PONTUAÇÃO: é preciso saber usar a vírgula!
Bete Masini
A pontuação é, sem dúvida, um dos principais elementos coesivos do nosso texto.
Certamente, não podemos crer no que muitos já falaram (e ainda falam): Quanto estiver
escrevendo, coloque vírgula quando precisar respirar! Sempre penso no caso de uma
pessoa em crise asmática escrevendo: se levarmos em consideração o que dizem, essa
pessoa colocará uma vírgula após a outra dada a dificuldade que tem para respirar! Não
podemos nos basear em explicações assim.
Há um caminho simples para entendermos de vez esse conteúdo. Na maior parte das
vezes, ele se encontra em notas de rodapé de várias gramáticas. Infelizmente.
Vale começar por aqui...
Leia os dois períodos que foram utilizados em um anúncio de carro e observe o que a
pontuação é capaz de fazer com um texto escrito a partir do objetivo de seu autor:
Texto1: Você. Está. Precisando. Dirigir. Um. Carro. Com. Câmbio. Em. Que. Você.
Não. Sente. A. Mudança. De. Marcha.
Texto 2: Você está precisando dirigir um carro com câmbio em que você não sente a
mudança de marcha.
(Audi A4 com Multitronic. O único câmbio com velocidade contínua)
Fica claro que o objetivo dos elaboradores da campanha é mostrar que um carro sem o
Multitronic é um carro que fica “dando soquinhos”. Para isso, fizeram uso do ponto final,
o qual finaliza blocos de sentidos. Utilizaram, inteligentemente, dos sinais de pontuação!
As funções da pontuação
Os sinais de pontuação têm duas funções básicas: 1. auxiliam­nos na construção de
sentidos das frases que escrevemos: ponto, vírgula, ponto e vírgula.
2. marcam entoações específicas na fala: dois­pontos, ponto de interrogação,
ponto de exclamação, reticências, aspas, parênteses, travessão.
A Língua Portuguesa e sua estrutura
A Língua Portuguesa tem uma estrutura. Se a entendermos, já saberemos lidar melhor
com a pontuação – em especial com o uso da vírgula.
A estrutura: Sujeito + Verbo + Complemento
Sempre me lembro do primeiro texto mais longo que produzi no primeiro ano de escola.
A professora nos pediu que escrevêssemos um texto sobre nosso bichinho de estimação.
Como minha mãe não nos deixava ter animais em casa e como todas as coleguinhas mais
próximas escreveriam sobre cachorro, eu resolvi escrever sobre um imaginário gato.
Meu texto era assim:
Eu tenho um gatinho.
Ele se chama Mimi.
Ele é branquinho.
Ele bebe leitinho.
Observem que todo o meu texto estava na ordem direta da língua portuguesa: Sujeito +
verbo + complemento. Uma frase em cada linha. Nada além disso. Seria, no mínimo
curioso, se eu já tivesse condições linguísticas de escrever no início do meu processo de
alfabetização: Eu tenho um gatinho, o qual se chama Mimi. O uso de pronomes relativos
ainda não fazia parte de minha competência de escrita.
Imagine se eu continuasse a escrever assim ao longo de minha vida escolar e profissional!
Isso seria impossível, porque nós, como autores de textos, começamos a escrever
parágrafos à medida que amadurecemos nossa capacidade de trabalhar a linguagem. É aí
que a gramática tem importância fundamental. É aí que entra a necessidade dos sinais de
pontuação. Elemento puramente da escrita.
Antes das Dicas por escrito, vamos analisá­las a partir de um exemplo.
AS INVERSÕES NA ESTRUTURA e suas armadilhas
Sem dúvida, saber inverter a ordem da estrutura representa ganhos para o seu texto, mas
isso implica saber fazê­lo. Muitas vezes, fugimos da ordem direta, porque queremos
enfatizar algum dado: o tempo, o lugar, outra circunstância qualquer. Nesses momentos,
os sinais de pontuação entram em ação. É preciso saber usá­los adequadamente. Caso
contrário, corremos o risco de criarmos sentidos diferentes do que gostaríamos.
A consultora de RH fará uma reunião no auditório da unidade amanhã. (ordem
direta: sujeito + verbo + primeiro complemento: o mais importante para o entendimento +
segundo complemento: indicação do lugar + terceiro complemento: indicação do tempo).
Observe que podemos escrever isso de várias maneiras sem haver o comprometimento do
sentido.
Amanhã, a consultora de RH fará uma reunião no auditório da unidade.
Amanhã, no auditório da unidade, a consultora de RH fará uma reunião.
No auditório da unidade, a consultora de RH fará, amanhã, uma reunião.
A consultora de RH, amanhã, no auditório da unidade, fará uma reunião.
A consultora de RH, no auditório da unidade, fará uma reunião amanhã.
Fará, a consultora de RH, amanhã, uma reunião no auditório da unidade.
Uma reunião será feita, amanhã, no auditório da unidade, pela consultora de RH.
Uma reunião será feita pela consultora de RH amanhã no auditório da unidade.
Como você deve ter observado, o sentido continuou o mesmo, mas a pontuação... quanta
diferença! Entretanto, deve ter verificado que a frase que está na ordem direta é a de mais
fácil e rápido entendimento.
✓ Apenas para você perceber a real necessidade do que foi exemplificado acima,
vou trocar a palavra “amanhã”, que indica tempo, por uma estrutura maior e
reescrever o trecho:
A consultora de RH fará uma reunião no auditório da unidade assim que voltar das
merecidas férias.
(ordem S+V+C+C+C)
Assim que voltar das merecidas férias, a consultora de RH fará uma reunião no
auditório da unidade.
Assim que voltar das merecidas férias, no auditório da unidade, a consultora de RH fará
uma reunião. Observe que, se não colocarmos a expressão que indica lugar entre vírgulas, nosso leitor
pode entender que ela passou as férias no auditório da unidade!
No auditório da unidade, a consultora de RH fará, assim que voltar das merecidas
férias, uma reunião.
A consultora de RH, assim que voltar das merecidas férias, no auditório da unidade,
fará uma reunião.
A consultora de RH, no auditório da unidade, fará uma reunião assim que voltar das
merecidas férias.
Fará, a consultora de RH, assim que voltar das merecidas férias, uma reunião no
auditório da unidade.
Uma reunião será feita pela consultora de RH no auditório da unidade assim que voltar
das merecidas férias. (voz passiva: o sujeito sofre a ação do verbo)
Uma reunião será feita, assim que a consultora de RH voltar das merecidas férias, no
auditório da unidade, por ela.
A regra da pontuação é simples: não podemos separar a ordem direta Sujeito + Verbo +
Complemento (1) + Complemento (2) + Complemento (3) por vírgulas. Se alterarmos a
ordem direta, precisaremos nos preocupar com a pontuação. Essa preocupação deve
ocorrer, pois o nosso leitor “busca” a ordem direta e, se a alterarmos, devemos sinalizar
isso para ele. A forma de sinalização, na escrita, é a pontuação.
Se voltar ao início desse texto, em que temos a propaganda do câmbio Multitronic, verá
que a segunda frase não tem vírgulas, exatamente, por estar na ordem direta.
Observe o parágrafo abaixo:
Parágrafo em ordem direta: Muitas pessoas procuram informações sobre sua suposta
doença, sobre os sintomas e sobre as formas de tratamento na internet nos dias de hoje.
Invertendo a ordem: Nos dias de hoje, na internet, muitas pessoas procuram informações
sobre sua suposta doença, sobre os sintomas e sobre as formas de tratamento.
Agora, por escrito:
Dica número 1: nunca use vírgula entre os elementos da estrutura, mesmo que, por
exemplo, o sujeito seja enorme! Ex.: A última decisão do diretor da empresa alterará
todo o fluxo de trabalho.
Não caia na “tentação” de pôr uma vírgula depois de “diretor da empresa”.
Dica número 2: Se você inserir termo/termos entre eles, use duas vírgulas. Ex.: A última
decisão do diretor da empresa, a qual alterará o dia a dia de trabalho dos colaboradores
de forma significativa, pois alterará o fluxo de trabalho, será anunciada em breve.
Dica número 3: Se você usa, primeiro, orações que indicam circunstâncias, deverá usar a
vírgula após essas: Assim que os e­mails forem enviados, poderemos elaborar os
memorandos. Se a oração estivesse na ordem direta, o período dispensaria o uso da
vírgula: Poderemos elaborar os memorandos assim que os e­mails forem enviados.
Outro exemplo: “Quando houver mais de um responsável, a interferência do diretor da
unidade será necessária”. Na ordem direta, ficaria sem a vírgula: “A interferência do
diretor da unidade será necessária quando houver mais de um responsável”.
Mais um: “Havendo mais de um gestor, a sua responsabilidade será solidária”. Na
ordem direta, ficaria sem a vírgula: “A responsabilidade do gestor será solidária quando
houver mais de um gestor”. Observe como a ordem indireta fica melhor – evita
repetições.
Essas dicas são óbvias se pensarmos na estrutura do Português: S+V+C. Por isso, embora
alguns gramáticos afirmem que a vírgula, na ordem direta, antes da oração que indica a
circunstância é opcional, eu prefiro assumir que – para mantermos a lógica da inversão
– é melhor não colocarmos a vírgula.
O uso da vírgula e o “e”
Dica número 4: Somente poderá haver vírgula antes do e se o sujeito dos dois períodos
for diferente. Ex: A parceria tem de ser boa para ambas as partes, e o interesse tem de
ser recíproco na relação comercial. Essa vírgula é opcional.
O sujeito do primeiro período é “a parceria”; o do segundo é “o interesse”.
Agora, observe: Em análise a esses itens, destacamos as irregularidades encontradas e
aguardamos o pronunciamento e as correções a serem providenciadas no prazo de 30
(trinta) dias.
Aqui, o sujeito do primeiro período é o mesmo do segundo: “nós”, por isso a vírgula é
“proibida” – regra básica. Nós destacamos e nós aguardamos. Veja que estou escrevendo
sobre o “e” que liga orações e não sobre o “e” de listagem – como é o caso do último “e”
do exemplo: o pronunciamento e as correções.
Você jamais usaria vírgula antes do “e” na frase: Eu fui à livraria e comprei diversos livros
sobre meus atuais assuntos de interesse. É o mesmo caso.
Outro exemplo: A baixa temporada Azul Viagens tem destinos, serviços, preços especiais
e traz, ainda, inúmeros locais deslumbrantes. (trecho adaptado de propaganda)
Observe quando usamos vírgula depois do E: Se você tem o hábito de fazer suas
consultas sobre investimentos financeiros na internet e, sempre que possível, o faz,
atenção para manter seu computador com antivírus atualizado.
Veja que o complemento do “e” está após a expressão “sempre que possível” entre
vírgulas, pois, na ordem direta, seria “e o faz sempre que possível”.
Outro exemplo. Observe a diferença com o exemplo já explicitado acima:
A baixa temporada Azul Viagens tem destinos, serviços, preços especiais e, ainda, traz
inúmeros locais deslumbrantes. (trecho adaptado de propaganda)
A expressão “bem como” e a pontuação
Muitos autores de textos não gostam de usar a conjunção “e” por acharem que ela é muito
simples – o que eu considero um engano! Com isso, fazem uso de expressões que têm o
mesmo significado e função do “e”: bem como, não só....mas também, não só... como
também. Não tenho nada contra esses articuladores serem usados: só que eles pedem mais
atenção.
A regra do uso da vírgula vale para essas expressões – o que é óbvio.
✓ Então, atenção para isto: A linguagem utilizada para a elaboração de Relatórios
deve ser clara, objetiva, adequada ao padrão da norma culta bem como aos
mecanismos coesivos que garantem as referências e as sequências. Veja que o
“bem como” está no lugar do “e” de listagem.
✓ Atenção para isto também: Foram realizadas diversas leituras do Relatório, bem
como foram reescritos vários trechos para deixar o texto mais claro e mais enxuto.
Nesse caso, a vírgula é opcional conforme vimos acima: os sujeitos dos dois períodos
são diferentes: diversas leituras e vários trechos.
A nossa língua nos dá possibilidades bem interessantes de escrita e as regras gramaticais
nos ajudam nisso. Observe as frases abaixo e veja como se constrói a concordância em
cada uma delas:
✓ O Relatório, e/ assim como/bem como os demais documentos profissionais, deve
ser escrito de forma clara e objetiva.
✓ O Relatório e/assim como/bem como os demais documentos profissionais devem
ser escritos de forma clara e objetiva.
No primeiro caso, o que se quis enfatizar foi o Relatório: verbo no singular. No
segundo, não: verbo no plural se referindo ao relatório e aos demais documentos. Isso
ocorre, independentemente, do articulador usado: e, bem como, assim como.
Dica número 5: Quando há elipse do verbo, observe:
Alguns dos participantes do curso são da área administrativa; outros, da área médica. A
ideia aqui é garantir a não repetição de termos. O “são” fica implícito = elíptico: outros são
da área médica.
Palavras finais...
Espero ter ajudado você a entender o uso de vírgula! Agora, você precisa aplicar as
informações ao longo das suas produções de textos. Não se assuste se, no início, começar
a achar que não sabe mais pontuar. Nem fique bravo/a comigo! Rapidamente, você verá
que essas dicas serão muito úteis e facilitarão sua escrita. E o melhor: você não mais terá
dúvidas sobre o uso desse sinal de pontuação, o qual costuma atormentar produtores de
textos. Se tiver dúvidas, escreva para mim.
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