 124 4.1.2.2.3 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 3: Valorização cidadã............................................................................................... 126 4.1.2.2.4 Considerações gerais sobre a categoria “Inclusão” ........ 129 4.1.2.3 Avaliação da COEPAD segundo a Categoria 3: Igualdade participativa ..................................................................................... 129 4.1.2.3.1 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 1: Forma de escolha dos dirigentes ...................................................................... 129 4.1.2.3.2 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 2: Discurso dos dirigentes’ ........................................................................................ 131 4.1.2.3.3 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 3: Avaliação participativa ..................................................................................... 133 4.1.2.3.4 Considerações gerais sobre a categoria “Igualdade participativa”................................................................................... 135 4.1.2.4 Avaliação da COEPAD segundo a Categoria 4: Autonomia136 4.2.2.4.1 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 1: Alçada dos atores ............................................................................................... 136 4.1.2.4.2 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 2: Perfil da liderança .......................................................................................... 138 4.1.2.4.3 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 3: Possibilidade exercer a própria vontade ................................................................ 143 4.1.2.4.4: Considerações gerais sobre a categoria “Autonomia”... 145 4.1.3 Avaliação da COEPAD segundo as Categorias da Pesquisa 145 4.2 CASO 2: Cooperativa de Mulheres Maricultoras de Governador Celso Ramos (COLIMAR) 149 4.2.1 Caracterização da Cooperativa de Mulheres Maricultoras de Governador Celso Ramos - COLIMAR .......................................... 149 4. 2. 2 Descrição e análise dos Resultados com base nas categorias157 4.2.2.1 Avaliação da COLIMAR segundo a Categoria 1: Processo de discussão .......................................................................................... 157 4.2.2.1.1 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 1: Canais de difusão .............................................................................................. 157 4.2.2.1.2 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 2: Qualidade da informação ....................................................................................... 158 4.2.2.1.3 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 3: Pluralidade do grupo promotor ................................................................................ 159 4.2.2.1.4 Considerações gerais sobre a categoria “Processo de discussão” ........................................................................................ 160 4.2.2.2 Avaliação da COLIMAR segundo a Categoria 2: Inclusão . 161 4.2.2.2.1 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 1: Abertura dos espaços decisórios ............................................................................ 161 4.2.2.2.2 Avaliação da COLIMAR segundo os Critérios 2 e 3: Aceitação social e Valorização cidadã ............................................................. 162 4.2.2.2.3 Considerações gerais sobre a categoria “Inclusão” ........ 163 4.2.2.3 Avaliação da COLIMAR segundo a Categoria 3: Igualdade participativa ..................................................................................... 163 4.2.2.3.1 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 1: Forma de escolha dos dirigentes ...................................................................... 164 4.2.2.3.2 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 2: Discurso dos dirigentes .......................................................................................... 165 4.2.2.3.3 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 3: Avaliação participativa ..................................................................................... 166 4.1.2.3.4 Considerações gerais sobre a categoria “Igualdade participativa” ................................................................................... 167 4.2.2.4 Avaliação da COLIMAR segundo a Categoria 4: Autonomia168 4.2.2.4.1 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 1: Alçada dos atores ................................................................................................ 168 4.2.2.4.2 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 2: Perfil da liderança .......................................................................................... 169 4.2.2.4.3 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 3: Possibilidade de exercer a própria vontade ........................................................... 170 4.2.2.4.4 Considerações gerais sobre a categoria “Autonomia” .... 172 4.2.3 Avaliação da COLIMAR segundo as categorias da pesquisa172 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 177 5.1 Sugestões para pesquisas futuras...................................... 184 REFERÊNCIAS APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA APÊNDICE B – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO 185 198 201 25 1 INTRODUÇÃO Neste capítulo estão dispostos a contextualização do tema e da problemática estudada, o objetivo geral e o seu desdobramento em objetivos específicos e, por fim, a justificativa em termos de motivação da pesquisadora, importância, oportunidade e viabilidade do tema. 1.1 Contextualização e apresentação do problema de pesquisa As organizações de natureza social, especificamente, as que emergem de iniciativas da sociedade civil, comumente apresentam em sua origem propósitos solidários, encontrando na ação coletiva subsídios para o desenvolvimento e fortalecimento de suas iniciativas. A institucionalização destas organizações, no seu ajustamento formal e legal tende a criar um processo de burocratização de suas estruturas e de seus processos em diferentes níveis e intensidades. Fato que não diminui a importância dos trabalhos que desenvolvem, apenas suscita uma discussão quanto à natureza das ações gerenciais desenvolvidas em âmbito organizacional e sua convergência ou não com os valores primários destas. A finalidade social destas organizações diverge fundamentalmente da concepção instrumental das ações, que devem ter bases coletivas e plurais, desta forma, a gestão de organizações sociais enfrenta tensões e dualidades lógicas, marcadas pela racionalidade predominante em suas ações em confronto com o seu propósito social. A título de esclarecimento, destaca-se que o termo “organizações sociais” usado no presente trabalho, refere-se de forma pontual às organizações provenientes da sociedade civil organizada e que apresentam como objetivo o enfrentamento de demandas e transformação social, independente da figura jurídica que apresentam (Associações, Cooperativas, dentre outros). A racionalidade instrumental (RAMOS, 1981), típica do mercado, como enclave social único e predominante, é comumente encontrada como lógica dominante das ações dessas organizações (BOULLOSA; SCHOMMER, 2009), inibindo a autonomia e emancipação dos indivíduos, e conferindo caráter unidimensional e utilitário das relações entre os autores sociais. Incorre-se então em erro seminal a tentativa de incorporação da lógica e das práticas de mercado 26 às atividades de organismos que tenham valores inclusivos e participativos: A origem destas organizações foi fundada sob uma possibilidade de coordenação de meios e fins, isto é, de ações sociais nas quais são privilegiados o processo, a maneira de alcançar os objetivos desejados por meio de relações intersubjetivas no qual o bem comum é o mote central dessas relações” (TENÓRIO, 2008a, p.32). Diante desta problemática, torna-se imperativo o desenvolvimento de abordagens gerenciais diferenciadas, que em sua orientação considerem os sujeitos como indivíduos autônomos e participativos, com potencialidades críticas e deliberativas, em ambientes multidimensionais que permitam o exercício da cidadania e o desenvolvimento social, pois segundo Tenório (2008a, p. 32) “o desempenho esperado dessas organizações é o de gestão social ao invés de estratégica a fim de neutralizar as consequências do mercado”. Allebrandt e Teixeira (2005) apresentam os processos organizacionais relacionados aos conceitos de gestão social e gestão estratégica desenvolvida por Tenório, norteados por um modelo de análise baseado em Serva (2007), conforme quadro a seguir: Quadro 01: Elementos constitutivos da gestão para cada processo organizacional Processos Gestão social Gestão estratégica organizacionais Estrutura e Entendimento Fins funcionamento Julgamento ético Desempenho do poder Estratégia interpessoal Auto-realização Utilidade Objetivos Valores emancipatórios Fins organizacionais Julgamento ético Rentabilidade Julgamento ético Desempenho Avaliação Valores emancipatórios Fins reflexiva Rentabilidade Valores emancipatórios Fins Inserção social Entendimento Êxito/resultados Entendimento Cálculo Processo Julgamento ético Utilidade decisório Maximização de recursos 27 Divisão do trabalho Conflitos Comunicação Relações interpessoais Satisfação individual Auto-realização Entendimento Autonomia Julgamento ético Autenticidade Autonomia Entendimento Autenticidade Autonomia Valores emancipatórios Autenticidade Entendimento Autonomia Valores emancipatórios Auto-realização Autonomia Maximização de recursos Desempenho Estratégia interpessoal Cálculo Fins Estratégia interpessoal Desempenho Êxito/resultados Estratégia interpessoal Estratégia interpessoal Fins Desempenho Fins Êxito/resultados Desempenho FONTE: Allebrandt e Teixeira (2005, p. 07). Com base no quadro, verifica-se, em consonância com o pensamento de Tenório (2008a, p.25-26) que a “gestão social contrapõese a gestão estratégica à medida que tenta substituir a gestão tecnoburocrática, monológica, por um gerenciamento mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de diferentes sujeitos sociais”, ou seja, a gestão social é “o conjunto de processos sociais no qual a ação gerencial se desenvolve por meio de uma ação negociada entre seus atores, perdendo o caráter burocrático em função da relação direta entre o processo administrativo e a múltipla participação social e política” (TENÓRIO, 2008b, p.40). Uma dimensão transversal nas discussões sobre gestão social são os elementos norteadores do processo decisório, pois segundo Oliveira, Cançado e Pereira (2010, p. 622) a “participação efetiva no processo de tomada de decisão traz crescimento e amadurecimento para os atores (FREIRE, 1987; 1996; 2001), que ampliam sua visão de mundo enquanto seres humanos dotados de razão e cidadãos participantes de uma esfera pública”. Para os autores, a gestão social possui como característica a transparência, que possui interface próxima com a ação decisória, “pois, se o processo decisório passa pelo entendimento, pela utilização da linguagem e comunicação entre as pessoas, as informações devem estar disponíveis a todos, o segredo e a assimetria de informações também 28 são estranhos a este processo” (OLIVEIRA, CANÇADO e PEREIRA, 2010, p. 622). Desta forma, em um tipo ideal, o processo decisório, baseado nos pressupostos da gestão social deveria apresentar, em primeira instância, as seguintes características: tomada de decisão coletiva, livre de coerção e baseada no entendimento, transparência e linguagem inteligível (OLIVEIRA, CANÇADO e PEREIRA, 2010, p. 622). De acordo com Monje-Reyes (2011, p.721), um tipo de organização que possui potencialmente interface próxima com a gestão social são as cooperativas, pois, “ambas são formas de produção social e se sustentam na participação dos atores sociais nas decisões sobre o que e como fazer. Por tanto, aprofundam a democracia e a modernizam os princípios da participação ativa dos sujeitos sociopolíticos” (tradução nossa). O autor destaca também que as características essenciais para que a gestão de uma cooperativa seja convergente com a gestão social, tendo que vista que “de fato, a forma de gestão de uma organização cooperativa tem sua referência na gestão social sempre e quando é democrática e deliberativa, como sugere a gestão social em sua matriz de princípios”. Diante do exposto, a seguinte pergunta surge como problema de pesquisa: Como é caracterizada a participação no processo de tomada de decisão em cooperativas com base nos pressupostos da gestão social? Com a formulação do problema de pesquisa, pode-se agora formular o objetivo geral da pesquisa e identificar os objetivos específicos que servirão de alcance do principal objetivo desta proposta de trabalho. 1.2 Objetivo Geral Analisar a participação dos atores organizacionais nos processos de tomada de decisão, à luz da gestão social, em duas cooperativas catarinenses. 1.3 Objetivos Específicos a) Contextualizar cada organização estudada frente ao seu entorno; b) Caracterizar a participação dos atores organizacionais no processo de tomada de decisão das cooperativas estudadas; 29 c)Verificar com que intensidade as categorias estudadas se aproximam das características de gestão social em contraponto à gestão estratégica. 1.4 Justificativa A motivação da construção da presente proposta de pesquisa possui vínculo bastante estreito com a formação acadêmica da pesquisadora. Na realização de seu trabalho de conclusão do curso em Ciências da Administração, obteve, pela primeira vez, contato com a temática da gestão social, que a levou a cursar uma disciplina sobre o tema, como aluna especial no programa de mestrado em Administração da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC. Tal período culminou em um trabalho monográfico realizado na Associação dos Amigos do Hospital Universitário - AAHU e um projeto para seleção de mestrado de natureza semelhante, despertando o interesse para a temática e para as organizações sociais. Em um segundo momento, como aluna do programa de mestrado em Administração na UFSC, a pesquisadora participou de uma disciplina com enfoque em gestão social, realizando como trabalho final um estudo em uma Cooperativa Social, localizada em Florianópolis, que desenvolve um trabalho pioneiro no Brasil. As experiências vivenciadas nesse processo mostraram-se bastante positivas e propiciaram enorme aprendizado à pesquisadora, fortalecendo o seu interesse em trabalhar novamente e em maior profundidade com a temática e o com o universo que havia tido contato preliminar. Desta forma, surge a ideia inicial do presente trabalho de pesquisa, em alinhar os estudos teóricos em gestão social com a realidade organizacional de Associações e Cooperativas Sociais, tendo em vista a aderência destas organizações de natureza social com a perspectiva teórica proposta. Ainda com o intuito de justificar a realização da presente pesquisa, resgata-se o pensamento de Roesch (1999), que destaca ser possível construir uma justificativa plausível a partir de três dimensões: importância, oportunidade e viabilidade. Segundo Cançado (2011) a análise de realidades sociais ou mesmo a elaboração de metodologias para o desenvolvimento da gestão social se configuram como imperativos na agenda de pesquisas para desenvolver o campo de estudo. 30 Em organizações sociais, comumente, é possível verificar conflitos entre a natureza destas organizações e a lógica de gestão predominante em suas práticas, conforme destacado por Boullosa e Schommer (2008, p. 9), “a observação do cotidiano da gestão nas organizações evidencia que não são poucas as iniciativas no campo social que reproduzem a lógica gerencial da empresa, reduzindo o conteúdo da ação organizacional a um atributo meramente técnico”. A gestão social em perspectiva organizacional (FRANÇA FILHO, 2008), ou seja, como processo de gestão participativa e democrática, permite refletir o ambiente interno dessas organizações sociais através de novas perspectivas de gestão que procurem superar o modelo tecnocrático de gestão: (...) onde o imperativo categórico não é apenas o eleitor e/ou contribuinte, mas sim o cidadão deliberativo; não só a economia de mercado, mas também a economia social; não é o cálculo utilitário, mas o consenso solidário; não é só o assalariado como mercadoria, mas o trabalhar como sujeito; não é somente a produção como valor de troca, mas igualmente como valor de uso; não é tão somente a responsabilidade técnica, mas, além disso, a responsabilidade social; não é a res privata, mas sim a res pública; não é o monólogo, mas ao contrário, o diálogo (TENÓRIO, 2008b, p.53-54). Em vista do exposto, considera-se importante analisar os elementos através dos quais a participação é desenvolvida em organizações sociais, tendo em vista os objetivos das mesmas, cenário no qual o processo de tomada de decisão desponta como um dos aspectos a serem repensados e trabalhados criteriosamente. A pesquisa visa contribuir de forma acadêmica para o desenvolvimento da temática e enquanto prática, para gestores e empreendedores sociais, ao refletir experiências correntes. Ressalta-se, por fim, a importância de organizações da sociedade civil na transformação do quadro contemporâneo de exclusão social, na medida em que criam e mantêm condições para o enfrentamento de questões sociais. O desenvolvimento de estudos dentro da temática da gestão social converge com as preocupações levantadas por relevantes pesquisadores do assunto, tendo em vista a construção de referenciais 31 mais consistentes, enquanto teoria e prática de gestão democrática e participativa contribuem para evitar que o termo seja banalizado, segundo apontamentos de França Filho (2008), ao constatar a sua disseminação súbita, e a rápida institucionalização da Gestão Social, conforme preocupação demonstrada por Boullosa e Schommer (2009), onde a gestão social passaria de processo de inovação para produto inovador. Em vista dos desafios que se apresentam ao desenvolvimento do campo, é oportuno desenvolver estudos em seu âmbito, com o intuito de contribuir, de alguma forma, para a teoria e prática da gestão social. Sendo a gestão social muito mais que uma perspectiva de análise da realidade social e organizacional, e sim, um esforço de transformação social e desenvolvimento da cidadania, o engrandecimento da produção científica correlata contribui para que sejam plantadas sementes que possam germinar sociedades mais solidárias, com mais equidade e justiça. A existência limitada de produções acadêmicas envolvendo a gestão de organizações sociais analisadas através do entendimento de gestão social aqui proposto, principalmente no que tange cooperativas sociais enquanto objeto de estudo da Ciência da Administração, configurou-se como uma oportunidade interessante de desenvolvimento de pesquisas. Uma pesquisa realizada por Silva (2010), nas bases do portal da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), revelou que dentre os artigos disponíveis, apenas 35 (trinta e cinco) faziam referência ao termo “gestão social”. Em pesquisa semelhante, Neto (2011), realizou buscas no banco de dados da biblioteca virtual da Fundação Getúlio Vargas, com 5.858 títulos desde 1947, e na base de dados SCIELO-Brasil, com 86.685 artigos, entre os anos de 2000 a 2010, encontrando apenas 13 (treze) referências ao termo “gestão social”, o mesmo número encontrado em pesquisa realizada na base SciELO (Scientific Electronic Library Online). A pesquisa aconteceu por meio da busca avançada, com as seguintes palavraschave, como os termos “Gestão Social” e “cidadania”. Analisando a última variável, a viabilidade dadissertação, entende-se que este trabalho é factível em função do interesse dos dirigentes das organizações em sua realização, disponibilidade de informações devido à disposição das organizações a serem estudadas em contribuir para realização da pesquisa. A participação da pesquisadora no Programa de estudos em gestão social – PEGS, coordenado pela 32 Fundação Getúlio Vargas – FVG/RJ, apresenta-se como um fator que contribui para realização da presente pesquisa, pois permite acesso facilitado a materiais produzidos pelos seus pesquisadores, discussões promovidas pelos mesmos e participação em encontros fechados e públicos. 33 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O corpo teórico desenvolvido, em razão dos objetivos do trabalho, compõe-se de uma revisão bibliográfica sobre os seguintes temas, apresentados sequencialmente: gestão social: perspectivas epistemológicas e conceituais, associativismo, cooperativismo e processo decisório. 2.1 Gestão Social: perspectivas epistemológicas e conceituais O campo da gestão social, ainda incipiente nas discussões acadêmicas brasileiras, ganha, progressivamente, relevância enquanto prática, ainda que permeado de ambiguidades e carente de delimitações paradigmáticas. (DOWBOR, 1999a, 1999b; CANÇADO, 2011; FISCHER, 2002; MAIA, 2005). Os estudos na área apresentam relevantes divergências epistemológicas e metodológicas em suas construções conceituais, difusas no estado da arte. Maia (2005) afirma que a temática da gestão social foi introduzida no Brasil, apenas na década de 1990, em meio a dois processos, econômicos e sociais, que marcam a conjuntura nacional: a globalização da economia, que mercantilizou e ampliou os segmentos de atuação no social, e a tardia regulação social, através das conquistas de cidadania, do Estado democrático de direitos e dos desafios da participação da sociedade civil. Boullosa e Schommer (2008, p. 02) associam também à década de 1990 o ganho de expressividade da gestão social, ainda que embrionária e pouco precisa, no contexto da Constituição de 1988: (...) que assume o município como ente federativo autônomo (exigindo concertação com os demais entes: União e Estados), e antenado com a crítica internacional aos programas de ajustamento estrutural do Banco Mundial (cujo viés era predominantemente econômico), ao mesmo tempo afinado com iniciativas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que incentivava o engajamento da sociedade civil no planejamento, execução e avaliação das políticas públicas. 34 Corroborando com apontamentos referentes às origens da temática no país, Cançado (2011) afirma não encontrar, em seu estudo sobre os fundamentos teóricos da gestão social, as origens da terminologia “gestão social”, sendo as primeiras pistas encontradas nos textos do Professor Fernando Guilherme Tenório, que desde 1990, lidera o Programa de Estudos em Gestão Social, vinculado à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. Tenório (2008a, p,157), diz ter visitado o conceito de gestão social quando a “quando a onda (neo)liberal econômica chegou golpeando, literalmente, as costas do Brasil e dos brasileiros”, em 1990, em meio ao Consenso de Washington, que trazia consigo, entre outras coisas, o Estado-mínimo, que obrigou com que a gestão pública, em especial, fosse repensada. Ao encontrarmos a globalização e o neoliberalismo circunscrevendo as origens de uma gestão voltada para e com o social, Boaventura de Souza Santos (2001, p.40) integra os dois conceitos, esclarecendo seus impactos nas relações de trabalho e, consequentemente, nas políticas públicas e em todos os setores organizacionais: (...) no domínio da globalização social, o consenso neoliberal é o de que o crescimento e a estabilidade econômicos assentam na redução dos custos salariais, para o que é necessário liberalizar o mercado de trabalho, reduzindo os direitos laborais, proibindo a indexação dos salários e ganhos de produtividade e os ajustamentos em relação ao custo de vida e eliminando a prazo a legislação sobre o salário mínimo. Nesse contexto, a economia é dessocializada, o “conceito de consumidor substitui o de cidadão” e os critérios de inclusão social deixam de ser “um direito para passar a ser solvência”. (SOUSA SANTOS, 2001, p.40). A emergência do mercado como enclave social único e dominante, e consequente afastamento do homem enquanto ser social e indivíduo pensante e participativo, para um homem que se comporta e incorpora a lógica de mercado como a lógica que orienta suas ações e suas relações sociais e culturais, promove um deslocamento do homem enquanto cidadão e guia maior de suas próprias ações e das ações que envolvem sua comunidade (RAMOS, 1981). 35 Em meio ao ambiente envolto pela degradação do trabalho e pela própria crise do capital insurge a discussão da temática relacionada a uma “gestão social”, com diferentes enfoques e orientações, e com pouca convergência quanto ao seu significado, conforme relata França Filho (2008, p. 27): A expressão gestão social tem sido usada de modo corrente nos últimos anos servindo para identificar as mais variadas práticas sociais de diferentes atores não apenas governamentais, mas, sobretudo de organizações não governamentais, associações, fundações, assim como, mais recentemente, algumas iniciativas partindo mesmo do setor privado e que se exprimem nas noções de cidadania corporativa ou de responsabilidade social da empresa. O autor adverte ainda que a emergência súbita do termo indica duas tendências: a) sua banalização, ou seja, tem sido usado para as mais variadas interpretações e carece de maior precisão conceitual; b) tudo o que não é considerado gestão tradicional, passa a ser classificado como gestão social (FRANÇA FILHO, 2008). Pinho (2010, p.22) afirma que a “gestão social tem se implantado e processado mesmo sem ter um consenso sobre esse conceito”, contestando o que atualmente têm se entendido por gestão social e a natureza das ações correspondentes. Ao perpassar diferentes abordagens do conceito, o autor questiona a própria nomenclatura utilizada, indicando que “a gestão social não corresponde conceitualmente ao que os autores têm tratado e entendido por ela” e que “a expressão gestão social seria muito pequena para promover as mudanças que o conceito sugere”, sugerindo, preliminarmente, que o termo mais adequado seria “gestão emancipadora”, que visaria à emancipação das classes subordinadas. (PINHO, 2010, p.49) Sobre a crítica de Pinho, Tenório (2010, p. 57) argumenta que a intenção de demarcar um novo marco conceitual, gestão social, “tem a pretensão tão somente de enfatizar a necessidade de que os gestores, qualquer que seja a configuração jurídica da organização, atuem sob uma perspectiva na qual o determinante de suas ações deve ser a sociedade e não mercado” e não está relacionada à pretensão de uma 36 síntese conceitual, reconhecendo as indefinições que permeiam o tema e carência de debates mais amplos. O uso indiscriminado do termo faz com que diferentes ações sejam enquadradas como gestão social, sem a devida reflexão sobre sua concepção, operacionalização e finalidade, como é notável na reflexão de Tenório (2008b) sobre o uso do conceito de gestão social, que tem sido objeto de estudo e de prática, muito mais relacionado à gestão de políticas sociais, de organizações do terceiro setor, de combate à pobreza e até ambiental, do que à discussão e possibilidades efetivas de uma gestão democrática, participativa, quer na formulação de políticas públicas, quer nas relações de caráter produtivo. Em complemento, Schommer e França Filho (2008, p.61) destacam que a utilização do termo pode estar associada “aos atores que a empregam, ao universo organizacional em que é exercida, às finalidades que se pretendem atingir por meio da gestão social ou, ainda, às características do processo de gestão a que se refere”, refletindo os tipos diferentes enfoques através dos quais a gestão social tem sido trabalhada. Sobre tal discussão, França Filho (2008) afirma que, antes de tudo, a gestão social diferencia-se fundamentalmente de dois outros tipos: a) gestão privada, que corresponde ao modo de gestão característico de organizações que atuam em um espaço denominado mercado ou economia de mercado e; b) a gestão pública, que se refere ao modo de gestão praticado nas instituições públicas de Estado e suas demais instâncias. No primeiro caso, destaca-se que a racionalidade predominante é a instrumental, baseada no cálculo utilitário das consequências, conforme pensamento de Guerreiro Ramos (1981). Nesse sentido, é válido resgatar o pensamento de Habermas (1993, p.57) sobre o entendimento da ação instrumental, que organiza meios, adequados ou não, “segundo critérios de um controle eficiente da realidade, a ação estratégica depende apenas de uma valoração correta de possíveis alternativas de comportamento, que só pode obter-se de uma dedução feita com o auxílio de valores e máximas.”. Outrossim, as “qualidades intrínsecas das ações administrativas (seu sentido e significado) são pouco relevantes, sobressaindo-se sua capacidade em contribuir para a consecução dos fins propostos, definidos em termos meramente econômicos” (FRANÇA FILHO, 2003, p.31). 37 Sobre a gestão privada, França Filho (2008) destaca ainda, que a mesma possui um aparato privilegiado de técnicas e metodologias, visto que seu estudo formal data de mais de um século, mantendo, predominantemente, seu foco voltado ao campo empresarial e a lógica instrumental em seu âmago. Em consequência, esse modo de gestão vem servindo de referência para os demais, sem a devida crítica quanto à transferência de sua lógica específica, em processo que o autor denomina “etnocentrismo gestionário privado”. Sobre o segundo modo de gestão, a gestão pública, ela se distingue consideravelmente do primeiro modelo apresentado - gestão privada, em virtude dos objetivos perseguidos. É imperativo destacar que tal diferenciação é realizada por princípios, pois teoricamente a finalidade estatal é o bem comum, enquanto nas organizações privadas, preza-se a satisfação pessoal, todavia na prática é comumente observado que muitos princípios não são seguidos, haja vista, por exemplo, a apropriação privada de bens públicos (FRANÇA FILHO, 2008). Entretanto, esse modo de gestão se aproxima da gestão privada ao sustentar e mesma lógica em suas ações, assentada em uma lógica de poder norteada por uma racionalidade instrumental e técnicoburocrática, onde a dimensão do poder subordina o cidadão ao burocrata. Todavia, Demo (1995) destaca que o fenômeno do poder não pode ser suprimido, visto que integra as estruturas da sociedade, mas que é possível administrá-lo de maneira democrática com base num Estado de Direito. Pimentel e Pimentel (2010) apresentam quadro referenciando as principais distinções existentes entre a gestão estratégica, a gestão pública e a gestão social: Quadro 02: Tipos de gestão e suas características Categorias de Gestão Gestão Pública análise Estratégica Objetivo Valor Racionalidade Protagonistas Lucro Interesse Público Competição Normativo Instrumental Burocrática Mercado Estado Gestão Social Interesse Coletivo Caráter Público. Cooperação intra Interorganizacional. de e Substantiva/comunicativ a. Sociedade Civil Organizada. 38 Comunicação Processo Decisório Operacionaliz ação Monológica, vertical, com restrição ao direito de fala. Centralizado top down. Estratégica, com foco em indicadores financeiros. Privada Monológica/Dialógica, vertical com algumas horizontalidades, em tese sem restrições à fala. Centralizado com possibilidade de participação (bottom up) Estratégica com foco em indicadores sociais. Dialógica com pouca ou nenhuma restrição ao direito de fala. Pública estatal. Pública Social (França Filho) x qualquer esfera (Tenório, Dowbor). Não há coerção, todos têm iguais condições de participação (Tenório) X as relações de poder restringem a capacidade de cada um se posicionar no debate (Fischer et al Godim, Fischer e Melo). Esfera Autonomia e poder Há diferentes graus de coerção e submissão entre os atores envolvidos. Há Coerção normativa entre os atores envolvidos. Descentralizado, emergente e participativo/surge como construção coletiva. Social, com foco em indicadores qualitativos e quantitativos. Fonte: Pimentel e Pimentel (2010, p.08). Para França Filho (2008) a gestão social pode ser entendida a partir de dois níveis de análise: societário e organizacional. O primeiro nível apresenta a gestão social enquanto problemática da sociedade, preocupada com a gestão das demandas e necessidades do social, ou seja, a sociedade civil organizada se mobiliza para empreender atividades que ela mesma possa desenvolver, em prol do atendimento de lacunas sociais, não supridas pelo estado ou mercado. Tal fenômeno concretiza-se principalmente em organizações não governamentais, associações, cooperativas sociais e demais entidades preocupadas com o atendimento de necessidades comuns. Em linhas gerais, esse entendimento de gestão social sugere que “para além do Estado, a gestão das demandas e necessidade do social pode se dar via a própria sociedade, através das suas mais diversas formas e mecanismos de auto-organização, especialmente o fenômeno associativo” (FRANÇA FILHO, 2008, p. 03). 39 Sobre o eixo societário, o quadro a seguir apresenta alguns expoentes do assunto, que fundamentam suas ideias com base no desenvolvimento emancipatório da sociedade, enfrentamento à questão social e transformação societária. Quadro 03: Mapa conceitual da gestão social – Eixo temático: societário EIXO TEMÁTICO: SOCIETÁRIO Categoria analítica Conceito Autor distintiva Seria o processo onde a dimensão social se torna Dowbor (1999, um dos componentes essenciais do conjunto da 2006) Capacidade reprodução social, incorporando “nas decisões interventiva empresariais, ministeriais, comunitárias ou e potencial individuais, as diversas dimensões e os diversos de impactos que cada ação pode ter em termos de transformaçã qualidade de vida”, onde a atividade econômica o da passa a ser um meio, e o bem-estar o fim, onde se sociedade faz necessário “repensar formas de organização social e a redefinir a relação entre o político, o econômico e o social” (grifo nosso) “(...) gestão social como um conjunto de Maia (2005) processos sociais com potencial viabilizador do Desenvolvim desenvolvimento societário, emancipatório e ento transformador. É fundada nos valores, práticas e democrático formação da democracia e da cidadania, em vista e do enfrentamento às expressões das questões emancipatóri socais, da garantia dos direitos humanos universais o da e da afirmação dos interesses e espaços públicos sociedade como padrões de uma nova civilidade. Construção realizada em pactuação democrática, nos âmbitos local, nacional e municipal, entre os agentes das esferas da sociedade civil, sociedade política e da economia, com efetiva participação dos cidadãos historicamente excluídos dos processos de distribuição das riquezas e do poder” (p. 78) (grifo nosso) Desenvolvim Gestão centrada “no processo de Carrion; Calou ento das desenvolvimento, na proteção da vida, na (2008) potencialidad preservação do meio ambiente, no atendimento es humanas das necessidades e no desenvolvimento das potencialidades humanas” (p. 17) (grifo nosso) Fonte: Justen et al, (2012). No prelo. 40 Tal categoria apresenta convergência entre os seus representantes quanto à possibilidade e importância do desenvolvimento humano e da democracia dentro da perspectiva da gestão social. O segundo nível de entendimento apresenta a gestão social como uma forma específica de gestão, um modus operandi, em um nível micro, que pode ser chamando organizacional. Ela se diferencia ao propor um tipo diferente de racionalidade como guia de suas ideias e ações, superando a racionalidade tradicional instrumental, a lógica de mercado, por outras com enfoques mais sociais e emancipadores, tendo em vista a natureza e finalidade da organização (FRANÇA FILHO, 2008). Sobre o eixo de análise que entende a gestão social como uma forma ou espaço de gestão, o quadro a seguir, sintetiza as principais ideias e autores. Quadro 04 :Mapa conceitual da gestão social – Eixo temático: organizacional EIXO TEMÁTICO: ORGANIZACIONAL Categoria Conceito Autor analítica Ação gerencial “(...) o conjunto de processos sociais no qual a ação Tenório negociada gerencial se desenvolve por meio de uma ação (2002) negociada entre seus atores, perdendo o caráter burocrático em função da relação direta entre o processo administrativo e a múltipla participação social e política” (p. 7) (grifo nosso) Processo “o conceito de gestão social é entendido como o Tenório gerencial processo gerencial dialógico onde a autoridade (2007) dialógico decisória é compartilhada entre os participantes da ação” (grifo nosso) e “a gestão social deve ser determinada pela solidariedade, portanto, é um processo de gestão que deve primar pela concordância, onde o outro deve ser incluído e a cooperação o seu motivo” (grifo nosso) Locus de “como o espaço privilegiado de relações sociais onde Tenório exercício da todos têm direito à fala, sem nenhum tipo de coação” (2007) cidadania e da (grifo nosso). participação coletiva e organizada Processos “(...) o processo de organização, decisão e produção Cabral administrativos de bens públicos de proteção social, que se (2007) desenvolve perseguindo uma missão institucional e 41 articulando os públicos constituintes, envolvidos em uma organização que tende a incorporar atributos do espaço público não estatal, na abordagem que faz da questão social. Esses atributos são os elementos que, de forma coordenada e convergente, devem ser observados e tomados como parâmetros no desenvolvimento do processo de gestão” (p. 134) (grifo nosso) Modo de gestão “Corresponde ao modo próprio às organizações atuando num circuito que não é originariamente aquele do mercado e do Estado, muito embora estas organizações entretenham, em grande parte dos casos, relações com instituições privadas e públicas, através de variadas formas de parcerias para consecução de projetos” (p. 32) (grifo nosso) “trata de uma gestão voltada para o social. Nesse sentido, a gestão seria definida, antes de tudo, por sua finalidade” (p.64) (grifo nosso) Fonte: Justen et. al (2012). No prelo. França Filho (2008); França Filho; Schom mer (2008) Verifica-se que os autores apresentam, no eixo organizacional, preocupação com ações gerenciais que ocorram de forma plural e participativa, em uma tentativa de superar o modelo tradicional de gestão, voltado para a racionalização das atividade e pessoas e maximização do lucros. Justen et al.(2011, p.03) apresenta ainda um terceiro eixo temático, sobre o qual o "a ênfase recai sobre a processualidade de construção e implementação de estratégias e ações, isto é, sobre a instrumentação da gestão social”, trabalhando a gestão social como um instrumento, processo ou ainda um conjunto de ações adequados para intervenção na realidade social, de forma a desenvolvê-la e transformála, conforme quadro a seguir: Quadro 05: Mapa conceitual da gestão social – Eixo temático: metodológico. EIXO TEMÁTICO: METODOLÓGICO Categoria analítica Conceito Instrumento para o acesso à riqueza social “(...) um conjunto de estratégias voltadas à reprodução da vida social no âmbito privilegiado dos serviços – embora não se limite a eles – na esfera do consumo social, não se submetendo à lógica mercantil. A gestão social, ocupa-se, Autor Silva (2004) 42 Políticas públicas e programas/projetos sociais Ações e estratégias para o desenvolvimento local Instrumento para políticas públicas portanto, da ampliação do acesso à riqueza social – material e imaterial -, na forma de fruição de bens, recursos e serviços, entendida como direito social, sob valores democráticos, como equidade, universalidade e justiça social” (p. 32) (grifo nosso) “Se trata da gestão das ações sociais públicas, sendo que a gestão do social é a gestão das demandas e necessidades dos cidadãos. E as respostas a essas demandas e necessidades são as políticas sociais, os programas e projetos sociais. A gestão social tem um compromisso, com a sociedade e com os cidadãos, de assegurar por meio d,,e políticas e programas públicos o acesso efetivo aos bens, serviços e riquezas societárias” (p. 28) (grifo nosso) “Entendemos gestão social como um processo social, permeado por contradições e disputas entre as instâncias que compõem a sociedade e os projetos societários que representam, de construção e implementação de ações e estratégias, firmados por pactos sociais formais e/ou informais, que visem o desenvolvimento social num determinado território” (grifo nosso) “a ideia de gestão social diz respeito à gestão das demandas e necessidades do social” (p. 66) (grifo nosso) Carvalho (1999) Bordin (2009) Schommer França Filho (2008) Fonte: Justen et al. (2012). No prelo. Os três eixos aqui tratados foram apresentados de forma separada, para fins analíticos e didáticos, todavia relacionam-se recursivamente, através de influência e dependência mútua. Trata-se de uma abordagem que em sua essencial é complexa, na medida em que envolve a análise de questões sociais, tendo em vista o entendimento de Demo (2008, p.27) ao destacar que “a questão da intensidade dos fenômenos complexos está na raiz do que tem se chamado de pesquisa qualitativa”, buscando “ir além de indicadores empíricos mensuráveis diretamente”, pois “a intensidade visa captar dimensões de maior profundidade, como 43 seria, por exemplo, a problemática da participação, para além da simples filiação no associativismo”. Evidenciada as distinções e aproximações entre as diferentes formas de gestão e de gestão social especificamente, resgata-se o entendimento do Programa de Estudos em Gestão Social da Fundação Getulio Vargas – PEGS/FGV/RJ, especialmente de Tenório (2008b, p.39) sobre o conceito de gestão social, já apresentado de forma sintética no quadro 02, tipos de gestão e suas características, que perpassa diferentes tipos de sistema social, sendo concretizado em ações em âmbito público, privado ou não governamental através de um “processo gerencial dialógico onde a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público, privado ou de organizações não governamentais)” e será utilizado como viés teórico e lente analítica do presente estudo. Tal entendimento de gestão social tem seus alicerces epistemológicos vinculados à Escola de Frankfurt, berço dos estudos sobre a teoria crítica e emancipação humana, que tem em sua primeira geração a preocupação voltada à crítica do “sistema unidimensional, da racionalidade instrumental, do positivismo, da estética hegemônica, da cultura de massas e do nazismo”, tendo em vista “a cultura da modernidade que aniquila a possibilidade de uma vida autêntica e da criatividade transformadora” (MISOCZKY e AMANTINO-DEANDRADE, 2005, p. 197). Dentre seus expoentes figuram pensadores como Max Horkheimer e Theodor Adorno. Ao passo que segunda fase da Escola de Frankfurt “tentará mostrar que é tarefa racional provar a pretensão de validade de enunciados normativos ou de decisões morais, com vistas à realização de acordos – pois nisso consiste toda a temática da fundamentação no contexto de atos comunicativos” (MISOCZKY e AMANTINO-DEANDRADE, 2005, p. 197). Nessa geração, destaca-se o trabalho de Jürgen Habermas, com o desenvolvimento da teoria da ação comunicativa. No estudo da gestão social, aqui proposto, cabe destaque a teoria crítica e em especial, a segunda geração da Escola Frankfurtiana, em consonância com o pensamento dialético proposto por Habermas, no qual a racionalidade comunicativa deve ser base para a concordância entre os indivíduos, através do diálogo e do consenso como forma de tomada de decisão válida, contrariando a lógica positivista, 44 predominante "no mundo dos sistemas" que carrega mecanismos funcionalistas e alienatórios (TENÓRIO, 2002). Nesse âmbito, fundamenta-se a diferenciação elementar entre os significados gestão social e gestão estratégica, com base no confronto proposto entre teoria crítica e teoria tradicional, proposta pela Escola de Frankfurt. Os frankfurteanos entendem por teoria tradicional todo conhecimento positivista, técnico, que se propõe a estabelecer princípios gerais e enfatiza o empirismo; visa o conhecimento puro, antes que a transformação social, pois trabalha os fatos sociais como quase neutros, de forma análoga as ciências naturais. Enquanto a teoria crítica, por ser reflexiva e por retornar os pensamentos sobre si, investiga “as interconexões recíprocas dos fenômenos sociais e observa-os numa relação direta com leis históricas do momento e da sociedade estudada”, tendo a sociedade como objeto de estudo (TENÓRIO, 2002, p. 116). Tenório (2002, p.166) resgata o pensamento de Geuss (1988, p.08), sobre os pontos centrais que diferem a teoria crítica da teoria tradicional, que estão centradas em três eixos fundamentais: 1. Teorias Críticas têm posição especial como guias para a ação humana, visto que: a) Elas visam produzir esclarecimento entre os agentes que as defendem, isto é, capacitando esses agentes a estipular quais são seus verdadeiros interesses; b) Elas são inerentemente emancipatórias, isto é, elas libertam os agentes de um tipo de coerção que é, pelo menos parcialmente, auto-imposta, a auto-frustração da ação humana consciente. 2. Teorias críticas tem conteúdo cognitivo, isto é, são formas de conhecimento. 3. Teorias críticas diferem epistemologicamente das teorias em ciências naturais, de maneira essencial. As teorias em ciência natural são “objetificantes”; as teorias críticas são “reflexivas”. Outra diferença fundamental entre as teorias trabalhadas relaciona-se a atitude do pesquisador perante o seu objeto de estudo, 45 pois segundo a teoria crítica o pesquisador é sempre parte do objeto que estuda, em especial se o objeto for social, visto que “sua percepção está condicionada por categorias sobre as quais não pode sobrepor-se”, contrariamente à teoria tradicional que entende o pesquisador como neutro e distanciado do seu objeto de pesquisa. (TENÓRIO, 2002, p. 117). Desta forma, entende-se que a teoria tradicional não é adequada para analisar ou entender a vida social, em vista, do seu pragmatismo, pois analisa somente o que é passível de ser visto e aceita, sem contestação, a ordem social vigente, obstruindo possibilidades de mudanças, tanto que tal teoria apresenta íntima relação e é fator de sustentação da sociedade tecnocrática vigente (TENÓRIO, 2002). Em vista destes pressupostos, a gestão estratégica caracteriza-se como uma ação social utilitarista, baseada no cálculo utilitário das consequências (SERVA, 1997), onde a relação social é estabelecida através da hierarquia formal existente. Em consequência, esse modelo de ação gerencial “é aquele no qual o sistema-empresa determina as suas condições de funcionamento e o Estado se impõe sobre a sociedade”, sustentados pelo comportamento tecnocrático, pelo qual se entende “toda a ação social implementada sob a hegemonia do poder técnico ou técnico-burocrático, que se manifesta tanto no setor público quanto no privado, fenômeno comum às sociedades contemporâneas” (TENÓRIO, 2008a, p. 23-24). Nessa perspectiva, Ronconi (2011, p.02), destaca que a “gestão social deve ser capaz de romper com os conceitos tradicionais de gestão; deve conduzir as pessoas para a busca da emancipação e autorealização com alcance da satisfação social e concretização das potencialidades”. Assim sendo, gestão social apresenta contraponto fundamental a gestão estratégica “a medida que tenta substituir a gestão tecnoburocrática, monológica, por um gerenciamento mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de diferentes sujeitos sociais”. (TENÓRIO, 2008a, p. 26). Evidencia-se então, que a normativa da gestão social está em congruência com os estudos críticos. Cançado (2011, p. 189) constrói uma perspectiva teórica da Gestão social que “caminha na contra-mão (na contradição) do sistema hegemônico, e, ainda, que pode ter potencial latente de mudança de percepção de mundo”, representada na figura a seguir: 46 Figura 01: Proposta inicial de uma aproximação teórica para a Gestão Social, baseado em Categorias Teóricas da Gestão Social e suas interações. Fonte: Cançado (2011, p. 189). O autor afirma que tal construção “tem o contraditório como ponto de partida, gestão estratégica versus Gestão Social, o que levou o pesquisador a construir um conceito, para evitar que tudo que não seja gestão estratégica seja identificado como Gestão Social” (CANÇADO, 2011, p. 190). As categorias apresentadas na figura 01 (interesse bem compreendido, sustentabilidade, solidariedade, esfera pública, democracia deliberativa, ação racional substantiva, comunidades de prática, dialogicidade, intersubjetividade, interorganizações e emancipação), proporcionam uma delimitação preliminar da gestão social que pode ser descrita como: A gestão social parte do interesse público bem compreendido, em um contexto de solidariedade e sustentabilidade, acontecendo na esfera pública, com uma dinâmica de comunidades de prática, em que a tomada de decisão coletiva ocorre por meio da democracia deliberativa sem coerção, norteada pela ação racional substantiva permeada por 47 dialogicidade e intersubjetividade, considerando as possibilidades das interorganizações, fundada na dialogicidade e intersubjetividade do processo visando à emancipação como fim último (Cançado, 2011, p.204). Seguindo o mesmo entendimento, os estudos sobre a gestão social, aqui tratados, são orientados a partir do entendimento de dois pares de palavras: estado-sociedade e capital-trabalho. Em uma nova configuração, essa relação é apresentada de forma invertida: sociedadeestado e trabalho-capital, sugerindo que o protagonismo das relações deve pertencer à sociedade e ao trabalho, nas relações que estabelece com o estado e com o capital, respectivamente, conforme pensamento de Tenório (2008a, p. 34): Ter o indivíduo como sujeito privilegiado de vocalização daquilo que interessa a Sociedade nas demandas ao Estado e daquilo que interessa ao trabalhador na interação com capital, significa mudar a natureza destas relações, quer dizer, passar de condições monológicas, tecnoburocráticas e autoritárias para situações dialógicas, democráticas e intersubjetivas, do exercício da cidadania. O autor exemplifica a relação entre o par Sociedade-Estado com a epistemologia da gestão social, quando o poder estatal institucionaliza “modos de elaboração de políticas públicas que não se referiam aos cidadãos como “alvo”, “meta”, “cliente” de suas ações ou, quando muito, avaliadores de resultados, mas sim como participantes ativos no processo de elaboração dessas políticas”; quanto ao par trabalhocapital, o exemplo dado refere-se a um processo de implantação de automoção flexível em substituição a um rígido, realizado por um dado agente econômico, “o processo será dialógico se tal decisão for submetida a coordenação intersubjetiva de saberes (tácitos ou não), entre os diversos sujeitos sociais envolvidos – empregados-patrões, subordinados-superiores.” (TENÓRIO, 2008a, p. 35) Na perspectiva, destaca-se as discussões sobre coprodução do bem público, que em linhas gerais, significa: 48 (...) o repensar da relação entre o Estado e a Sociedade, uma forma específica de fazer as coisas: produzir serviços, produzir políticas, produzir medidas que satisfaçam as necessidades sociais de forma apropriada, utilizando o esforço continuo daqueles que estiveram, até pouco tempo, em campos opostos, os prestadores (entidades públicas) e os utentes (cidadãos, famílias, empresas, associações, comunidades)”. (FONSECA, 2010, p. 16) Para Salm,Menegasso e Ribeiro (2007), a coprodução do bem público aparece como uma forma apropriada de fornecer bens e serviços a partir da atuação do Estado e da sociedade civil, que pressupõe o envolvimento direto e efetivo dos cidadãos na concepção e operacionalização dos serviços públicos, pois “envolve a participação direta e ativa do cidadão nos processos de elaboração, desenho, implementação e avaliação das políticas públicas voltadas ao interesse público e, em última instância, à construção do bem comum.” (SALM; MENEGASSO e RIBEIRO, 2007, p. 232). Em complemento, Fonseca (2010) destaca que a mobilização da sociedade civil utilizando infraestrutura dos serviços públicos permite que melhores resultados sejam alcançados e que problemas, que não seriam passíveis de resolução de outra forma, sejam abordados. Trazendo benefícios, principalmente, para o fortalecimento da democracia e cidadania: Políticas e programas que vão ao encontro das necessidades públicas podem ser efetiva e responsivamente alcançados por meio dos esforços coletivos e processos colaborativos. Essa participação de forma direta, superando ideias restritivas, como a participação indireta através da delegação de poderes a representantes eleitos, é terapêutica e integrativa, educativa, protege a liberdade e legitima as decisões. (SALM; MENEGASSO e RIBEIRO, 2007, p. 233-234) Desta forma, a coprodução do bem público configura-se mediante participação do Estado, por meio do seu aparato burocrático, pela participação ativa da sociedade civil, pelos esforços coletivos e organizados, pelo processo colaborativo, pela responsabilidade compartilhada entre todos os atores envolvidos, pelos resultados que 49 beneficiam a todos, pela atmosfera de confiança, pela promoção cidadã e aprendizado coletivo (SALM; MENEGASSO e RIBEIRO, 2007). Schommer et. al. (2011, p.40) destacam que: A coprodução pressupõe práticas compartilhadas e a existência de canais de expressão de diferentes interesses e perspectivas, intermediados pelo diálogo e pela construção de consensos e objetivos comuns, em processos permeados por conflitos, relações de poder e articulações negociadas entre os diferentes atores em cena. Nesse sentido, Fonseca (2010) aponta que a coprodução representa uma abordagem substancialmente diferente frente a cultura burocrática, top-down e indiferenciada, que tira poder das pessoas e induz uma cultura de dependência. Tornando os processos mais participativos e inclusivos, em vista da autonomia cidadã. As manifestações dos fenômenos de protagonismo social são encontradas em nossa sociedade, de forma bastante incipiente, em ações de mobilização da sociedade civil em busca da participação no direcionamento das políticas públicas e nos processos decisórios em empresa privadas e de organização comunitária, em associações, ONG’s e cooperativas, em prol do enfrentamento das demandas sociais e da exclusão dos indivíduos. Na mesma perspectiva, amplia-se a discussão com a inclusão da categoria sociedade-capital, que está relacionada aos processos de interação que a sociedade civil organizada (contemporaneamente chamada terceiro setor) desenvolve com o segundo setor (capital), sugerindo que o protagonista dessa relação, assim como no par sociedade-Estado, deve ser a sociedade civil. Ressalta-se que não está se diminuindo a relevância do capital em ações em que este apoie projetos de natureza social, mas “considerando o fato do capital, uma empresa, por ser de natureza econômica, tem o seu desempenho quantificado pelo lucro, para, depois, vir a ser qualificado pelo que de social implemente.” (TENÓRIO, 2008b, p. 41) Através da premissa de que os estudos em gestão social devem partir da ótica da sociedade e do trabalho, muda-se o enfoque sobre o que deve ser central nas relações que estes estabelecem: a cidadania passa a ser categoria intermediadora dos processos sociais e deve permear todas as relações políticas e sociais, assim como a cidadania 50 deliberativa apresenta-se como alternativa articuladora e democrática de relação entre diversos atores sociais (TENÓRIO, 2002). Visto a centralidade da cidadania nas relações que envolvem Estado, sociedade, trabalho e capital, tendo “a emancipação como o próprio objetivo e resultado da gestão social enquanto processo baseado na cidadania deliberativa” (CANÇADO, 2011, p.99) e considerando sua interface com os processos de participação societária, na seção a seguir serão apresentados apontamento sobre cidadania, cidadania deliberativa e participação, aspectos essenciais para o exercício da gestão social. 2.2 Cidadania, cidadania deliberativa e participação: alternativas democráticas de gestão As discussões sobre o conceito de cidadania e suas expressões na sociedade ganharam robustez na década de 1990, em paralelo com a ascensão da temática da gestão social, vinculada fortemente a participação social no direcionamento das políticas públicas. No Brasil, a cidadania apresenta forte ligação com o combate à exclusão social, a miséria e a mobilização em busca da mudança das estruturas excludentes da sociedade (SOUZA, 1994). Para Demo (1988, p.07), a conquista da cidadania passa essencialmente pela problemática da pobreza política, pois “não estamos acostumados a considerar como pobre a pessoa privada de sua cidadania, ou seja, que vive em estado de manipulação, ou destituída da consciência de sua opressão, ou coibida de se organizar em defesa de seus direitos.” Desnudando aspectos de ações pela cidadania que estão vinculados mais ao assistencialismo do que a emancipação dos indivíduos, condicionadas ao “ter” e não ao “ser”: Trata-se de uma competência humana essencial, que é a de fazer-se sujeito, negando aceitar-se como objeto. Incompetência é ser excluído sem perceber, aceitar injustiça sem reagir, permanecer massa de manobra como se fosse condição histórica normal. A cidadania tem, por isso, como primeiríssima tarefa um desafio negativo: destruir a pobreza política (DEMO, 1995, p. 133). Corroborando com a ideia de cidadania conquistada através do homem enquanto sujeito participativo, Tenório (2002, p. 114) afirma 51 que cidadão “é o sujeito privilegiado de vocalização daquilo que interessa a Sociedade nas demandas ao Estado e daquilo que interessa ao trabalhador na interação com o capital.” Desta forma, a cidadania não pode ser vista apenas como “a base da soberania de um Estadonação, mas também como expressão do pleno exercício de direitos exigíveis em benefício da pessoa humana e da coletividade.” (2002, p. 114). Nesse sentido, o sociólogo Betinho destaca que cidadão é o sujeito que tem consciência de seus direitos e dos seus deveres e que, além disso, participa ativamente de todas as questões da sociedade, para o autor: Tudo o que acontece no mundo, seja no meu país, na minha cidade ou no meu bairro, acontece comigo. Então eu preciso participar das decisões que interferem na minha vida. Um cidadão com sentimento ético forte e consciência da cidadania não deixa passar nada, não abre mão desse poder de participação (SOUZA, H., 1994, p. 22). Bonin (1999) resgata o pensamento de Paulo Freire sobre os princípios norteadores da cidadania, que envolve os valores como o conhecimento da realidade para a libertação das opressões e reflexões sobre o mundo circundante, destacando ainda seu pensamento sobre “autonomia e liberdade para o exercício de uma ação política de um verdadeiro cidadão” (1999, p. 108), visto que apresenta a educação social e a política como essenciais para a cidadania, fundado em sua pedagogia da libertação, que: (...) supõe o surgimento do sujeito epistêmico, conhecedor consciente dos processos sociais de sua cultura a fim de superar uma consciência ingênua. O domínio da linguagem escrita, com seus códigos, é importante para que o sujeito registre e expresse de forma nova seus saberes e tenha acesso às comunicações e obras escritas por outrem através da leitura. Portanto, a mera alfabetização não é suficiente, pois importa que o sujeito dominado perceba que ele mesmo como um analfabeto também já é sujeito histórico que produz cultura (BONIN, 1999, p.109). 52 De forma complementar, Tenório (2008b, p.44-45) fundamenta seu pensamento sobre cidadania com base nas ideias de Habermas, que “pretende reconciliar democracia e direitos individuais de tal forma que nenhum dos dois se subordina ao outro”, propondo um modelo de democracia “baseada na correlação entre direitos humanos e soberania popular e consequente reinterpretação da autonomia nos moldes da teoria do diálogo”, a cidadania deliberativa procedimental. Em linhas gerais, a cidadania deliberativa habermasiana “constitui-se em uma nova forma de articulação que questiona a prerrogativa unilateral de ação política do poder administrativo – do Estado e/ou do dinheiro – o capital” (TENÓRIO, 2008B, p.48). Tenório (2002; 2008b) julga essencial para a compreensão do conceito de cidadania deliberativa a apreensão dos conceitos de cidadão, nas perspectivas republicana e liberal, resgatando em Habermas tais entendimentos: (...) o conceito de cidadão na perspectiva liberal é definido em função dos “direitos subjetivos que eles têm diante do Estado e dos demais cidadãos (...) em prol de seus interesses privados dentro dos limites estabelecidos pela lei” (Habermas, 1995, p.40). Já sob o conceito republicano, o cidadão, não é aquele que usa a liberdade só para desempenho como pessoa privada, mas na participação uma prática comum (TENÓRIO, 2002, p. 129). No seio dos debates entre liberais e republicanos que a cidadania deliberativa está situada, “os primeiros priorizando os compromissos de liberdade individual para negociar e os segundos priorizando o que é melhor para o próprio grupo ou para a comunidade. Procurando retirar o que existe de melhor nos dois conceitos.” (TENÓRIO, 2008b, p. 44). A análise comparativa entre os modelos de cidadão republicanos e liberais, Habermas acrescenta uma nova compreensão do significado de cidadão, chamado o “modelo da deliberação”, sustentado “nas condições de comunicação”, e no qual também está baseada a defesa de uma “ação gerencial voltada ao entendimento, de um consenso alcançado argumentativamente, de uma verdadeira gestão social”. (TENÓRIO, 2002, p. 130) 53 Nesse sentido, Cançado (2011) acrescenta que a esfera pública se configura como um espaço de intermediação entre o Estado, a sociedade civil e o mercado, assim como a cidadania deliberativa seria o processo participativo de deliberação, baseado, fundamentalmente, no entendimento, ao invés de mecanismos de convencimento ou negociação entre os atores envolvidos, pois segundo Tenório (2002, p. 126-127) “os atores, ao fazerem suas propostas, não podem impor suas pretensões de validade sem que haja um acordo alcançado comunicativamente no qual todos os participantes exponham suas opiniões.”. Haja vista que a cidadania deliberativa: (...) vai significar que a legitimidade das decisões deve ter origem em espaços de discussão orientados pelos princípios de inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum. Espaços onde se articulam diferentes atores que vocalizam as suas pretensões com o propósito de planejar, executar e avaliar políticas públicas ou decisões de produção (TENÓRIO, 2008, p. 148). Assim, a gestão social aproxima-se do conceito de cidadania deliberativa enquanto entendida como uma ação política deliberativa, onde a participação dos indivíduos é primordial em procedimento democráticos, decidindo (em diferentes instâncias da sociedade e em diferentes papéis) “o seu destino social como pessoa humana, quer como eleitor, trabalhador ou consumidor”, pois a “autodeterminação não se dá sob a lógica do mercado, mas da democracia social: igualdade política e decisória” (TENÓRIO, 2002, p. 130). Demo (1995, p.01) ao qualificar a cidadania como “competência humana de fazer-se sujeito, para fazer história própria e coletivamente organizada”, salienta que para a formação de tal competência alguns componentes são fundamentais, sobretudo o processo emancipatório, que “funda-se, de partida, na capacidade crítica, para, com base nesta, intervir na realidade de modo alternativo.” (1995, p.01-02) e, consequentemente a autonomia que, segundo Chauí (2005, p.304), “é posição de sujeitos (sociais, éticos, políticos) pela ação efetuada pelos próprios sujeitos enquanto criadores das leis e regras da existência social e política”. 54 Para Cançado (2011, p. 187) “o homem se emancipa quando se percebe enquanto indivíduo, com suas potencialidades individuais (forces propes) como motor das forças sociais, por fim, quando se percebe como ser político”. Sobre o sujeito político, Demo (1988, p.15) entende como “aquele que tem consciência histórica. Sabe dos problemas e busca soluções. Não aceita ser objeto”, ou seja, é o individuo consciente que se organiza para preservar e conquistar seus direitos e a cidadania. Bordenave (1986, p. 20-21) adverte que a autonomia, ao contrário do pensamento de muitos, não caminha para a anarquia, ao contrário, ela “implica o aumento do grau de consciência política dos cidadãos, o reforço do controle popular sobre a autoridade e o fortalecimento do grau de legitimidade do poder público quando este responde às necessidades reais da população”. Em vista do papel essencial da autonomia e da emancipação, enquanto imperativos de uma sociedade participativa e cidadã, a “gestão social se propõe, enquanto processo, a viabilizar a emancipação em uma sociedade notadamente desigual e excludente” (CANÇADO, 2011, p. 189), através da organização social e da deliberação coletiva e legítima. Reforçando a compreensão de uma gestão social pautada na racionalidade comunicativa, o consenso válido e a verdade só podem existir se todos os atores envolvidos aceitarem sua validade, pois “verdade é a promessa de consenso racional, ou a verdade não é uma relação entre o indivíduo e sua percepção de mundo, mas sim um acordo alcançado por meio da discussão crítica, da apreciação intersubjetiva” (TENÓRIO, 2002, p.127). Para Ferraz (2009, p. 130), o traço marcante das perspectivas decisórias deliberativas relaciona-se ao fato de que: As decisões acerca do poder estatal e de tudo que diz respeito à coletividade devem ser necessariamente coletivas, ou seja, devem ser compreendidas e compartilhadas por seus membros, aceitas em sentido profundo, pois os seus proponentes foram capazes de uma argumentação razoável de modo a convencer seus interlocutores da validade e justiça de suas proposições. 55 Ferraz (2009) resgata o pensamento de Cohen (2002), ao apresentar princípios fundamentais a partir dos quais instituições sociais e políticas possam funcionar dentro da lógica deliberativa, a saber: a) princípio da inclusão deliberativa: está embasado na sustentação das liberdades básicas (associação, expressão), visto que o exercício da argumentação deve se manifestar sem constrangimento, sob a pena de qualquer restrição negar a igualdade, excluindo indivíduos e grupos de debates; b) princípio do bem comum: tem por finalidade evitar que interesses de certos indivíduos ou grupos socias sejam privilegiados, e consequentemente, promovendo a exclusão, e; c) princípio da participação: os direitos necessários à participação devem ser garantidos, assim como assegurar condições equitativas. Para que o consenso seja alcançado, mediante o entendimento entre as atores envolvidos em determinado processo, é essencial que a participação seja imperativo nas relações estabelecidas, pois a dimensão deliberativa na qual a cidadania está inserida implica necessariamente no processo participativo dos atores sociais, elemento básico para que se extrapolem os limites convencionais de exercício cidadão e os indivíduos passem a adotar uma postura ativa, já que “o procedimento da prática da cidadania deliberativa na esfera pública é a participação.” (TENÓRIO, 2008b, p.48). Participação essa que é, “em última instância, o desenvolvimento da aptidão para o diálogo” (GUTIERREZ, 2004, p.58). Nesse sentido, o incremento da discussão sobre gestão social integrada à proposta de Habermas de cidadania deliberativa está fortemente atrelado ao significado de participação, e a necessidade de agregar estes dois conceitos anteriores à participação está vinculado, “a ênfase que se faz primordial quando se deseja dizer que a gestão social deve ser praticada como um processo intersubjetivo, dialógico, onde todos têm direto à fala” (TENÓRIO, 2008b, p.54). O autor destaca que tal processo deve ocorrer: (...) em um espaço social, na esfera pública. Esfera onde se articulam diferentes atores da sociedade civil que ora em interação com o Estado, ora em interação com o capital, ora os três interagindo conjuntamente, vocalizam as suas pretensões com o propósito de planejar, executar e avaliar as políticas públicas ou decisões que 56 compartilham recursos em prol do bem comum. ((TENÓRIO , 2008b, p.54) Nessa perspectiva, Jacobi e Barbi (2007, p. 243), apontam que “a ampliação da participação está intrinsecamente vinculada à criação de espaços públicos e plurais de articulação e participação, nos quais os conflitos se tornam visíveis e as diferenças se confrontam”. Tenório (2008c) defende a ideia de que a participação deve estar sempre presente nas estratégias de gestão, sejam elas na administração privada (relação entre trabalho e capital) ou na administração pública (relação entre estado e sociedade), tendo em vista que a participação, de forma consciente ou não, integra o cotidiano dos indivíduos, haja vista sua atuação em relações sociais: Por desejo próprio ou não, somos, ao longo da vida, levados a participar de grupos e atividades. Esse ato nos revela a necessidade que temos de nos associar para buscar objetivos, que seriam de difícil consecução ou mesmo inatingíveis se procurássemos alcançá-los individualmente. Assim, a cidadania e a participação referem-se à apropriação pelos indivíduos do direito de construção democrática do seu próprio destino (TENÓRIO e ROZENBERG, 1997, p.103). Bordenave (1986, p. 17) destaca que ela vem acompanhando a evolução humana desde os tempos primitivos (tribos, clãs) até a sociedade contemporânea (associações, empresas, partidos políticos) e, desta forma, a frustração da necessidade de participar se configuraria como uma mutilação do homem social, “o homem só desenvolverá seu potencial pleno numa sociedade que permita e facilite a participação de todos. O futuro ideal do homem só se dará numa sociedade participativa”. De acordo com Tenório (2008c, p. 152): (...) a participação tem como pressuposto o fortalecimento da sociedade civil. Esta perspectiva coloca o desafio, que durante a década de 1990 esteve na contramão da história: de pensar uma sociedade voltada para o coletivismo em lugar do individualismo da sociedade de mercado; um 57 Estado como facilitador da participação em lugar do Estado tecnoburocrático ou ainda “gerencial”; um mercado comprometido com o desenvolvimento e responsabilidade social, em lugar de prática autocentrada, privatista e pratrimonialista. Nesse sentido, Demo (1999, p.13) argumenta que é através da participação que “a promoção se torna auto-promoção, projeto próprio, forma de co-gestão e autogestão, e possibilidade de auto-sustentação.” Para o autor, a participação é um processo histórico infindável, o que faz dela um processo de conquista de si mesma, pois não pode ser dada e jamais será suficiente, trata-se de um “processo histórico de conquista das condições de autodeterminação. Participação não pode ser dada, outorgada ou imposta. Nunca é suficiente, nem é prévia. Participação existe, se e enquanto conquistada. Porque é processo e não produto acabado (DEMO, 1988, p.101). Desta forma, “a participação não mais consiste na recepção passiva dos benefícios da sociedade, mas na intervenção ativa na sua construção” (BORDENAVE, 1986, p.20), que se materializa através da tomada de decisão coletiva e deliberativa e das atividades sociais em diferentes níveis. Gutierrez (2004) salienta que existem diversas formas de classificar a natureza da participação, dentre elas a que está subdividida em participação econômica, política e social. A primeira representa, em linhas gerais, as formas organizadas de resistência e lutas da classe trabalhadora por direitos e contra a exploração capitalista, enquanto a segunda, a participação política, configura-se com frequência como ao direito o voto universal; já a participação social, é possível apontar desde questões formais (pagamento de impostos, por exemplos) até o comprometimento efetivo de pessoas e grupos populares organizados na tomada de decisão sobre questões que lhe são pertinentes. Para Bordenave (1986) os indivíduos participam em diferentes grupos: a) primários: que incluem a família, o grupo de amizade ou de vizinhança; b) secundários: como as associações profissionais, sindicatos, empresas e; b) terciários: como os partidos políticos e movimentos de classe. Assim sendo, o autor destaca que é possível falar em processos de micro, no qual duas ou mais pessoas se unem em uma atividade comum, sem interesse em benefícios próprios, e de macroparticipação, que envolve a intervenção dos indivíduos em 58 processos dinâmicos que constituem ou modificam a sociedade, justificando sua distinção mediante a premissa de que “muitas pessoas participam somente em nível micro sem perceber que poderiam – e talvez deveriam – participar também em nível macro, ou social”. (BORDENAVE, 1986, p. 34). Dallari (2004), em uma perspectiva mais critica, distingue a participação em formal e real. Par o autor a participação formal “é a prática de formalidades que só afetam aspectos secundários do processo político” (2004, p. 92), materializada, por exemplos, em eleições onde a coalizão dominante dificulta a articulação de grupos opositores de tal forma que garantem a vitória dos candidatos governistas. Enquanto a participação real é aquela que “influi de algum modo nas decisões políticas fundamentais”. (DALLARI, 2004, p. 92). O autor afirma ainda que: Não é raro que se conceda ao povo possibilidade de participar em atividades políticas secundárias, que podem dar a sensação de ser fundamentais mas que não afetam o poder de decisão do grupo dominante, enquanto se nega o direito de participar daquilo que realmente é decisivo (DALLARI, 2001, p. 92). Demo (1988, p.97) destaca que “a qualidade de uma sociedade se retrata em seus canais de participação”, no âmbito de processos atuantes que levam a participação autêntica e efetiva, fenômeno que em nossa sociedade se caracteriza pela obstrução de tais canais e pelo esvaziamento discursivo. Pois a participação da comunidade traz consequências econômicas e sociais positivas e estimula o desenvolvimento da cidadania e medida com que a própria comunidade participa diretamente das ações que lhe atingem ou dizem respeito, novos espaços éticos-políticos são criados. (FRANCO, 1999). Demo (1988, p. 97-100) aponta, a título de sistematização prévia, cinco canais, os quais acredita que a participação seja palpável: a) organização da sociedade civil: seria a forma mais operacional de fortalecer a cidadania, ainda que a sociedade não tenha desenvolvido “o compromisso normal de se organizar democraticamente para a defesa dos direitos”, pois o exercício democrático não deve se restringir a momentos esporádicos; 59 b) planejamento participativo: trata-se das formas de planejamento e administração sob regime de autogestão ou co-gestão, em parceria com o Estado, “embora isto esteja – merecidamente – sob suspeita, é possível construir dentro dos órgãos estatais e em programas de governo áreas de possível participação popular”, desde que haja qualidade política e interesse das partes envolvidas; c) educação básica: é entendida como um canal de participação pois sua finalidade precípua é política, pois aprende-se a ler, escrever, “saber das coisas”, “para poder se menos objeto das prepotências e ocupar um lugar mais visível de sujeito do próprio destino”; d) identidade cultural comunitária: é o embrião da participação, visto que planta a fé de um grupo em seu futuro, já que um passado válido foi vivido e, fundamentalmente, para deixar a situação de objeto, o indivíduo necessita de identidade, construída na história cultural da comunidade, “sem isto não há comunidade, mas apenas um bando de gente”; e) conquista de direitos: os direitos necessitam ser conquistados, caso contrário “não se realiza algo que é o cerne da cidadania, a saber, a capacidade de construir com iniciativa própria seu própria seu espaço.” Em complemento, Gutierrez (2004, p. 12-13) aponta os perigos da participação disfarçada, ou em uso estratégico, usando termos de Habermas, apresentando situações nas quais a participação se desenvolve politicamente subordinada a outros interesses, como no caso da “profissionalização da participação”, onde ela se torna um fim em si mesmo ou ainda a influencia de um grupo específico, capaz de condicionar o processo de tomada de decisão, já que “não existe relação prévia e direta entre a participação e a ética, ou a eficiência.”. Nessa perspectiva, Demo (1988, p. 101) destaca que a participação se configura, muitas vezes, como uma máscara para o exercício do poder pela coalizão dominante, pois “o poder não pode chegar ao seu destino como poder; por isso, com frequência, usa a capa da participação. Este é o seu melhor disfarce. Quando a imposição é aceita como forma de participação, temos o poder hábil, estratégico, capaz”. Não obstante, é fato que os processos participativos autênticos implicam, em primeira instância, na divisão do poder entre os atores envolvidos, contrariando a própria lógica tradicional do poder, que perpassa a centralização e dominação. Quando se fala em processos que envolvem deliberação é possível que o grau de escolaridade dos participantes, condicione a 60 formação de uma hierarquia de poder em privilégio dos indivíduos com maior conhecimento e que conseguem articulam com maior clareza suas ideias. Segundo Brandão (2006, p.77): Na ordem das trocas e poderes da sociedade desigual, uma igualdade de acessos e carreiras à/da educação compromete a necessidade política e econômica da desigualdade estrutural de participação na vida social, nos diferentes domínios de poder e nas diversas alternativas de relações entre o capital e o trabalho. Desta forma, para que o processo deliberativo ocorra, desvinculado de anseios de dominação e poder, os saberes devem ser compartilhados, através do exercício da aprendizagem mútua e coletiva. Sobre esse aspecto Tenório (1990) destaca que: Numa relação social que se pretenda participativa, os conhecimentos devem ser convergentes. O saber de quem estudou deve ser usado como apoio às discussões, mas não como orientador primeiro na decisão. Numa relação coletiva o poder se dilui entre os participantes, já que o conhecimento e as informações são compartilhados, não existindo 'donos da verdade' (TENÓRIO, 1990. p. 163). Desta forma os conhecimentos, mesmos que diferentes e divergentes, devem ser integrados. O autor destaca ainda que se uma pessoa é capaz de pensar sua experiência, ela é capaz de produzir conhecimento. Para ele "participar é repensar o seu saber em confronto com outros saberes. Participar é fazer 'com' e não 'para', [...] é uma prática social" (TENÓRIO, 1990, p. 163). A participação enquanto processo intersubjetivo e dialógico possui forte ligação com o entendimento de aprendizagem, vista por Schommer e Boullosa (2010, p.18) “como resultado de interações e práticas compartilhadas pelas pessoas”. Nessa perspectiva, Bordenave (1986) acredita que a participação pode ser aprendida e aperfeiçoada, mediante a prática conjunta e a reflexão, pois é através da ação e pensamento crítico que os indivíduos passam a conhecer sua realidade, manejar conflitos, tolerar divergências, aprender a organizar e mobilizar sua comunidade e por fim, aprender a 61 rejeitar e detectar tentativas de manipulação, sintomas de dirigismo e paternalismo e a distinguir a verdadeira participação da mera consulta ao povo. No mesmo sentido Gutierrez (2004, p. 13) destaca que a participação é um processo eterno “já que sempre é possível estender, aprofundar e aperfeiçoar as formas participativas”. Assim sendo, a participação “não é um conteúdo que se possa transmitir, mas uma mentalidade e um comportamento”, da mesma forma que não é uma “destreza que se possa adquirir pelo mero treinamento”, sendo em primeira instância “uma vivência coletiva e não individual, de modo que somente se pode aprender na práxis grupal” e, portanto, “só se aprende a participar, participando” (BORDENAVE, p. 74). Abrangendo a educação formal e política, Demo (1995, p.147) adverte que “a educação não favorece a cidadania automaticamente, (...) sua tendência maior e típica é de reproduzir o espectro das desigualdades sociais”, sendo imprescindível a superação do tecnicismo e da mera ideologia no processo educativo, permitindo a “emergência do sujeito histórico, capaz de ler a realidade criticamente e de nela intervir de modo alternativo instrumentado pelo conhecimento. Trata-se de aprender a aprender, saber pensar, para melhor intervir”. Sobre a participação como uma ação legítima e consciente, Tenório e Rozenberg (1997), acreditam que a mesma deve atentar para três pressupostos fundamentais: a) consciência sobre atos: a participação consciente envolve compreensão do processo que está sendo vivenciado e o discernimento das ideias propostas; b) forma de assegurá-la: a participação não deve ser algo imposto ou entendido como uma mera concessão deve ser uma conquista cidadã; c) voluntariedade: o envolvimento no processo participativo deve ocorrer por vontade própria do indivíduo, sem imposição ou manipulação. Ou seja, o sujeito enquanto cidadão deve ter a participação voluntária, consciente e legitimada, como categoria intermediadora das relações sociais que estabelece com diferentes setores e em diferentes papéis, pois “é politicamente pobre o cidadão que somente reclama, mas não se organiza para reagir, não se associa para reivindicar, não se congrega para influir” (DEMO, 1988, p.21), já que, como destaca Frei Betto (1993, p.02) “o mero reconhecimento de um direito inerente ao ser humano não é suficiente para assegurar seu exercício na vida daqueles que ocupam uma posição subalterna na estrutura social”. 62 Para Demo (1988, p.21-23) é possível admitir que “o traço mais profundo da pobreza política de um povo seja a falta de organização da sociedade civil, sobretudo frente ao Estado às oligarquias econômicas” haja vista, que associar-se significa “potencializar a competência humana democrática, realizando a regra da maioria, que deveria prevalecer. A qualidade democrática poderia ser resumida como qualidade associativa” (DEMO, 1995, p. 22). Para Frei Betto (2006 p.01) a cidadania inclusiva “trata-se, pois, de operar mudanças estruturais na sociedade, tarefa a longo prazo que exige organização e mobilização da sociedade civil, tanto para pressionar o governo e os donos do dinheiro, quanto para ocupar instâncias de poder.” Verifica-se que o fenômeno associativo apresenta relevante convergência com a conquista dos direitos civis e da cidadania e se insurge como um espaço legítimo de participação e transformação social. Por isso, discutir-se-á, a seguir, sobre o fenômeno do associativismo e uma expressiva forma de organização societária frente aos ditames do mercado, o cooperativismo social. 2.3 Associativismo Civil As experiências associativas aparecem com maior relevância no Brasil em meados da década de 1990, em um cenário de busca pelo resgate da participação e protagonismo da sociedade civil perante, principalmente, o sistema repressivo de governo que marcou a década anterior (MOREIRA, 2010). Corroborando a constatação, Horochovski (2007) relaciona o crescimento do associativismo civil, de forma pontual, à redemocratização do País e à crise do Estado desenvolvimentista, constituído no período pós-guerra. Carlos e Silva (2006, p.168) ligam o aumento do associativismo civil à busca por maior controle social frente ao aparato estatal, “a demanda societal dos anos 1990 por uma maior permeabilidade e controle dos órgãos públicos pela sociedade civil pode ter gerado impactos substantivos na adesão da população aos movimentos populares e entidades civis organizadas”. De forma mais ampla e temporal, Scherer-Warren (1999, p.117) apresenta a evolução do associativismo civil brasileiro em três momentos históricos, destacando quais as tendências temáticas que predominaram em cada período, elucidando as transformações ocorridas 63 no processo político nacional, indicando as intensidades distintas na capacidade de mobilização e organização da sociedade civil: a) de 1964 a 1973: período de fechamento político pelo regime ditatorial, aonde muitas organizações civis foram reprimidas politicamente, desmanteladas e/ou extintas; b) de 1974 a 1983: período de abertura e transição. A democracia, em que há uma retomada das mobilizações sociais e uma revitalização do espírito associativista, com o surgimento de organizações pela defesa da democracia e dos novos movimentos sociais; c) de 1984 a 1993: período de institucionalidade da democracia, em que há o surgimento de um novo tipo de associativismo vinculado à ampliação dos direitos de cidadania, à participação na esfera pública e realização de parcerias com a esfera governamental. Resgatando o último período citado, no qual o associativismo ganha um enfoque menos combativo e mais cidadão, Carlos e Silva (2006) destacam, primeiramente, que as práticas associativas brasileiras ganharam importância diante do processo de mobilização e de negociação dos movimentos sociais embasadas no ideário de luta por direitos e cidadania e que, em um segundo momento, os movimentos que fugiam aos esquemas tradicionais de clientelismo político estabeleceram uma nova dimensão à ação associativa – a dimensão política –, aquela que remete às práticas políticas mais complexas e universais, tendo em vista a superação do paternalismo e assistencialismo que, ainda hoje, permeiam as relações entre sociedade e Estado. Para Scherer-Warren (2001, p. 42) o associativismo civil pode ser entendido como “formas organizadas de ações coletivas, empiricamente localizáveis e delimitadas, criadas pelos sujeitos sociais em torno de identificações e propostas comuns como para a melhoria da qualidade de vida, defesa de direitos de cidadania, reconstrução ou demandas comunitárias”. Para Lüchmann (2011, p. 115) as associações são “organizações voluntárias autônomas, com finalidades não lucrativas e controladas por seus membros”, que devem cumprir funções democráticas, na medida 64 em que são autônomas, possuem uma identidade própria e participam ativamente da vida social. Em sentido mais amplo, Demo (2001, p.22) salienta que “associar-se significa potencializar a competência humana democrática, realizando a regra da maioria, que deveria prevalecer. A qualidade democrática poderia ser resumida como qualidade associativa”. Nessa perspectiva, Ganança (2006, p. 17) complementa ao destacar que: O aumento da organização autônoma de cidadãos e cidadãs em associações, movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos, assim como o aumento da participação política das pessoas, permite que aos poucos elas possam tomar destino de suas vidas nas próprias mãos, eliminando progressivamente as arraigadas estruturas de desigualdades presentes em nossa sociedade, que gera e reproduz uma classe de sub-cidadãos/ãs, que ocupam certos lugares sociais subalternos correspondendo a lugares políticos invisíveis. Sobre a importância do associativismo, Demo (2001) argumenta que a sociedade desorganizada é a típica massa de manobra dos que detêm maior poder, e que enquanto as pessoas não se associarem de alguma forma, teremos uma população dispersa, frente a um Estado e um mercado que de alguma forma estão organizados, ou seja, “sobretudo não temos regras de jogo da convivência possível.” (DEMO, 2011 p.23). Haja vista que o “ativismo civil expresso na participação de indivíduos em movimentos associativos, seja ele o associativismo civil, seja o partidário ou o sindical, tem demonstrado impactos diretos sobre propostas de políticas públicas elaboradas com a participação social.” (CARLOS e SILVA, 2006, p. 167). Carlos e Silva (2006) destacam que a dimensão política da ação associativa que reivindica a redefinição da noção de direitos, a defesa da autonomia organizacional dos movimentos em relação ao Estado e a defesa de formas públicas de apresentação das demandas e de negociação com o Estado apresenta interface com formas tradicionais do associativismo presente na sociedade brasileira, fruto de formas verticais de relações políticas, na qual a sociabilidade é definida por relações privadas e desiguais de poder. 65 Para Lüchamnn (2011, p.118) “as associações formam a base dos principais conceitos que sustentam perspectivas alternativas e/ou renovadoras da democracia, seja por meio da cooperação e da ampliação, seja por meio da contestação aos padrões de constituição da democracia representativa tradicional”, tendo interface relevante com os processos de ampliação e aprofundamento da democracia. Segundo Demo (2001), o associativismo pode assumir diferentes formas de expressão, desde os mais e menos politizados, como, por exemplo, associação de moradores para se confrontar com o Estado, ou associação de lazer; os localizados e os dispersos, como é o caso de associações de vizinhos que moram juntos e associação de grupos profissionais dispersos pelo país; os grandes e os pequenos, como os sindicatos que possuem muitas filiações e outros apenas tópicos; assim como expressões de associativismo clássicas como sindicatos, partidos, cooperativas e todos os movimentos sociais (novos e tradicionais). Lüchmann (2011, p. 116) argumenta que para a vertente de pensamento representada principalmente por Habermas (1997), e Cohen e Arato (2002) as organizações associativas apresentam distinção fundamental “dos partidos políticos e outros instituições políticosinstitucionais, na medida em que não estão organizadas, tendo em vista a conquista do poder, assim como se distanciam dos agentes e grupos econômicos por não estarem diretamente associadas à competição no mercado”. Desta forma, a autonomia é imperativo para organizações dessa natureza. Para Demo (1988, p. 45-58) os fenômenos participativos, em especial, os que são caracterizados pela organização da sociedade civil, como o associativismo, necessitam apresentar ao menos quatro características, a saber: i) representatividade: as lideranças são legítimas se escolhidas de modo democrático e, preferencialmente, com a pluralidade de escolhas; ii) legitimidade: é legítimo o processo participativo fundado no estado de direito, que deve regulamentar de modo democrático e comunitário as regras da vida comum, enquanto é ilegítimo os processos baseados em estado de impunidade, de exceção e de privilégios; iii) participação da base: a participação autêntica deve ter sua origem na base, com o poder de baixo para cima; iv) planejamento participativo auto-sustentado: significa, sobretudo, a capacidade de resolução dos próprios problemas, o que inclui a capacidade de realizar autodiagnóstico e de formular estratégias de enfrentamento aos 66 problemas, e em consequência a organização política, essencial para enfrentar com competência os desafios. Independe da forma que as associações assumem, Lüchmann (2011, p. 116) apresenta três elementos definidores da prática associativa: a) a autonomia: diante do mercado, do Estado e das organizações políticas dominantes, que deve garantir a expressão de interesses sociais autênticos, embasados em valores de solidariedade e justiça social; b) a identidade: configura-se como um “cimento unificador”, que dá significância à saída do plano individual de ação; c) a participação: que representa o meio da construção da identidade e do pertencimento a uma coletividade. Tais elementos entrelaçam-se também com concepções de democracia participativa e deliberativa. Para Demo (2001) o associativismo refere-se a propostas de organização da cidadania com alguma permanência no tempo, sobretudo com capacidade de resistir a desmobilização, dentro de certa sistematicidade. Desta forma, a simples filiação não representa a ação efetiva de associar-se e impõe dois entraves a prática associativista: o baixo índice de associação dos indivíduos, conferindo à sociedade, de forma geral, “a face de bando desorganizado” e do outro lado, quando associados, a permanência em filiações formais, usando a associação mais com propósitos assistencialistas, com participação esporádica, “o envolvimento realmente engajado não é regra” (DEMO, 2001, p. 24). Outra problemática do associativismo é resgatada por Carlos e Silva (2006, p. 164) em perspectiva histórica, que tange, em especial, a coexistência do autoritarismo e da democracia em suas práticas: Presentes e entrelaçadas nas práticas associativas, as formas históricas do associativismo brasileiro, por um lado, as baseadas em relações assimétricas de poder e, por outro, as fincadas em condições partilhadas de mediação política, continuam orientando a ação movimentalista da sociedade civil, num mix que ora tende ao tradicional e ao autoritário, e ora tende ao inovador e ao democrático. Elucidando tal impasse, as autoras destacam que os movimentos associativos dos anos 1990, ainda que tenham apresentado “desempenho significativo no que diz respeito ao contingente de indivíduos que se autopercebem como participantes do movimento popular, são 67 constituídos por vínculos frouxos e superficiais com a sociedade civil e por relações instrumentais com o Estado” e que “a instrumentalização da participação observada de modo predominante no conjunto da prática participativa nos anos 1990 reflete um quadro de fragilização da qualificação dos atores sociais para a participação política, para a prática da negociação mediada pelo conflito e pelo dissenso”, traços que influenciam ainda hoje a prática associativa e que se configuram como desafios a serem superados (CARLOS; SILVA, 2006, p.188 e192). Conforme complemento de Demo (1988, p. 23-24) ao salientar que “é fato primordial que ainda não despertamos para a noção de nos organizarmos em defesa de nossos direitos. Achamos, ao contrário, que o Estado ou outra figura paternalista os deveriam garantir”, constatação assentada no argumento de que “apesar de haver emergido uma forte mobilização da sociedade a partir da abertura democrática, faz-nos falta a trama bem urdida de associações de topo tipo, capaz de conferir consistência e resistência às instituições da democracia”, configurando novamente os desafios do associativismo, enquanto ator concreto e ativo na sociedade. Para o enfretamento das problemáticas apresentadas, resgata-se o pensamento de Demo (1988) que destaca ser essencial a organização competente, ancorada, principalmente, na construção de uma organização sólida, que privilegie a participação de base e que seja representativa e legítima e, não menos importante, o compromisso com a autossuficiência, em vista de sua autonomia e independência. Para o autor o caminho natural de qualquer associação é nascer pequena, porém bem plantada; caso prospere, abre-se caminho para um horizonte de possibilidades, que incluem o Estado, do qual se pode obter recurso, porém como forma de conquista do grupo, “como capacidade comprovada de negociação, como ocupação de espaço próprio, não como dádiva que cobra subserviência” (DEMO, 1988, p. 70). Tendo em vista formas associativas capazes de garantir sua própria sustentabilidade, destaca-se a utilização de meios de produção organizados, enquanto alternativas para obtenção de recursos, conforme destacado no pensamento de Ganança, (2006, p. 62): (...) o associativismo produtivo é uma forma de organização social para o trabalho diferente das tradicionais estruturas produtivas baseadas na relação capital– trabalho. Esse segmento se aproxima da organização cooperativa do trabalho 68 e da produção, e tem uma grande identidade com ela. Talvez tenha uma identidade muito maior com as cooperativas do que com a perspectiva e formato da ação associativa, embora haja algumas especificidades. Nessa perspectiva, serão apresentadas considerações a respeito do cooperativismo e, em especial, de uma de suas formas de expressão, o cooperativismo. 2.4 Cooperativismo A exploração do indivíduo enquanto força de trabalho, em meio ao cenário da revolução industrial, marcou o surgimento, em âmbito mundial, da primeira cooperativa, chamada Cooperativa dos Pobros Pioneiros Equitativos de Rochdale, em 1844, na Inglaterra, sendo pioneira na sistematização de seus princípios e valores em um estatuto formal (CANÇADO, 2007; SAPOVICIS e SOUZA, 2004). No Brasil o cooperativismo ganhou expressão com a imigração europeia, em meados do século XX, configurando-se em cooperativas de consumo nas cidades e cooperativa agropecuárias no campo (SCHALLENBERGER, 2003; CANÇADO, 2007). Faria (2011) destaca que, no Brasil, tais formas de organização alternativa do trabalho surgiram por meio de iniciativas da sociedade civil. Porém, de acordo com Culti (2002), até 1930 o cooperativismo brasileiro se desenvolvia em ritmo lento, ganhando estímulo com crise econômica mundial, marcada pela crise de 1929, que fez com que o governo nacional se interessasse pelas práticas cooperativas, principalmente como instrumento de política agrícola, culminando com a regulamentação do cooperativismo, mediante decreto, no governo Getúlio Vargas. No interior dessa crise, o capitalismo conjuga, por um lado, o avanço no assalariamento de nova força de trabalho em escala global, dando prosseguimento a sua tendência histórica à desruralização e expansão das relações sociais de produção, ao mesmo tempo em que se vivencia, por outro lado, um processo profundo de precarização do trabalho, de universalização da subcontratação, de aumento da informalidade nas 69 esferas já integradas ao mercado mundial. (FARIA, 2011, p.27) Nesse cenário, o autor destaca que as cooperativas representam uma alternativa de evitar o alastramento do emprego informal e precário, mediante organização dos trabalhadores desempregados, em virtude da falência das fábricas como reflexo da crise econômica (FARIA, 2011). Para Noronha (2004, p.01), a história do cooperativismo apresenta relação estreita com a história das organizações humanas em busca de autonomia social, entendida como “o processo em que se relacionam os âmbitos econômico, social e cultural e através do qual, sujeitos historicamente determinados se associam e vão construindo sua identidade como agentes das práticas e decisões que lhes dizem respeito na vida cotidiana” e que tem como característica primordial “a capacidade de administrar suas vidas com independência e criticidade”. Pois segundo Culti (2002, p.06) “o cooperativismo preocupa-se com o aprimoramento do ser humano nas suas dimensões econômicas, sociais e culturais”. Para a autora, a origem do cooperativismo remete as origens do capitalismo, insurgindo paralelamente, “é reconhecido como um sistema mais adequado, participativo, democrático e mais justo para atender às necessidades e os interesses específicos dos trabalhadores, além do que, propicia o desenvolvimento integral do indivíduo por meio coletivo”, tendo em vista que tal entendimento admite o cooperativismo como um sistema e as cooperativas como unidades econômicas e espaços de convívio e transformações (CULTI, 2006, p. 06). Costa (2007, p. 58) argumenta que o ato de cooperar e o cooperativismo são elementos distintos, sendo o primeiro “qualquer ato ou ação de colaborar com outras pessoas em qualquer formação socioeconômica”, enquanto o segundo é entendido como “um movimento social que procurou, através da associação, fugir de uma opressão social resultante de um determinado período histórico e de um determinado sistema, ou seja, o capitalismo concorrencial do século XIX.”, destacando que “embora sejam encontradas experiências cooperativas e associativas em períodos bastante remotos, estas não passam de manifestações de sociabilidade característica do homem enquanto um ser social” e que, por esse motivo, “não é possível considerá-las partes do movimento cooperativista que é genuinamente moderno”. Pois, para o autor, “o cooperativismo, enquanto doutrina, teoria, sistema ou movimento associativista de trabalhadores, é um 70 fenômeno moderno oriundo da oposição operária às consequências do liberalismo econômico”, assim como Emmendoerfer et. al. (2007, p.23) baseados no pensamento de Pinho (2004), destacam: O cooperativismo, enquanto sistema e doutrina, surgiu como uma alternativa para corrigir o meio econômico e social consequente do liberalismo econômico. Seus princípios são baseados no ideal de que a produção deve ser colocada em favor do consumidor e não do produtor. Para tanto, as pessoas associam-se e unem-se em cooperativas, de forma que o resultado das atividades ou prestação de serviços beneficia os próprios associados e a comunidade em geral. Borges et al. (2011) apresentam outra diferenciação importante que tange a confusão existente entre associações e cooperativas, destacando que ambas podem ser considerados empreendimentos de economia solidária, todavia apresentam distinções societárias: Quadro 06:- Diferenças societárias entre associação e cooperativa. ASSOCIAÇÃO COOPERATIVA União de pessoas que se organizam para fins não econômicos. Não tem fins lucrativos ou econômicos. Número ilimitado associados. de Cada pessoa tem direito a um voto, desde que esteja em pleno gozo dos seus direitos sociais. Assembleias: quórum é baseado no número de associados. União de pessoas que se organizam para exercer atividade econômica ou adquirir bens. Caracterizada como sociedade simples, é regida pela Lei n°5.764/71. O objetivo principal é a prestação de serviços aos cooperados. O lucro não é finalidade, mas pode ser consequência da realização de uma atividade econômica. Número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços. No entanto deve ser constituída pelo número mínimo de 20 pessoas físicas. Controle democrático: cada pessoa tem direito a um voto, independente do capital por ela investido, desde que esteja em pleno gozo dos seus direito sociais. Assembleias: quórum é baseado no número de cooperados. 71 Não tem ações ou quotas de capital, mas deve haver fontes de recursos para a sua manutenção. Não gera excedente. A cooperativa é estruturada por um capital social e mantida por uma taxa de administração. Não é permitida a transferência de quotas-partes desse capital a terceiros, estranhos à sociedade. Retorno dos excedentes proporcional ao volume das operações. Representa e defende os Presta serviço aos cooperados, para que eles interesses dos associados. trabalhem e produzam para sociedade ou adquiram bens. Os associados devem ter A cooperativa deve assegurar o direito de direitos iguais, mas o igualdade de todos os cooperados, sejam eles estatuto poderá instituir fundadores ou não, membros dos órgãos eletivos categorias como vantagens ou não. Ou seja, filosófica ou legalmente, especiais. TODOS são donos da cooperativa. Fonte: Borges et al. (2011, p.137-138). Constata-se que, primordialmente, a diferença essencial entre as duas formas organizacionais é o envolvimento econômico, em virtude da disposição produtiva das cooperativas, e o desprovimento das associações desse tipo de recurso. Tendo em vista algumas características distintivas do cooperativismo, Araújo e Souza (2010, p. 01) resgatam a definição da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), que apresenta as cooperativas como sendo “empreendimentos constituídos por pessoas ligadas a uma determinada ocupação profissional, com a finalidade de melhorar sua remuneração e as condições de trabalho, de forma autônoma”. Para Andrade (2009), as cooperativas podem ser compreendidas como sociedades autônomas, de ajuda mútua e controladas democraticamente pelos seus cooperados, que cumpre o dever de promover a educação e a formação de seus membros, representantes e funcionários. Em perspectiva semelhante, Cançado (2007, p.59) salienta que as cooperativas “são organizações autônomas e independentes interessadas no desenvolvimento sustentável de sua comunidade”, destacando que “organizações com esta natureza possuem uma dimensão política de mudança”. Contudo, o autor faz uma ressalva quanto aos tipos de correntes de cooperativismo ao resgatar o pensamento de Oliveira (2008), que apresenta três correntes: a) apresenta o cooperativismo como um fim em si mesmo (liderada pela Aliança Cooperativa Internacional - ACI, organismo mundial que tem como função básica 72 preservar e defender os princípios cooperativistas.); b) cooperativismo como reforço as ideologias liberais (representadas pelos líderes de muitas cooperativas agropecuárias brasileiras; c) cooperativismo entendido como instrumento de negação da ordem liberal e alternativa contra os efeitos negativos do capitalismo (CANÇADO 2007). Verifica-se, entre as duas últimas definições, a convergência quanto ao caráter autônomo das organizações cooperativas, em vista da preservação de seus princípios e valores, e para que a lógica coletiva e democrática possa ser mantida, ainda que tais organizações apresentem interfaces com a esfera pública e de mercado. De acordo com Cançado (2007, p.63), em primeira instância, o que diferencia as cooperativas das demais organizações é fato de serem sociedades de pessoas e não sociedades de capital, onde o protagonismo é dado ao trabalho e não aporte financeiro e, em um segundo momento, seus objetivos de gestão, visto que em empresas comerciais o objetivo final é o lucro e a gestão é orientada pelo controlador dos recursos financeiros da instituição, enquanto nas cooperativas o objetivo maior é a prestação de serviços aos cooperados, dando-lhes a oportunidade de se apropriarem de seu trabalho, sem a intermediação de terceiros e ainda “as cooperativas devem ser organizações democráticas, na medida em que cada cooperado, independente do seu investimento na organização, tem direito a voto e pode, ainda, ser votado para cargos de direção na cooperativa”. Segundo Sapovicis e Souza (2004), os princípios cooperativistas não se constituem como regras inflexíveis, todavia os seus valores primordiais devem ser mantidos, são eles: solidariedade, liberdade, democracia e justiça social. As autoras destacam ainda os princípios do cooperativismo, herdados da pioneira Cooperativa de Rochdale: a) adesão livre e voluntária: “as cooperativas são organizações voluntárias e abertas a todos, desde que estejam aptos a assumir responsabilidades e utilizar os seus serviços sem discriminação de raça, classe social, sexo, opção política e religiosa,” tal princípio tem implicações na constituição federal brasileira, que garante a liberdade de associação de qualquer indivíduo (ANDRADE, 2009, p.25); b) controle democrático pelos sócios: “as cooperativas são organizações democráticas controladas pelos seus sócios, que participam ativamente de suas políticas e na tomada de 73 decisões”, onde todos os cooperados têm direito de voto igualitário (ANDRADE, 2009, p.25); c) participação econômica dos sócios: é equitativa e controlada democraticamente, os excedentes, segundo Andrade (2009) são destinados i) para desenvolvimento da cooperativa, possibilitando o estabelecimento de fundos de reserva, parte dos quais será indivisível; ii) benefício aos associados na proporção de suas operações com a cooperativa e; iii) apoio a outras atividades aprovadas em assembleia; d) autonomia e independência: de acordo com Andrade (2009, p.26) “as cooperativas são organizações autônomas de ajuda mútua controladas por seus membros”. Segundo a autora, tal princípio encontra subsídios na Constituição brasileira, Inciso XVIII do art. 5° que expõe “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”, a criação de parceiras com instituições públicas e privadas deve ser estabelecida tendo em vista a manutenção do controle democrático e autonomia da cooperativa (ANDRADE, 2009, p.26). e) educação, treinamento e informação e cooperação entre cooperativas: “as cooperativas proporcionam educação e formação aos seus membros (...) de modo a contribuir efetivamente para o seu desenvolvimento” (ANDRADE, 2009, p.26). Tais princípios sofreram alterações ao longo dos anos, realizadas em reuniões da Aliança Cooperativa Internacional, conforme destaca Cançado (2007, p.57) em um quadro explicativo: Quadro 07: Evolução dos princípios cooperativistas segundo a Aliança Cooperativa Internacional. PRINCÍPIOS COOPERATIVISTAS Estatuto de 1844 (Rochdale) Congressos da Aliança Cooperativa Internacional 1937 (Paris) 1966 (Viena) 1995 (Manchester) 74 1. Adesão livre; 2. Gestão democrática; 3. Retorno Pro Rata das operações; a) Princípios essenciais de fidelidade aos pioneiros; 1. Adesão aberta; 4. Juro limitado ao capital investido; 2. Controle ou gestão democrática; 5. Vendas a dinheiro; 3. Retorno Pro Rata das operações; 6. Educação dos membros; 7. Cooperativização global. 4. Juros limitados ao capital; b) Métodos essenciais de ação e organização. 5. Compras e vendas à vista; 6. Promoção da educação; 7. Neutralidade política e religiosa. 1. Adesão livre (inclusive neutralidade política, religiosa, racial e social); 2. Gestão democrática; 1. Adesão voluntária e livre; 2. Gestão democrática 3. Participação econômica dos sócios; 3. Distribuição das sobras: a) ao desenvolvimento da cooperativa; b) aos serviços comuns; c) aos associados prorata das operações. 4. Autonomia e independência; 4. Taxa limitada aos juros do capital social; 7. Preocupação com a comunidade. 5. Educação, formação e informação. 6. Intercooperação; 5. Constituição de um fundo para educação dos associados e do público em geral; 6. Ativa cooperação entre cooperativas em âmbito local, nacional e internacional. Fonte: Cançado (2007, p.57). Dentre as mudanças, Cançado (2007) destaca a ocorrida em Manchester, com a inclusão de princípios como a “preocupação com a comunidade”, que segundo Andrade (2009, p. 26) significa que as cooperativas devem trabalhar “para o bem estar e o desenvolvimento sustentável de sua comunidade, município, região e estado através de políticas aprovadas pelos seus membros, ou políticas realizadas em parceria com o governo ou outras entidades”, pode apontar para uma tendência de atualização da prática cooperativista, tendo em vista, a importância de tais princípios, ao nortearem o cooperativismo mundial. 75 Nesse sentido, resgatam-se os tipos de cooperativas, que segundo o Sebrae (n.d., p. 15) podem adotar qualquer tipo de atividade, tendo destaque as cooperativas agropecuárias, que agrupam produtores rurais e realizam atividades como “compra comum de insumos, a venda em comum da produção dos cooperados, a prestação de assistência técnica, armazenagem, industrialização”; as cooperativa de consumo, que “reúne consumidores de bens de uso pessoal e doméstico (supermercado)”, com intuito de compra comum dos bens; - a cooperativa habitacional, integrada por indivíduos carentes de moradia, para aquisição de terrenos e construção de casas ou prédios residenciais; as cooperativa de trabalho, formada por trabalhadores, que intenta “conseguir clientes ou serviço para estes cooperados, fornecer capacitação e treinamento técnico, entre outros”; a cooperativa de produção, reúne operários de uma organização, seus serviços consistem em coordenar seu funcionamento; a cooperativa de crédito, que reúne as reservas financeiras de um grupo de pessoas, “oferecendo crédito e valorizando as aplicações financeiras dos cooperados”; a cooperativa educacional: formada por pais de alunos, onde a cooperativa “é mantenedora de uma escola, cujos alunos são filhos de cooperados”; a cooperativa de serviços: formada por pessoas com necessidades comuns de serviços; a cooperativa de saúde, que reúne profissionais ou usuários de saúde, em cooperativas de trabalho, como no caso dos médicos, e de consumo, como no caso dos planos de saúde; e por fim, recentemente surgem no Brasil a cooperativa especial, que configura-se como uma “uma alternativa de organização para índios e pessoas com alguma deficiência física ou mental, que conservam sua capacidade produtiva”. 2.4.1 Cooperativas Socais Em âmbito mundial, as cooperativas sociais tiveram seu inicio na Itália, no final dos anos de 1970, impulsionadas por iniciativas de cooperativas, de movimentos filantrópicos ligados ao voluntariado religioso e, principalmente, do médico Franco Basaglia, promotor da reforma psiquiátrica no país, que tinha como um de seus recursos a criação de cooperativas para reinserção social dos pacientes através do trabalho, todavia, apenas em 1990 foi instituída a primeira lei que regulamenta tal tipo de cooperativa (DAMIANO, 2007; MARTINS, 2009). 76 No Brasil, de acordo com Martins (2009), algumas experiências de mesma natureza começaram a aparecer na década de 1990, influenciadas pela prática italiana e segundo Damiano (2007, p. 204) a “inspiração da Lei das cooperativas sociais veio da necessidade de dar continuidade à lei da reforma psiquiátrica, aprovada pela Câmara dos Deputados em 1990”, a Lei Federal n. 9867/99: Após quatro anos de tramitação no Congresso Nacional, em 1999 é publicada a Lei brasileira de cooperativas sociais, com seu texto original similar a lei italiana. A Lei de autoria do deputado Paulo Delgado, que também foi autor da reforma psiquiátrica brasileira, foi aprovada com vetos que acabaram impedindo sua efetiva implementação (MARTINS, 2009, p. 18). Tal divergência na aprovação da regulamentação das cooperativas sociais pode estar relacionada ao entendimento de que a mesma promoveria a segregação dos seus envolvidos. (GUGEL, 2011; ANDRADE, 2009). Para Gugel (2011, p. 04) “trata-se, no entanto, de equívoco produzido pelo desconhecimento dos benefícios que o sistema cooperativado pode trazer para a sociedade quando bem implementado e, dos próprios elementos norteadores das cooperativas sociais dirigidos às pessoas que indicam” e segundo Andrade (2009, p. 52) “ao ser atendido o objetivo da constituição de uma cooperativa social amplia-se a possibilidade de que mais pessoas com deficiência obtenham a independência econômica e pessoal”. Carreta (2004, p. 55) resgata o pensamento de Pastore (2003) e Siqueira (2003), sobre a discussão envolvendo a regulamentação das cooperativas sociais: Pastore (2003) acredita que a constituição de cooperativas sociais é viável e recomendável, considerando a quantidade de pessoas que estão à margem do mercado de trabalho e que seriam contemplados por essa legislação. Já para Siqueira (2003), cooperativas sociais confundem empreendimento econômico (geração de trabalho e renda) com iniciativa assistencial (atendimento à pessoa com deficiência), o que não seria adequado. 77 Corrobora-se, neste trabalho, ao entendimento de Damiano (2011, p. 204) ao destacar que com as cooperativas sociais “muitas pessoas que estariam marginalizadas poderiam passar a desenvolver uma atividade produtiva, o que, não somente colaboraria para aumentar o seu respeito próprio, como também sua dignidade como pessoa humana e a sua inserção na sociedade”. De acordo com a Lei 9867/99, em seu artigo 1° “as cooperativas sociais, constituídas com a finalidade de inserir as pessoas em desvantagem no mercado econômico, por meio do trabalho, fundamentam-se no interesse geral da comunidade em promover a pessoa humana e a integração social dos cidadãos”, ou seja, em linhas gerais “as cooperativas sociais objetivam, portanto, a inserção de pessoas em desvantagem econômica no mercado de trabalho”, incluindo: i) a organização e gestão de serviços sociossanitários e educativos; e ii) o desenvolvimento de atividades agrícolas, industriais, comerciais e de serviços (CARRETA, 2004, p. 54). Para os efeitos de tal Lei, artigo. 3° Gugel (2011, p.05) destaca que são consideradas pessoas em desvantagem: “deficientes psíquicos e mentais, as pessoas dependentes de acompanhamento psiquiátrico permanente, e os egressos de hospitais psiquiátricos”; “os dependentes químicos”; “os egressos de prisões”; “os condenados a penas alternativas à detenção”e; “os adolescentes em idade adequada ao trabalho e situação familiar difícil do ponto de vista econômico, social ou afetivo”, devidamente atestada a condição de desvantagem, conforme § 3º, “por documentação proveniente de órgãos da administração pública, ressalvando-se o direito à privacidade”. No mesmo artigo da Lei, § 2º, salienta-se que: As Cooperativas Sociais organizarão seu trabalho, especialmente no que diz respeito a instalações, horários e jornadas, de maneira a levar em conta e minimizar as dificuldades gerais e individuais das pessoas em desvantagem que nelas trabalharem, e desenvolverão e executarão programas especiais de treinamento com o objetivo de aumentar-lhes a produtividade e a independência econômica e social (GUGEL, 2011, p. 05). Segundo Carreta (2004, p. 54), o estatuto das cooperativas poderá prever ainda a “existência de sócios voluntários, sendo pessoas que não 78 estejam em desvantagem, e que possam prestar serviços gratuitamente na cooperativa”. Nesse sentido, Gugel (2011, p.11) destaca, em especial sobre a categoria que envolve pessoas com deficiência, que: Sabe-se que os pais, irmãos, parentes e amigos da pessoa com deficiência unem-se para colaborar com a sua formação, envolvendo-se em sua vida para integrá-la no contexto social em que vive. Pois bem, essas pessoas que zelam pela pessoa com deficiência são potencialmente aquelas que poderão contribuir para a formação das cooperativas sociais. Sim, pois a condição estatutária que permite a inclusão de uma ou mais categorias de sócios voluntários agregará a participação direta de pais, parentes próximos e amigos da pessoa com deficiência, com o objetivo de conjugar esforços para que ela se torne independente por meio do trabalho produtivo. Assim sendo, tal atributo da legislação permite que organizações dessa natureza sejam constituídas de forma mais plural, fomentando a agregação de esforços em sua construção e desenvolvimento. Sobre os tipos de cooperativas sociais, Martins (2009, p. 54) recorre a Lei italiana n° 381/1999, que discorre sobre as cooperativas sociais e apresenta as seguintes tipologias: tipo A: “tem como característica principal promover serviços educativos e de assistência social à população em desvantagem”; tipo B: “tem por objetivo investir na inserção laboral e na reinserção social por meio do trabalho” e; tipo A e B: “são cooperativas sociais que mesclam A e B, prestando assistência à comunidade e incluindo em entre seus membros pessoas consideradas em desvantagem social”. Segundo a autora, as cooperativas do tipo A manifestam suas atividades de forma direta na comunidade através de espaços de reabilitação e creches, por exemplo, aproximando da área, tradicionalmente, de responsabilidade do poder público; enquanto as cooperativas do tipo B configuram-se em atividades de produção e prestação de serviços, por exemplo, tendo em vista, a inserção laboral de pessoas em desvantagem, favorecendo a integração social dos mesmos (MARTINS, 2009). 79 A título de exemplo, é possível identificar no mercado nacional a materialização de cooperativas sociais através das seguintes iniciativas: Cooperativa Social de Produção dos Jovens artesãos de São Paulo – COOPERARTE; A Cooperativa Social de Produção e Prestação de Serviços de Porto Alegre – COOPERSOCIAL; Cooperativa Social das Pessoas com Deficiência de Santa Catarina – COOPERDEF e; a Cooperativa Social de Pais Amigos e Portadores de Deficiência – COEPAD, localizada em Florianópolis, Santa Catarina. Os objetivos das cooperativas sociais contemplam a constituição de um novo cenário para as chamadas “pessoas em desvantagem”, mediante a construção coletiva, envolvendo diversos atores sociais, de uma alternativa democrática para inclusão social e desenvolvimento da cidadania, através de atividades que podem ser desenvolvidas pela sociedade civil. Verifica-se no cotidiano que muitas cooperativas apresentam divergências quanto à observância dos princípios de cooperativismo, sendo estes substituídos pelos valores de mercado, que sucumbem à cooperação em vista do lucro e, consequentemente, trazem a tona novamente a exploração do trabalhador. Segundo Monteiro et. al. (2010, p.01): Por serem organizações diferentes das organizacionais tradicionais mercantis, as cooperativas apresentam a necessidade de uma forma de gestão também distinta baseada em princípios cooperativistas. Porém, o contexto hegemônico da sociedade ocidental ainda é o capitalismo. Dessa forma, organizações sociais como as cooperativas que se propõem a atuar de forma diferente têm encontrado, geralmente, dificuldades em se constituir e se desenvolver. Em vista de tal entendimento, esta pesquisa buscou analisar a gestão de duas cooperativas de origem popular, pontualmente, a participação dos atores organizacionais no processo decisório, para tanto, os procedimentos metodológicos utilizados será descritos a seguir. 80 2.5 Processos decisórios O processo decisório é uma temática estudada por diferentes áreas do conhecimento, que abrange desde estudos filosóficos até campos que envolvem as ciências exatas, como o da matemática, conforme destacado por Iizuka (2008, p. 42): A ciência política privilegia uma análise dos conflitos entre diferentes segmentos, os interesses e a influência de atores, os efeitos do poder etc.; a psicologia, por sua vez, tende a observar o comportamento dos indivíduos e o papel desempenhado segundo os diversos perfis; a economia procura sistematizar suas contribuições a partir das distintas concepções humanas: o homo economicus (racional e maximizador das suas utilidades), o homem administrativo que toma decisões otimizadoras e limitadas no âmbito organizacional; a sociologia enfoca os aspectos relacionados aos pequenos grupos, ao tipo de profissão etc.; a filosofia questiona a decisão a partir da ética e da razão humana; a matemática contribui com os modelos probabilísticos e a ciência da computação com o avanço no conhecimento sobre a inteligência artificial. O autor destaca que, no Brasil, a introdução da temática do processo decisório ocorreu na década de 1960, em meio ao processo de legitimação do campo administrativo no País, sendo a Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (EBAPE) uma das pioneiras na introdução da temática em sua estrutura curricular, com o intuito de “buscar modelos explicativos, mais objetivos e práticos, de tal forma a subsidiar os futuros administradores a exercerem suas funções de maneira que pudessem concretizar ações mais eficientes e eficazes nas organizações públicas e privadas” (IIZUKA, 2008, p. 42). O primeiro modelo de processo decisório, chamado modelo da escolha racional, foi construído pelos economistas neoclássicos, que tinham como pressuposto a concepção do homo economicus, ou seja, “um ser racional que busca maximizar a sua utilidade por meio de escolhas ótimas a partir de cálculos ponderados entre as variáveis contidas nas “cestas” de alternativas que ele conhecesse previamente” 81 (IIZUKA,2008, p. 44). Segundo Franganito (2010) neste modelo, o processo decisório aparece como sendo uma questão de maximização de utilidades, numa situação onde as alternativas e suas consequências podem ser antecipadas. As decisões baseadas no modelo racional apresentam limitações que comprometem sua efetividade no alcance dos objetivos organizacionais, apresentando restrições quanto as variáveis, dentre as quais se destacam as variáveis humanas, que envolvem aspectos como a motivação, conflito e personalidade dos atores organizacionais, variáveis políticas, que envolvem relações de poder e interessantes distintos e variáveis sociais, dentre as quais se destacam os grupos de referência (MOTTA, 1988). Cantisano (1998) aponta duas críticas principais sobre o modelo da escolha racional. A primeira relaciona-se a não consideração das preferências individuais dos indivíduos, como, por exemplo, a influência das emoções e uma segunda crítica diz respeito às limitações da racionalidade. Iizuka (2008, p. 48) apresenta outros limites do modelo: (...) acesso à informação nunca é perfeito; as pessoas têm capacidade limitada para reconhecer e lidar com as informações; a racionalidade econômica, maximizadora da utilidade, é uma dentre as diversas racionalidades e, finalmente, as condições em que ocorre a decisão não podem ser ignoradas, na medida em que influenciam o processo decisório e podem ser determinantes nos rumos tomados. O modelo racional, segundo Stoner e Freeman (1999, p. 190), “cria uma imagem do tomador de decisões como uma supermáquina calculadora, mas sabemos que os seres humanos reais não tomam as suas decisões dessa forma”, segundo os autores, os decisores “tendem a usar o que Herbert Simon chama de “racionalidade limitada” e regras empíricas chamadas de heurísticas, e deixam que as tendências influenciem suas decisões”. Em vistas as limitações encontradas nesse modelo e a necessidade de alternativas mais condizentes com a realidade emerge a Teoria da Racionalidade Limitada, de Herbert Simon. Segundo Iizuka (2008, p.49), Simon foi o principal teórico da perspectiva comportamental, descrevendo o “homem administrativo”, um ser 82 humano real, que apresenta limitações cognitivas e que age em situações imperfeitas em meio a um ambiente organizacional caótico e contestando os economistas neoclássicos ao apresentar “uma abordagem em que as pessoas tomavam decisões satisfatórias, ou seja, racionais, mas “imperfeitas”, em que se buscava otimizar as alternativas percebidas e disponíveis no momento da tomada de decisão”. A teoria de Simon funda-se, então, no entendimento da racionalidade limitada, na ideia de fragmentação do conhecimento entre os indivíduos e não impossibilidade do processo ilimitado de dados e informações que possam interferir na dinâmica organizacional. Para Simon (1965, p. 10) o próprio processo administrativo é um processo decisório, que consiste “no isolamento de certos elementos nas decisões dos membros da organização, no estabelecimento de métodos de rotina para selecionar e determinar esses elementos, e na sua comunicação aos outros processos por ele afetados” e é caracterizado “pela especialização vertical, a partir da qual se pode obter uma pirâmide ou hierarquia de autoridade, com maior ou menor formalismo, e por uma especialização das funções decisórias entre membros dessa hierarquia”. Segundo Freitas e Kladis (1995), o modelo de decisão de Simon é dividido em três grandes fases e com uma revisão e acompanhamento constantes (feedback). Na primeira fase, denominada “inteligência ou investigação”, ocorre a exploração do ambiente, etapa na qual os dados são processados em busca de indícios que possam levar a identificação de oportunidades e ameaças. Posteriormente, parte-se para o “desenho ou concepção”, etapa em que acontece a criação, desenvolvimento e análise dos cursos de ações possíveis, período no qual o tomador de decisão formula o problema e analisa as alternativas disponíveis, tendo em vista seu potencial de sucesso. A terceira etapa envolve a “escolha”, pois define qual alternativa será escolhida dentre aquelas possíveis, que ocorre após a fase “desenho”, onde o decisor deve coletar informações que garantam a escolha da melhor opção possível. Por fim, tem-se o feedback, que envolve todas as etapas anteriores e pode ocorrer entre a fase de escolha e concepção ou inteligência ou entre a fase de concepção e inteligência. Desta forma, para Simon (1970), a tomada de decisão é essencialmente uma ação humana e comportamental, que envolve a seleção consciente ou inconsciente de determinadas ações, que sejam fisicamente possíveis para o agente e para os demais atores sobre os 83 quais ele exerce influência e autoridade. De acordo com Rosa (2006), Simon apresenta a tomada de decisão através de duas abordagens: processo lógico e processo não lógico: O autor define o processo racional, lógico, como aquele de pensamento consciencioso, passível de expressão por palavras ou outros símbolos, isso é, pela razão. Por processo não lógico, Simon chama aquele que não é capaz de ser expresso em palavras ou pela razão, que é conhecido pelo julgamento, decisão e ação. A fonte do processo não lógico são os fatores e condições psicológicas ou, do ponto de vista psíquico e social, é representado pela ausência de esforços conscientes por parte do indivíduo (ROSA, 2006, p.31). Segundo Sasur et. al.(1998, p. 04) Simon defende que “que os indivíduos, na verdade, não decidem por um processo racional de consideração de todas as alternativas, mas efetuando simplificações que sejam acessíveis à própria capacidade mental” e desta forma, o autor estabelece “a diferença entre decisões programadas e não programadas como, respectivamente, aquelas mais rotineiras e as mais imprevisíveis e complexas”. Lacombe e Heilborn (2006, p. 441) alertam que ao classificar as decisões em programadas e não programadas “elas não devem ser consideradas dois tipos totalmente distintos e sim dois polos entre as quais existe um continuun, algumas decisões aproximando-se mais de um polo”. Iizuka (2008, p. 53) apresenta algumas limitações do modelo de Simon, destacando que o “o processo decisório para Simon seria algo razoavelmente linear”, e que os “fatores que eventualmente pudessem afetar a trajetória de uma decisão seriam indesejáveis e, portanto, eliminados ou mesmo diminuídos, o que nem sempre é possível”, destacando ainda que a teoria da racionalidade limitada “aproxima-se dos objetivos da teoria da escolha racional ao não abandonar os princípios centrais de uma visão geral acerca dos seres humanos e do seu comportamento num processo de tomada de decisão”. Ainda assim, é possível reconhecer diferenças entre abordagem racional e a racionalidade limitada, conforme quadro de Piovesan (2002) apresentado por Iizuka (2008, p. 53): 84 Quadro 08: Abordagem Racional e Abordagem Racional Limitada. Abordagem racional-compreensiva Abordagem racional limitada Os problemas são bem definidos. Os problemas são ambíguos e pouco determinados. Uma lista completa de alternativas A informação para a identificação de para consideração dos analistas. alternativas é precária e muitas alternativas são desconhecidas. Existe uma base completa de informação sobre o contexto e o ambiente. A visão sobre os impactos de cada alternativa é adequada. Os analistas têm a informação completa sobre os valores e interesses dos cidadãos e dos grupos de interesse. Os recursos, competências e tempo são suficientes. Fonte: Iizuka (2008, p. 53) A informação sobre o contexto ou ambiente é problemática e incompleta. Os impactos das possíveis alternativas são desconhecidos. Os valores, interesses e preferências não são bem estabelecidos. O tempo, os recursos e competências são limitados. Segundo Iizuka (2008, p. 53) o quadro permite apontar distinções fundamentais entre as abordagens, em especial que a “preocupação dos teóricos das abordagens neoclássicas está mais no resultado e enquanto que a linha teórica de Simon está no processo”. Visando uma abordagem mais sintonizada com o cotidiano organizacional, a abordagem incremental da tomada de decisão surge para questionar os pressupostos da visão racional da decisão, buscando um método de maior praticidade, capaz de reduzir a complexidade da realidade que o permeia (GONTIJO; MAIA, 2004). Segundo Rosa (2006, p. 48): Os incrementalistas assumem que a seleção de valores e a análise empírica não se realizam distintamente no tempo e sem influência mútua. Esse modelo tem como características principais a tentativa de descentralização e democratização de decisões e a elevada capacidade de aprimoramento e adaptação e, no caso, as políticas seriam mais sensíveis aos diversos grupos de interesse envolvidos, o que pode representar mais 85 vezes os interesses dos grupos mais poderosos e articulados. Iizuka (2008, p. 55) com base em Lindblom (1959, p. 81), expõe um quadro comparativo entre a abordagem racional (denominada, usualmente, como método racional compreensivo) e a abordagem incremental (também conhecida como o método das comparações limitadas e sucessivas): Quadro 09: Abordagem Racional e Abordagem Incremental Método racional compreensivo Método das comparações limitadas e sucessivas 1) A distinção clara entre valores e objetivos é um pré-requisito para uma análise empírica das alternativas políticas. 1) A seleção dos objetivos avaliados e a análise empírica para a ação necessária não são distintas entre si, mas são intimamente entrelaçadas. 2) Na formulação da política pública, segundo a análise da abordagem dos meios e os fins: primeiro os fins são isolados e então os meios para alcançá-los são procurados. 3) O teste da “boa” política pública é o que podem demonstrar os meios que são mais adequados para os fins desejados. 4) Análise é compreensiva; todos os fatores relevantes são considerados. 2) Desde que os meios e os fins não são distintos, a análise de meios e fins é frequentemente inapropriada ou limitada. 5) Conta-se de forma intensa e frequente com a teoria. 3) O teste da “boa” política pública é feito tipicamente por diversos analistas que diretamente concordam com ela. 4) A análise é drasticamente limitada: i) Importantes consequências possíveis são negligenciadas ii) Importantes alternativas de políticas públicas são negligenciadas iii) Importantes valores afetados são negligenciados. 5) Uma sucessiva comparação reduz consideravelmente ou elimina a necessidade de um embasamento teórico. Iizuka (2008) destaca que o aspecto central do incrementalismo foi apresentar a prática de gestores públicos e privados, evidenciando 86 um processo contínuo de negociações a partir de pequenos passos, nem sempre linear, no processo de decisão. Ainda dentre os principais modelos para tomada de decisão, destaca-se o modelo político, que, segundo Façanha e Yu (2011), é relevante para a tomada de decisões não-programadas, quando as condições são incertas, a informação é limitada, e não há acordo entre os gestores sobre as metas a serem perseguidas ou qual curso de ação tomar. A premissa do modelo é de que os envolvidos têm interesses distintos e, por vezes, conflitantes, o que acarretaria na forte possibilidade de um alinhamento estratégico entre os participantes e a construção de redes de influência. Sendo que, as preferências dos sujeitos mais influentes exercem grandes possibilidade de conduzir e dominar as decisões (FAÇANHA; YU, 2011). Destaca-se ainda o modelo da “lata do lixo” (Garbage Can Model), criado por Cohen, March e Olsen, “num contexto de operação das universidades e os seus muitos problemas de comunicação interdepartamental” (Iizuka, 2008, p. 64). Segundo Façanha e Yu (2011), tal modelo é formado por 4 (quatro) elementos: 1) mecanismos de decisão (estrutura ou instância para tomar decisão); 2) participantes (pessoas que fazem parte do mecanismo da decisão); 3) problemas (propostas apresentadas ao mecanismo de decisão) e; 4) soluções do problema (uma ou mais alternativas de decisão escolhidas para cada problema). De acordo com Iizuca (2008, p. 64-65), a principal característica do modelo da lata de lixo é: A desconexão parcial entre problemas e escolhas, partindo-se do pressuposto que há muitas organizações em que as soluções são apresentadas antes dos problemas serem identificados, principalmente quando uma organização se depara com uma situação de grande ambiguidade, incertezas, conflitos e variações ambientais. Em tal modelo, a problemática existente pode receber quatro tipos de soluções, a saber: a) solução satisfatória (solução final); b) decisão de abandono (devido à dificuldade de se alcançar uma solução final; c) decisão com exame superficial, e; d) decisão sem qualquer discussão. 87 Salienta-se a existência de diversas outras abordagens envolvendo os processos decisórios, algumas delas destacas no quadro a seguir, elaborado por Iizuka (2008, p. 75-76), que contempla além dos modelos aqui apresentados, os modelos chamados Sensemaking e Groping Along. Contribuições-chave Conceitos Quadro 10: Síntese das Abordagens Teóricas do processo decisório Escolh a Racio nal Teorias e Modelos de Processo Decisório Racionali Increment Política – Garbage dade alismo Agenda de Can Limitada Disjunto Políticas Públicas Homo Econo micus Conce pção clara, concis ae simple s da nature za human a - Uso do métod o científi co - Homem Administra tivo Abordage m Comporta mental Limitações cognitivas Limitações quanto ao acesso e uso das informaçõe s - Quebra da racionalida de perfeita - Cotidiano da gestão, caráter prático. Negociaçõ es e ações por meio de pequenos passos e sucessivas aproximaç ões - Quebra da racionalida de perfeita - Atores políticos Com diferentes papéis e influência - Conflitos competitiv os abertos, fechados e latentes. Influência da dinâmica política na agenda de Políticas Públicas - Quebra da racionalida de Importân cia temporal e contextu al Descone xão parcial entre problem as e escolhas Soluções Procuran do problem as Sensema king Groping Along - Criação contínua de sentidos Interpret ação e compree nsão retrospec tiva Influênci a da identidad ee repertóri o Plausibil idade mais do que exatidão Extração de pistas como foco de atenção Cotidian o da gestão, caráter prático – Foco na ação, mais do que no planejam ento. Aprendiz ados ativos e interativ os - Gestão baseada na proximid ade com as pessoas em detrimen to de números e relatório s Maxim izar os resulta dos Otimizar os resultados Resolver problemas Resolver conflitos Homo gênea e dirigid a pelo topo Homogêne a e dirigida por técnicos e especialist as Heterogên ea, mas com uma direção comum Restrit a ao topo Limitada aos técnicos e especialist as Relacionad a ao problema em questão Heterogên ea e permeada por conflitos competitiv os Relacionad a aos interesses e poder Alcanç ar a melhor soluçã o Encontrar uma solução ótima Encontrar uma solução Compr eensív el, racion al Intencional mente racional, com limitações cognitivas Intencional mente racional, admitindose a intuição e a experiênci a Inexist em Existem e são indesejávei s Existem e podem ser positivos nos pequenos passos Conflitos Processo de escolha Busca Participaçã o Organização Ênfase 88 Justificar um ponto, vencer uma posição divergente Conflitos de interesse dominado pelo poder das coalizões Existem em alto grau, estimulado pelo jogo político Combina r problem as e soluções randômi cos Anarquia s Organiza das Fazer sentido, ser plausível Tatear possibili dades Heterogê nea, plural Heterogê nea, aberta e plural Fluida e não sistemáti ca Fluida e relaciona da aos repertóri os Fluida e relaciona da aos repertóri os Não aplicável Buscar algo plausível Coalizõe s randômi cas de problem as, soluções, participa ntes e oportuni dades Não se aplica Guiado pelos sentidos criados e pela plausibili dade Alcançar os objetivos tateando possibili dades Intuitivo, baseado nos repertóri os, contexto se aprendiz ados Existem e são passíveis de combina ções Existem, mas são “neutrali zados” pela ação 89 Linear, Normativa Não linear, Prescritiva Alisso ne Zeliko w (1996) e Etizion i (1992) Simon (1959, 1965, 1978) Lindblom (1959, 1979), Wildavsky (1966) e Quinn (1980). Referências-chave Abordagem Linear, Norma tiva Linear quanto aos Atores e Agenda e não linear quanto à dinâmica política, Descritiva Alisson e Zelikow (1996), Bachrach e Baratz (1962), Dahl (1958), Lukes (1980), Mills (1959), Kingdon (1984) Não linear, Descritiv a Não linear e Construti va Não linear e Construti va Cohen, March e Olsen (1972) Weick (1995) Behn (1988) Fonte: Iizuka (2008, p. 75-76) Sobre o processo decisório vale destacar ainda a classificação das decisões através níveis, utilizada por diversos autores, que será apresentada a seguir. De acordo com Mélo, Vieira e Porto (2011) as decisões podem ser estratégicas, táticas ou operacionais. As decisões estratégicas são aquelas que determinam os objetivos da organização de forma ampla, realizada pela alta cúpula diretiva, e envolve aspectos como o planejamento estratégico e o relacionamento externo da organização. As decisões táticas ou administrativas são realizadas em um nível abaixo das decisões estratégicas, geralmente tomadas pela gerência intermediária e objetivam o cumprimento das metas definidas nas decisões estratégicas. As decisões operacionais são tomadas no nível mais baixo da estrutura organicional e se referem ao curso das operações rotineiras (MÉLO, VIEIRA e PORTO, 2011). Tal nivelamento do âmbito e complexidade das decisões é amplamente utilizado na literatura administrativa, expondo de forma bastante burocrática e unidimensional o processo decisório. Alternativas mais transversais de pensar o processo decisório são apresentadas através do entendimento de processos decisórios participativos, que 90 convergem com o entendimento de gestão social, que pressupõe a autoridade decisória compartilhada entre os participantes da ação (TENÓRIO, 2008). Apresentados os principais alicerces da base teórica, serão dispostos a seguir os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa. 91 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS De acordo com Roesch (1994), o intuito da metodologia é descrever como o projeto será realizado, tendo como base os objetivos da pesquisa, através do delineamento e detalhamento de um conjunto de ações que permitam o alcance dos objetivos formulados de forma efetiva. Nesse âmbito, Richardson (2007, p. 22) alerta para a confusão entre método e metodologia, pois para o autor “método é o caminho ou maneira para chegar a determinado fim ou objetivo” enquanto a metodologia “são os procedimentos e normas e regras utilizadas por determinado método”, ou seja, “o método científico é o caminho da ciência para se chegar a um objetivo. A metodologia são as regras estabelecidas para o método científico, por exemplo: a necessidade de observar, a necessidade de formular hipóteses, a elaboração de instrumentos, etc”. Demo (2011, p.26) salienta que “para que um discurso possa ser reconhecido como científico precisa ser lógico, sistemático, coerente, sobretudo bem argumentado” e destaca, a título de demarcação científica, são critérios essenciais para garantia de cientificidade de um trabalho acadêmicos: a coerência, ou seja, a “ausência de contradição no texto”; a sistematicidade, “o esforço de dar conta do tema amplamente”; a consistência, que refere-se a capacidade do texto de resistir à contraargumentação”; originalidade, em vista que a pesquisa apresenta alguma inovação, ainda que em sentido reconstrutivo; a objetivação, que diferentemente da objetividade, trata-se do “compromisso metodológico de dar conta da realidade de maneira mais próxima possível” e; a discutibilidade, que significa “a propriedade da coerência no questionamento” (DEMO, 2011, p. 27-28). Desnudado o entendimento sobre metodologia e critérios de cientificidade de uma produção acadêmica, parte-se para o delineamento dos procedimentos metodológicos que nortearão a presente proposta de pesquisa. 3.1 Caracterização do estudo Em vista da natureza da presente pesquisa, pode-se afirmar que a abordagem mais adequada é a pesquisa aplicada, que segundo Vergara (2007) é motivada pela necessidade de resolver problemas concretos, 92 tendo uma finalidade prática e ao contrário da pesquisa pura é originada pela curiosidade prática do pesquisador. Em perspectiva socioeconômica, Godoy (1995a) comenta que nesse tipo de análise estão envolvidas indagações na formulação de política, planejamento, ou sentidos do mesmo teor. Na pesquisa em questão, as indagações circundam o a participação dos sujeitos nos processo de tomada de decisão nas organizações estudadas, com intuito de analisar tal processo a luz da teoria da gestão social, através de categorias analíticas que serão apresentadas na seção “categorias de análise”. Quanto à abordagem do problema a ser trabalhado, pode-se afirmar que a abordagem qualitativa apresenta-se como a mais adequada, pois considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números (SILVIA; MENEZES, 2001). Minayo e Sanches (2003, p. 239-240) trabalham a abordagem qualitativa “procurando enfocar, principalmente, o social como um mundo de significados passível de investigação e a linguagem comum ou a “fala” como a matéria-prima desta abordagem, a ser contrastada com a prática dos sujeitos sociais”, pois tal abordagem trabalha com valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões. Por abordar de forma intensa as relações sociais, “a abordagem qualitativa só pode ser empregada para a compreensão de fenômenos específicos e delimitáveis mais pelo seu grau de complexidade interna do que pela sua expressão quantitativa”, adequando-se a estudo como de “um grupo de pessoas afetadas por uma doença, ao estudo do desempenho de uma instituição, ao estudo da configuração de um fenômeno ou processo” (MINAYO; SANCHES, 1993, p. 245). De maneira complementar, resgata-se o pensamento de Godoy (1995a) sobre características básicas de uma pesquisa qualitativa, a saber: a) ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento natural; b) caráter descritivo; c) o significado que as pessoas dão aos elementos e à sua vida são a preocupação essencial do investigador e; d) enfoque indutivo na análise de seus dados. Gil (2007, p. 41-43) apresenta a classificação de uma pesquisa quanto aos seus objetivos gerais, por meio de três grandes grupos: i) exploratórias: “têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições”; ii) explicativas: “têm como preocupação central identificar fatores que determinam ou contribuem para a 93 ocorrência dos fenômenos” e; iii) descritivas: “têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relação entre as variáveis”. Mediante tal classificação, entende-se que a presente pesquisa como predominantemente descritiva, que objetiva observar, registrar, analisar e correlacionar fenômenos sem que ocorra a manipulação dos dados, com o intuito de vislumbrar com maior precisão a natureza de determinados fatos e sua relação com outros acontecimentos (CERVO, BERVIAN e SILVA, 2007). Segundo Roesch (1999), os estudos qualitativos podem ser conduzidos através de, no mínimo, três tipos, bastante difundidos, são eles: a pesquisa documental, o estudo de caso e etnografia. Neste trabalho, será utilizada a perspectiva do estudo de caso, que segundo Godoy (1995b), tem o intuito de analisar detalhadamente um determinado ambiente, um sujeito ou uma situação específica. De acordo com Yin (2010, p. 22) a escolha pelo estudo de caso, normalmente acontece, quando: “a) as questões “como” e “porque” são propostas; b) o investigador tem pouco controle sobre os eventos e; c) o enfoque está sobre um fenômeno contemporâneo no contexto da vida real”. Vergara (2007, p.49) comenta que “estudo de caso é circunscrito a uma ou poucas unidades, entendidas essas como pessoas, família, produto, empresa, órgão publico, comunidade ou mesmo país. Tem caráter de profundidade e detalhamento”. Segundo Yin (2010, p. 24) o “estudo de caso permite que os investigadores retenham as características holísticas e significativas de eventos da vida real”, dentro os quais, o autor destaca o comportamento de pequenos grupos e processos organizacionais e administrativos, que convergem com os objetivos propostos nesta pesquisa. Segundo Alves-Mazzotti (2006) os estudos de casos mais comuns focalizam apenas uma unidade de análise (um indivíduo, um grupo, uma instituição, um programa), porém, podem-se ter os estudos de casos múltiplos, que focalizam mais de um objeto, nos quais dois ou mais estudos são conduzidos simultaneamente (vários indivíduos, várias instituições). O estudo de casos múltiplos converge com a proposta de pesquisa, visto que serão analisadas duas organizações, originárias da sociedade civil, em Florianópolis/SC, que desenvolvem atividades voltadas à comunidade, descritas na seção a seguir. 94 3.2 Universo do estudo De acordo com Richardson (2007, p. 157) o universo ou população a ser estudada significa “um conjunto de elementos que possuem determinadas características”. Assim sendo, a escolha das organizações deu-se a partir dos seguintes critérios: i) surgimento vinculado a iniciativas da sociedade civil, através da mobilização social, tendo em vista os pressupostos da perspectiva da gestão social aqui adotada como viés teórico, que privilegia o protagonismo da sociedade civil perante o Estado e o mercado; ii) apresentarem em sua origem traços inovadores quanto ao enfrentamento de demandas sociais e; iii) organização dentro do mesmo espaço territorial, tendo em vista a acessibilidade facilitada aos dados dentro de um espaço de tempo delimitado e aproximações quanto ao contexto socioeconômico do ambiente em que estão inseridas; iv) apresentar certa permanência no tempo, tendo no mínimo cinco anos de constituição formal. Assim as organizações selecionadas foram: a Cooperativa Social de Pais, Amigos e Portadores de Deficiência – COEPAD e a Cooperativa de Mulheres Produtoras de Alimentos da Maricultura COLIMAR, sendo o universo do estudo, especificamente, os atores sociais que compõem tais organizações. 3.3 Coleta de Dados A maneira como um estudo é conduzido, em pesquisas científicas, é delineado através da identificação dos procedimentos metodológicos, sendo a coleta de dados a etapa que destaca a maneira como os dados serão obtidos. Segundo Gil (1999, p.65) o “elemento mais importante para a identificação de um delineamento é o procedimento adotado para a coleta de dados”. Nesse sentido, a presente pesquisa utilizará as seguintes técnicas: entrevistas semi-estruturadas, pesquisa documental, pesquisa bibliográfica e observação não participante. Roesch (1999, p. 165) destaca que “uma das fontes mais utilizadas em trabalhos de pesquisa em Administração, tanto de natureza qualitativa quanto quantitativa, é constituída por documentos” e apresenta alguns exemplos “como relatórios anuais da organização, 95 materiais utilizados em relações públicas, políticas de marketing e recursos humanos, documentos legais, etc”. Godoy (1995) configura a pesquisa documental como o resgate e análise a escritos (jornais, revistas, diários), estatística (que produzem registros ordenados) e, os elementos iconográficos (grafismo, filmes, imagens, entre outros), sendo que tais documentos podem ser de ordem primária, quando produzidos diretamente por pessoas presentes na ocorrência do evento analisado ou secundária por pessoas que não estavam presentes na ocasião da sua ocorrência. De maneira complementar Richardson (2007, p.228) destaca a observação documental “pode ser definida como a observação que têm como objeto não os fenômenos sociais, quando e como se produzem, mas as manifestações que registram estes fenômenos e as ideias elaboradas a partir deles”. Desta forma, documentos institucionais foram consultados, tais como estatutos, manuais de procedimentos, atas de reuniões e assembleias, código de direitos e deveres, entre outros, tendo em vista apontamentos sobre a condução de reuniões, deliberações, formulação de políticas, e melhor compreensão dos valores e crenças organizacionais. Como fontes também foram utilizadas os portais eletrônicos das organizações estudadas e produções audiovisuais relacionadas às mesmas. O segundo instrumento de coleta de dados se constitui em uma pesquisa bibliográfica, que segundo Gil (2007, p. 45) é semelhante à pesquisa documental, apresentando distinção fundamental quanto à natureza das fontes de dados, pois “enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinados assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico”. Vergara (2007) comenta que a pesquisa bibliográfica, é o estudo sistematizado desenvolvido com base em materiais publicados como livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, ou seja, material acessível a todos. Segundo Gil (2007, p. 45) a vantagem principal da técnica “reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”. Na presente pesquisa foram utilizados artigos e livros recentes envolvendo a temática, em especial as pesquisas do Programa de Estudos em Gestão Social (PEGS) e da Rede de Pesquisadores em Gestão Social. 96 Sobre a entrevista, como instrumento de coleta de dados, Martins (2006, p. 27) destaca que “seu objetivo básico é entender e compreender o significado que os entrevistados atribuem a questões e situações, em contexto que não foram estruturados anteriormente, com base nas suposições e conjecturas do pesquisador”. Nessa perspectiva, Richardson (2007, p. 207) afirma que em situação que envolva indivíduos, é essencial a compreensão do que acontece com o outro, desta forma, “a melhor situação para participar na mente de outro ser humano é a interação face a face, pois tem caráter, inquestionável, de proximidade entre as pessoas, que proporciona as melhores possibilidades de penetrar na mente, vida e definição dos indivíduos”, sendo tal interação essencial na pesquisa em Ciências Sociais e a entrevista uma técnica importante no desenvolvimento da relação interpessoal. Segundo Boni e Quaresma (2005), as formas de entrevistas mais utilizada nas Ciências Sociais são a entrevista estruturada, semiestruturada, aberta, entrevistas com grupos focais, história de vida e também a entrevista projetiva. Na presente pesquisa, será feito uso da entrevista semi-estruturada, na qual “o pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal” (BONI; QUARESMA, p.75). Tendo em vista, a flexibilidade do instrumento ao permitir que novos elementos possam surgir ao longo de seu desenvolvimento, trazendo novas perspectivas à pesquisa. O roteiro de perguntas foi elaborado a partir das categorias analíticas, que estão dispostas na seção “categorias de análise” da presente proposta de pesquisa. Nas duas organizações foco do estudo, foram entrevistados membros fundadores das organizações que ainda estavam em atividade, integrantes do corpo administrativo, cooperados, funcionários e voluntários que por indicação ou por observação da pesquisadora apresentaram forte representação e até que novos elementos diferenciados significativos deixaram de aparecer tendo em vista os objetivos dos estudos e as categorias de análise, que serão apresentadas a seguir. Desta forma, foram entrevistados todos os membros da COLIMAR em atuação, que totalizam 6 (seis), incluindo a presidente e demais cooperadas, e no caso da COEPAD foram realizadas 9 (nove) entrevistas, abrangendo membros da diretoria (entrevistados 1, 4 e 5) funcionários (entrevistados 2, 3 e 8), cooperados deficientes 97 (entrevistados 6 e 7) e seus pais (entrevistado 9). Destaca-se que algumas entrevistas não seguiram o roteiro, disposto no apêndice A como no caso dos deficientes intelectuais, pois julgou-se mais adequado conduzir o diálogo de forma mais informal e adaptada ao entrevistado. Por fim, foi utilizada a observação, como instrumento de coleta de dados. Para Marconi e Lakatos (1999) a observação é uma técnica de coleta de dados que objetiva a busca de informações e aproximação com a realidade estudada, que pode ser caracterizada como uma observação não participante, participante, individual, em equipe. Nessa pesquisa optou-se pela realização de uma observação não participante. Segundo Richardson (2007, p.260), “nesse tipo de observação o investigador não toma parte nos conhecimentos objeto de estudo como se fosse membro do grupo observado, mas atua como um espectador atento”, destacando que “baseado nos objetivos da pesquisa, e por meio de seu roteiro de observação, ele procura ver e registrar o máximo de ocorrências que interessa ao seu trabalho”. De acordo com Martins (2006, p.25) “o papel do observador pode ser tanto formal como informal, encoberto ou revelado, pode ser parte integrante do grupo social ou simplesmente periférico em relação a ele”. Nessa pesquisa a observação foi revelada com o acompanhamento da pesquisadora no grupo social, atuando dentro das organizações em dias e horários intercalados, durante dois meses (novembro e dezembro), nos diferentes grupos e divisões das organizações. O roteiro de observação, disposto no apêndice B, foi norteado pelas categorias analíticas, que estão dispostas na seção “categorias de análise” da presente proposta de pesquisa. 3.4 Categorias de análise No entendimento de gestão social utilizado como viés teórico desta pesquisa, a cidadania deliberativa se configura como uma alternativa democrática, transversal nas relações que a sociedade estabelece com os demais atores socais, assim como orientadora maior dos processos de gestão. Nesse sentido, Tenório et al. (2008) destacam a necessidade do desenvolvimento de critérios de avaliação para processos decisórios deliberativos como vinculada ao Programa de Estudos em Gestão Social, no qual os autores estão vinculados, assim como a autora deste projeto de pesquisa. 98 Perante tal desafio, Tenório et al. (2008) desenvolveram com base nos princípios fundamentais da cidadania deliberativa, que tangem a inclusão, pluralismo, igualdade participativa, autonomia e o bem comum, critérios para avaliação de processos decisórios deliberativos. Tais categorias foram utilizadas em trabalhos anteriores para a análise de processos decisórios participativos de políticas públicas, programas de governo, em especial na análise do Programa Territórios da Cidadania, e para análise de arranjos produtivos locais (APL’s), apresentando resultados distintos em cada situação estudada. Acredita-se ser esta a primeira utilização dos critérios em âmbito de organizações construídas coletivamente pela sociedade civil. Com base nesta construção categórica serão resgatadas e adaptadas três categorias de análise que servirão de base para a compreensão dos processos decisórios nas organizações a serem estudadas, a saber: processos de discussão, inclusão, igualdade participativa e autonomia, que serão detalhadas individualmente a seguir, conforme descrição de Tenório et al. (2008). A categoria “processo de discussão” será analisada a partir dos seguintes critérios: canais de difusão, qualidade da informação e pluralidade do grupo promotor, conforme quadro a seguir. Quadro 11: Categoria: processo de discussão CATEGORIA CRITÉRIOS Canais de difusão Processo de discussão Qualidade da informação Pluralidade do grupo promotor Fonte: Adaptado Tenório et. al (2008). Nesta categoria, a preocupação está voltada para igualdade de direitos, caracterizada por um espaço intersubjetivo e comunicativo o qual possibilite o entendimento dos atores envolvidos. Tal categoria desdobra-se em critérios que abrangem, primeiramente os “canais de difusão”, que pressupõe a existência e utilização de canais adequados e que garantam o acesso à informação para a mobilização dos potenciais participantes, pois para “o desenvolvimento da participação faz-se necessária a fluência das 99 informações nos diferentes âmbitos participativos” (TENÓRIO et al., 2008, p.10). A “qualidade da informação” é o segundo critério, tendo em vista a clareza, utilidade e pluralidade das informações, explicitando os objetivos do processo para que os participantes potenciais se envolvam nos processos de discussão (TENÓRIO et al., 2008). A “pluralidade do grupo promotor” envolve o compartilhamento da liderança, ou seja, a capacidade do grupo promotor em compartilhar os processos de discussão e de responsabilidades facilita o envolvimento dos diversos atores envolvidos na discussão e a pluralidade dos atores que promovem as discussões e atividades nas organizações (TENÓRIO et al., 2008, p.10). A categoria “inclusão” será analisada a partir dos seguintes critérios: abertura dos espaços de decisão, aceitação social, política e técnica e valorização cidadã, conforme quadro a seguir. Quadro 12: Categoria: inclusão CATEGORIA CRITÉRIOS Abertura dos espaços de decisão Inclusão Aceitação social Valorização cidadã Fonte: Adaptado Tenório et. al (2008). No que tange a inclusão considera-se que “o poder ilegítimo, que não representa o processo democrático, pode tomar espaços e assim favorecer a tendências endógenas do poder administrativo existente” e representa como categoria, a capacidade dos atores de estarem inseridos nos espaços decisórios (TENÓRIO et al., 2008, p.12). Por “abertura dos espaços de decisão” entende-se a existência de processos e espaços que permitam a maior articulação de interesses dos indivíduos ou grupos que compõem a organização e que favoreçam a negociação de conflitos, capazes de possibilitar “uma chance igual a todos, e consequentemente uma melhora progressiva, contínua e durável das condições de participação nas tomadas de decisões” (TENÓRIO et al., 2008, p. 10). 100 O critério “aceitação social”, representa o “reconhecimento pelos atores da necessidade de uma metodologia participativa” nos processos de tomada de decisão, em diferentes âmbitos (TENÓRIO et al., 2008, p.10). Tendo em vista que as formas de inclusão e de participação devem, primordialmente, valorizar a cidadania, tem-se o critério “valorização cidadã”, que considera o quanto a necessidade de participação e suas implicações são valorizadas pelos próprios cidadãos. Considera-se que quanto maior for esta consciência, maior tende a ser a efetiva participação (TENÓRIO et al., 2008). O critério “igualdade participativa” sugere o “nivelamento das oportunidades de atuação efetiva nos processos de tomada de decisão”, pois “dotados de informação e com acesso livre aos canais de deliberação, qualquer indivíduo (cidadão) ou organização é passível de influenciar as decisões tomadas via processo deliberativo”. Desta forma, discute-se a forma de escolha dos dirigentes e seus respectivos discursos, assim como a avaliação participativa dos atores nos processos de tomada de decisão, conforme quadro a seguir (TENÓRIO et al., 2008, p.13). Quadro 13: Categoria: igualdade participativa CATEGORIA CRITÉRIOS Forma de escolha dos dirigentes Igualdade participativa Discursos dos dirigentes Avaliação participativa Fonte: Adaptado Tenório et. al (2008). Sobre a “forma de escolha dos dirigentes”, procura-se analisar os métodos utilizados na escolha dos representantes da organização e sobre a legitimidade dos mesmos perante os membros das organizações (TENÓRIO et al., 2008). No critério “discurso dos dirigentes” procurou-se identificar a valorização da participação pelos representantes em seus discursos, sendo necessário “considerar em que medida se percebe que a participação é evidenciada como importante no discurso dos representantes”, com foco na estruturação, disseminação e impacto dos 101 discursos exercidos por representantes de diversos grupos durante o processo de deliberação (TENÓRIO et al., 2008, p.10). Busca-se identificar através do critério “avaliação participativa”, as intervenções dos participantes no acompanhamento e avaliação nos processos de tomada de decisão, “dando a oportunidade aos participantes de exercer a autocrítica, qualificar as implicações dentro do processo” (TENÓRIO et al., 2008, p.13). A quarta e última categoria, “autonomia”, significa, em linhas gerais, a “apropriação indistinta do poder decisório pelos diferentes atores”, implicando no direito de escolha e aceitação ou não das condições vigentes (TENÓRIO et al., 2008, p.11). Tal categoria desdobra-se nos critérios de alçada dos atores, perfil da liderança e possibilidade de exercer a própria vontade, conforme descrito no quadro a seguir. Quadro 14: Categoria: autonomia. CATEGORIA CRITÉRIOS Alçada dos atores Perfil da liderança Autonomia Possibilidade de exercer a própria vontade Fonte: Adaptado Tenório et. al (2008). O critério que tange a “alçada dos atores” visa verifica com que intensidade os atores organizacionais podem intervir nas problemáticas discutidas dentro das organizações (TENÓRIO et al., 2008). O “perfil de liderança” foi analisado tendo em vista as “características da liderança em relação à condução descentralizadora do processo de deliberação e de execução” (TENÓRIO et al., 2008, p.11), tendo em vista que a “liderança deve ser capaz de mobilizar os poderes e atores, porém, não de forma autoritária, pois os objetivos do grupo são anteriormente discutidos” (TENÓRIO et al., 2008, p.14). O último critério desta categoria destaca a “possibilidade de exercer a própria vontade”, analisar a configuração do exercício das vontades individuais e a existência de instituições, normas e procedimentos que permitam o exercício da vontade individual ou 102 coletiva dos diferentes atores sociais dentro da organização (TENÓRIO et al., 2008). 3.5 Análise de dados O tratamento destinado material coletado foi feito, inicialmente, mediante transcrição literal das entrevistas, que foram registradas através de um gravador de voz, de maneira a garantir a fidelidade das informações. Os dados coletados por meio de observação não participante foram contextualizados e registrados em arquivo digital logo após sua ocorrência, visando garantir maior integridade das informações e a temporalidade das ocorrências. Os materiais bibliográficos e documentais coletados foram organizados em programa de gerenciador de arquivos digitais, caso estejam em formato pertinente ou quando impressos, analisados e registrados aspectos relevantes dos mesmos em arquivos digitais. Análise do material se deu mediante a técnica de análise de conteúdo e análise de documental. Bardin (2004) apresenta diferenciações fundamentais entre as suas perspectivas, visto que a análise de documental trabalha com documentos e objetiva a representação condensada da informação para consulta e armazenagem em vista da determinação fiel dos fenômenos sociais (RICHARDSON, 2007), enquanto a análise de conteúdo trabalha com mensagens (comunicações) e a manipulação de mensagens (conteúdo e expressão desse conteúdo) e verifica indicadores que permitam inferir sobre uma realidade diferente daquela evidenciada na mensagem. Segundo Martins (2006), a análise de conteúdo é adequada para analisar a comunicação de maneira objetiva, através da busca de inferências confiáveis de dados com respeito a determinado contexto, a partir de discursos orais de seus atores e materiais textuais. Sobre tal técnica, Bardin (2004) destaca três etapas fundamentais, a saber: a pré-análise, a descrição analítica e o tratamento dos resultados. Sobre a primeira etapa Richarson (2007, p. 231) salienta que ela “visa operacionalizar e sistematizar as ideias, elaborando um bom esquema preciso de desenvolvimento do trabalho”, e em perspectiva qualitativa, Dellagnelo e Silva (2005) destacam a flexibilidade, desta etapa, em atividades como a escolha dos documentos, a formulação dos objetivos, a referenciação de índices, a elaboração de indicadores e a preparação do material. 103 A etapa seguinte corresponde à descrição analítica, que “consiste basicamente na codificação, categorização e quantificação da informação” (RICHARDSON, 2007, p. 233). A codificação refere-se a uma unidade de registro (palavra, tema, objeto, entre outros) e de contexto (utilizada para codificar uma unidade de registro, trata-se de uma unidade de compreensão), regras de quantificação ou de enumeração, em estudos quantitativos o cálculo da frequência é bastante utilizado, já em perspectivas qualitativas, pode-se usar atributos como intensidade e direção e, a categorização deve atentar para características com: exaustividade, exclusividade, concretude, homogeneidade, objetividade e fidelidade, sendo a análise temática a mais utilizada (DELLAGNELO e SILVA, 2005). Desta forma, na presente pesquisa, a análise dos dados foi realizada mediante categorias de análise pré-estabelecidas, a saber: processos de discussão, inclusão, igualdade participativa e autonomia e, através do confronto entre o entendimento de gestão social e as práticas observadas nas organizações focadas na pesquisa. E como sugerem Dellagnelo e Silva (2005) para enfoques qualitativos, foi utilizada um escala de intensidade, para aproximação de cada critério e suas respectivas categorias de análise, aos pressupostos de gestão social em contraponto com a gestão estratégica, tendo o em vista o seguinte entendimento de Tenório (2008a, p.25-26) ao destacar que “gestão social contrapõe-se a gestão estratégica à medida que tenta substituir a gestão tecnoburocrática, monológica, por um gerenciamento mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de diferentes sujeitos sociais”. A escala utilizada para mensuração das intensidades está disposta na tabela a seguir: 104 Tabela 1: Escala de intensidades para avaliação de categorias de análise da pesquisa Escala Correspondência 5 Aproximação alta com os pressupostos da gestão social. 4 Aproximação média com os pressupostos da gestão social. 3 Aproximação da gestão social e gestão estratégica em mesma intensidade. 2 Aproximação média com os pressupostos da gestão estratégica. 1 Aproximação alta com os pressupostos da gestão estratégica. Fonte: Elaboração própria Destaca-se que a palavra “média”, aqui utilizada, não tem conotação estatística, e sim, refere-se a um “meio termo”, ou seja, uma aposição entre uma aproximação “alta” e uma aproximação “alta” dos pressupostos trabalhados. A última etapa relaciona-se ao tratamento dos resultados, onde são realizadas inferências e a interpretação dos dados (GIL, 2007), é o momento no qual reflexões são propostas, contradições constatadas e a compreensão dos fenômenos é desenvolvida (DELLAGNELO e SILVA, 2005). 3.6 Limitações do trabalho A pesquisa encontrou limitações proporcionadas pelas demarcações realizadas a fim de tornar o estudo viável, que limitaram o estudo das categorias de análise aos critérios pré-estabelecidos, ainda que outras variáveis apresentassem potencial de contribuir para compreensão mais ampla e aprofundada dos fenômenos estudados. 105 4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Neste capítulo os dados coletados serão descritos e analisados de forma sequencial, apresentando, primeiramente, a caracterização da organização e, em seguida, as categorias de análise subdivididas em tópicos, assim como os critérios que a compõem, obedecendo a seguinte ordem: 1) processo de discussão; 2) inclusão; 3) igualdade participativa e; 4) autonomia. O primeiro caso exposto é o da Cooperativa Social de Pais e Amigos dos Portadores de Deficiência (COEPAD) e, posteriormente, será apresentado o caso da Cooperativa de Mulheres Maricultoras de Governador Celso Ramos (COLIMAR). 4.1 CASO 1: Cooperativa Social de Pais e Amigos dos Deficientes 4.1.1 Caracterização da Cooperativa de Pais, Amigos e Portadores de Deficiência – COEPAD A Cooperativa de Pais, Amigos e Portadores de Deficiência – COEPAD é uma entidade social, que objetiva proporcionar capacitação e trabalho as pessoas com deficiência intelectual, contribuindo para o resgate de sua autoestima e o exercício de sua cidadania, com a colaboração dos associados, instrutores, monitores de trabalho e demais colaboradores (COEPAD, 2012). A iniciativa surgiu no ano de 1998, após a dissolução de classes especiais em um colégio da região, conforme relato do entrevistado 1: Quando chegou a época braba (sic) da inclusão, o governo queria incluir de qualquer jeito, não dava recurso, mas interferia, aí o colégio chamou os pais dos alunos daquele grupo, e falou o seguinte: esse é o último ano que nós vamos trabalhar com esse grupo, nós vamos continuar com a inclusão, mas vamos incluir lá no início do colégio, os novos. Vocês tem um ano pra tomar uma decisão, tomar um caminho para seus filhos. De acordo com o entrevistado 1, várias alternativas foram cogitadas, porém, como tratava-se de deficientes intelectuais adultos, o trabalho surgiu como melhor alternativa de inclusão: 106 Começamos a discutir: vamos fazer outra escola? Não tem sentido. Voltar para a APAE? Ela não se encaixava mais para elas. Ir pra Fundação Catarinense? Também não. Já estavam todos adultos, com 18, 20 anos, quem se alfabetizou, alfabetizou, quem não alfabetizou até essa época, agora depois de tantos anos não ia se alfabetizar mais, podia melhorar alguma coisa, mas não alfabetizar. Então vamos fazer alguma coisa pensando no trabalho. Vamos tentar incluí-los no trabalho. Para poder se tornar cidadão. Cidadão com seus diretos e suas obrigações. Tentar ver como eles podiam trabalhar. A partir de então, reuniões frequentes passaram a ser realizadas, com a participação de cerca de 30 pais, com caráter bastante deliberativo, “nós fizemos tudo em coletividade, conversando, discutindo, nós tivemos um ano todo de preparação, nós fizemos o seguinte, no próprio colégio a gente fez muitas reuniões de pais, a gente começou a discutir o que fazer até que se chegou à conclusão que seria uma cooperativa” (ENTREVISTADO 2). Segundo um dos fundadores da cooperativa a falta de recursos e conhecimento no segmento foi o desafio inicial “nós não tínhamos nada, não tinha dinheiro, não tinha vivência nenhuma, nem experiência nesse sentido de cooperativa” (ENTREVISTADO 1). Para superar essa dificuldade, cerca de trinta pais dividiram-se em três grupos em busca e soluções, “um grupo foi estudar como fazer o estatuto, outro grupo foi procurar local onde poderia instalar e um terceiro grupo foi levantar o que poderia ser feito como produto da cooperativa, já que tínhamos definido que seria cooperativa de produção” (ENTREVISTADO 2). Após o levantamento das possibilidades decidiu-se por produtos que tivessem como base o papel reciclado, como relata o entrevistado “a gente trabalhou muito, fazia reunião de 15 em 15 dias, quando chegou no final nos listamos 50 produtos que poderíamos fazer, e depois foi por eliminação, a gente discutiu e ficaram em 5, que é o papel reciclado e que hoje é nossa matéria prima para quase todos os nossos produtos (ENTREVISTADO 1). Após um ano de reuniões e busca de recursos a Fundação Vidal Ramos, entidade filantrópica sediada em Florianópolis/SC, cedeu cerca de 150m² de área física para instalação do projeto. No local foi instalada 107 a primeira oficina, para fabricação de papel artesanal, reciclando papel doado pela comunidade e em seguida a confecção de produtos com o material reciclado, “papel, vamos fazer papel. Vamos arrecadar com a comunidade. A gente movimentou muito a comunidade ali em torno da gente. A gente tomou como hábito, como definição, o seguinte: nós vamos trabalhar na área ecológica, tentar fazer o máximo possível dentro da área ecológica” (ENTREVISTADO 2). Além da preocupação ecológica, a qualidade dos produtos e superação do caráter assistencialista na comercialização sempre foi preocupação: Nós não queríamos produzir alguma coisa e que as pessoas comprassem, adquirissem por pena, “ah, é feito por deficiente, eu compro e depois na primeira lata de lixo jogo fora”. Esse lado das pessoas terem pena é difícil de tirar, mas que comprem um produto que possam usar, que seja útil. Foi uma das coisas que a gente primou (ENTREVISTADO 1). Em 1999, o grupo buscou auxílio na Organização das Cooperativas do Estado de Santa Catarina (OCESC), que orientou a formação da Cooperativa Social de Pais, Amigos e Portadores de Deficiência - COEPAD, fundada no dia 16 de novembro de 1999, sendo a primeira cooperativa para portadores de deficiência do Brasil. A entidade tem como princípio a importância do direito de ser e estar feliz, aprender, produzir e fazer parte da sociedade. A sociedade Vida e Movimento, uma entidade sem fins-lucrativos e filantrópica incorporou legalmente a Cooperativa, sendo a proprietária do imóvel e do projeto da cooperativa, “foi feito um convênio de parceria com a cooperativa por 20 anos, renovável mais 20, mas a diretoria somos nós mesmos, quer dizer, é tudo nosso” (ENTREVISTADO 1). A associação iniciou suas atividades com vinte trabalhadores com deficiência intelectual e atualmente atuam quarenta. Os cooperados são divididos em duas categorias: 1) portadores de deficiência intelectual, participantes das oficinas de trabalho e das demais atividades da Cooperativa; 2) os pais e amigos dos portadores de deficiência intelectual; 3) voluntários, que em dias alternados, auxiliam nas atividades rotineiras e funcionários contratados da área administrativa e coordenadores de oficinas (ESTATUTO SOCIAL). 108 Os pertencentes à primeira categoria, que considerados incapazes perante a legislação são representados por pais, tutor ou responsável. A produção da cooperativa é dividida em três oficinas, a de produção de papel, a oficina de cartonagem e a oficina de serigrafia, todas formadas por deficientes e voluntários e coordenadas por um funcionário da cooperativa. Quase todo o trabalho produtivo é realizado pelos cooperados, apenas alguns processos de cortes, que oferecem riscos são terceirizados e a parte de costura dos produtos, que vem sendo realizada através de uma parceria com uma associação de mulheres de pescadores em Biguaçu/SC, porém para atender o aumento da demanda uma oficina de costura está sendo desenvolvida. Eles desenvolvem trabalhos de reciclagem de papel, confecção de brindes e materiais institucionais (agendas, blocos, envelopes) e personalização de produtos através da serigrafia, bolsas retornáveis, tendo como premissa a preservação do meio-ambiente e o uso de materiais não poluentes, como por exemplo, a produção do “papel semente”, que depois de usado, pode ser jogado na terra, como forma de plantar a semente. Anualmente é realizado um concurso na cooperativa que seleciona alguns desenhos feitos pelos deficientes para estampar os cartões de natal produzidos. Figura 02: Produtos COEPAD Fonte: COEPAD (2012) Os produtos que inicialmente eram vendidos apenas mediante contato direto com empresas, atualmente são comercializados em uma loja no Centro de Eventos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e através de uma vendedora da Cooperativa. Um estudo recente 109 realizado com os docentes da UFSC demonstrou que 86% dos professores desconhecem a existência da COEPAD dentro da Universidade e 95% não sabem que os canudos nos quais os diplomas de formatura são colocados e oferecidos aos alunos na solenidade de colação de grau são confeccionados pela COEPAD, demonstrando a pouca visibilidade da cooperativa e de sua parceria com a UFSC em âmbito institucional (BARBOSA, 2012). Figura 03: Espaço de comercialização da COEPAD no Centro de Eventos da UFSC. Fonte: COEPAD (2012) A entidade se mantém com o retorno obtido na venda de seus produtos, “nós vivemos do que fazemos, não temos ajuda de ninguém, o governo não põe dinheiro aqui, e a gente nem quer muito, porque o governo para pôr dinheiro ele quer mandar, e a gente perde o controle” (ENTREVISTADO 1). O entrevistado destaca ainda que o apoio maior vem de empresas “para o governo pedimos uma coisa ou outra, mas a maioria são para empresas”. Os equipamentos adquiridos pela Cooperativa foram viabilizados mediante realização de projetos junto às 110 empresas, “todos os equipamentos que temos aqui foram adquiridos através de projetos” (ENTREVISTADO 1). O lucro obtido é destinado parcialmente à melhoria da Cooperativa e parte para dividendos dos cooperados deficientes. Segundo o entrevistado 3 a renda é simbólica “eles ganham, por mês, 150 reais. Nós não podemos pagar mais do que isso. Cada um ganha esse dinheiro como forma de ajuda”, porém bastante significativa “eles ganham esses 150 reais e ficam felizes da vida, se sentem mais gente”. Alguns deficientes são contratados de empresas privadas e cedidos para a cooperativa, pois, segundo relatos, muitas empresas não tem alocação para pessoas com deficiência em suas atividades ou ainda preferem não tê-las em suas atividades, porém precisam cumprir as disposições legais, que exigem que determinado percentual do quadro de trabalhadores seja composto por deficientes. Relatou-se que mais importante que o dinheiro recebido pelos cooperados, a busca pela independência dos mesmos é um trabalho especial realizados na cooperativa, “nós fizemos nesses anos todos, um trabalho especial que é o seguinte: nós falamos para as famílias “vocês querem um filho independente? “Então vamos torná-los independentes’” (ENTREVISTADO 1). Para tanto, a cooperativa incentiva que eles aprendam a ir trabalhar sozinhos, peguem ônibus, levem o próprio lanche, “não somos paternalistas mesmo, a gente não quer dar isso, dar aquilo, aquele assistencialismo, a gente quer que eles aprendam, que tenham mais autonomia” (ENTREVISTADO 1). O presidente ressalta a dificuldade em ter o entendimento dos pais quanto à proposta, “foi mais difícil convencer os pais do que a gurizada. Porque os pais, a tendência natural é proteger, o filho é deficiente então vou proteger. Esse novo trabalho visa, primeiro, incluir, colocar o deficiente no trabalho, aqui é um local de trabalho; segundo, gerar independência em cada um, e; terceiro, desenvolver o trabalho na linha ecológica” (ENTREVISTADO 1). Outro desafio foi superar a ideia assistencialista que, comumente, se tem das atividades desenvolvidas por deficientes “nós começamos a colocar na cabeça das pessoas, dos pais principalmente, que isso aqui não é uma escola, não é coisa de assistência social, é uma empresa. A cooperativa como empresa, tem direitos e obrigações. Tem que chegar no horário certo, assinar o ponto e tem que vir trabalhar” (ENTREVISTADO 2), destacando-se que apenas as pessoas que apresentam condições de trabalho podem se integrar a cooperativa, “só 111 vem pra cá aquele que trabalha, tem muitos pais que vem aqui “ah quero botar meu filho”, aqui não é depósito, nem escola, se ele não tem condições de trabalho ou não quer, vai para a APAE, que tem programas para isso, nós não temos, nosso programa é trabalho” (ENTREVISTADO 1). A experiência na realização das atividades de produção e a educação formal não são exigências para ser cooperado, desde que tenha condições de trabalho, conforme relata o entrevistado 2 “ele (deficiente intelectual) pode não saber muita coisa, não precisa saber ler, nada disso, se tiver condições de trabalho a gente trabalha com eles, promove, ensina (...) se ele só rasga papel, e tem condições de fazer, então ele pode ficar”. O aceite de voluntários é realizado mediante algumas exigências, que tangem principalmente o comprometimento com a organização e com o trabalho a ser realizado. Para isso, os voluntários precisam preencher uma ficha informando a disponibilidade de horários e fixando ao menos um dia da semana, o período (manhã ou tarde) em que vão trabalhar e a oficina que desejam atuar. Segundo o entrevistado 1, as exigências visam garantir que o voluntariado não seja encarado de forma descompromissada e atendendo a interesses pessoais “a gente abre, mas nós somos exigentes, porque se não vira um lugar de madame vir, e aqui não é lugar de madame vir passear ou se expor, para dizer que trabalha aqui e aparecer no jornal” . Ressaltou-se nas entrevistas a dificuldade de inserção dos deficientes ao mercado de trabalho, devido à falta de adaptação de estruturas, pessoas e processos as necessidades dos mesmos. Segundo relatos, as exigências legais estão à frente da realidade das empresas, criaram-se leis sem que houvesse mudanças nas estruturas e relações de trabalho, conforme pode-se observar nas falas do entrevistado 4, “fizeram uma lei, mas não adianta empurrar eles para o mercado, eles acabam ficando isolados, não se socializam, e isso é importante para eles”, e do entrevistado 2: Aqui tem uma estrutura que se adapta a eles, no mercado lá fora as pessoas não estão preocupadas e não estão preparadas, por isso que eu digo, isso de colocar eles no mercado tudo bem, mas precisa de uma estrutura, uma preparação, conscientização, a não ser que em cada local tivesse uma pessoa preparada para 112 trabalhar com eles, porque precisa ter paciência, eles tem limites. O entrevistado 3, salienta a importância da criação de ambientes de trabalhos para os deficientes “o governo deveria ir além das leis, deveria criar alternativas de trabalho para eles, de preparação e não só essas Apaes, tem pessoas que nem precisariam ir para lá”. O diálogo com os deficientes intelectuais, que já atuaram em outras organizações, corroborou as informações sobre as dificuldades enfrentadas, conforme relatou o entrevistado 6, “eu já trabalhei no mercado X (rede de supermercados da grande Florianópolis), mas eu não gostei e voltei pra cá (COEPAD) (...), lá eles não tratavam a gente igual aqui”, os entrevistados 7 e 8, respectivamente, relataram suas experiências, “aqui a gente tem amigo, todo mundo conversa, e lá não tem nada disso”, “eu tinha carteira assinada, mas aqui eu gosto mais, porque tem amigos”. Um aspecto marcante na cooperativa é a importância que os deficientes dão ao coral formado por eles, em diversos momentos durante a observação, o assunto do coral foi tratado com grande entusiasmo e extrema alegria, sendo a pesquisadora convidada para assistir aos ensaios e a apresentação realizada em um evento da cooperativa, “você vai ver o nosso ensaio, né? Vai ver como é lindo (ENTREVISTADO 7)”. De acordo com a organizadora do coral ele apresenta resultados bastante positivos: Para eles é uma realização incrível, saber que eles podem cantar, serem aplaudidos, ajuda na autoestima, no bem estar deles e tem outra coisa, na responsabilidade, de ter que ensaiar em casa as músicas, de ter que combinar com o amigo de ensaiar para a apresentação em dupla, é uma forma de aprendizado e crescimento também (ENTREVISTADO 3). O lazer também é valorizado na organização, todas as sextasfeiras não há expediente para os deficientes, que realizam atividades esportivas, através de uma parceria firmada com o institudo Guga Kuerten, que promove as atividades e disponibilizam espaço físico para a sua realização. A atividade também é vista com grande apreço pelos deficientes. 113 A entidade possui também parcerias com empresas privadas, fundações e instituições públicas, como a Fundação Banco do Brasil, a rede Angeloni, a Universidade do Vale do Itajaí, Petrobrás, dentre outras. Além da parceria com a UFSC (com a cessão do espaço para a loja da COEPAD), que pretende ser ampliada através da integração entre os alunos e a cooperativa,“nós fizemos um projeto e mandamos pra UFSC para fazer parcerias com os cursos, psicologia, educação física, com os cursos relacionados com as nossas necessidades aqui, poderíamos fazer projetos, estágios com a gente, essas coisas, mas ainda não saiu”. O projeto foi enviado a mais de um ano, sem avanços em sua concretização (ENTREVISTADO 1). A seguir será apresentada a descrição e análise dos dados com base nas categorias: processo de discussão, inclusão, igualdade participativa e autonomia. 4. 1. 2 Descrição e análise dos resultados com base nas categorias 4.1.2.1 Avaliação da COEPAD segundo a Categoria 1: Processo de discussão Para análise desta características deliberativas primeiramente, os critérios difusão; 2) qualidade da promotor. categoria, que visão compreender as dos processos decisórios, serão analisados, a ela relacionados, a saber: 1) canais de informação e; 3) pluralidade do grupo 4.1.2.1.1 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 1: Canais de difusão Os canais de difusão da informação visualizados na cooperativa estão voltados mais à comunicação oral. Durante as observações realizadas verificou-se que as informações são disseminadas, predominantemente, através do diálogo informal entre seus membros e através de reuniões programadas (ver figura 08) e as solicitadas pelos cooperados, principalmente os membros da administração e os coordenadores de oficinas. Para os pais, representantes legais dos cooperados deficientes, que não participam da cooperativa e não comparecem às reuniões, o informes são enviados de forma escrita, através de comunicados. O uso de correspondências eletrônicas não é realizado, pois segundo o entrevistado 1 “não fizemos por e-mail porque 114 a grande maioria do nosso pessoal não tem e-mail, não adianta, as pessoas são pessoas simples, a metade pelo menos são simples, a gente faz por correspondência mesmo, faz comunicado e cada um leva seu comunicado para casa, funciona melhor”. São utilizados murais dispostos nos corredores da cooperativa, um deles destinado a informes de sobre a programação das reuniões e a organização da produção (informações sobre os pedidos, sequência da produção, prazos), outro apresenta reportagens realizadas com a cooperativa e um terceiro, chamado de “nossas reflexões”, apresenta como a cooperativa é constituída, alguns de seus valores, dentre outras coisas, conforme é possível verificar nas imagens a seguir: Figura 04: Mural COEPAD Fonte: Foto tirada pela autora. 115 Figura 05: Mural COEPAD Fonte: Foto tirada pela autora. Figura 06: Mural COEPAD Fonte: Foto tirada pela autora. 116 Figura 07: Mural de produção COEPAD Fonte: Foto tirada pela autora. Nesta última figura apresentada, fez-se uma reprodução da programação da cooperativa para conhecimento de como as informações são dispostas, conforme figura 08. 117 PROGRAMAÇÃO COEPAD/VIDA E MOVIMENTO – 2011 REUNIÃO DE PRODUÇÃO: em todo o pedido de confecção de produtos, Guilherme e Carlos devem se reunir com os Coordenadores de Oficina s para distribuição dos serviços. REUNIÃO DA DIRETORIA: quinzenal, duas preferencialmente às quartas, com início às 19:30. reuniões mensais, REUNIÃO COM OS PAIS: trimestral, as quartas à noite. REUNIÃO COM OS VOLUNTÁRIOS: trimestral, as quintas à tarde. REUNIÃO COM OS COORDENADORES DAS OFICINAS: bimestral, às sextas à tarde. PEDIDO DE MATERIAL/EQUIPAMENTO: a ser feito pelos Coordenadores das Oficinas, duas vezes por mês, sempre nas 1° e 3° segunda-feira de cada mês. AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: semestral. TARDE DE INTEGRAÇÃO (IGK): toda sexta. COMEMORAÇÃO DE ANIVERSÁRIOS DOS COOPERADOS: última sexta do mês (pela manhã) última quinta do mês (à tarde) MARÇO 04 (sexta, à tarde) - Reunião da diretoria com os Coordenadores das Oficinas. 30 (quarta, à noite) – Assembleia Geral da COEPAD. 31 (quinta, à tarde) – Reunião de diretoria com os Voluntários. Figura 08: Programação COEPAD. Fonte: Reprodução de foto tirada pela autora. Um aspecto interessante remete-se a figura do presidente da cooperativa, que é considerado como um “veículo de comunicação”, pois diariamente, ao chegar à cooperativa percorre, inicialmente, a área administrativa, onde é informado sobre as atividades e alguns informativos que precisam ser repassados, sobre os mais diversos assuntos, e a seguir percorre todas as oficinas de trabalho, nas quais conversa com os grupos de trabalho, coordenadores, e demais funcionários e voluntários que encontra no caminho, fazendo com que a informação flua em diferentes âmbitos, como é possível verificar na fala com o entrevistado 3: 118 Ele sempre ao chegar, conversa com todo mundo, passa em cada oficina, dá bom dia, pergunta se está tudo bem, conversa, então ele acaba se tornando um porta-voz entre a gente, o que aconteceu na reunião, o que a gente está planejando fazer, se tem algo para organizar, enfim, e ele é uma pessoa muito transparente, muito clara. A transparência é apontada por Castellà e Parés (2012) como essencial para que os participantes do processo decisório possam saber o que está acontecendo e como as decisões são tomadas, e para que isso ocorra, os autores destacam a necessidade de informações claras,úteis e plurais. Segundo o entrevistado 1, os meios de comunicação utilizados são capazes de mobilizar os atores em âmbito interno, porém o relacionamento da cooperativa com o ambiente externo é considerado bastante frágil: Internamente a nossa comunicação é boa, consegue mobilizar, convergir os propósitos, mas até hoje não divulgamos a nossa história para fora, muita gente não sabe nem o que é a COEPAD e nos já estamos há 13 anos, então é uma falha muito grande, a gente tem site, mas as pessoas não abrem, ele também não é dos melhores, nós não divulgamos esse lado, do que é a cooperativa, o que faz, o lado social, por exemplo, um produto que é o papel semente, ecológico, para conscientizar as pessoas, depois de usar, planta e nasce flores, plantas, enfim, é uma coisa nova e nos não divulgamos, as pessoas não sabem, só nos sabemos,então nos temos essa falha muito grande. A cooperativa chegou a confeccionar um jornalzinho eletrônico, que era distribuído entre seus membros e pessoas que o solicitassem, porém foi extinto há alguns anos. Visto os canais de difusão apresentados e sem julgar, neste momento, o mérito das informações contidas neles e a pluralidade na promoção destes canais, verifica-se certa pluralidade dos canais de difusão e que tais canais, se utilizados de forma indiscriminada, são capazes de proporcionar acesso à informação para a participação de 119 diferentes atores nos processos decisórios em âmbito institucional. Resgatando o pensamento de Castellà e Parés (2012, p.228), destaca-se que a “facilidade do acesso a informação favorece situações de atuação de maior igualdade entre os participantes durante o processo e uma maior transparência”, sendo essencial para a qualidade do processo participativo (CASTELLÀ; PARÉS, 2012, p.228). Dispostos os canais de disseminação da informação, parte-se agora para a análise das informações difundidas. 4.1.2.1.2 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 2: Qualidade da informação Quanto à clareza e a utilidade das informações é possível afirmar que a informações são repassadas de forma entendível e possuem importância para que os membros da cooperativa possam estar integrados das atividades, conforme relato do entrevistado 4, “a gente sempre tenta fazer com as informações cheguem de uma forma clara para todos, que estejam sempre por dentro dos assuntos gerais da cooperativa (...) e a gente direciona também, o que é relevante para a cartonagem, o que é para a papel”. E do entrevistado 2: O que passam para a gente é fácil de entender, não tem nada muito técnico que a gente não consiga entender, e se tiver, alguém explica (...) e assim, da utilidade, são úteis sim (as informações), para o que a gente precisa, dá subsídios para estarmos interados do que acontece na cooperativa, e a gente precisa saber das atividades para encaminhar o nosso trabalho de uma forma melhor também. Os relatos do entrevistado 3 permitem esclarecimentos sobre diversidade das informações, segundo ele, nem todas as informações são compartilhadas, ainda que haja liberdade para indagações. Ao ser perguntado se todas as informações eram compartilhadas na cooperativa, o entrevistado respondeu “algumas coisas, nem tudo né, o que pertence ao escritório, na direção, fica com eles, mas temos a liberdade para chegar e conversar, perguntar”. De acordo com Castellà e Parés (2012) é essencial que o processo participativo conte com suficientes recursos humanos, materiais, de 120 tempo e também de informação. Com relação a este último, destacam que é necessário que o processo participativo “permita aos cidadãos conhecerem com maior intensidade a temática que lhe é proposta,com informação suficiente ( e que seja clara e plural) que lhe possibilite pronunciar-se de maneira coerente e rigorosa sobre as principais alternativas existentes” (CASTELLÀ; PARÉS, 2012, p.228). Desta forma, verifica-se que a qualidade da informação apresenta aspectos positivos quanto à clareza e utilidade da informação, porém a diversidade limitada das informações fragiliza a socialização e democratização das mesmas. 4.1.2.1.3 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 3: Pluralidade do grupo promotor Verificou-se na cooperativa que a promoção de espaços de deliberação e as conduções das atividades e discussões são feitas, predominantemente, pela presidência da cooperativa e pelos seus gerentes, tendo em vista que é o corpo administrativo que determina o cronograma das reuniões e sua periodicidade. O cronograma que determina as reuniões permanece fixado nos murais da organização, onde pode-se observar que as reuniões determinadas aparecem com as seguintes terminologias “reunião da diretoria com os coordenadores das oficinas”, “reunião da diretoria com os pais”. Durante as observações foi possível verificar certa centralidade dos processos em dois membros da cooperativa, a atual diretora geral e o presidente da cooperativa, que desempenha um papel importante, visto que os membros conferem ao mesmo grande estima e confiança. Observou-se por vezes os membros da cooperativa, inclusive pertencentes à diretoria, ao iniciarem um discussão informal sobre o assunto, falarem “vamos esperar o seu XX (presidente da cooperativa) chegar e a gente conversa sobre isso com ele”. Acontecimentos de mesma natureza foram observados, fazendo referencia à diretora em questão. A centralidade da promoção dos processos deliberativos é encontrada também em estatuto, que dispõe sobre a assembleia geral dos cooperados, órgão supremo da cooperativa, e salienta que as assembleias são habitualmente convocadas e dirigidas pelo Presidente da Cooperativa, após deliberação do Conselho de Administração. 121 4.1.2.1.4 Considerações gerais sobre a categoria “Processo de discussão” Com base na análise dos critérios que compõem a categoria aqui discutida é possível afirmar que os canais de difusão da informação são plurais e acessíveis, perpassando diferentes âmbitos da organização com clareza, características que aproximam com o entendimento de cidadania deliberativa e de gestão social. Todavia, a pouca diversidade nas informações disponíveis, aliada a centralidade na promoção das discussões, fragiliza o caráter democrático e confere certa unidimensionalidade ao processo de discussão, características comuns à gestão estratégica, justificada talvez pela necessidade de fortalecer a gestão da cooperativa de trabalho e não de como uma organização assistencialista. 4.1.2.2 Avaliação da COEPAD segundo a Categoria 2: Inclusão A categoria “inclusão” tem a pretensão de discutir as possibilidades de inclusão dos atores nos espaços decisórios e será analisada a partir dos seguintes critérios: 1) abertura dos espaços de decisão; 2) aceitação social, e; 3) valorização cidadã. 4.1.2.2.1 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 1: Abertura dos espaços de decisão O estatuto social da COEPAD dispõe sobre a realização da assembleia geral dos associados (ordinária ou extraordinária), que deve ser formada por todos os deficientes e todos os pais, é o órgão supremo da Cooperativa, responsável pela tomada de decisão de interesse da sociedade, e suas deliberações vinculam a todos. Segundo o estatuto ela é tradicionalmente convocada e dirigida pelo presidente da cooperativa, após deliberação do Conselho de Administração, mas poderá ser convocada pelo Conselho fiscal ou por 1/5 (um quinto) dos associados, após solicitação não atendida. Os trabalhos devem ser conduzidos pelos convocantes e a mesa composta pelos principais interessados na discussão e as decisões serão tomadas por maioria simples de votos dos associados presentes, tendo peso igualitário. A assembleia geral ordinária deve ser realizada obrigatoriamente uma vez por ano e delibera sobre a prestação de contas, eleições (quando necessário), dentre outros tópicos e assuntos de 122 interesse social. A assembleia geral extraordinária é realizada sempre que necessário sobre qualquer assunto de interesse da Cooperativa (ESTATUTO SOCIAL, capítulo V, artigos 31, 32). Segundo o entrevistado 5, as três categorias de cooperados, citadas na caracterização da organização, participam das assembleias, “tem as três categorias que participam, e tem os funcionários, junto com a direção”. O entrevistado 4 relata que as assembleias são compostas, majoritariamente, pelos pais dos cooperados “são mais os pais, eles vem com os cooperados, mas numa assembleia dessas são representados pelos pais, para discutir as dificuldades, problemas”. O entrevistado 1 relata que os assuntos tratados em assembleia são bastante deliberados “nossas assembleias são bem concorridas e são bem debatidas, quem tiver dificuldades pode colocar, argumentar sobre um assunto em pauta, a gente busca criar as condições para o pessoal debater”. O estatuto prevê os direitos e deveres dos cooperados disposições sobre os espaços de deliberação. Dentre os direitos dos associados destacam-se: tomar parte nas assembleias gerais e discutir e votar os assuntos que nela se tratarem; propor ao conselho administração ou às assembleias gerais medidas de interesse da cooperativa; solicitar, por escrito, quaisquer informações sobre negócios da cooperativa, bem como consultar livros e peças do balanço geral, e outros documentos que julgar necessário; convocar, juntamente com outros associados, a assembleia geral; propor critérios na distribuição das sobras líquidas anuais e candidatar-se a cargo no Conselho de Administração e no Conselho Fiscal (Estatuto social, capítulo II, artigo 7). Com relação aos deveres dos cooperados destaca-se o cumprimento do estatuto e das decisões tomadas deliberadamente, a satisfação dos compromissos firmados com a cooperativa e o dever de acusar seu impedimento nas deliberações sobre qualquer operação que tenha interesse conflitante com a da Cooperativa. (ESTATUTO SOCIAL, capítulo II, artigo 8) Destaca-se que os assuntos a serem discutidos em assembleia são, predominante, selecionados pelos dirigentes da cooperativa. Os espaços decisórios, que abrangem as discussões não levadas a assembleia, aparecem relacionados à diretoria da organização e ao conselho de administração, que é o órgão superior na hierarquia dentre os órgãos de administração, sendo de sua responsabilidade decidir sobre assuntos de ordem econômica ou social de interesse da Cooperativa e seus 123 associados. É composto de seis membros associados eleitos pela assembleia geral para um mandato de três anos, sendo obrigatória, após o término do mandato, a renovação de ao menos 1/3 dos membros. (ESTATUTO SOCIAL, capítulo VI, artigos 40, 41). O relato do entrevistado 4 corrobora a informação de que as decisões são centralizadas no corpo administrativo, “as decisões são tomadas em diretoria, nós resolvemos em diretoria, membros do conselho,quando a coisa é maior a gente leva para assembleia”. O entrevistado 1, relata a mesma situação: As pequenas coisas, rotineiras, a gente resolve em diretoria, por isso temos reuniões todo o mês, até mais de uma vez por mês, porque tem o presidente e vice presidente que são os que vivem o dia inteiro aqui, porque os outras são da diretoria mas trabalham, não podem estar aqui todo o dia, tudo o que é definido é em diretoria, quando a coisa precisa de assembleia a gente faz, nós temos um cronograma para reunir todos. As reuniões rotineiras são divididas de acordo com os grupos que compõe a organização, como, por exemplo, reunião de diretoria, reunião de produção (gerente de produção e coordenadores), reunião de coordenadores (com a participação ou não da diretoria), reunião com os pais (direção e pais dos deficientes cooperados), reunião com os voluntários (direção e voluntários) e ficam, normalmente, restritas aos grupos que a compõe, como é possível verificar no relato do entrevistado 3 “as reuniões de diretoria eu não participo, tem a reunião dos coordenadoras com a produção, por exemplo, dos funcionários, que eu participo sim”. A entrevista 2 afirma também participar prioritariamente das reuniões de seu grupo, ainda que sempre que, quando necessário, é convidada a participar da reunião de diretoria, “as (reuniões) que pertencem aos coordenadores sim, aos funcionários, as que eles tem na diretoria quando é um caso mais especial eles chamam, aquele que for preciso ir até lá”. O planejamento da organização é realizado por sua diretoria e não conta com a participação dos demais membros, “quem faz o planejamento é a diretoria, se reúne, planeja, tudo isso, todo ano a gente faz sempre um planejamento para o ano seguinte, vê o que aconteceu no ano, como foi, cada ano pega o planejamento que foi e nos mudamos ou alteramos para o ano seguinte” (ENTREVISTADO 124 4). Após a definição do planejamento estratégico, ele é repassado aos demais membros, “a gente publica, informa para todo mundo, reúne os coordenadores, faz várias reuniões, é passado todo o planejamento”. Recentemente, uma consultora foi contratada para auxiliar na elaboração do planejamento da cooperativa “essa moca está contratada para fazer exatamente uma avaliação, como está a qualidade do nosso produto, como vai estar a condições de produção, até quanto podemos produzir, onde está o erro, para fazer um planejamento estratégico bem feito para 2013” (ENTREVISTADO 4). Quanto à inclusão dos portadores de deficiência intelectual nos espaços de discussão, verificou-se ser bastante incipiente a participação dos mesmos, ainda que as reuniões de pais e assembleias sejam abertas aos mesmos. Em um grupo de cerca de seis cooperados com deficiência foi perguntado sobre a participação individual ou de seus pais na última reunião realizada. A maioria relatou não saber se os pais tinham vindo ou afirmaram a não participação dos mesmos. Apenas um disse estar presente, “eu vim, mas fiquei esperando meu pai aqui do lado de fora (da sala de reuniões) mesmo” (ENTREVISTADO 7). Verificou-se na organização uma forte vinculação do processo decisório com a hierarquia formal instaurada, possuindo uma característica top-down, na qual o processo ocorre, primeiramente, nas instâncias mais altas de poder. Um dos relatos coletados pode indicar traços que expliquem tal característica da organização, “a gente precisa de pessoas que soubessem de administração de cooperativas, mas nós não temos verba para contratar (...) eu mesmo, e muitas das pessoas que estão aqui conosco são ou eram funcionários públicos, trabalhavam em empresas, não entendem muito dessa coisa de gestão, como que funciona do cooperativismo” (ENTREVISTADO 1). Desta forma, percebe-se o desconhecimento dos membros da cooperativa sobre formas de gestão mais democráticas e participativas, tendo a suas experiências voltadas as formas tradicionais e burocráticas de gestão. 4.1.2.2.2 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 2: Aceitação social Ao analisar o reconhecimento dos atores organizacionais da necessidade de uma metodologia participativa foi possível identificar traços que demonstram a existência da preocupação com o assunto na cooperativa. Tal característica se materializa de forma evidente no 125 esforço da direção para criar um ambiente que fomente a participação de pais e dos deficientes intelectuais nas reuniões que são realizadas com eles, pois, como será discutido no critério seguinte, existe pouca participação dos pais nas atividades da cooperativa, principalmente nas reuniões. Para tanto, houve adaptações no formato como as reuniões eram tradicionalmente organizadas, com a utilização de dinâmicas, desenhos, pequenas palestras, dentre outras técnicas, que além de atrair mais pais, permitiu a participação dos deficientes, conforme o relato de um deles “foi bem legal, a gente participou, fez desenho com o pai da gente, tinha dinâmica com a gente, com o pai e com os outros que estavam lá” (ENTREVISTADO 6). Para um dos coordenadores foi “uma um forma de tentar adaptar para a participação deles também”, e que trouxe resultados, “o pessoal elogiou muito a forma da reunião, a gente pediu um feedback e os pais gostaram bastante desse jeito da reunião, foi uma coisa menos formal, entendeu? A psicóloga falou um pouquinho, teve uma palestrazinha, parece que foi bem legal, já são mudanças, e isso é muito bom” (ENTREVISTADO 3). O relato de um dos pais corrobora a informação sobre sucesso da reunião, “foi muito legal, diferente do que era sempre, mais informal, teve mais integração, eu acho, entre nós, os filhos, os condutores da reunião”. Um dos dirigentes da organização reconhece a importância da mudança e disse encontrar dificuldades na criação de metodologias participativas, ainda que ache relevante: Nesse lado assim de metodologias para participação a gente é muito fraco, eu confesso para você que eu não sou profissional, tenho muito o lado social, do coração, mas não sou um gestor mesmo. Agora, graças a Deus, a gente está conseguindo profissionais, com formação diferente e com a cabeça diferente também, como as psicólogas, que tem ajudado muito a gente nesse lado, de reunião, de relacionamento, integração, então eu acho que a gente está caminhando (ENTREVISTADO 1). Castellà e Parés (2012) salientam que em espaços deliberativos é comum que surjam desigualdades deliberativas e de comunicação entre os participantes e para reduzir tais desigualdades é recomendável a 126 utilização de técnicas e mecanismos específicos que ajudem a minimizálas, configurando um desafio prático à gestão social. 4.1.2.2.3 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 3: Valorização cidadã Em princípio, ressalta-se que o critério “valorização cidadã”, considera o quanto a necessidade de participação e suas implicações são valorizadas pelos próprios cooperados, e não o quanto os atores organizacionais se sentem cidadãos, pois isso necessitaria uma análise diferenciada e mais ampla que os processos decisórios. Desta forma, verificou-se que entre os coordenadores e dirigentes a participação é bastante valorizada, “eu acho importante participar sim, nós fizemos parte de uma cooperativa, não é? Ter que ser cooperativo então, por isso eu sempre dou a minha opinião quando pedem e também quando não pedem também” (ENTREVISTADO 3). O entrevistado 2 relata a relevância de participar e a liberdade de expressão na organização: A cooperativa enfrenta muitas dificuldades e ela é muito importante para nós, para todos que trabalham aqui, então eu acho, que somente participando, dando a nossa contribuição é que ela consegue se manter (...) por isso eu procuro estar sempre nas reuniões que tem da gente, nas confraternizações, dar minha opinião quando sobre as coisas (...) e a gente tem liberdade para fazer isso aqui na cooperativa. O entrevistado 5, corrobora a informação: Eu acho que nós temos um ambiente legal aqui, ninguém pensa em fazer somente o seu trabalho e ir embora, existe algo maior, de tentar contribuir de verdade, fazer com a cooperativa melhore, e ninguém consegue fazer isso sozinho (...) nós temos as nossas reuniões de diretoria, por exemplo, mas fora isso a gente conversa bastante, um dá opinião para o outro, para tentar melhorar. Com os deficientes intelectuais o assunto foi trabalhado de forma abrangente, sendo destacado por eles a participação na produção, no 127 coral e nas festividades da cooperativa, como se observa nos relatos dos entrevistados 6 e 7, respectivamente, “o trabalho é tudo a gente que faz, é cooperativa dos deficientes intelectuais, é a gente que participa do trabalho”, “a gente participa do coral, faz a festa junina, fizemos a árvore de natal do Guga (da Fundação Gustavo Kuerten, parceira da COEPAD) ano passado”. A participação dos pais dos deficientes nas atividades e reuniões da cooperativa foi relatada como bastante difícil. De acordo com o entrevistado 1, as próprias normas da cooperativa visam incentivar a participação: A gente tem uma norma aqui, quando o deficiente vem para trabalhar a gente coloca que pelo menos um membros da família, o pai, a mãe, tem quer vir participar, fazer voluntariado de um período, pelo menos, para conhecer a cooperativa, os valores que nós cultivamos, o nosso trabalho, o trabalho dos filhos (...) porque a pessoa só valoriza quando participa. Porém, o entrevistado 3 relata a dificuldade de promover a participação dos pais: Por ser uma cooperativa, é o que a gente fala, tem que ser todo mundo participando, ainda mais eles (os pais) que são representantes dos deficientes, a cooperativa é deles e para eles (deficientes), mas a maioria não participa e a gente pede nem que seja uma vez por semana para participar, mas tem alguns que não vem aqui nunca (...) e eu sempre falo para eles estimularem os pais a vir “convida o pai e a mãe para vir aqui, fala que é importante”, porque tem que vir participar, ver o trabalho deles, e parece que na reunião foi falado para os pais que não podem vir, tentar contribuir de outra maneira”. O entrevistado 4 ressalta a importância da mudança de comportamento dos pais, “isso é uma coisa que a gente tenta mudar e precisa mudar, para eles participarem mais, poucos participam, mesmo nas campanhas que a gente ta precisando de voluntários, a gente liga, mas maioria não vem”, pois segundo o entrevistado 1, a participação é importante para que os pais possam tomar parte nas reuniões, “é importante participar, até porque não adianta só vir nas reuniões, nas 128 assembleias, sem saber o que acontece na cooperativa, para pode debater, discutir com a gente, porque também não adiante ficar só ouvindo, só um lado falando”. De acordo com relato do entrevistado 1, a participação dos pais nas próprias assembleias realizadas é bastante difícil: Não adianta muito convidar que o pessoal não vem, então para trazer os pais para participar das assembleias a gente convoca, a gente da um ultimato sempre, “ou vem ou então a cooperativa vai fechar”, claro que não chega a esse ponto, mas a gente faz isso para eles virem participar, porque é difícil, tem que criar um ambiente para o pessoal vir, mesmo assim sempre tem falha, não vêm 100 %, mas tem a participação dos pais. Segundo relatos, o principal argumento dos pais para a não participação é a escassez de tempo e a dificuldade em conciliar as atividades profissionais com as atividades da cooperativa. A dificuldade da participação dos atores nas cooperativas é algo apresentado por Cançado et.al. (2012, p. 417), ao destacar que “no Brasil existe uma ampla literatura que relata que as assembleias estão quase sempre vazias e apenas um pequeno grupo se perpetua no poder”, e a falta de interesse dos sujeitos em participarem realmente das cooperativas e de agir coletivamente, o que dificulta o processo de participação e integração. Os autores destacam ainda que a baixa participação compromete o cumprimento do principio cooperativista que tange a gestão democrática, “se o principal instrumento de participação do cooperado é a assembleia e ele não comparece, a prática do princípio fica comprometida” (CANÇADO et.al., 2012, p.405). Ainda que os mecanismos participativos na cooperativa não sejam amplamente abrangentes, verifica-se que para os membros que atuam efetivamente na cooperativa a participação nas atividades e a exposição das opiniões é bastante valorizada, reconhecendo como fragilidade a não participação integral dos pais dos deficientes cooperados, que, aparentemente, não vislumbram como de extrema importância a própria participação. 129 4.1.2.2.4 Considerações gerais sobre a categoria “Inclusão” A inclusão dos atores organizacionais nos espaços de decisão está fortemente vinculada à hierarquia organizacional e aos traços de gestão estratégica que permeiam tais ambientes. Todavia, avanços foram percebidos quanto aos principais atores excluídos do processo decisório, os deficientes intelectuais, através da promoção de reuniões que fogem ao rigor tradicional e proporcionam atividades integrativas adaptadas às necessidades dos deficientes, demonstrando que, mesmo de forma incipiente, a preocupação com metodologias participativas se faz presente. A valorização da participação encontra-se segmentada entre os grupos componentes da cooperativa, sendo relevante para os membros que participam ativamente da organização (coordenadores, demais funcionários, dirigentes, deficientes intelectuais), porém com certo descaso por uma parcela generosa de pais, representantes dos cooperados com deficiência. Faz-se importante uma ressalva quanto ao direcionamento do termo “inclusão” nesta análise, pois não faz referência à inclusão social, realizada grandiosamente pela COEPAD através do trabalho, mas está relacionada à inclusão dos diferentes atores organizacionais no processo decisório da cooperativa. 4.1.2.3 Avaliação da COEPAD segundo a Categoria 3: Igualdade participativa Para a análise de tal categoria, serão utilizados os seguintes critérios: 1) forma de escolha dos dirigentes; 2) discursos dos dirigentes e; 3) avaliação participativa. 4.1.2.3.1 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 1: Forma de escolha dos dirigentes Para a realização das eleições é criado um comitê especial que coordena e fiscaliza o processo, composto por associados não candidatos. Todos os cooperados em atividade podem se candidatar e tem direito a voto igualitário. 130 Segundo o entrevistado 1, desde sua criação não houve concorrência nas eleições, contudo ele acredita que, com o crescimento da organização, isso seja possível em breve: Nós temos a assembleia e então a gente abre a inscrição e registra uma chapa ou duas chapas, nós nunca tivemos mais que uma, então a gente convida aqueles voluntários que estão há algum tempo e quem gostam mais, que vestem a camisa, para fazer parte da diretoria, faz uma chapa e vai para assembleia fazer a votação (...) mas eu espero que com o crescimento da cooperativa possa ter mais disputa, fica mais democrático, eu acho” (ENTREVISTADO 1). Através de tal relato é possível verificar que a meritocracia aparece como uma forma de escolha dos componentes da diretoria da cooperativa, visto que a votação em assembleia representa apenas uma forma de validação da escolha feita pelas lideranças da organização. O entrevistado 5 relata que, apesar de não haver disputas nas eleições, há mudanças “não tem, disputa, sempre uma chapa, mas de três em três anos a gente muda, o conselho fiscal, e a diretoria em dois anos”. O entrevistado 4 relata como a diretoria é formada, “ela é composta pelos pais e voluntários,a diretoria tem no mínimo 2/3 de pais e 1/3 de pessoas voluntárias”. Porém, o presidente da cooperativa permanece o mesmo desde o início, mas salienta ser seu último mandato: Eu sou o presidente desde que começou e nunca renovou. Em marco do ano que vem (2013) tem nova eleição, eu não vou ser mais candidato a presidente, porque a cooperativa está com 12 anos e eu já todo esse tempo todo. Acho que as coisas tem que mudar, as coisas evoluíram, quando nos começamos era pequeno e se tornou grande, e eu já to cansando também, estou com oitenta nos e algumas pontes de safena. E eu acho o seguinte também, tudo na vida tem que modernizado, e hoje nos temos cabeças mais jovens, pensar diferente. A meritocracia é presente também na forma de escolha dos coordenadores de oficinas, exceto no caso em que são necessárias 131 habilidades técnicas, como no caso da serigrafia, tendo em vista que tais cargos são, predominantemente, ocupados por “ex-voluntários que se destacaram” nas atividades da cooperativa. Verifica-se que o processo de escolha dos representantes, que segue um procedimento presente em estatuto, garante a integridade das eleições, sendo o voto igualitário a forma de escolha. Todavia, uma análise mais ampla, desnuda aspectos que podem comprometer o caráter democrático da escolha, como a existência de uma única chapa, a permanência prolongada de membros em cargos diretivos e a escolha meritocrática dos coordenadores. Ressalta-se o esforço do presidente da cooperativa para que tal situação se modifique e a organização possa ter maior pluralidade em sua direção. 4.1.2.3.2 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 2: Discurso dos dirigentes’ Os dirigentes da cooperativa demonstram em seus discursos preocupação com a integração e a participação coletiva, como é possível observar na fala do entrevistado 1: Não tenha dúvidas quanto a isso, nós valorizamos a participação de todo mundo, seja o voluntário, que é fundamental, a família, e a gente bate muito em cima da família, no bom sentido, para incentivar, tem que participar, tanto que cada camarada que entra como cooperado, a família assina o compromisso, de uma vez por semana, uma tarde ou uma manha, ser voluntário, se não puder, tem que vier na cooperativa conhecer, acompanhar. Para o entrevistado 5, a própria separação das reuniões em grupos é uma forma aproximativa “a gente faz questão de ter contato com todos, e as vezes em um grupo grande fica mais difícil, ou não pode vir ou vem pouco, por isso nós temos muitas reuniões com grupos, fica mais fácil, as pessoas se posicionam mais, acabam conversando melhor ”. A fala do entrevistado 4, reforça a integração entre os membros, “a gente procura sempre a integração, sempre com a ideia de que se tem aqui, de que nós somos uma família, um família de fibra (lema da 132 COEPAD), que trabalha em conjunto, que todos são importantes, e cada um tem seu papel, precisa participar, e que somos uma empresa também”. O relato é corroborado pelo depoimento do entrevistado 1: A ideia geral nossa é que somos uma família, isso colocado, embora seja uma atividade, é trabalho, é uma empresa, mas apesar de tudo, a gente coloca como uma família, há um entendimento, há uma relacionamento bom, não temos muita participação dos pais, quando a gente pede, um outro vem, mas em geral há um ambiente bom. O entrevistado relatou o seu entendimento sobre o papel dos deficientes intelectuais na cooperativa “eu sempre digo, aqui o deficiente “é o cara”, como se diz, a cooperativa é deles, então tudo que se faz aqui, tem que ser feito por eles, não se faz nada que eles não tenham participação, não digo que ele faça 100%, mas ele tem que ter participação, seja rasgando papel, ele tem que participar”. O entendimento da organização como uma empresa foi verificado por vezes nas falas dos entrevistados, o que pode justificar, parcialmente, a intensidade da atuação da “diretoria”, e sua característica centralizadora, ainda que com possibilidade de participação e expressão dos demais membros, pois parecer haver certo mimetismo de características predominantes em empresas tradicionais, que adotam o modelo estratégico de gestão, como se observa na fala a seguir, do entrevistado 4: “é uma trabalho, é uma empresa, como qualquer outra”. E está presente na fala do entrevistado 5: Precisava de um administrador profissional, para trazer as coisas de empresa mesmo para a gente, porque a administração acaba ficando na mão do presidente, que não seria o ideal, o presidente, diretoria, teria que estar aqui para decidir algumas coisas, que não estejam bem, ou que estejam errado, mas não para decidir o dia a dia (...) a gente já adotou algumas práticas de empresas, porque todo mundo aqui tem ou teve um trabalho fora, serviço público ou em empresa mesmo, então tem alguma experiência de lá, mas a gente precisava de conhecimento profissional, como para controlar melhor as coisas, ter um administrador para decidir, ficar mais empresa. 133 O entrevistado 1, é mais cauteloso e destaca a importância do lado social na cooperativa: “a gente é uma empresa, não dá para ser no amadorismo, tem que ser profissional, mas não deixando o lado social, isso não pode, no momento que você deixa o lado social perde muita coisa, mas pode ter o lado profissional e um lado social”. O entrevistado 1destacou ainda a importância da mudança na direção da cooperativa, como se verifica em sua fala: Pode ser que esteja errado, mas é a maneira que a gente esta fazendo, por isso que acho que esta na hora de mudar a diretoria, ou pelo menos a presidência, lógico que eu tenho o lado profissional, mas eu sou o lado do coração, eu sou mais ligado no lado do coração, e ai, o pessoal diz assim, mas você passa muito a mão na cabeça das pessoas, mas é meu estilo, minha vida, eu não vou mudar agora, depois de 80 anos não vou mudar minha maneira de ser e é por isso que precisa mudar (...) esse é meu último ano, na eleição que vem alguém tem que pegar, porque se não a gente fica muito dono, pensa que isso aqui é da gente, embora a gente faça uma autoavaliação, fica a mesma cabeça, o mesmo pensamento. Os discursos apresentados demonstraram que os dirigentes parecem valorizar a participação dos diferentes atores e a pluralidade do grupo dirigente, considerando essencial para o desenvolvimento da organização. A associação feita entre empresa tradicional e a organização cooperativa indicou traços de mimetismo organizacional, em especial, quanto aos traços instrumentais que caracterizam alguns aspectos da cooperativa. 4.1.2.3.3 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 3: Avaliação participativa A intervenção dos membros no acompanhamento e avaliação das decisões aparece disposta no estatuto da cooperativa, como no caso da especificação dos direitos dos cooperados, que garantem, como já citado, o acesso a quaisquer informações sobre negócios da cooperativa, bem como consultar livros e peças do balanço geral e outros documentos que julgar necessário. Durante as entrevistas e observação, 134 não pareceu ser uma prática comum entre os cooperados e funcionários que não fazem parte da administração, buscarem por tais informações e documentos. O conselho fiscal também cumpre função de acompanhamento, pois objetiva fiscalizar assídua e minuciosamente as ações da administração da cooperativa, sendo formado por três membros efetivos e três suplentes e permitido a reeleição de apenas 1/3 de seus membros (ESTATUTO SOCIAL, capítulo VII, artigos 52, 53). De acordo com o entrevistado 5, o diálogo é o principal instrumento de acompanhamento e avaliação das decisões, “muita coisa é na base da conversa (...) um pergunta para o outro como está o andamento de tal mudança que foi decidido fazer, se deu certo ou não, o que correu como planejado, o que precisa revisto, o que ele pensa sobre o andamento das coisas”. Durante as observações, presenciou-se dois momentos que corroboram a informação: em um dos momentos o gerente de produção foi até uma das oficinas e, em tom informal, perguntou sobre a opinião da coordenadora a respeito de uma decisão recente, que alterou o processo de produção e afirmou ter conversado com os demais coordenadores; em um segundo momento, a atual gerente geral, se dirigiu a uma das oficinas e pediu que os presentes opinassem e avaliassem alguns encaminhamentos dados pela cooperativa em determinado evento. Anualmente são realizadas reuniões que abrangem todos os membros da cooperativa para avaliação das atividades planejadas e realizadas, conforme relato a seguir, “no final do ano sempre tem avaliação, a gente reúne todo mundo, para avaliar, reavaliar, a diretoria, o planejamento, a produção, ver como foi o ano, o que planejou, os resultados” (ENTREVISTADO 8). Os relatórios de atividades, financeiros, dentre outros, precisam passar por aprovação em assembleia, são pauta obrigatória, dando a oportunidade para que os participantes interfiram na avaliação dos documentos. Assim sendo, verifica-se a existência de normas que facilitam o processo de intervenção e da possibilidade da intervenção e acompanhamento das atividades e problemáticas discutidas, todavia não foi possível verificar, em profundidade, a frequência e a complexidade de tais intervenções. 135 Verifica-se a importância do acompanhamento dos processos decisórios nas palavras de Castellà e Parés (2012, p. 243) ao destacarem que a avaliação e acompanhamento dos processos desde seu principio e de forma contínua é mais que um critério de qualidade, “já que apenas por meio de avaliação podemos analisar a qualidade democrática do processo, e só assim podemos melhorar”. 4.1.2.3.4 Considerações gerais sobre a categoria “Igualdade participativa” A forma de escolha dos representantes na cooperativa obedece ao processo disposto em estatuto, que determina a escolha mediante votação isonômica em assembleia. Todavia os processos realizados até o momento foram compostos por apenas uma chapa, compostas por membros já pertencentes à diretoria e membros escolhidos por meritocracia pelas lideranças da cooperativa, tornando a assembleia uma etapa de validação das escolhas da cúpula, o que compromete a isonomia da participação entre os membros e restringe as possibilidades de escolhas. Tal fato foi apresentado com preocupação nos discursos dos dirigentes, que salientaram a importância da mudança na diretoria e da participação dos membros nas atividades da cooperativa. A palavra “empresa” foi utilizada com frequência no discurso dos dirigentes, relacionada à necessidade da cooperativa em adotar características gerencialistas em suas atividades, possíveis limitadores da igualdade participativa, tendo em vista a burocratização de suas estruturas. A intervenção dos atores na validação e acompanhamento das problemáticas da cooperativa se mostrou possível e foi verificada durante as observações, ainda que de forma incipiente. Desta forma, foi possível verificar a existência de normas e estruturas capazes de proporcionar isonomia entre os participantes, assim como a valorização dos dirigentes quanto a este aspecto e o potencial interventivo dos atores, todavia algumas contradições nos processos fragilizam a igualdade participativa. 136 4.1.2.4 Avaliação da COEPAD segundo a Categoria 4: Autonomia A categoria “autonomia” tem em vista o entendimento das possibilidades de participação indistinta nos processos decisórios e será analisada através dos seguintes critérios: 1) alçada dos atores; 2) perfil da liderança e; 3) possibilidade de exercer a própria vontade. 4.2.2.4.1 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 1: Alçada dos atores A intensidade com que os atores organizacionais podem intervir nas problemáticas da organização apresentou-se bastante relacionada à liberdade de expressão relatada pelos entrevistados. O entrevistado 2 evidencia tal fato, “alguma coisa que a gente não gosta que está sendo feita, que acha que não está muito certo, a gente vai conversar, a diretoria diz que a gente tem que dar sugestões, que isso é bem vindo, então a gente está sempre contribuindo”. O entrevistado 3 também relata a liberdade de opinião, “a gente tem uma abertura bem grande para dar e pedir opinião, as meninas dos escritório, a gerente, se elas tem dúvidas procuram a gente, a gente também, se precisa falar algo é só chegar e conversar”, assim como o entrevistado 8, “a gente participa sempre, é porque assim nas decisões, nos colocamos as coisas que a gente não gosta, alguma coisa que te chateou, nos temos liberdade para falar”. O entrevistado 8, relata que algumas propostas “assustam” os dirigentes, porém não deixam de ouvi-lás, “algumas ideias que a gente tem, muito diferentes, inovadoras, eles se assustam um pouco, mas se tu souber levar, conversar, é tranquilo, eles te ouvem”. O relato do entrevistado 3, apresenta indícios sobre a alçada dos atores e destaca, novamente, o relevante papel do atual presidente: O que eu posso lutar para mudar eu mudo, o que eles podem fazer eles aceitam, eu sempre vou direto no Seu X (presidente), porque minha relação com ele é super, hiper aberta, então o que eu preciso eu peço a ele, o que ele pode fazer, ele faz, de mudanças assim. A diretoria também aqui é assim, a diretora que está aí agora, é super aberta, falei para ela que seria importante alguns materiais aqui (na oficina) e ela fez uma campanha no trabalho dela e conseguiu todo o 137 material para mim. Então, é bem, assim, colaborativo, sabe?. Os entrevistados relataram, entretanto, não interferirem diretamente em assunto administrativos, como se observa no relato do entrevistado 3 “a parte do escritório, a parte administrativa eu não me meto, coisas de dinheiro, mas assim, a produção que eu posso ajudar o nosso gerente eu ajudo, nosso relacionamento é bem aberto” e do entrevistado 2, “as coisas mais burocráticas, de escritório, eu não costumo dar muita opinião, mas nas coisas que dizem respeito ao meu trabalho sim”. Alçada dos deficientes intelectuais é bastante restrita a representatividade dos pais, ainda que tenha se verificado na organização abertura de canais para os deficientes exporem seus pensamentos, como na fala de um dos coordenadores, “a gente tem que respeitar a opinião deles também, não porque tem algumas limitações que eles não tem opiniões, que eles não tem vontades, eles têm, eles sentem, eles sabem o que querem também, mas tem que família que não tem muito interesse as vezes, e eles que deveriam ser os representantes” (ENTREVISTADO 2). O entrevistado 1, retrata as possibilidades e limitações dos deficientes na cooperativa: Tudo que é feito, tem que ser feito por eles, isso sim, mas que eles decidam, vamos produzir isso hoje ou aquilo, isso não. Em cada oficinas tem uma liderança, tem um coordenador, para poder fazer a coisa, porque por mais desenvolvidos que eles estejam, eles não tem assim a capacidade de chegar e “vou fazer esse gravador”, e como fazer não sabe, tem que ser orientado, mas tudo é feito por eles. O mesmo entrevistado salienta ainda que a autonomia maior dos deficientes é nas atividades de lazer: A participação maior é na parte de lazer, quando tem festa, são eles que fazem, que cantam, que se organizam. No esporte, eles sempre participam muito. No produto, eles fazem, mas não decidem, porque é a gente que faz pesquisa, qual o melhor produto para fazer, o que está precisando, o que precisa mudar, mas tem que ser atividade 138 integrada, não se faz (ENTREVISTADO 1). nada sem eles Quanto aos pais que não atuam diretamente na cooperativa, o entrevistado 9, afirmou não interferir nas problemáticas discutidas, exceto em reunião, “quando tem reunião a gente vem, participa, mas de outras coisas não, até porque é eles que estão mais aqui, sabem melhor o que acontece, o que precisa”. Tal fato diminui a alçada dos cooperados deficientes, pois sua representatividade se expressa na participação de seus pais, o que não acontece com frequência. Conclui-se que a alçada dos atores apresenta aspectos positivos quanto à liberdade de expressão de opiniões em diferentes âmbitos e a receptividade da diretoria quanto a mudanças no ambiente operacional, pois como já foi dito, o que tange a parte estratégica é conduzido, predominantemente, pela direção da cooperativa, que, entretanto, é receptiva a sugestões. Todavia a baixa participação dos representantes dos deficientes limita as possibilidades de expressão e intervenção dos mesmos. 4.1.2.4.2 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 2: Perfil da liderança A estrutura administrativa apresenta forma tradicional burocrática, através de uma hierarquia formada em primeira instância pelo conselho administrativo, seguida pelos gerentes e, posteriormente, pelos coordenadores. O padrão de autoridade presente na organização vincula-se fortemente à hierarquia, com a existência de níveis distintos em relação à complexidade da decisão. O trabalho manufaturado é dirigido por um coordenador, que orienta as atividades a serem realizadas. O entrevistado 3, relatou a existência de certa autonomia em suas atividades “assim, com relação ao nosso trabalho a gente autonomia sim, como a gente vai organizar o pessoal, como que vai fazer isso, aquilo, como vai arrumar a oficina”. O entrevistado 8 corroborou a informação, salientando, porém, que decisões de maior complexidade são levados a diretoria, “a gente autonomia no nosso trabalho, até porque a gente sempre comenta, a gente está sempre com a nossa oficina, então conhece melhor, mas quando tem um problema mais sério vai para a diretoria”. 139 O entrevistado 2 relata a relação de confiança entre os coordenadores e a direção, “eu acho assim, que essa questão de autonomia é muito da confiança que eles tem na gente, a diretoria confia muito na gente, dá essa liberdade, procura a gente para saber”. O entrevistado 3 relata uma situação semelhante “esses dias eu falei para o Seu X (presidente da cooperativa), que eu queria fazer umas mudanças aqui (oficina de trabalho) e ele falou “minha filha, eu confio em você, pode fazer o que você quiser””. No que tange o relacionamento entre os coordenadores e os deficientes intelectuais, que possuem contato direto e constante, os deficientes relataram ter grande abertura, “quando precisa, fala para ela (coordenadora) “posso conversar com você?”E daí vai para o sofazinho para conversar” (ENTREVISTADO 6). No acompanhamento das oficinas, durante as observações, verificou que o relacionamento é bastante informal e baseado no diálogo entre os participantes, que trabalham de forma integrada. O entrevistado 2 ilustra o padrão de autoridade: Por exemplo, essa semana precisava fazer papéis diferentes, então eu que decidi como organizar o trabalho, o nosso coordenador veio aqui e passou os pedidos e eu que decidi como fazer, mas tem coisas que a gente leva para a diretoria, como essa semana que teve uma menina que se apaixonou por um rapaizinho aqui, mas como ele não quis nada, ela jogou tinta e sujou todo ele (sic). Para a resolução de tal impasse foi marcada uma reunião, com um representante da diretoria, a coordenadora da oficina, a cooperada envolvida no incidente e seus pais, e a psicóloga da cooperativa. As decisões que ultrapassam os limites de organização do trabalho manufaturado ficam a cargo da diretoria da cooperativa, que foi considerada pelos coordenadores bastante aberta e receptiva: A nossa diretora agora é uma pessoa especial, qualquer coisa é só dizer que precisa conversar que e a gente tem todo o tempo para conversar, sobre qualquer assunto da cooperativa. E o Seu X (presidente da cooperativa), para mim é um pai, nem tem o que falar. E o restante da direção todos são muito abertos, não existem barreiras entre a gente para conversar, qualquer coisa a 140 gente pode chegar e conversar com eles, é que tem uma liberdade que a gente tem que é muito boa aqui dentro” (ENTREVISTADO 2). O aspecto foi também destacado pelo entrevistado 8, “a relação com a direção é muito boa, não tenho do que reclamar, eles são muito legais, abertos para conversar”, e pelo entrevistado 6, deficiente intelectual, “ah, a gente conversa com eles sim, na hora do trabalho, do lanche, faz brincadeira, as vezes no corredor (...) eu gosto bastante de todos eles”. O perfil da atual diretora também é visto pelos membros da cooperativa “a nossa diretora aqui trabalha muito bem, ela sempre elogia, reconhece o esforço que a gente faz, seja quem for, ela reconhece, na hora de dar bronca ela dá, mas na hora de reconhecer reconhece, aquela critica que é construtiva mesmo”, assim como o coordenador de produção, “ele é muito aberto, está sempre pedindo a nossa opinião, é muito bom trabalhar com gente assim” (ENTREVISTADO 3). O presidente da cooperativa é visto como o líder da cooperativa e possui uma relação bastante afetuosa os demais membros, conforme os relatos a seguir: “Ele é o nosso (ENTREVISTADO 5); cartaz, é a cara da cooperativa” “Ele é um pai não só para mim, mas para todos aqui” (ENTREVISTADO 2); Eu digo para ele que ele foi um anjinho que apareceu na minha vida, aprendi muito com ele, não só de trabalho, mas principalmente de vida, eu era tímida, meio orgulhosa, ele não tem orgulho, se tiver que se humilhar ele vai se humilhar mesmo para conseguir algo para a cooperativa” (emociona-se ao falar) (ENTREVISTADO 3); “Ele é um (ENTREVISTADO 4); líder, batalhador, humilde, íntegro” “Quando eu falo que trabalho na COEPAD as pessoas falam “ah é a do Seu X (presidente da cooperativa)”, ele não gosta, mas foi 141 acontecendo, ele que (ENTREVISTADO 8). sempre batalhou por isso aqui” Durante as observações verificou certa dependência dos membros para com o presidente, ouvindo por vezes em discussões informais sobre determinado assunto a frase: “vamos esperar o Seu X (presidente) chegar e a gente conversa novamente sobre isso”. Mesmo na resolução de conflitos o presidente aparece como principal figura tanto no que tange os deficientes intelectuais, quanto aos demais membros, como ele mesmo relata, no caso dos deficientes, “quando eles tem algum problema, então eles falam “quero falar com o Seu X (presidente da cooperativa)” e vem falar comigo “ah, eu não quero ficar mais lá, porque o fulano brigou comigo”, ai o Seu X tem que interferir, tem que conversar, conciliar as coisas” (ENTREVISTADO 1). A intervenção do presidente também foi presenciada claramente durante as observações. Em determinada situação um dos funcionários teve uma desavença com outro membro da cooperativa e havia abandonado o trabalho, em época de maior demanda produtiva, a interferência de demais colegas e da diretoria não solucionou o caso, que foi resolvido apenas após um telefone do presidente para o funcionário. O entrevistado 3, comentou a situação, “é normal em todo lugar, sempre tem um desentendimento ou outro, e todo mundo fica um pouco nervoso nessa época, tem muito pedido para entregar, mas o Seu X (presidente), telefonou para ele e ele vai voltar. O Seu X, sabe conversar, ouvir e todos tem muito respeito e confiança nele”. Para o entrevistado 1 não se trata de liderança, para ele é a forma de condução de sua vida: Eu não acho que o que eu faço é liderança (...) eu botei minha vida aqui, corpo e alma, faço porque gosto, então eu me dedico muito e o pessoal fica achando que isso é liderança, mas não é, é uma maneira de viver, de ser, de encarar as coisas, eu gosto deles (deficientes intelectuais), eu brinco com eles, eu chego todo dia eu vou cumprimentar todo mundo. Eu faço isso porque, eu sei o que é ser pai de deficiente, isso também marca muito, e a gente sabe como eles são, as dificuldades que eles tem, então por isso que eu fico ai o tempo todo, mas agora eu já disse, não tem mais, ninguém quer, mas eu vou sair da presidência, vai ter que mudar. 142 O entrevistado 1 justifica sua saída pela necessidade de mudança: Eu já estou há muito tempo, as pessoas falam “a cooperativa do X” (referindo-se ao nome do presidente) já colocaram até em uma placa na feira da esperança (evento realizado anualmente na Associação de Pais e Amigos dos Deficientes (APAE) de Florianópolis), e isso é um absurdo, a cooperativa não é minha, entendeu o que eu quero dizer? Precisa mudar a lógica, pensamentos diferentes na condução da cooperativa”. O anúncio da saída do presidente preocupa os membros da cooperativa e é vista com desconforto, conforme se observa no relato do entrevistado 8 “eu acho que ele não deveria sair da presidência, como cargo não, ele que representa nossa cooperativa, ele deve ficar, ele tem que continuar, por mim ele não sairia não”. O entrevistado 3 diz não vislumbrar um substituto para o cargo: Eu me preocupo sim, porque o nosso presidente é a cara da cooperativa, ele que corre atrás, ele é a credibilidade da cooperativa, eu não sei quem faria esse papel, não sei se tem alguém aqui dentro, porque precisa ter o lado humano, e esse lado algumas pessoas esquecem e é muito importante, é empresa, é empresa, é empresa, mas trabalhamos com pessoas diferentes, mas não só uma empresa é uma cooperativa, e eles (deficientes) tem limitações, então, ele (presidente) é coração puro, compreende os dois lados”. Para o entrevistado 3, o lado humano é o diferencial da cooperativa perante outras empresa, “essa parte do coração mesmo, essa parte humana é o diferencial, é uma empresa, mas é diferente, embora nosso trabalho, as vezes, a gente pareça um robozinho, todos fazendo a mesma coisa, não é, é diferente, é assim como uma família”. O entrevistado 3, demonstra a mesma preocupação quanto a preservação dos valores sociais cultivados pelo então presidente: Ele tem muito essa coisas dos valores sociais, do humano na cooperativa, então eu tenho 143 preocupação, por causa dessa coisa de ser eficiente, às vezes a diretoria não tem muito essa parte do humano, do social, foca muito na parte do gerenciamento, e na minha opinião, para ser presidente precisa conciliar os dois lados, ter em mente que é uma empresa, mas voltada para o social”. A capacidade de mobilização dos atores organizacional por parte do presidente também é apresentado como uma preocupação “o Seu X (presidente) corre muito atrás e no final sempre acaba reunindo o interesse das pessoas, acho que porque todas elas acreditam na causa, no final sempre acaba dando certo, e isso é muito difícil de fazer” (ENTREVISTADO 8). O entrevistado 2 também salienta a capacidade de mobilização do presidente, “ele tem, digamos assim, essa habilidade reunir as pessoas para alcançar um objetivo, sabe? A COEPAD está aqui hoje muito por causa a essa força, dedicação, que ele tem, se ele fala “pessoal nós precisamos disso, disso e disso, vamos fazer um equipe e trabalhar”, todo mundo pega junto e corre atrás”. Desta forma, verificou-se, de um lado uma estrutura verticalizada de autoridade, porém que atua com a possibilidade de participação e grande abertura para o diálogo, por outro. A liderança exercida pelo presidente possui grande legitimação entre os membros da cooperativa e apresenta grande capacidade de mobilização, sendo o perfil social do líder bastante valorizado. O perfil da liderança, de forma conceitual, pode ser classificado entre o autoritário e o liberal, sendo, desta forma, considerado como democrático, pois valoriza a participação, não obstante o predomínio, por vezes, da voz do líder. 4.1.2.4.3 Avaliação da COEPAD segundo o Critério 3: Possibilidade exercer a própria vontade Verificou-se na cooperativa a existência de normas, dispostas em estatuto, que favorecem o exercício da vontade própria, como os direitos concernentes ao processo eleitoral e a intervenção em assuntos gerais da cooperativa e assembleias. Alguns relatos permitiram vislumbrar possibilidades de exercício da vontade própria frente às problemáticas encaminhadas pela diretoria, como no caso relatado pelo entrevistado 3: 144 Eles (diretoria) me pediram para ir para a loja (localizada do centro de eventos da UFSC), cheguei na UFSC, de férias, não tinha ninguém e eu dentro daquela lojinha, a noite eu já liguei para o Seu X (presidente) e disse “eu não quero ficar aqui, por favor, eu não consigo ficar longe deles, eu não gostei de ficar, se quiser pode me demitir que eu volto a ser voluntária”, e ele me falou “calma, minha filha, você não está mais na loja, pode ficar tranquila, você vai voltar para onde gosta de trabalhar””. Outro relato semelhante foi descrito: Ontem queriam colocar essa mesa aqui eu falei “eu não quero essa mesa aqui, ela parece um caixão, eu não quero” (risos), até porque não tem nada a ver que a sala, quando chegaram para montar, eu falei “desculpa, eu sei que vocês fizeram com a maior boa vontade, mas eu prefiro a minha emendada mesmo, que é clarinha”, e o pessoal levou para outra oficina” (ENTREVISTADO 3). Ao comentar o ocorrido, o entrevistado declarou: A gente esse tipo de possibilidade, as nossas vontades são ouvidas, eu acho, nem sempre são acatadas, mas poder falar já é um avanço, né (...) no caso do coral, por exemplo, o pessoal tinha medo que não tivesse tempo de ensaiar, essas coisas, mas eu conversei direitinho com eles, ouviram a minha ideia e acabaram concordando” (ENTREVISTADO 3). Quanto aos deficientes intelectuais o exercício da vontade própria foi apenas verificado nas atividades de lazer, “a parte de lazer é eles que fazem, por exemplo, nós temos o nosso encerramento do ano, sempre fazemos uma festa de natal e a festa junina, então essas decisões, eles que organizam, quem casa, quem não casa, quem vai ser padrinho, vai ter coral, vai ter apresentação, essa parte eles se organizarem” (ENTREVISTADO 1). Tais relatos e a discussão das demais categorias de análise permitiram verificar que em âmbito operacional o exercício das 145 vontades individuais se faz mais presente, todavia em âmbito estratégico a possibilidade de atuação é mais restrita, pois como as decisões são em diretoria, podem não convergir com a vontade dos demais atores organizacionais, ainda que tal convergência seja buscada pelos dirigentes. Quanto à cooperativa, enquanto instituição, o maior impedimento apresentado para o exercício da vontade própria são as limitações financeiras, que condicionam as decisões da cooperativa à sua disponibilidade de capital e capacidade de produção. 4.1.2.4.4: Considerações gerais sobre a categoria “Autonomia” A autonomia dos atores organizacionais encontra alicerces na valorização do diálogo em todos os âmbitos da cooperativa e na possibilidade de promover mudanças, ainda que, predominantemente, restrita ao nível operacional e de lazer dos cooperados. Considera-se possível que mudanças na esfera gerencial talvez não ocorram devido à baixa participação dos pais, representantes dos cooperados deficientes. 4.1.3 Avaliação da COEPAD segundo as Categorias da Pesquisa A intensidade com que as categorias estudadas se aproximam do entendimento de gestão social em contraponto com a gestão estratégica será apresentada a seguir, com base nos dados coletados as categorias e seus respectivos critérios serão analisados e classificados em uma escala de 1 (um) a 5 (cinco), conforme quadro a seguir: Quadro 15: Avaliação da COEPAD segundo as Categorias da Pesquisa Critérios Intensidade Categorias Intensid ade Canais de difusão: verifica- 5Processo de 3se certa pluralidade dos Aproximação discussão: é Aproximaç canais de difusão e alta com os fortalecido ão da capacidade para proporcionar pressupostos da quanto aos canais gestão acesso à informação para a gestão social. de difusão da social e participação de diferentes informação gestão atores nos processos disponíveis na estratégica decisórios em âmbito organização e a em mesma institucional. sua clareza e intensidade. utilidade. Qualidade da informação: 3- 146 apresenta aspectos positivos quanto à clareza e utilidade da informação, porém a diversidade limitada das informações fragiliza a socialização democratização das mesmas. Pluralidade do grupo promotor: a promoção de espaços de deliberação e as conduções das atividades e discussões são feitas, predominantemente, pela presidência da cooperativa e pelos seus gerentes. Abertura dos espaços de decisão: verificou-se a existência de normas que privilegiam a abertura dos espaços de decisão. Na prática administrativa, os espaços decisórios nos quais decisões, principalmente, estratégicas são tomadas são formados, predominante, pelos dirigentes. Aceitação social: identificam-se traços que demonstram a existência preocupação com a criação de metodologias participativas e iniciativas, ainda que incipientes, nesse sentido. Valorização cidadã: para os membros que atuam efetivamente na cooperativa a participação nas atividades e a exposição das opiniões é bastante valorizada, reconhecendo como fragilidade a não participação integral dos pais dos deficientes cooperados, que, Aproximação da gestão social e gestão estratégica em mesma intensidade. 1Aproximação alta com os pressupostos da gestão estratégica. 2 Aproximação média com os pressupostos da gestão estratégica. 4 Aproximação média com os pressupostos da gestão social. 4 Aproximação média com os pressupostos da gestão social. Todavia, a falta de diversidade nas informações disponíveis, aliada a centralidade na promoção das discussões e atividades gerenciais, fragiliza o caráter democrático e unidimensionaliz a o processo de discussão. Inclusão: A inclusão dos atores nos espaços de decisão está fortemente vinculada à hierarquia organizacional. A valorização da participação se faz presente na organização, porém de forma segmentada, não atingindo todos os ambitos organizacionais. O desenvolvimento de metodologias participativas aparece como um grande avanço no fortalecimento da participação. 3 Aproximaç ão da gestão social e gestão estratégica em mesma intensidade. 147 aparentemente, não vislumbram como de extrema importância a própria participação. Forma de escolha dos dirigentes: O processo de escolha de representantes, presente em estatuto, apresenta caráter democrático. Todavia, a existência de uma única chapa e a forma meritocrática com que é formada e que permeia também a forma de escolha dos coordenadores, pode comprometer o caráter democrático do processo de escolha dos representantes. Discursos dos dirigentes: demonstrou que os dirigentes parecem valorizar a participação dos diferentes atores e a pluralidade do grupo dirigente. Diagnosticaram-se traços de mimetismo organizacional, em especial, quanto ao instrumentalismo que caracteriza alguns aspectos da cooperativa. Avaliação participativa: existência de normas que facilitam o processo de intervenção e da possibilidade da intervenção e acompanhamento das atividades e problemáticas discutidas, todavia não foi possível verificar, em profundidade, a frequência e a complexidade de tais intervenções. Alçada dos atores: apresenta 2 Aproximação média com os pressupostos da gestão estratégica. 4 Aproximação média com os pressupostos da gestão social. Igualdade Participativa: Foi possível verificar a existência de normas e estruturas capazes de proporcionar isonomia entre os participantes, assim como a valorização dos dirigentes quanto a este aspecto, todavia algumas contradições nos processos fragilizam a igualdade participativa. 4 Aproximaç ão média com os pressuposto s da gestão social. Autonomia: 4 4 Aproximação média com os pressupostos da gestão social. 4 - A - 148 aspectos positivos quanto à liberdade de expressão de opiniões em diferentes âmbitos e a receptividade da diretoria quanto a mudanças no ambiente operacional. O que tange a parte estratégica é conduzido, predominantemente, pela direção da cooperativa, que, entretanto, é receptiva a sugestões. Todavia a baixa participação dos representantes dos deficientes limita as possibilidades de expressão e intervenção dos mesmos. Perfil da liderança: verificou-se, de um lado uma estrutura verticalizada de autoridade, porém que atua com a possibilidade de participação e grande abertura para o diálogo, por outro. A liderança exercida pelo presidente possui grande legitimação entre os membros da cooperativa e apresenta grande capacidade de mobilização, sendo o perfil social do líder bastante valorizado. Todavia, a intensidade e o alcance da liderança a tornam unidimensional e inibem a sua pluralização. Possibilidade de exercer a própria vontade: em âmbito operacional o exercício das vontades individuais se faz mais presente, todavia em âmbito estratégico a possibilidade de atuação é Aproximação média com os pressupostos da gestão social. 3 Aproximação da gestão social e gestão estratégica em mesma intensidade. 3 Aproximação da gestão social e gestão estratégica em mesma intensidade. autonomia dos atores organizacionais encontra alicerces na valorização do diálogo em todos os âmbitos da cooperativa e na possibilidade de promover mudanças, ainda que, predominanteme nte, restrita ao nível operacional e de lazer dos cooperados. Aproximaç ão média com os pressuposto s da gestão social. 149 mais restrita, pois como as decisões são em diretoria, podem não convergir com a vontade dos demais atores organizacionais, ainda que tal convergência seja buscada pelos dirigentes. Quanto à cooperativa, enquanto instituição, o maior impedimento apresentado para o exercício da vontade própria são as limitações financeiras, que condicionam as decisões da cooperativa à sua disponibilidade de capital e capacidade de produção. Fonte: elaboração da autora. O quadro apresenta aproximação dos critérios tanto com características da gestão social quanto da gestão estratégica. Os critérios que apresentaram maior convergência com esta última estão relacionados com a pluralidade do grupo promotor, a abertura dos espaços de decisão e a forma de escolha dos dirigentes. Com relação à gestão social, os critérios que apresentam maior convergência vinculamse aos canais de difusão, a aceitação social, a valorização cidadã, discurso dos dirigentes, a alçada dos atores e a avaliação participativa. Os critérios que envolvem a qualidade da informação, o perfil da liderança e a possibilidade de exercer a própria vontade, apresentam em mesma intensidade aproximações com gestão social e gestão estratégica. De maneira semelhante, as categorias apresentam, predominantemente, o mesmo equilíbrio. 4.2 CASO 2: Cooperativa de Mulheres Maricultoras de Governador Celso Ramos (COLIMAR) 4.2.1 Caracterização da Cooperativa de Mulheres Maricultoras de Governador Celso Ramos - COLIMAR A atividade pesqueira faz parte da tradição do município de Governador Celso Ramos e ainda hoje tem grande importância na economia local, sendo a maior geradora de renda e ocupação para as 150 famílias, pois cerca de 70% da população, formada por cerca de 13 mil pessoas, vive direta ou indiretamente da pesca, constituindo-se em um dos maiores polos produtores de marisco de cultivo do Estado. A captura do peixe, do camarão, do siri e o cultivo do mexilhão são exercidos predominantemente pelos homens da região, enquanto as mulheres, tradicionalmente, se ocupam do processamento do pescado (COLIMAR, 2012). Nesse contexto, nasceu a Cooperativa de Mulheres Maricultoras de Governador Celso Ramos – COLIMAR, fundada em 27 de junho de 2003, com o propósito de agregar valor ao pescado e gerar trabalho e renda para as famílias dos pescadores. Figura 09: Sede da COLIMAR, em Governador Celso Ramos/ SC Fonte: COLIMAR (2012) A iniciativa de constituir uma cooperativa surgiu do Presidente da colônia de Pescadores da comunidade na época, Senhor Nei Custódio, e segundo a entrevistada 3, e também uma das primeiras cooperadas “ele comunicou as comunidades, os grupos, para juntar as mulheres e fazer uma cooperativa. Aí, eu entrei nessa, e comecei a participar das reuniões”. Segundo a entrevistada 3, “ele também ajudaria a ir à procura do mercado, tendo como objetivo valorizar o nosso produto, e ter o nosso próprio trabalho, para ajudar a melhorar a nossa renda familiar e gerar mais empregos para nós mulheres, e para o nosso município, que oferece pouca oportunidade de trabalho, a não ser “descascar camarão””. 151 A entrevistada 1 relata as dificuldades enfrentadas no início da cooperativa “foi bem difícil, bem complicado, a gente não sabia o que a gente ia fazer, como ia montar uma cooperativa, mas não sabia o que ia fazer, se era salgadinho, se outro tipo de cooperativa, ai gente teve que fazer votação, um queria uma coisa outro queria outra, e foi complicado, porque tinha muita mulher na época, tinha mais de 20 mulher, e foi aprovado como salgadinho” (sic), produto que é feito até hoje através do beneficiamento de peixe, ostra, marisco e camarão (casquinhas de siri, bolinhos de peixe, camarão empanado no palito, mini quiches de ostras, risoles de peixe, croquetes e empadas de camarão). Após a decisão dos produtos a serem fabricados, as cooperadas foram à procura de apoio para iniciar as atividades, que exigia qualificação técnica “fomos à procura de apoio, fazendo cursos através da EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural), SEBRAE (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e Prefeitura, para conseguir nos qualificar para atender os clientes, que exigem bastante qualificação nessa linha de produtos” (ENTREVISTADA 5). Conseguindo inicialmente o certificado da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (CIDASC), o SIE (Inspeção de Produtos de Origem Animal), e posteriormente os produtos se enquadram na legislação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que permite a comercialização dos produtos a nível nacional (DOCUMENTO INSTITUCIONAL - COLIMAR, 2011). A cooperativa iniciou suas atividades com a participação de cerca de 23 mulheres, porém as dificuldades enfrentadas fizeram com que a maioria delas desistissem, “foi saindo, foi entrando, foi saindo e daí só ficou no finalzinho, só tinha ficado 3, foi bem difícil, assim a gente, todo mundo pensou em fechar, foi bem complicado, foi começo assim, foi bem difícil, ainda ta difícil, mas foi bem complicado”. Segundo a entrevistada 3, na época, até mesmo o fechamento da cooperativa enfrentaria dificuldades “a gente tinha muita dívida, ainda tem, e ia fechar como? Quem que ia pagar as dívidas da cooperativa?”. As cooperadas que decidiram dar permanecer, apenas três, foram em busca do apoio da comunidade para dar continuidade à cooperativa “a gente foi aqui na comunidade, nos parentes da gente, pra ajudar, se não a cooperativa ia fechar, até porque ia ficar sem as 20 pessoas que precisa ter” (sic). 152 Outra grande dificuldade encontrada foi o poder local, pois a sede da cooperativa é patrimônio da União. Segundo a entrevistada 1, o local foi cedido pela prefeitura da época, porém sem a formalização da concessão, o que posteriormente causou problemas, “quando mudou o prefeito, queriam tirar nós daqui, queriam colocar uma secretaria aqui, mas a gente foi atrás e conseguiu ficar”. A entrevistada 5, apresenta um relato mais surpreendente sobre o caso “quando ele viu que não ia conseguir tirar a gente daqui, nós fomos conversar com ele e sabe o que ele falou? “não quero saber daquilo, quero mais é que pegue fogo””. Atualmente as cooperadas possuem um termo de comodato de utilização do prédio, o que garante temporariamente o seu uso, porém a insegurança permanece: Eu acho muito difícil tirarem a gente daqui, o ministério da pesca doou essas coisa tudo pra nós, a não ser que mandem a gente pra outro lado, fazem algo e passem nós pra lá (...) a gente já tinha conversado com o prefeito que se elegeu agora, ele prometeu que a gente ia ficar, mas nunca se sabe, né (sic) (ENTREVISTADA 1). A falta de incentivo do poder local aparece como uma das maiores reclamações das cooperadas: O município não apoia a gente em nada, porque se o município apoiasse a gente não tava assim (referindo-se as dívidas), e uma cooperativa que é assim um exemplo, porque é uma cooperativa só de mulher, lá em Brasília querem fazer um trabalho com nós, quer que mande foto da cooperativa, porque em Santa Catarina é uma cooperativa de exemplo, é assim, a gente espera que um dia a gente tenha reconhecimento daqui (ENTREVISTADA 6). A entrevistada 4, relata dificuldades, inclusive, nas doações de produtos para a prefeitura local “não tem apoio, é bem complicado, não tem um interesse deles, nem os nossos bolinhos a gente entrega aqui, os de doações, eles não quiseram, a gente entrega em Biguaçu. A gente entregou uns 200 quilos e ficou uns dois meses ali, o pessoal ia buscar e eles não entregavam”. As cooperadas relatam não ter reconhecimento da comunidade local, conforme narrado pela entrevistada 3: 153 Esses dias eu fui na feira com a camiseta da COLIMAR e uma vizinha disse: “o que! Essa cooperativa ainda existe?”Eu disse: “existe! Porque?” Ela disse: “pensei que nem existia mais”. Se você perguntar aqui em governador Celso Ramos onde fica a COLIMAR, eles vão dizer que não existe mais, aqueles que conhecem até vão dizer que não conhecem. As pessoas de longe conhecem mais a COLIMAR que o pessoal daqui. La em Brasília eles falam da COLIMAR, aqui ninguém conhece. A dificuldade levou com que as cooperadas tivessem que buscar fornecedores de pescado fora da comunidade “o marisco tem que ter o SIF (certificação do Serviço de Inspeção Federal), a gente podia comprar do município, mas não tem, e a gente tem que comprar na Penha (cidade localizada a cerca de 100km de Governador Celso Ramos), onde a gente achou marisco com fiscalização” (ENTREVISTADA 6). Perguntadas sobre terem procurados os pescadores para dialogar sobre o assunto, a entrevistada 4 relata “a gente tentou conversar com os pescadores, mas eles não querem nem saber de fiscalização, e não pode, traz problema para a gente, tem que informar onde a gente vai comprar, tem que ter nota do produtor, os daqui não querem nem dar a nota. Fica complicado.” A entrevistada 5 afirma que a maioria dos pescadores tem medo da fiscalização “a maioria dos pescadores é mais velhos, tem a cabeça fechada e os filhos pensam igual, se você falar em nota fiscal pra eles, não querem nem saber, não deixam nem falar, tem medo, teve um que saiu quase correndo daqui quando eu pedi”. Para resolver o impasse de fornecimento a COLIMAR firmou parceria com a Cooperativa de Maricultores de Penha - COPERMAPE, solucionando também o problema de quantidade mínima de cooperados e permitindo que um projeto com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) fosse realizado, pois o mesmo necessitava da existência de pescadores cooperados. Segundo a entrevistada 3 os pescadores da região foram procurados para juntarem-se a cooperativa: A gente precisava de pescador né, e fomos atrás deles para ver se eles entravam como cooperado, mas daí eles começam assim “o que a gente vai ganhar com isso? Acho que não vale a pena essa coisa de cooperativa” Aí é difícil né, nós tivemos 154 que ir para a Penha, porque lá tem uma cooperativa de maricultor, ai tem 9 ou 10 cooperados de lá, que é como se fosse daqui também, para poder fazer o projeto da CONAB. A COLIMAR tem parceria também com Cooperativa de Produção e Abastecimento Vale do Itajaí – COOPER, que adquiri os seus produtos para comercialização em sua rede de supermercados. Outra parceria relevante na organização é realizada com o Núcleo de Abordagem Sistêmica do Design (NASDesign) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e data de cerca de 2 anos, que, dentro de outros projetos, revitalizou a marca da cooperativa, construindo uma nova identidade visual e novas embalagens para o produto, como podese observar nas figuras abaixo: Figura 10: Embalagem antiga dos produtos COLIMAR. Fonte: COLIMAR (2012) 155 Figura 11: Nova embalagem dos produtos COLIMAR. Fonte: COLIMAR (2012) Segundo a entrevistada 1 a parceria com a UFSC foi bastante positiva “ajudou muito, nossos produtos ficaram mais bonitos, chama mais atenção, o pessoal gosta bem mais quando olha uma embalagem bonita”, o que facilitou a colocação dos produtos no mercado. Atualmente a cooperativa não trabalha com a venda direta para supermercados, exceto para o ligado a COOPER, pois segundo as cooperadas existem muitas dificuldades e exigências nesse segmento. Além disso, uma experiência negativa com uma grande rede europeia, que possui grande atuação no Brasil, inibiu a inclusão da cooperativa no mercado de varejo, conforme relata a entrevistada 4, “foram milhares de exigências, tinha que ser com a marca deles, tudo do jeito deles, cada coisinha que a gente fazia tinha que mandar por sedex para eles provarem, tivemos que pagar até uma mulher que trabalha com eles pra fazer uma inspeção, 3000 mil reais”. A entrevista 2 relata a ocorrência de muitas mudanças em virtude das exigências do comprador “teve muitas mudanças, mandamos fazer embalagem diferente, caixa pra embalar e tudo com o nome deles, fizemos até empréstimo para conseguir fazer como eles queriam, agora tá aí, tudo guardado, esse monte de coisas que não o que fazer, porque tem o nome deles”. De acordo com a entrevistada 5, a demora no recebimento do produto foi uma das causas dos problemas: A gente trabalhou dia e noite para dar conta da encomenda, quando a gente terminou eles demoraram mais de três meses para aceitarem 156 receber o produto, quando chegou na prateleira do supermercado já tava quase vencido, e ninguém compra coisa de peixe quase vencendo, daí não vendeu e eles simplesmente pararam de pegar coisas da gente”. Após a experiência, a cooperativa esteve prestes a fechar as portas, em virtude das altas dívidas contraídas não apenas em nome da cooperativa, mas das cooperadas e de seus familiares. A solução foi a parceria com a CONAB, conforme relato da entrevista 1 “resultado a gente não temo, porque a gente ta pagando as dívidas, a gente fica preocupado pra pagar, agora que a gente entrou para o CONAB, a gente ta pagando tudo direitinho, tá com aos bancos tudo em dia, então tamos mais tranquila” (sic). Ainda sobre as dificuldades encontradas, as cooperadas destacam a mudança constante na legislação, que não favorece as cooperativas, e os impostos cobrados: Cooperativa é muito complicado, é muito mais complicado do que se fosse uma empresa, porque o imposto é o mesmo que a gente paga, INSS dos funcionários é mais caro do que uma empresa, a empresa paga 8% a cooperativa paga 11% se for para funcionário, eles não fazem uma coisa pra ajudar as cooperativas, um apoio, não, do jeito que eles fazem parece que querem que acabe com tudo, eles não tem uma coisa para ajudar mesmo (ENTREVISTADA 4). A entrevistada 2 diz acreditar que a legislação tem feito com as cooperativas se parecem cada vez mais com empresas tradicionais “tá ficando tipo uma empresa mesmo, cada vez mais burocracia pra gente, eles não criam as coisas pras cooperativas, parece que eles copiam das empresas e colocam pra gente” (sic). Embora as dificuldades sejam muitas e recorrentes a COLIMAR completa em 2013, 10 anos de funcionamento, contando com 6 mulheres atuando em suas atividades, sendo que três delas estão desde sua fundação. As cooperadas almejam que a cooperativa alcance bons resultados e possa contribuir para o desenvolvimento da região, “a gente espera assim que possa ter um salário digno e que a cooperativa cresça, dê emprego mais gente aqui, que tenha reconhecimento, porque foi 157 muito esforço, mas a gente acredita muito, já tamo há 10 anos aí, se Deus quiser e muito trabalho a gente vai longe”(sic). 4. 2. 2 Descrição e análise dos Resultados com base nas categorias 4.2.2.1 Avaliação da COLIMAR segundo a Categoria 1: Processo de discussão O “processo de discussão” tem como princípio a deliberação de problemas mediante a autoridade negociada entre os atores. Para a análise de tal processo entende-se necessário a atenção a três critérios, que serão expostos a seguir. 4.2.2.1.1 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 1: Canais de difusão Verificou-se na COLIMAR a existência de poucos canais de difusão das informações, não havendo o uso de mídias impressas ou eletrônicas de forma recorrente. O principal meio de difusão das informações ocorre através da comunicação oral, utilizada desde o surgimento da cooperativa e que se mantém até hoje. Segundo a entrevistada 2 “a informação é no boca a boca mesmo, aconteceu alguma coisa eu vou falar para elas, do mesmo jeito que se acontece algo com elas, elas vem e me falam”. O uso de outras mídias é feito apenas para atendimento de implicações legais, como relatado pela cooperada 2: Só quando tem a reunião anual daí a gente faz o edital e publica trinta dias antes, tem que protocolar o edital e mandar para a junta da OCESC (Organização das Cooperativas do Estado de Santa Catarina) e tem que colar em órgãos públicos, posto de saúde, prefeitura, esse ano a gente esqueceu de colocar no jornal do município e tivemos que pagar trezentos reais, para colocar nos informes, um editalzinho pequenino. É muita burocracia assim e incentivo quase nada. O registro das reuniões realizadas formalmente é feito em livros que ficam arquivados na sede da cooperativa “toda reunião de coisa 158 importante que a gente faz aqui, a gente coloca no livro pra (sic) saber o que aconteceu” (ENTREVISTADA 4). Indagadas sobre o acesso as atas das reuniões que obrigatoriamente precisam ser registradas, a entrevistada 3 comenta que o acesso é livre a todos : Os livro fica tudo ali, todo mundo pode olhar a hora que quiser, tão ali naquelas gavetas (aponta para as gavetas), se eu não vim na reunião e quiser saber o que aconteceu é só olhar no livro que tá escrito lá, só não pode tirar as coisas do lugar, né, bagunçar. Mas eu nunca faço porque é mais fácil conversar com a mulherada (sic). De acordo com as cooperadas, a comunicação oral é suficiente para atender as necessidades da cooperativa, atribuindo a eficácia parcialmente ao pouco número de cooperadas, a entrevistada 3 comenta que “funciona porque a gente tá sempre perto, as que ficaram, quando era mais gente era mais complicado né, e a gente tá sempre sabendo como as coisas estão acontecendo e como não está, a gente tá sempre querendo saber das coisas né” (sic). Para a entrevistada 4, esse tipo de comunicação é a mais eficiente na cooperativa “eu acho que é suficiente, é melhor eu falar direto com elas, do que colocar algo na parede que ninguém vê, nem vão ler um mural, acho que é mais fácil ir falar com elas diretamente, que já tenho certeza que elas ficaram sabendo, que tão(sic) informadas do que acontece”. 4.2.2.1.2 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 2: Qualidade da informação Os relatos supracitados na categoria anterior salientam aspectos referentes ao critério “qualidade da informação”, pois as cooperadas consideram obter todas as informações que necessitam sobre a organização, “a gente sempre sabe de tudo que tá acontecendo, porque a gente conversa, né? E aqui não tem aquela coisa de esconder o que tá acontecendo, acho que por isso que deu certo” (sic). Para a entrevistada 5, a transparência das ações é primordial para o andamento da cooperativa “desde que a gente começou aqui com a cooperativa é assim, sempre com essa ideia de ser transparente, né, de falar com clareza das coisas, de fazer com que todo mundo fique sabendo do que acontece, até pras (sic) coisas ficarem em ordem aqui 159 dentro, pra (sic) ninguém ficar sabendo das coisas pela metade, né, não dar confusão”. A transparência aparece como um dos principais norteadores da gestão social, pois, segundo Oliveira, Cançado e Pereira, (2010, p. 622), “se o processo decisório passa pelo entendimento, pela utilização da linguagem e comunicação entre as pessoas, as informações devem estar disponíveis a todos, o segredo e a assimetria de informações também são estranhos a este processo”, denotando traços de gestão social presentes na organização. 4.2.2.1.3 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 3: Pluralidade do grupo promotor O último critério analisado nessa categoria refere-se a “pluralidade do grupo promotor”, que envolve o compartilhamento da liderança nos processos de discussão, sendo eles não conduzidos unilateralmente. Verificou-se na COLIMAR a proeminência de uma das cooperadas e atual presidente na condução dos temas a serem discutidos, “normalmente ela vai falando, explicando as coisas direitinho pra (sic) gente, tem umas coisas que a gente não entende direito né, e ela vai explicando” (ENTREVISTADA 6). Porém, as cooperadas relatam a busca da liderança na participação de todos, conforme entrevistada 3, “mais é a presidente né, sempre ela quer participar com a gente, quer nosso apoio, sempre ela na frente, a gente nunca decide sozinha, quando ela tem uma ideia ela passa pra gente e quando a gente tem passa para ela também”. A cooperada 1, atribui a liderança da atual presidente a sua melhor articulação ao falar e entendimento dos fatos: Quem toma mais a frente assim é a nossa presidente né, que ela que entende melhor que nós assim, né. Agora tem a minha filha que também tá aqui, que já tem um estudo melhor, nos estudemos menos e ela já estou mais né, se formou na escola, a presidente não, mas é que assim, ela é mais inteligente, assim em termo mais de comunicação, de entender mais as coisas, ela é melhor do que nós nessas coisas, tanto que é a presidente (sic). A educação formal e a habilidade comunicacional apresentaramse como propulsores da liderança na promoção das atividades na 160 organização, pois as cooperadas que possuem menor escolaridade acreditam que o fato da presidente se comunicar com maior facilidade ajuda no desenvolvimento das atividades e no relacionamento externo da cooperativa: Ela fala melhor que a gente, né, então quando tem um projeto, alguma coisa assim que precisa conversar com o pessoal de fora, é sempre ela e agora com a cooperada mais nova, que tem mais estudo, né, fica mais fácil de dizer o que a gente quer, entender o que tem que fazer, consegue mais fácil as coisas, sabe” (ENTREVISTADA 3). Segundo a entrevistada 5, foi por iniciativa das cooperadas que a presidente ocupa essa posição “eu aprendi a falar aqui na cooperativa, porque eu era muito tímida (...) teve uma vez que veio o governador aqui na comunidade e elas empurraram a presidente lá para frente para falar, diziam “você tem que ir lá pra falar melhor da cooperativa””. Perguntada sobre tal situação, a entrevistada 5 comentou acreditar na igualdade entre os cooperados “aqui não tem uma que é melhor que a outra, a gente é tudo igual, mas se elas acham que isso ajuda a cooperativa, eu vou ajudar né”. 4.2.2.1.4 Considerações gerais sobre a categoria “Processo de discussão” Castellà e Parés (2012) destacam que a “situação de maior qualidade democrática é aquela em que os participantes recebem toda a informação necessária, podem deliberar sobre ela em condições de igualdade e podem tomar uma decisão a respeito de forma democrática”. Ma COLIMAR, o processo de discussão na apresenta traços positivos quanto à forma como as informações são socializadas na cooperativa, de forma ampla e transparente, de forma mais relevante em âmbito interno. Em âmbito externo, as discussões, com parcerias com órgãos públicos, empresas, discussão de projetos, por exemplo, são conduzidas, geralmente, pelos mesmos representantes e sem a participação coletiva, havendo intermediários no processo, ainda que os mesmos sejam posteriormente discutidos pelas cooperadas. De modo geral, verificou-se que, mesmo com a existência limitada de canais de difusão de informação na COLIMAR, as cooperadas conseguem através do diálogo se manter informadas sobre 161 as atividades da cooperativa, garantido o compartilhamento das informações de maneira suficiente para que possam ter participação ativa nas decisões. Evidências corroboradas pela observação realizada, onde foi possível acompanhar o fluxo das informações, caracterizado predominantemente pela informalidade e transmissão imediata e transparente das informações, o que segundo Tenório et al. (2008, p.10) pode contribuir para o exercício da participação, pois “para o desenvolvimento da participação faz-se necessária a fluência das informações nos diferentes âmbitos participativos”. Observou-se, que o ambiente colaborativo e a informalidade nas relações fortalecem os laços criados entre as cooperadas e inibem os entraves que poderiam dificultar a socialização das informações. 4.2.2.2 Avaliação da COLIMAR segundo a Categoria 2: Inclusão A segundo categoria a ser trabalhada está relacionada à “inclusão” dos atores nos espaços decisórios e será estudada a partir de três critérios, a saber: a) abertura dos espaços de decisão; b) aceitação social, e; c) valorização cidadã. 4.2.2.2.1 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 1: Abertura dos espaços decisórios O primeiro critério a ser trabalhado nessa categoria refere-se a “abertura dos espaços decisórios”, visando analisar a possibilidade de articulação de interesses dos indivíduos na cooperativa, que favoreçam a negociação de conflitos e que proporcionem chances igualitárias de participação nas tomadas de decisões. Verificou-se na cooperativa que os espaços de tomada de decisão são permeados por um caráter deliberativo, sendo o diálogo a base do consenso, conforme descrição da entrevista 3 “eu acho que a gente é ouvida sim, o que a gente pensa das coisas a gente pode falar, as vezes acolhe as vezes não, mas sempre ouve o que a gente fala”. A entrevistada 5 ressalta o caráter coletivista da decisão “ninguém toma decisão sozinho, quando tem uma decisão eu procuro elas pra conversar, ver como fazer, desde coisas mais pequenas até decisões maiores” (sic). Segundo a entrevistada 6, todas cooperadas tem a possibilidade de participar das decisões “não participa só se não quiser, 162 porque elas sempre falam que precisa conversar sobre isso ou sobre aquilo, porque precisa decidir e tem que falar pra achar o melhor pra fazer, né” (sic). Com base nos depoimentos das cooperadas e das observações realizadas, verificou-se a existência de grande abertura para participação nas tomadas de decisão. A informalidade e o nível de descentralização são outros aspectos relevantes na organização, sendo observado por inúmeras vezes durante a pesquisa a paralisação temporária do trabalho para que uma reunião coletiva fosse realizada, muitas vezes no próprio local de produção, para que a decisão a respeito de determinado problema fosse tomada, com a participação de todas as cooperadas. Segundo a entrevistada 1 a prática é comum na organização “é assim mesmo, quando a gente precisa fazer a reunião, a gente para um pouco o serviço e conversa, “ah, tem isso pra decidir” e a gente conversa e decide”. 4.2.2.2.2 Avaliação da COLIMAR segundo os Critérios 2 e 3: Aceitação social e Valorização cidadã Os critérios seguintes possuem relação bastante próxima, pois o critério “aceitação social” refere-se ao reconhecimento das cooperadas da necessidade de uma metodologia participativa, enquanto o critério “valorização cidadã”, considera o quanto a necessidade de participação e suas implicações são valorizadas pelas cooperadas. A proximidade dos critérios e a dificuldade no tratamento dos mesmos em campo, tendo em vista a dificuldade de esclarecimento de questões como “metodologias participativas”, fez com que fossem tratados tangencialmente e de forma ampla, buscando compreender a importância que as cooperadas dão a sua participação e a participação coletiva. Verificou-se nas entrevistas que o entendimento de participação é frequentemente relacionado na cooperativa com o entendimento de responsabilidade compartilhada e o próprio entendimento de cooperativismo, que segundo uma das cooperadas contribuiu para a manutenção e desenvolvimento da organização, conforme a entrevistada 1: Eu acho assim, que essa coisa de participar cooperativa de verdade era mais difícil começo, a gente não entendia nada cooperativismo, nem sabia o que era, a gente na no de foi 163 entender mais agora pra frente, que a gente tem as palestras, as reuniões, tem o seu Elvio, que ajuda bastante quando a gente precisa, ele é da OCESC, que trabalha cooperativismo lá (...), porque tem essa coisa de todo mundo é dono, tem as responsabilidade, então não pode deixar que um faça as coisas sozinho, né, é de todo mundo” (sic). Segundo a entrevista 6 a necessidade de participação relacionase a responsabilidade “eu acho que é importante participar, porque quando entra aqui tem que saber que a responsabilidade das coisa que acontece também é da gente, se der errado não vai ser da presidente só, e se não ajudar as coisa não vão pra frente depois, né” (sic). Segundo a entrevistada 3 a participação nas atividades da cooperativa tornou-se imperativo “a gente fica mais aqui do que na própria casa, já virou a casa da gente, então não tem como não participar, nem estaria aqui se não tivesse vontade de participar, a gente pega amor né, (...) e se não pudesse participar das coisas também não ficaria né”. Percebe-se nas cooperadas o sentimento de pertencimento a organização e de responsabilidade com o seu andamento, vislumbrando na participação a oportunidade de contribuir para o seu desenvolvimento. 4.2.2.2.3 Considerações gerais sobre a categoria “Inclusão” Verifica-se na COLIMAR que a inclusão das cooperadas nos espaços de decisão ocorre de forma bastante abrangente, capaz de integrar todas as cooperadas no processo de decisão. Destacou-se também a valorização da participação demonstrada pelas entrevistadas, que retratam a participação como uma forma de atuação ativa na cooperativa. 4.2.2.3 Avaliação da COLIMAR segundo a Categoria 3: Igualdade participativa Para a análise categoria “igualdade participativa”, foram utilizados os seguintes critérios: 1) forma de escolha dos dirigentes; 2) discursos dos dirigentes e; 3) avaliação participativa. 164 4.2.2.3.1 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 1: Forma de escolha dos dirigentes No estatuto social da COLIMAR dispõe-se a escolha dos dirigentes mediante o voto direito de todos os cooperados, em eleições realizadas nas assembleias ordinárias, durante as quais o conselho administrativo precisa ser trocado a cada dois anos e o conselho fiscal anualmente. Segundo a entrevistada 2 “é obrigatório realizar uma reunião mensal de administração e do conselho fiscal, e todo ano tem que ter uma assembleia ordinária, mudar a diretoria, conselho fiscal, administrativo, todo ano tem que ter”. Cumprindo as obrigatoriedades as reuniões são realizadas regularmente, todavia o processo de escolha dos dirigentes é realizado de maneira diferente, conforme relatado pela entrevistada 3 “quando chega o tempo a gente combina, não chega a fazer eleição, a gente combina, conversa e resolve”. A entrevistada 1 conta com mais detalhes a forma de escolha “a gente se reúne, conversa, uma diz o que acha, a outra diz o que acha, uma concorda a outra a vezes não, daí a gente vai, assim, discutindo, né, e diz assim ó (sic) “você vai ser a presidente”, se aceitou fica, se não aceitou a gente procura outra”. Questionada sobre o motivo da escolha da atual presidente, a entrevistada 1 relatou que: Ela é a terceira presidente nossa, né (...) fizemos uma reunião e achamos melhor botar aquela, depois fizemos reunião e achamos melhor colocar a outra e colocamos, depois ela saiu, ai a gente pensou assim “a única que tinha mais inteligência aqui era ela” (atual presidente), que entendia mais das coisas, ai botemo (sic) ela de presidente e tá (sic) ai até hoje. A forma de escolha dos dirigentes apresenta caráter deliberativo, no qual as cooperadas discutem suas ideias e chegam a um consenso, como forma de decisão válida, processo bastante próximo ao entendimento de cidadania deliberativa. Os fatores que influenciam na escolha como “a mais inteligente” e “a que sabe falar melhor”, podem influenciar negativamente, caso sejam usados como instrumentos de convencimento e persuasão, todavia na COLIMAR não forma identificados traços que demonstrem o uso do conhecimento de forma negativa, pois, segundo relatos, o conhecimento 165 tem sido usado como apoio aos processos de discussão, conforme observou-se no relato da entrevistada 6, já exposto anteiormente: “normalmente ela vai falando, explicando as coisas direitinho pra (sic) gente, tem umas coisas que a gente não entende direito né, e ela vai explicando”. Tal processo converge com o que destaca Tenório (1990. p. 163), sobre relações participativas, ao destacar que “o saber de quem estudou deve ser usado como apoio às discussões, mas não como orientador primeiro na decisão. Numa relação coletiva o poder se dilui entre os participantes, já que o conhecimento e as informações são compartilhados, não existindo 'donos da verdade'”. 4.2.2.3.2 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 2: Discurso dos dirigentes O “discurso dos dirigentes” apresenta-se como segunda categoria a ser analisada, buscando verificar a importância atribuída à participação das cooperadas pelos dirigentes. Neste caso, buscou-se resgatar aspectos da fala da presidente da cooperativa, assim como identificar aspectos que possam esclarecer o seu posicionamento através da observação, tendo em vista o reconhecimento dos membros da organização quanto a sua liderança. Verificou-se durante a observação que a presidente busca compartilhar suas decisões com as cooperadas, buscando-as sempre que um problema aparece. Segundo a entrevistada 5 todas as ações são realizadas em conjunto e não seria correto que apenas a decisões fossem tomadas sozinhas “aqui todo mundo faz tudo, e faz todo mundo, quando é para limpar o chão são todas que limpam, quando é para cozinhar são todas que cozinham, e quando é para tomar uma decisão também, nem todo mundo pensa igual, mas a gente conversa, temos uma amizade muito grande”. A entrevistada 2 corrobora a informação de que as atividades são realizadas em conjunto “acho que ninguém pensa, assim “ vou fazer sozinho”, “vou decidir isso sozinho”, todo mundo tenta ajudar o outro aqui, pensa no conjunto”. A entrevistada 5 destaca a importância da união dentro da cooperativa “se a gente não fosse unida, se todas não pegassem junto, a gente não tava (sic) mais aqui, com todas essas dificuldades (...) a gente virou uma família, todas se ajudam e fazem as coisas juntas, por isso dá 166 certo, eu acho”. Na fala da entrevistada 5 verificou-se novamente o sentimento de coletivismo presente na cooperativa: Tu imagina se todas não participassem, se a gente não ajudasse umas as outras, agora faz uns três meses que eu não venho mais direto pra cá (cooperativa), porque meu pai tá (sic) doente e eu tenho que levar ele pro (sic) hospital, essas coisas, e elas estão tocando direto, tomam as decisões que precisa, não fica dependendo de mim, sabe, mas elas sempre me deixam acompanhando as coisas e, se elas chamarem que precisa conversar eu venho também”. Destaca ainda ser esse o motor da sustentação da cooperativa, “dá certo porque é assim, porque a gente é unida, não tem diferença entre a gente, porque a gente consegue ouvir, respeitar a opinião do outro, mesmo que às vezes a gente pense diferente (...) se fosse só pra (sic) fazer o serviço da gente e ir embora trabalhava numa empresa né, ganhava mais do que aqui”. O discurso da presidente converge com as características observadas nas ações cotidianas da organização, no qual a participação coletiva é vista como uma forma de gerenciar e dar continuidade à cooperativa, uma forma de “fazer com que dê certo”, pois a responsabilidade quanto aos rumos da organização é compartilhada. 4.2.2.3.3 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 3: Avaliação participativa O critério “avaliação participativa” busca compreender as intervenções dos participantes no acompanhamento e avaliação nos processos de tomada de decisão. A COLIMAR não dispõe de nenhuma ferramenta ou metodologia formal para a avaliação e acompanhamento das decisões. Ao ser indagada sobre o acompanhamento das decisões a cooperada 6 declarou que “a gente tá (sic) sempre aqui, então a gente vê se deu certo ou não deu”. Segundo a entrevistada 4 “quando a gente percebe que a coisa não tá (sic) indo bem, a gente faz uma reunião e conversa “ah, porque não deu certo”, “onde que a gente errou”, “o que a gente tem que mudar””. 167 Abordando a igualdade participativa de forma ampla, ao serem indagadas sobre a participação das cooperadas e a sua própria, a entrevistada 1 respondeu“tudo a gente faz, a gente sempre combina uma com a outra, sempre trocando a ideia, as vezes uma tá nervosa e a outra tá mais calma, mas no final das contas a gente sempre se entendeu bem, graças a Deus (sic)”. Sobre a reflexão a respeito da participação a entrevistada 1 respondeu que “eu nunca fiquei pensando “ah, será que eu participo bastante”, eu chego aqui e tem as coisas pra (sic) fazer, tem os assunto pra (sic) discutir, e eu to (sic) sempre lá, fazendo as coisas, falando”. Segundo a entrevistada 4, o próprio processo autoexcluí “acho que quem não queria participar de verdade não ficou na cooperativa, já saiu, não se adaptou”. Desta forma, verifica-se a ocorrência da avaliação participativa através da ampla e ativa participação das cooperadas em todos os âmbitos organizacionais. O fomento ao processo de aprendizado coletivo apresenta-se como uma oportunidade a ser explorada pela organização, para além de processos produtivos e princípios cooperativistas, tendo em vista, por exemplo, o desenvolvimento de metodologias que permitam a maior intervenção no acompanhamento e avaliação nos processos de tomada de decisão. 4.1.2.3.4 Considerações gerais sobre a categoria “Igualdade participativa” De acordo com Castellà e Parés (2012, p. 242) um processo participativo de qualidade “deve possibilitar que seus participantes deliberem em condições de igualdade, tenham capacidade de fazer propostas e, finalmente, tomem uma decisão de forma democrática”. Na COLIMAR a participação apresenta-se bastante igualitária, propiciando a todas as cooperadas a oportunidade de deliberação. O desenvolvimento de metodologias que permitam maior e melhor acompanhamento das atividades aparece como uma oportunidade a ser explorada. 168 4.2.2.4 Avaliação da COLIMAR segundo a Categoria 4: Autonomia A “autonomia” dos cooperados será a próxima a ser discutida, tendo em vista o entendimento quanto à possibilidade de participação indistinta nos processos decisórios, e será analisada através dos seguintes critérios: 1) alçada dos atores; 2) perfil da liderança e; 3) possibilidade de exercer a própria vontade. 4.2.2.4.1 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 1: Alçada dos atores Nesse âmbito, discute-se primeiramente a “alçada dos atores” visando verificar com que intensidade os atores organizacionais podem intervir nas problemáticas discutidas. Segundo a entrevistada 2, as cooperadas tem a liberdade de expressar as opiniões e discuti-las, “pode pelo menos opinar, não é assim que sempre vai ser aceito o que eu penso, na verdade nem tem como acontecer isso, até porque eu penso de uma forma, tenho uma opinião e ela tem a dela, mas todas são ouvidas, a gente conversa e coloca a que melhor se encaixa na situação”. A entrevistada 4, ressalta a existência de abertura para a participação “não tem isso de não pode falar, não pode dar a opinião, a gente gosta de fazer escutando a vontade das pessoas, é assim mesmo, e todo mundo quer que seja assim, todo mundo conversando”. A forma como as problemáticas que são discutidas em âmbito organizacional permite às cooperadas interferir e participar de forma de maneira bastante igualitária. Quando as discussões ultrapassam os limites da organização a representação das cooperadas é feita, normalmente, pela presidente da cooperativa, conforme a fala da entrevista 1: Os problemas assim de fora, de ir lá falar com o pessoal do governo, por exemplo, eu não sei resolver, eu sei cozinhar (...) aqui na cooperativa a gente é tudo amiga, então a gente fala do jeito que sabe, né, (...) coisa de presidente, comunicação, não funciona para mim, não sei falar muito, me comunicar muito, porque mesmo não tive muito estudo. 169 Os assuntos discutidos fora da cooperativa são trazidos às demais cooperadas, que tem a possibilidade de discuti-los coletivamente, como foi verificado durante as observações realizadas. 4.2.2.4.2 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 2: Perfil da liderança O critério seguinte busca investigar o perfil da liderança, sua forma de condução das atividades e sua capacidade de mobilização dos atores envolvidos. Baseando-se nas observações e entrevistas é possível afirmar que a liderança apresenta características descentralizadoras e perfil democrático, permitindo que o poder decisório seja diluído entre as cooperadas, evidenciado, por exemplo, na condução das atividades pelas cooperadas na ausência da presidente e na ampla possibilidade de participação, como é possível observar no relato da cooperada 3 “ela sempre pede a opinião da gente, as vezes até tem a opinião dela, mas ela sempre fala com a gente, para ver se a gente aceita”. Traços da característica da liderança podem ser extraídos da fala da entrevistada 4, que destaca a participação de todas as cooperadas, inclusive a presidente, em diferentes atividades: Nós construímos isso aqui junto, a gente não briga, uma cooperativa tem que ter união, bastante união, porque aqui todo mundo faz tudo, a gente limpa, a gente lava, faz salgadinho, não tem nada daquilo que porque aquela é presidente, aquela é não sei o que, que muda o serviço, não tem nada disso, aqui pega tudo junto, na hora de decidir e não hora de trabalhar (...)não tem diferença se é presidente ou não, não tem nada que se eu sou cozinheira não vou fazer aquilo, ou a que é presidente não vai para cozinha...nada, ela tá sempre lá na cozinha ajudando (sic). O compartilhamento da liderança é algo relevante, apresentado por Castellà e Parés (2012, p. 230) como essencial para o processo participativo, pois “a existência de uma liderança compartilhada pode dar maior grau de eficiência e coerência ao processo participativo”. A figura da presidente não representa a instituição autocrática da liderança e ocupa um papel de “porta-voz” da cooperativa. O 170 acompanhamento de algumas reuniões permitiu a constatação de que a presidente costuma tratar os assuntos de forma bastante plural, sem a imposição de sua vontade, usando o seu conhecimento de forma a dar suporte para as cooperadas que apresentam mais dificuldade, conforme foi declarado por uma das cooperadas “nas reunião ela (a presidente) vai explicando as coisa) pra gente, porque tem muita coisa que eu não entendo direito (sic)” (ENTREVISTADA 3). Neste caso, a presidente atua como uma facilitadora do processo de discussão, tendo em vista que sua legitimidade depende da compreensão dos envolvidos sobre os assuntos em questão, conforme salienta Tenório (1990), ao dizer que o saber deve ser usado como apoiador dos processos de discussão e não como seu orientador maior. Quanto à capacidade de mobilização dos atores envolvidos por parte da liderança, não foi possível verificar com clareza a intensidade com que isso ocorre e de que forma é feita em situações mais complexas. O que foi possível verificar quanto à mobilização das cooperadas relaciona-se ao processo produtivo e ao envolvimento das famílias das mesmas, em especial em momento de grande demanda e na manutenção das instalações, conforme relatos da entrevistada 3, “quando tem pedido muito grande, a gente trabalha até tarde da noite, a família ajuda também, meu marido as vezes vem aqui, pinta uma coisa aqui, arruma lá, se precisar entregar ele entrega, pega, a família das outras ajuda bastante, sempre que precisa eles vem também”. 4.2.2.4.3 Avaliação da COLIMAR segundo o Critério 3: Possibilidade de exercer a própria vontade Discute-se ainda nesta categoria, a “possibilidade de exercer a própria vontade”, visando identificar normas, procedimentos e outros processos que permitam o exercício da vontade individual e coletiva. Sobre tal aspecto, verificou a existência de normas dispostas em estatuto, que privilegiam a exposição das vontades individuais e especial coletivas, principalmente no que tange as estâncias deliberativas. As cooperadas ao serem questionadas sobre o assunto deram os seguintes depoimentos: Assim, não é que pode fazer o que quer né, tem que ter compromisso com a cooperativa, mas a gente assim, como é que diz? É flexível, né, a gente tenta entender o que tá acontecendo, por 171 exemplo, eu fiquei doente e fiquei um mês sem vir em julho, agora a que é nossa presidente tá com problema na família e não pode vim sempre (...) a gente tenta se ajudar (sic) (ENTREVISTADA 1) Entrevistada 3: “a vontade da gente as vezes não dá, né, porque a gente é um grupo, então a gente tem que pensar que não é só a gente sozinho, que tem mais gente, as vezes um pensa diferente do outro, então tem que achar um jeito”. Desta forma, percebe-se que os objetivos coletivos são colocados à frente dos individuais na condução da cooperativa. As entrevistas demonstraram que muitos anseios das cooperadas são colocados em segundo plano, pois a situação financeira impõe limitações à consecução de muitos objetivos pessoais. A entrevistada 1 declarou que: A gente pensa mais na cooperativa do que na gente mesmo (...) a gente planeja e pede pra Deus que dê certo, que a gente pague as dividas, que um dia a gente tenha um salário digno, que até hoje nos não tivemos, é isso que a gente espera, a gente tá lutando para isso, mesmo se a gente não alcançar, mas tem o filho da gente que alcança (sic). Segundo a entrevistada 4, as limitações financeiras ainda são empecilhos para o exercício da vontade individual e coletiva “a gente ainda tem muita dívida, fez até empréstimo no nosso nome, do marido, então às vezes a gente precisa se preocupar mais com isso, tem muita coisa que a gente queria, mas ainda não dá pra fazer, mas todas nós temos o sonho de ver a cooperativa diferente”. Todavia, para as entrevistas a cooperativa trouxe benefícios quando a cidadania, a possibilidade de maior autonomia, conforme podemos observar na fala da entrevistada 2 “faz se valorizar mais, porque não tá dependendo só do marido, vai ter o próprio dinheiro, para as coisas que quiser, “ah, hoje eu quero ir no salão fazer isso”, não precisa pedir pro marido pra fazer isso, ela vai lá e faz, quer comprar uma roupa, comprar um presente, quer sair de casa um pouco”. A entrevistada 5 relata a importância da cooperativa para a cidadania: Eu acho que ajuda na cidadania porque eu aprendi que a gente tem direitos e que tem que 172 lutar por eles, ninguém vai bate na tua porta pra te dar eles, e que unida a gente consegue fazer as coisas também, ter um emprego melhor, às vezes nem por causa do dinheiro, talvez empresa ganha mais, mas ser o próprio patrão, aprender a entender o outro, trabalhar em equipe mesmo, é difícil ter isso”. Para entrevistada 3, a cooperativa aparece como uma oportunidade de socialização “foi importante, eu comecei a sair mais, a aprender mais, hoje eu to aqui por isso, pela amizade, pelo aprendizado, é um lugar que eu me sinto bem”. Acredita-se que o entendimento do que seja participação supera o formalismo e a obrigatoriedade na cooperativa, sendo mais um sentimento de pertencimento social, conquistado por mulheres de origem humilde e pouca escolaridade, que conseguiram através do trabalho e da cooperação um lugar na sociedade e a superação da dependência familiar e, certamente, deram um importante passo na busca por sua cidadania e o desenvolvimento de sua região. A cidadania aqui discutida converge também com as palavras de Tenório (2012, p.31), que a relaciona com um “agir deliberativo sob o qual são promovidas, intersubjetivamente, considerações e/ou argumentos com o objetivo de decidir sobre algo que beneficie o conjunto daqueles envolvidos”. 4.2.2.4.4 Considerações gerais sobre a categoria “Autonomia” A autonomia das cooperadas é identificada na grande liberdade de expressão e deliberação na organização, assim como as características descentralizadoras na gestão. Todavia, quando a cooperativa enquanto instituição a intensidade da autonomia esbarra nas preocupações financeiras e nas imposições vindas do mercado. 4.2.3 Avaliação da COLIMAR segundo as categorias da pesquisa A intensidade com que as categorias estudadas se aproximam do entendimento de gestão social em contraponto com a gestão estratégica será apresentada a seguir, com base nos dados coletados as categorias e 173 seus respectivos critérios serão analisados e classificados em uma escala de 1 (um) a 5 (cinco), conforme quadro a seguir: Quadro 16: Avaliação da COLIMAR segundo as categorias da pesquisa. Critérios Intensidade Categorias Intensidade Canais de difusão: existência de poucos canais de difusão da informação, porém eficientes. 4 - Aproximação média com os pressupostos da gestão social. Qualidade da informação: a transparência e fluidez das informações são comuns à organização e valorizadas pelos cooperados. Pluralidade do grupo promotor: a iniciativa das deliberações costuma ter origem na liderança da cooperativa e são conduzidas por ela, porém com possibilidade e valorização da intervenção das cooperadas. Abertura dos espaços de decisão: o caráter deliberativo e participativo permeia os espaços decisórios. 5 - Aproximação alta com os pressupostos da gestão social Processo de discussão: a transparência apresenta-se como principal aspecto positivo, enquanto a origem das proposições carece de maior pluralidade. 4 Aproximação média com os pressupostos da gestão social. Inclusão: a inclusão das cooperadas nos processos decisórios vincula-se fortemente a um sentimento de pertencimento a 5 Aproximação alta com os pressupostos da gestão social . 3 - Aproximação da gestão social e gestão estratégica em mesma intensidade. 5 - Aproximação alta com os pressupostos da gestão social 174 Aceitação social e Valorização cidadã: a participação é tratada como essencial para o andamento da cooperativa (produção, administração, etc.) e considerada inerente ao próprio cooperativismo. 5 - Aproximação alta com os pressupostos da gestão social organização e de responsabilidade com o seu andamento, vislumbrando na participação a oportunidade de contribuir para o seu desenvolvimento. Forma de escolha dos dirigentes: os dirigentes são escolhidos em deliberações realizadas pelas cooperadas. Discursos dos dirigentes: a liderança da cooperativa mostrase interessada na participação de todas e as procura sempre que uma decisão precisa ser tomada. Avaliação participativa: inexistência de ferramenta ou metodologia formal para a avaliação e acompanhamento das decisões Acompanhamento das decisões através da percepção no dia a dia dos 5 - Aproximação alta com os pressupostos da gestão social Igualdade Participativa: a participação na cooperativa apresenta-se bastante igualitária, propiciando a todos a oportunidade de deliberação. O desenvolvimento de metodologias que permitam maior e melhor acompanhamento das atividades aparecem como uma oportunidade a ser explorada. 5- Aproximação alta com os pressupostos da gestão social 4Aproximação média com os pressupostos da gestão social 5 Aproximação alta com os pressupostos da gestão social 175 encaminhamentos e resultados. Oportunidade para o desenvolvimento de metodologias que permitam maior acompanhamento das atividades. Alçada dos atores: 5 - Aproximação alta as cooperadas tem a com os pressupostos possibilidade de da gestão social expor suas opiniões e discuti-las em todos os âmbitos da organização. Perfil da liderança: 5 - Aproximação alta apresenta com os pressupostos características da gestão social descentralizadoras. Possibilidade de 4 - Aproximação com os exercer a própria média vontade: o pressupostos da coletivismo é mais gestão social valorizado que as vontades pessoais na organização. A preocupação com o saldo das dívidas da cooperativa, muitas vezes, acaba por sobrepor as vontades individuais e coletivas aos imperativos financeiros. Fonte: elaboração da autora. Autonomia: a autonomia das cooperadas é identificada na grande liberdade de expressão e deliberação na organização, assim como as características descentralizadoras na gestão. Todavia, quando a cooperativa enquanto instituição a intensidade da autonomia esbarra nas preocupações financeiras e nas imposições vindas do mercado. 5 Aproximação alta com os pressupostos da gestão social . Com base no quadro apresentado verifica-se que a maioria dos critérios apresentou proximidade com os pressupostos de gestão social, apenas o critério “possibilidade de exercer a própria vontade” apresentou características equilibradas, tanto de gestão estratégica como de gestão social. Em consequência, as categorias também se mostram próximas da gestão social. 176 177 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS As teorias organizacionais, apesar de seu constante desenvolvimento, carregam, predominantemente, em seu âmago, a busca pela produtividade e máxima eficiência, traços advindos dos primórdios dos estudos organizacionais e característicos das Escolas Clássica e Científica da Administração. O gerencialismo e o instrumentalismo que norteiam a racionalidade administrativa tradicional perpassam épocas e se fazem presentes nas organizações atuais, mesmo que com novas roupagens e revestidos de nomenclaturas mais suaves. Por muito tempo, acreditou-se haver uma única melhor maneira de administrar, orientada por uma única racionalidade, baseada no cálculo e no utilitarismo. E desse entendimento desenvolveram-se teorias, técnicas, estruturas, seguindo a mesma orientação e incorporando a lógica competitiva de mercado, não apenas em empresas tradicionais de produção e serviços, mas em âmbito público e na esfera pública não estatal, um espaço próprio da sociedade civil, na qual, muitas iniciativas de base social emergem, como é o caso das cooperativas estudadas nesta dissertação. Todavia a incorporação de uma lógica mercadológica na condução de organizações que não possuem como objetivo único o lucro e se estruturam de maneira cooperativa ao invés de competitiva, surge como uma problemática a ser discutida. Diante desta problemática, a preocupação primeira desta pesquisa está na compreensão da gestão destas organizações e para tanto, julgouse pertinente estudar a participação dos atores organizacionais no processo de decisão, tendo como base o entendimento de gestão social, orientada por uma racionalidade comunicativa/substantiva, que entende a deliberação e o consenso como forma de decisão válida e que se contrapõe à gestão estratégica, aquela guiada pela racionalidade instrumental, na qual o cálculo utilitário das consequência é o orientador maior do processo decisório. Para o alcance do objetivo geral desta pesquisa entendeu-se importante, primeiramente, contextualizar as cooperativas estudadas. Em atendimento ao primeiro objetivo específico apurou-se que as cooperativas apresentam convergência quanto às suas origens, ambas foram fundadas através da mobilização da sociedade civil em busca de um objetivo comum e de alternativas para o enfrentamento de uma 178 problemática social, que não encontra solução nem na esfera estatal, nem na mercadológica. A problemática enfrentada pode parecer divergente, em um primeiro momento, todavia, carrega em sua essência os mesmos anseios, que podem ser resumidos no excerto retirado de um documento institucional da COEPAD (2012), “as discussões daquele grupo giraram em torno da dependência dos portadores de deficiência em relação aos seus familiares, dificuldades de adaptação à sociedade competitiva e outros aspectos relativos à constante subordinação” (grifo nosso). Assim como no caso dos deficientes intelectuais, o grupo de mulheres fundadoras da COLIMAR, buscavam além da geração de renda, a conquista de independência frente à família. Nas palavras de Pedro Demo (1995) a autonomia cidadã depende também da superação da subordinação financeira. As dificuldades de adaptação à sociedade competitiva também é comum a COLIMAR, pois a pouca escolaridade aliada às escassas oportunidades de qualificação e à carência de emprego na região, dificultam as inserção dessas mulheres no mercado de trabalho. O processo de formação das cooperativas também apresentam traços comuns. Ambas foram constituídas após um longo período preparatório e sucessivas deliberações, nas quais as decisões eram tomadas por consenso negociado e tinham caráter deliberativo e coletivista. Todavia, o desenvolvimento das cooperativas foi distinto, a COEPAD aumentou consideravelmente o seu número de membros, passou de cerca de 20 (vinte), em sua fundação, para mais de 50 (cinquenta), em 2012, já a COLIMAR, iniciou suas atividades com cerca de 30 membros e hoje conta com a atuação efetiva de apenas 6 (seis). A COEPAD, por ser uma cooperativa social, tem em seu grupo categorias diferenciadas de associados, que incluem deficientes intelectuais, seus pais e voluntários, além de possuir funcionários em cargos gerenciais (gerente de produção e coordenadores de oficinais, por exemplo), o que não ocorre na COLIMAR, e pode influenciar no distanciamento entre o número de associados. As estruturas organizacionais adquiriram formas diferenciadas, ainda que as duas cooperativas sigam as exigências legais e tenham a formação comum a todas as cooperativas (assembleias, conselho administrativo e conselho fiscal), pois, no caso da COEPAD, tais estruturas são mais representativas, assim como a formalidade dos cargos, enquanto na COLIMAR representam mais o cumprimento de formalidades do que efetivamente instâncias administrativas, já que a 179 atuação de seus membros se aproxima das características de um grupo de trabalho. Em linhas gerais, verificou-se que a COEPAD atravessou um maior processo de burocratização em suas estruturas, agregando maior formalismo em seus processos e rigidez em sua hierarquia, enquanto a COLIMAR, manteve um caráter bastante informal em sua estruturação, preservando com maior proximidade a sua forma inicial. O conhecimento processo de construção e consolidação das cooperativas permite melhor compreensão das características que permeiam os seus processos gerenciais e, especificamente, a forma de condução dos processos decisórios, servindo como suporte para a caracterização da participação dos atores organizacionais no processo de tomada de decisão das cooperativas estudadas, tendo como base as seguintes categorias, orientadas pela gestão social: processos de discussão, inclusão, igualdade participativa e autonomia, que se materializa como segundo objetivo específico desta pesquisa. Antes de iniciar as discussões sobre o segundo objetivo da pesquisa, ressalta-se que as categorias analíticas serão abordadas de forma transversal, pois, durante a análise dos dados, percebeu-se a interface muito próxima entre alguns critérios e categorias e, que, por delimitação da pesquisa e escolha metodológica, não foram trabalhadas de forma amplamente integrativa. O estudo dos processos de discussão permitiu verificar que a COEPAD possui maior diversidade em seus canais de difusão da informação frente à COLIMAR, todavia a qualidade das informações aparece com maior intensidade nesta última, possivelmente, devido a fluidez da informação, que no caso da COEPAD, assume uma dimensão mais verticalizada, disseminando-se, por vezes, através de uma “cascata” hierárquica. A transparência apareceu como um aspecto positivo em ambas cooperativas, pois o pleno conhecimento das informações, planejamento e resultados é essencial para o fortalecimento da capacidade interventiva e de exposição de opinião dos atores organizacionais, e para que possam avaliar e propor conscientemente as alternativas a serem discutidas, sendo, então, de extrema importância a criação de canais eficazes de informação. A pluralidade do grupo promotor se expressa de forma não muito intensa em ambos os casos, pois a promoção e condução das 180 problemáticas e atividades são, predominantemente, realizadas pelas lideranças organizacionais. Com base nos critérios estudados, conclui-se que o processo de discussão na COLIMAR se aproxima em maior intensidade do entendimento de gestão social em comparação à COEPAD, pois apresenta uma forma menos burocrática e mais dialógica, enquanto na COEPAD, a fluidez dos processos participativos nas decisões esbarra, muitas vezes, em sua estrutura formal. Em seguida, analisou-se a inclusão dos atores organizacionais nos processos decisórios, iniciando as discussões pela abertura dos espaços decisórios. A análise deste critério apresentou associação com as características do desenvolvimento organizacional das cooperativas, apresentado no início destas considerações, pois, no caso da COLIMAR, os espaços deliberativos de discussão, característicos de sua formação, foram mantidos e contam com a participação de todos os membros. No caso da COEPAD, o ajustamento formal de suas estruturas aos padrões burocráticos, possivelmente relacionados ao grande crescimento da organização, restringiu a participação coletiva em determinados espaços decisórios, como, por exemplo, no que tange as decisões administrativas restritas a diretoria. Sobre os critérios que tangiam a valorização da participação e de metodologias participativas por parte dos membros das cooperativas, verificou-se que na COLIMAR, apesar da inexistência de metodologias formais efetivadas de participação, averiguou-se que seus membros valorizam a participação e a consideram essencial para o desenvolvimento coletivo. A COEPAD apresenta situação semelhante quanto aos membros que atuam efetivamente na cooperativa, entretanto, conforme relatado, os pais, representantes formais dos deficientes intelectuais, oferecem relutância em participar. Desta forma, conclui-se que a inclusão dos atores nos espaços de decisão na COEPAD está fortemente vinculada à hierarquia organizacional, traço da gestão estratégica, e na resistência de determinados atores organizacionais em serem incluídos nestes espaços. Na COLIMAR, a inclusão vincula-se fortemente a um sentimento de pertencimento à organização e de responsabilidade compartilhada com o seu andamento. A valorização da participação se faz presente em ambas as cooperativas, porém, na COEPAD, de forma segmentada, não atingindo todos os âmbitos organizacionais, novamente relacionada a resistência em participar de determinados atores. Sendo a autonomia um 181 dos pressupostos do processo decisório baseado na cidadania deliberativa (TENÓRIO, 2008), a COLIMAR apresenta maior convergência com tal concepção. Quanto ao estudo da igualdade participativa nas organizações, analisou-se, primeiramente, a forma como os dirigentes são escolhidos, critério que despertou interessantes percepções, a começar pelo processo de escolha da COLIMAR, que apresenta caráter deliberativo e coletivista, acordado após consenso negociado entre as cooperadas. O relato do critério predominante na escolha da atual presidente, relacionado à maior escolaridade e melhor comunicação, é ressaltado por Tenório (1999) com cautela, pois de acordo com o autor, o conhecimento deve ser usado como apoio às discussões e não como orientador maior dos processos decisórios, fato observado na COLIMAR. Na COEPAD, o processo em si de escolha de dirigentes, obedece às disposições em estatuto, sobre a possibilidade de candidatura extensiva a todos os membros e o voto igualitário, conferindo caráter democrático ao processo. Contudo, o histórico eleitoral da cooperativa demonstrou a ocorrência apenas de eleições com uma única chapa, definida pelas lideranças, mediante julgamento meritocrático, além de certa dependência para com o presidente, que está no cargo desde o início da cooperativa. Fatos que fragilizam as qualidades democráticas do processo e são vistos como preocupação pelo presidente da cooperativa. O sentimento de confiança e apego entre os membros da cooperativa e as lideranças é, certamente, um fator de coesão organizacional, todavia, pode acarretar na concentração de poder de determinados dirigentes, reduzindo a alçada dos demais atores organizacionais e conduzindo a práticas paternalistas, traços estranhos à prática da gestão social. A tomada de decisão mediante consenso e deliberação na escolha dos representantes aproxima a COLIMAR em maior grau das propriedades da gestão social quando comparada as características predominantes no processo de escolha da COEPAD. Pois, com base em Tenório (2002), a gestão social pressupõe a concordância entre os indivíduos, através do diálogo e do consenso como forma de tomada de decisão válida, contrariando a lógica positivista, predominante "no mundo dos sistemas" que carrega mecanismos funcionalistas. 182 O discurso dos dirigentes das duas cooperativas convergiu fortemente quanto à valorização da participação dos atores e ao esforço para integrar diversos atores organizacionais. Verificou-se, na COEPAD, um discurso relacionado à “empresarização” da cooperativa, com a adoção de práticas comuns a gestão tradicional, fato que pode tornar as ações gerenciais progressivamente instrumentalizadas, divergindo do caráter participativo das organizações cooperativas em essência. Acredita-se ser possível que o desconhecimento de alternativas gerenciais conduza as lideranças a incorporarem na cooperativa, experiências provenientes das organizações onde atuam ou atuaram, predominantemente, privadas e públicas. Configura-se, então, um dos desafios à gestão social, em vistas ao desenvolvimento de metodologias convergentes com organizações de cunho social e coletivo, e sua consolidação teórica e prática, como alternativa de gestão participativa, deliberativa e democrática. No que tange a avaliação participativa, que visou analisar disposições sobre a avaliação e acompanhamento das decisões tomadas nas cooperativas, verificou-se traços de gestão social em ambas as organizações, ainda que com configurações diferenciadas. Na COEPAD, contatou-se a existência de normas, dispostas em estatuto, e órgãos, direcionados ao acompanhamento e avaliação das atividades, assim como reuniões avaliativas, entretanto, não foi possível averiguar a intensidade e complexidade dessas intervenções. No caso da COLIMAR, constatou-se a não existência efetiva de normas ou órgãos destinados a promover o acompanhamento e avaliação por parte de seus membros, entretanto, as cooperadas relatam acompanhar as atividades e debater conjuntamente o andamento das decisões. Tendo como base os critérios da forma de escolha dos dirigentes, discurso dos dirigentes e avaliação participativa, conclui-se que, ambas as cooperativas, apresentam traços convergentes com a gestão social no que tange a igualdade participativa, pois, ainda que não em totalidade, a isonomia entre os membros é valorizada e encontra mecanismos para se expressar. Algumas barreiras à igualdade participativa estão refletidas em critérios da última categoria analisada, a autonomia, como, por exemplo, nos critério alçada dos atores e possibilidade de exerce a própria vontade. Na COEPAD, verificou-se que tais critérios possuem vínculo com a hierarquia da organização, pois a alçada e o exercício das 183 vontades individuas aparecem com relevância no âmbito operacional, enquanto o nível estratégico é condicionado, predominantemente, pelos dirigentes. O perfil das lideranças apresenta uma estrutura verticalizada de autoridade, porém que atua com a possibilidade de participação e grande abertura para o diálogo. Acredita-se ser possível que mudanças na esfera administrativa não ocorram devido à baixa participação dos pais. O estudo dos mesmos critérios na COLIMAR apresentou maior convergência com a gestão social, tenho em vista uma gestão mais descentralizada e com ampla possibilidade de participação em todos os âmbitos, onde o coletivismo predomina no exercício das vontades. Ressalta-se, que em ambas as organizações, as dificuldades financeiras aparecem como um forte entrave para o exercício da autonomia das mesmas frente seu ambiente externo, visto que, algumas decisões acabam por esbarrar nas preocupações financeiras. A discussão feita até o momento destacou de forma ampla a intensidade com que as categorias estudadas se aproximam das características de gestão social em contraponto à gestão estratégica, terceiro objetivo deste trabalho, que foi alcançado, e se apresenta detalhadamente nos quadros 16 e 17. O alcance dos três objetivos supracitados permitiu a consecução do objetivo geral: analisar a participação dos atores organizacionais nos processos de tomada de decisão, à luz da gestão social, em duas cooperativas catarinenses. Em linhas gerais, concluiu-se que a participação dos membros da COLIMAR nos processos decisórios aparece com maior intensidade, assim como o caráter deliberativo e consensual das decisões é mais acentuado. De forma semelhante, apresenta fortes traços de gestão social, desde sua origem até a forma como está atualmente estruturada, e de cidadania deliberativa, que significa “que a legitimidade das decisões deve ter origem em espaços de discussão orientados pelos princípios de inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum” (TENÓRIO, 2008, p. 148), traços encontrados na cooperativa de forma abrangente. Na COEPAD, averiguou-se, de forma mais latente, a coexistência de traços de gestão social e de gestão estratégica no que tange a participação dos atores organizacionais no processo decisório, pois apresenta maior burocracia em suas estruturas e processos, todavia com possibilidades de participação e potencial para a sua ampliação. 184 Considera-se possível que o desenvolvimento histórico das organizações, que faz da COEPAD, atualmente, maior que a COLIMAR em número de membros e com uma estrutura mais complexa (com diversas oficinas de trabalho e diferentes categorias de associados), tenha influência na configuração dos processos decisórios e, consequentemente, na forma como a participação dos seus membros se efetiva. Assim como, o interesse coletivo em participar, presente na COLIMAR, e que encontra dificuldades na COEPAD, aparecem como influenciadores do formato atual dos processos decisórios nas organizações estudadas. Por fim, destaca-se que a gestão social, vista como utópica por muitos, encontra formas de expressão na prática organizacional e se apresenta potencial para emergir como alternativa de gestão para organizações cooperativas e, que, independente das práticas de gestão utilizadas, as cooperativas apresentadas se configuram como exemplos de organização popular e de enfretamento às problemáticas sociais, desempenhando um importante papel social e na conquista da cidadania de seus membros, construindo oportunidades efetivas de inclusão social e desenvolvimento coletivo. 5.1 Sugestões para pesquisas futuras A partir da realização desta pesquisa sugere-se que estudos semelhantes sejam realizados visando abarcar outras realidades organizacionais, como, por exemplo, em instituições privadas e públicas. Propõe-se também a ampliação da pesquisa, com a utilização de todas as 6 (seis) categorias de análise e seus respectivos 21 (vinte e um critérios) critérios, propostos por Tenório et al. (2008), para a análise de processos decisórios participativos. Uma vez que, nesta pesquisa, o recorte feito limitou as categorias e critérios analisados. 185 REFERÊNCIAS ALLEBRANDT, S. L.; TEIXEIRA, E. B. Gestão social em organizações do terceiro setor: o caso da UNIJUÍ. V Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul. Argentina, Mar Del Plata, dez. 2005. ALVES-MAZZOTI, A. J. Usos e abusos dos estudos de caso. In: Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 129, set./dez. 2006. p. 637-651. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n129/a0736129.pdf. Acesso em: 12.jun.2012. ANDRADE, Maria de Fátima Sarmento de. Cooperativas sociais como possibilidade de trabalho e renda para o aluno com deficiência mental e sua família: uma revisão bibliográfica. 2009. 64 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialista) - Curso de Educação Profissional e Tecnológica Inclusiva, Instituto Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso, Cuiabá, 2009. ARAÚJO, A. J. de. 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Como e porque você se integrou a cooperativa? 3. Como se obtém informações sobre as atividades da cooperativa? 4. Você considera que as informações que chegam ate você são claras? Os objetivos são transparentes? 5. A informação que você recebe na cooperativa é clara, útil e suficiente para atender seus interesses como cooperado? 6. Os canais de comunicação empregados são capazes de mobilizar os cooperados para os propósitos da cooperativa? 7. Você considera que a cooperativa consegue reunir diferentes interesses em torno de um objetivo comum? 8. Na cooperativa, quem mais promove ou busca promover atividades conjuntas? 9. Como você enxerga a participação dos cooperados nos processos de tomada de decisão? 10. Há abertura de espaços para a participação com iguais chances para todos os cooperados no processo de tomada de decisão? 11. Você considera que os cooperados participam acompanhando e avaliando os processos decisórios da cooperativa? 12. Você considera que sua opinião e ouvida e respeitada pelo grupo? 199 13. A cooperativa possui relação/parceria com outras cooperativas, órgãos de governos, empresas privadas? 14. Você acha que elas interferem nas atividades, decisões e na liberdade da cooperativa? 15. E os órgãos regulamentadores? Qual sua percepção sobre eles? 16. Os poderes locais aceitam as medidas propostas pela cooperativa? Já houve a ocorrência de algum embate dessa natureza? 17. Você considera que a cooperativa exerce sua autonomia e independência na sua relação com as demais instituições da sociedade? 18. Os representantes da cooperativa são escolhidos por eleições? Você participa ou já participou de alguma delas? 19. Você participa das assembleias anuais? E das reuniões de grupo recorrentes? 20. A participação na cooperativa permite o exercício da sua vontade e da vontade coletiva dos demais cooperados? 21. Os dirigentes da cooperativa compartilham a liderança com os demais cooperados? 22. Você considera que os dirigentes da cooperativa valorizam no discurso e na prática a participação dos cooperados? 23. Os lideres da cooperativa conduzem a deliberação e execução dos processos da cooperativa de forma descentralizada? 24. Como você avalia a necessidade da metodologia participativa da cooperativa? 25. Você considera importante e necessária a sua participação na cooperativa para a valorização de sua condição de cidadão? 200 26. Como você avalia o perfil e comportamento dos cooperados nos processos de democráticos de participação na cooperativa? 27. Você considera que, na maior parte dos casos, o processo decisório da cooperativa é realizado com base no diálogo, no entendimento ou realizado com base no cálculo, utilidade e maximização dos recursos? 28. Você acredita que a cooperativa tem alcançado bons resultados? 29. O rumo da cooperativa é condizente com a sua vontade ou você acredita que ela deveria estar em outro caminho? 201 APÊNDICE B – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO DADOS DE IDENTIFICAÇÃO Data: ___________ Local: ___________________ Evento observado: ________________________________________________ As categorias de observação foram adaptadas dos critérios de avaliação de processos decisórios de Tenório et al (2008) descritas na metodologia do presente trabalho, sendo assim elas estão dispostas da seguinte forma: Processo de discussão: Como as informações são difundidas na organização? Há murais, informativos, utilização de correios eletrônicos, dentre outros meios de comunicação? Como a comunicação oral ocorre? Quais os assuntos são tratados? As informações são transmitidas de forma clara e transparente? Há dificuldade de compreensão das mensagens? Quais atores organizacionais promovem as discussões? Há o destaque de algum ator neste processo? Quais os atores organizacionais são mais participante nos processos de discussão? Quais as limitações dos processos de discussão? Inclusão: Os espaços decisórios apresentam qual configuração? Quais atores organizacionais aparecem com relevância nestes espaços? Há predominância de algum grupo ou indivíduo? Quais grupos ou indivíduos não participam do processo? Os atores organizacionais demonstram preocupação ou interesse pela própria participação e pela participação coletiva? Os atores organizacionais demonstram preocupação ou interesse pelo desenvolvimento de metodologias participativas? 202 Igualdade participativa: Há discussão ou opiniões sobre a forma com que os representantes são escolhidos? Os dirigentes demonstram interesse na participação dos diversos atores organizacionais? Os dirigentes buscam a participação ou opinião dos atores organizacionais? Os atores organizacionais expressam suas opiniões com liberdade? Os atores organizacionais intervêm no acompanhamento e avaliação nos processos de tomada de decisão? Como isso ocorre? Com que frequência? Em quais âmbitos? Há metodologias ou normas que permitam e/ou fomentem a intervenção dos atores organizacionais? Há metodologias ou normas que fomentem a igualdade participativa? Quais são entraves à igualdade na participação? Autonomia: Os atores organizacionais podem intervir nas problemáticas da organização? Como isso ocorre? Com que abrangência? Quais problemáticas os atores organizacionais costumam intervir? Os atores organizacionais tem liberdade de organizar e/ou decidir sobre as atividades que desenvolvem? Existe a possibilidade do exercício da vontade individual? E da coletiva? Como isso ocorre? Qual a abrangência? Como se expressam as vontades individuais? A liderança da organização apresenta características autoritárias, democráticas ou liberais? A liderança é centralizada ou descentralizada? Há compartilhamento da liderança? Qual a abrangência? Demais impressões da pesquisadora: __________________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________ 203 __________________________________________________________ __________________________________________________________