Divulgação
MOSTRA SP 2015
Cinema contemporâneo e filmes do passado Págs. 14 e 15
Uma visão popular do Brasil e do mundo
Circulação Nacional
Ano 13 • Número 660
São Paulo, de 22 a 28 de outubro de 2015
R$ 3,00
www.brasildefato.com.br
Os evangélicos da política
Reportagem especial retrata como atuam os pastores do Congresso e como as
igrejas evangélicas escolhem seus políticos. Mostra também o segredo da força da
bancada para barrar os avanços sociais e garantir privilégios como a isenção fiscal e a
concessão de rádios e TV.
Págs. 9, 10, 11 e 12
ISSN 1978-5134
ISSN 1978-5134
A disputa entre comunidade
e mineradora no Pará Págs. 4 e 5
A agricultura e a legislação
sobre agrotóxicos
Pág. 8
Marcelo Barros
Elaine Tavares
Altamiro Borges
Uma nova política
No hospital
As “contas” de Nardes
Nesses dias, o Brasil se debate em uma
violenta onda de ódio. A elite nacional e os
grandes meios de comunicação tudo fazem
para que o exercício da política caia em
descrédito geral.
Pág. 2
Imaginem um hospital no interior, privado,
com uma pequena ala do SUS que, por
conta de maus administradores, acaba
sendo no mais das vezes o saguão do
inferno. Pois, num assim, caí eu.
Pág. 2
O ministro Augusto Nardes, do TCU,
ganhou fama no noticiário político ao
propor a rejeição das contas do governo
Dilma. Agora, porém, pode ganhar fama
no noticiário policial.
Pág. 3
2
de 22 a 28 de outubro de 2015
editorial
Por quem os sinos dobram?
A SEMANA PASSADA (11 a 18 de outubro) encheu o país e o mundo de
novos “mistérios” sobre os rumos da
política brasileira que, nesta segunda-feira (19), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras
só ajudou a ampliar, depois que o relator da Comissão, deputado Luiz
Sérgio (PT-SP), anunciou a conclusão dos seus trabalhos, e que a CPI
não pedirá o indiciamento de qualquer dos envolvidos.
O primeiro sinal dos “mistérios”
veio a púbico através das manchetes dos oligopólios de mídias na noite da quinta-feira, 15 de outubro, e
na manhã da sexta (16). Ambígua, a
manchete da capa do jornal O Estado de S. Paulo, afirmava: “Por Dilma, Lula articula para salvar mandato de Cunha”, acompanhada, logo abaixo, por uma linha-fina: “Ex-presidente tenta barrar processo no
Conselho de Ética; em troca, impeachment da presidente não avançaria”. Ora, na construção da manchete, o “Por Dilma” ganha um duplo
sentido: o sentido de “Com o aval
de Dilma” / “Se depender de Dilma”
ou, um segundo sentido: “Para salvar Dilma” / “Para proteger Dilma”.
A ambiguidade não era acidental ou
opinião
inocente: na manchete da página 4
(para onde nos remetia a chamada
de capa), temos a mesma construção: “Por Dilma, Lula aciona PT em
busca de acordo para salvar o mandato de Cunha”. E mais: os textos
da capa e da matéria começam afirmando: na capa, “O Governo e o ex-presidente Lula articulam para salvar o mandato do presidente da Câmara (PMDB-RJ), no Conselho de
Ética”; e na página 4, “O Palácio do
Planalto e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva...” (todos os grifos
neste texto são nossos).
Com variações mais (ou menos)
discretas, foi esse o tom de todos os
oligopólios da mídia – em seus impressos, TVs, rádios e internet, para noticiar a reunião do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com cerca de uma dúzia de deputados federais do PT, num hotel onde o ex-presidente estava hospedado em Brasília, na quinta-feira (15).
A partir daí, o assunto ganhou
corpo, e um tom cada vez mais
agressivo contra o PT e, sobretudo,
contra a presidenta Dilma Rousseff,
até chegar à capa da Isto É desta semana: “Dilma e Cunha – Um acordão indecente”.
Se nem o Partido
dos Trabalhadores,
e nem o governo
autorizam tal
negociação, em
nome de quem ou
do que articula o expresidente?
O fato dos oligopólios da mídia
manipularem descaradamente a informação, não se constitui em qualquer “mistério”. Infelizmente esse
expediente, hoje, já foi assimilado e
– como diria Hanna Arendt – é apenas mais um dos muitos capítulos da
“banalização do mal” em nosso país.
O problema é que, desde a manhã
da mesma quinta-feira (15), quando
o ex-presidente Luiz Inácio se reunia com os deputados, o presidente nacional do Partido dos Trabalha-
dores – Rui Falcão, já postara em seu
blog que “não há nem haverá qualquer acordo com o parlamentar Eduardo Cunha para barrar o processo
em trânsito na Comissão de Ética da
Câmara dos Deputados. Quem tem
acerto com ele é a oposição de direita [...]. Notícias a este respeito são
deslavadas mentiras ou plantações
de quem eventualmente deseja semear confusão [...]. Denúncias contra Cunha seguirão seu rito normal
e os representantes petistas votarão
conforme as provas e sua consciência [...] continuaremos a lutar contra o golpismo nas ruas e nas instituições, em defesa da legalidade constitucional e do mandato da presidente Dilma Rousseff”. “Tanto o governo quanto o PT já deixaram claro que
não existe hipótese de complacência com o malfeito e a corrupção, que
devem ser apurados e punidos doa a
quem doer.”
Ainda na mesma manhã, o jornalista Breno Altman, em seu blog –
“Opera Mundi”, publicou artigo repercutindo e chamando a atenção
dos leitores para o texto do presidente Rui Falcão.
Ora, não fosse suficiente a declaração do presidente do PT, que deixou
crônica
Marcelo Barros
Na construção
de uma nova
política
NESSES DIAS, o Brasil se debate em
uma violenta onda de ódio. A elite nacional e os grandes meios de comunicação tudo fazem para que, além de
derrubarem um governo frágil e autista, o próprio exercício da política caia
em descrédito geral. Enquanto isso, a
ONU celebra o 70º aniversário de sua
fundação (24 de outubro de 1965),
com atividades contra o armamentismo e em favor da paz.
A ONU cumpre a importante missão de zelar para que a sociedade internacional seja impregnada de valores fundamentais, como o respeito à
dignidade de todos os seres humanos,
a supremacia da justiça, a consciência ecológica e a abertura à diversidade cultural e religiosa. Grande parte
da humanidade apoia a ONU, mas sonha com um organismo mundial que
abranja não somente governos, mas
também uma representação legítima
da sociedade civil internacional.
Só uma organização internacional,
que reúna Estados e representantes
das organizações civis, terá força para exigir das grandes potências respeito pelas leis e decisões internacionais. Somente um organismo assim poderá intervir para que o governo de Israel pare de massacrar o povo palestino. E proíba os países ricos de estabelecer leis agrícolas protecionistas que destroem a economia
dos países africanos. Através da FAO,
a ONU reconheceu que a Venezuela superou o analfabetismo e em todo
o país está superada a fome e a desnutrição. Por que, então, não se coloca decididamente a favor dos governos e dos povos da Bolívia, Venezuela
e Equador, que enfrentam o imperialismo e refazem o sonho da integração e da libertação?
Os organismos da ONU mostram
que, se os alimentos produzidos no
mundo e a riqueza que existe, fossem
repartidos de forma mais justa, daria para alimentar toda a humanidade e garantir saúde e vida digna para
todos. No entanto, a riqueza está cada vez mais concentrada nas mãos de
uma pequena elite e a sobrevivência
da imensa maioria de pobres tem sido, cada dia, mais difícil e exigente.
A Unicef adverte que, por causa
dessa organização injusta da sociedade, a cada ano, 40 a 60 milhões de
pessoas morrem de fome ou de doenças ligadas à desnutrição. Mais de
um bilhão de crianças vive abaixo do
nível da pobreza. Mesmo o Brasil,
que em 12 anos conseguiu tirar milhões de pessoas da miséria, a realidade das aldeias indígenas e das comunidades remanescentes de Qui-
“A política não
deve submeter-se
à economia e esta
não deve submeterse aos ditames
e ao paradigma
eficientista da
tecnocracia.
Pensando no
bem comum,
hoje, precisamos
imperiosamente
que a política
e a economia,
em diálogo,
se coloquem
decididamente a
serviço da vida”
lombo é dramática e terrível. Conforme cálculos do Banco Mundial,
com 40 bilhões de dólares, se poderia resolver todo o problema da fome
e da saúde dos pobres do mundo.
Ora, somente em um ano, os Estados Unidos gastam mais de um bilhão
de dólares em armas para as guerras
que mantêm no mundo. Ao mesmo
tempo, a sociedade dominante que
windtoons.com
provoca as guerras contra os povos
pobres, fecha suas fronteiras aos migrantes que tentam sobreviver ao extermínio e decreta que o destino deles
deve ser a morte em seus países ou o
fundo do mar nas portas das ilhas de
luxo do primeiro mundo.
A maioria das pessoas que pensam
percebe que a hegemonia e o controle exercido pela economia sobre a política, no decorrer dos últimos 30
anos, foi uma catástrofe para o mundo. Quando, na crise de 2008, a situação tornou-se incontrolável e sem
saída, as empresas recorreram de novo à política.
Mas, que tipo de política? Na encíclica sobre o cuidado com a Terra,
nossa casa comum, o papa Francisco
pondera: “A política não deve submeter-se à economia e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia.
Pensando no bem comum, hoje, precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente a serviço da
vida, especialmente da vida humana” (L. S., 189).
É preciso unir todas as pessoas de
boa vontade e grupos articulados da
sociedade civil para “democratizar a
democracia”, ou seja, elaborar um novo modelo de política, efetivamente,
centrado no bem comum. Dom Oscar Romero, arcebispo de El Salvador,
martirizado em 1980, propunha um
retorno ao que ele chamava de “grande política”.
Em meio à crise política em que estamos mergulhados, as pessoas que
creem em Deus e em seu projeto para
o mundo devem ser testemunhas de
que todo sofrimento e decepção podem se transformar em dores de parto, através das quais podemos gerar
uma realidade nova que nos ajude a
viver o projeto divino de paz e justiça
para esse mundo.
Marcelo Barros é monge beneditino
e teólogo. Atualmente, é coordenador
latino-americano da Associação
Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro
Mundo (ASETT) e assessora comunidades
eclesiais de base e movimentos sociais.
claro que falava pelo partido e pelo
governo, neste final de semana, entrevistada durante sua visita à Suécia
sobre o tal “acordo” com o deputado Eduardo Cunha, a presidenta Dilma Rousseff negou qualquer iniciativa ou concordância sua ou do seu governo com qualquer movimento nessa direção.
Ora, se nem o Partido dos Trabalhadores, e nem o governo autorizam
tal negociação, em nome de quem ou
do que articula o ex-presidente?
E, se não se trata de negociar o andamento do processo de impeachment da presidenta, que outra coisa tão misteriosa (e valiosa!) detém o
deputado Eduardo Cunha para oferecer ao ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, que faz este último atropelar
toda a decisão do seu partido, desconhecer a posição do nosso Governo e
se expor do modo que tem feito?
Para agravar e adensar ainda mais
esse silêncio cheio de “mistérios”, o
Instituto Lula até hoje não emitiu sequer uma nota sobre o assunto.
PS: Quando encerrávamos este
editorial, da nossa redação escutamos sinos.
Dobrados um tanto fúnebres.
Por quem os sinos dobram?
Elaine Tavares
Uma noite no hospital
IMAGINEM UM HOSPITAL no interior, pequeno, privado,
com uma pequena ala do SUS, esse incrível sistema de saúde
do Brasil, que permite a qualquer pessoa ser atendida gratuitamente. Mas, que, por conta de maus administradores, acaba sendo no mais das vezes o saguão do inferno. Pois, num
assim, caí eu. Poucos médicos na ala SUS, poucas enfermeiras, poucos técnicos e muitos doentes. Muitos. Na emergência chegam os estropiados, os quebrados, os urgentes. Os
poucos leitos vivem lotados e os que chegam ficam nas macas, nos corredores. Não por maldade dos médicos ou atendentes. Não há vagas mesmo. E se a pessoa não tem dinheiro,
tem de se submeter.
Meu pai foi quem precisou do hospital e só no segundo dia
conseguiu um leito. O quarto onde ficou é simples e coletivo. As coisas estão velhas, mas parece limpinho. Há que destacar o trabalho quase desumano a qual estão submetidas as
assistentes de enfermagem. Garotas guerreiras que seguram
na força do braço um andar inteiro de gente para trocar, medicar e cuidar.
Junto com meu pai estavam mais outros dois doentes. Um
deles, com o pé necrosado, mal sabia o que tinha. “O médico vem, mas não explica direito, ou eu é que não entendo, não
sei.” O que sim, sabe, é que lhe falta o ar e lhe explode o coração. Sem outro recurso, tem de confiar no tratamento.
O outro companheiro era um jovem que estava morrendo.
Como são longas, tristes e
inacreditavelmente belas as
madrugadas nas alas do SUS
“A médica veio aqui e já desenganou ele”, conta a mãe, dona
Maria, uma mulher de uns 60 anos que parece ter 80. O corpo magrinho se debruça sobre a cama e ela reza, entre lágrimas. Na noite de vigília que compartilhamos, chovia à cântaros, e ela se sentiu ofendida com a maneira da enfermeira falar e foi ficar lá fora do hospital, no meio da rua, chorando e
clamando aos céus. Uma cena de cortar o coração. As assistentes, penalizadas, tentaram trazê-la de volta, mas ela não
quis. Só no comecinho da manhã, quando o filho gritava por
ela, sem parar, é que as jovens conseguiram fazê-la voltar,
toda molhada. Ela veio, e ali ficou chorando, chorando, sem
parar. Nenhum consolo parecia possível.
Dona Maria diz que há um descaso com os pobres. Os médicos falam como se estivessem fazendo um favor e, se as perguntas são muitas, fazem cara de irritação e respondem sem
paciência. Não explicam. Falam na língua de médico e esperam que as pessoas apenas confiem. Por vezes não é suficiente. Um pouco de ternura com uma mãe, ou um filho, ou uma
esposa que cuida do parente, poderia ser muito producente. A gente confia, não há saída, mas custava ter um pouco de
compaixão?
E assim vai a noite, entre barulhos, como se os doentes não
importassem. Há uma perplexidade no olhar de cada um. Assustados pela morte que espia nas portas, precisam se submeter a situações tão constrangedoras. E a gente se divide entre o terror e a solidariedade, na medida em que todos cuidam de todos, porque não há enfermeiros. A tal ponto que alguns fazem a ronda junto aos que estão nas macas e cadeiras,
nos corredores, levando um café, um pão. É de enternecer.
Assim, os corredores do SUS são universos de tristeza, de
abandono, de desespero, de repulsa, mas também são territórios da beleza, da solidariedade, da ternura. Tudo está ali, ao
mesmo tempo. E o que sustenta aquele que está parado ao lado da cama do seu familiar é justamente o terno compartilhamento da dor. Parece que assim, juntos, todos conseguem
atravessar, com certo consolo, o caudaloso rio da doença.
Como são longas, tristes e inacreditavelmente belas as madrugadas nas alas do SUS.
Elaine Tavares é jornalista.
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Marcelo Netto • Repórter: Marcio Zonta• Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG),
Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de Janeiro – RJ) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália),
Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP),Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper
(Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Le onardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ), Pilar Oliva (São Paulo – SP) • Ilustradores: Latuff,
Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Aparecida Terra • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira •
Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Juliana Fernandes • Endereço: Alameda Olga, 399 – Barra Funda – São Paulo – SP CEP: 01155-040 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 4301-9590 – São Paulo/SP –
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Monteiro, Beto Almeida, Dora Martins, Frederico Santana Rick, Igor Fuser, José Antônio Moroni, Luiz Dallacosta, Marcelo Goulart, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Neuri Rosseto, Paulo
Roberto Fier, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Rosane Bertotti, Sergio Luiz Monteiro, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131–0800 ou [email protected] • Para anunciar: (11) 2131-0800
de 22 a 28 de outubro de 2015
instantâneo
3
Altamiro Borges
TCU e as “contas”
de Nardes?
O MINISTRO AUGUSTO Nardes, do Tribunal de Contas da
União (TCU), ganhou alguns minutos de fama no noticiário político ao propor a rejeição das contas do governo Dilma. A mídia oposicionista e seu dispositivo partidário (PSDB, DEM, PPS e SD) encararam a sua decisão como o primeiro passo para a abertura do processo de impeachment
contra a presidenta.
Agora, porém, o impoluto ministro pode ganhar outros
minutos de fama, mas no noticiário policial. É que, a cada
dia que passa, surgem novas sujeiras envolvendo o seu nome e de seus familiares. Na semana passada, soube-se que
várias estatais repassaram R$ 2,9 milhões a uma entidade
ligada a sinistro Augusto Nardes.
A entidade tem como um dos
responsáveis Carlos Juliano Nardes,
investigado na Operação Zelotes, que
apura fraudes fiscais no sul do país
Segundo matéria da insuspeita Folha, que tanto vibrou
com a rejeição das contas de Dilma, “estatais ligadas ao
governo federal repassaram nos últimos dois anos quantias milionárias de patrocínio a um instituto ligado ao sobrinho do ministro do Tribunal de Contas da União. Petrobras, BNDES, Caixa Econômica e Banco do Brasil pagaram, com dispensa de licitação, um total de R$ 2,9 milhões para o Instituto Pela Produção, Emprego e Desenvolvimento promover eventos culturais na cidade natal do
ministro, Santo Angelo (RS), que tem 79 mil habitantes, e
em um município vizinho”.
A entidade tem como um dos responsáveis Carlos Juliano Nardes, investigado na Operação Zelotes, que apura fraudes fiscais no sul do país. Suspeita-se que o sobrinho e o ministro tenham recebido dinheiro das empresas
privadas metidas no esquema milionário de assalto à Receita Federal. Num aparente tráfico de influência, “o instituto que recebeu verbas de patrocínio se apresenta na internet como formulador de estudos e ‘projetos novos’ para
congressistas. Não há menções a promoção de eventos culturais. Só a Petrobras pagou, em 2014, R$ 1 milhão para
o festival ‘Natal Cidade dos Anjos’. O valor é o equivalente
ao repassado pela entidade para eventos mais tradicionais
e com maior público, como a Bienal de São Paulo ou a Virada Cultural paulistana”, relata o jornal.
Beto Almeida
As lições da história
IMPORTANTÍSSIMA A PRESENÇA da presidenta Dilma Rousseff no 12º Congresso Nacional da CUT, especialmente por trazer de novo ao centro político a relação com as forças dinâmicas que foram decisivas para sua eleição e reeleição. Da mesma forma, são decisivas para a estabilidade do governo, ameaçado pelo golpismo. De nenhum modo se pode permitir a repetição
de erros históricos ante a imperiosa obrigação de defesa da democracia, ainda com as insuficiências evidentes do governo.
Às vésperas do golpe de 1964, havia inúmeras greves organizadas pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) contra certas políticas setoriais do governo
Jango. Era razoavelmente fácil a realização destas greves. No entanto, apesar de registrar uma popularidade de 73% – informação que foi escondida dos brasileiros por décadas – o governo Jango foi derrubado sem
ter esboçado uma reação à altura de sua popularidade.
E olhe que aquele era um governo que havia decretado
o 13º salário, aumentado em 100% o salário-mínimo,
controlado as remessas de lucros, alfabetizava em massa (Paulo Freire), ampliou relações com a URSS e China, nacionalizava a indústria do petróleo e lançou as reformas de base. E foi derrubado sem nenhuma reação
dos sindicatos, todo o grevismo virou paralisia!
É importante que esta experiência não se repita hoje
e que não se permita que o governo perca uma de suas
características fundamentais, o de ser baseado nos sindicatos. Tal como o PT, com todas as dificuldades, é um
partido baseado nos sindicatos. Por si só, Dilma, Lula e
Mujica num congresso da CUT é uma poderosa mensagem convocatória para resistir ao golpe.
A ênfase de Lula ao conclamar a CUT a dar apoio incondicional ao governo contra o golpismo já é fruto da lição
amarga retirada do grevismo inconsequente contra Jango,
que, no momento decisivo não foi capaz de uma posição
sequer em defesa de um governo nacionalista e popular,
com maiores avanços até do que os obtidos atualmente. A
ditadura que se implantou com o golpe de 1964 foi decididamente anti-trabalhador, anti-sindical e proporcionou
um dos maiores arrochos salariais da história brasileira.
Por mais insuficiente que seja o atual governo, qualquer articulação golpista vencedora, judicial ou parlamentar, não importa, terá como meta um arrasa quarteirão nas conquistas dos últimos 13 anos, além de lançar uma perigosíssima perseguição ao PT e a sua relação
com os sindicatos e movimentos sociais, que também serão implacavelmente perseguidos.
Estas são experiências que não podem ficar fora da
mesa de trabalho da CUT um só dia!
Diante destas evidências, talvez fosse
o caso do Tribunal de Contas da
União (TCU), já tão desmoralizado
na história, apurar melhor a atuação
do seu “famoso” ministro
Flávio Aguiar
Jovens europeus viverão menos
A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL da Saúde (OMS) – seção Europa – lançou uma advertência: os jovens europeus de hoje podem viver menos do que a geração de
seus pais e avós.
As últimas décadas registraram um aumento da longevidade no continente devido ao combate mais eficaz a doenças cardiovasculares, respiratórias, diabetes e correlatas, e também a maior precocidade no diagnóstico dos vários tipos de câncer.
Porém, diz a OMS, a tendência corre o risco de reverter,
graças, sobretudo, ao aumento do tabagismo, da maior
precocidade no consumo de bebidas alcoólicas e da tendência à obesidade entre os jovens.
Sobre isso, tenho uma observação pessoal a fazer. Minha sensação empírica corrobora esta advertência da
OMS. Tenho visto que o número de fumantes – e de fumantes jovens – voltou a aumentar significativamente.
Outro dia passei pela frente de uma escola de ensino médio perto de minha casa, em Berlim, e o número de jovens de 12, 13, 14 anos que fumavam do lado de fora (era
recreio e o fumo continua proibido dentro da escola) impressionava.
Dizem dados estatísticos da OMS que 30% dos europeus fumam. Este percentual deve ser compensado para cima, ao se levar em conta a população, digamos, com
idade menor de 12 anos. Em média um europeu consome 11 litros de álcool puro por ano. A Europa é a campeã
mundial nesses dois itens, tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas.
E é a vice-campeã em obesidade, perdendo apenas para
a América, onde os Estados Unidos dão contribuição essencial. Na Europa, 59% da população está acima do peso.
De acordo com a OMS, isso deve-se ao progressivo aumento do consumo de produtos açucarados, como refrigerantes, doces, chocolates, bombons, balas, etc. De acordo com a organização, apenas algo entre 5% e 10% das calorias consumidas pelo ser humano deveriam provir do
açúcar, mas esse percentual tende a aumentar. Os países
mais obesos do continente são Malta (64% da população
acima do peso), Reino Unido e República Tcheca, ambos
com 63,4%. Porém, todos os países do continente registram taxas maiores de 50% de pessoas acima do peso. As
menores taxas são as da Áustria, 53,1%, Dinamarca e Finlândia, 55,2%, e Portugal, 55,6%.
A OMS diz ainda que um dos fatores decisivos no consumo de bebidas alcoólicas e fumo é o preço, bem como
dos produtos açucarados. Por isso, ela recomenda a adoção de preços mínimos para essas bebidas e de uma maior
taxação dos açúcares, ao lado de mais subsídios para frutas e vegetais. (RBA)
O sinistro instituto foi fundado em 2003 com o apoio
de Augusto Nardes, então deputado federal pelo PP gaúcho. À época, ele mesmo declarou que a entidade representaria os empresários junto ao Poder Legislativo. Na
internet, Carlos Juliano se apresenta como vice-presidente e secretário-executivo da entidade. “O instituto está em nome de Mário Augusto Ribas do Nascimento, ex-prefeito pelo PP de São Miguel de Missões, município
beneficiado com R$ 1,6 milhão de patrocínio do BNDES
em 2013 e 2014 para um evento musical... O PP, partido
dos familiares de Nardes e ao qual ele também foi filiado, governa a Prefeitura de Santo Ângelo. O ministro visita a cidade com frequência e prestigiou o festival de Natal nos últimos anos”.
Apesar dos vários indícios, Augusto Nardes afirma que
“não possui nenhuma relação com a entidade” e que não
atuou para viabilizar os patrocínios das estatais. Já o seu
sobrinho, Carlos Juliano Nardes, “disse à reportagem que
está afastado da instituto e que não participou da negociação por verbas das estatais. ‘Eu saí’, disse. Na página da
entidade no Facebook, porém, aparecem o número de telefone e atualizações recentes feitas por ele”. Diante destas evidências, talvez fosse o caso do Tribunal de Contas
da União (TCU), já tão desmoralizado na história, apurar
melhor a atuação do seu “famoso” ministro. As suas contas não batem e sua conversa fiada também não convence ninguém!
Altamiro Borges é jornalista, presidente do Centro de Estudos
da Mídia Alternativa Barão de Itararé, militante do PCdoB.
fatos em foco
da Redação
Nova-iorquinos mais pobres
vivem 11 anos a menos
Nova York é uma cidade desigual. A diferença na expectativa de vida entre um bairro
pobre no Brooklyn e em Manhattan é de 11
anos, segundo dados divulgados pela prefeitura. O distrito de Brownsville, com população de maioria negra (76%), tem uma das
expectativas de vida mais baixas da cidade
(74,1 anos), mais de 11 anos a menos que Manhattan (85,4 anos). (Agência Sindical)
Audiência na Alesp amplia luta
contra abusos no McDonald’s
As entidades que representam os trabalhadores do McDonald’s apertam o combate às
condições degradantes de trabalho na rede
de fast food. Para tanto, realizaram dia 16,
audiência pública na Assembleia Legislativa
do Estado de São Paulo. A iniciativa é do deputado Carlos Giannazi (PSOL), após assistir
vídeo-denúncia do sindicato da categoria,
o Sinthoresp. Participaram a Confederação
nacional (Contratuh), Nova Central e Ministério Público do Trabalho (MPT) – que tem
sido aliado da luta.
Projetos de estímulo ao hábito
da leitura receberão R$ 2,4 mi
O Ministério da Cultura vai lançar dois
editais para premiar projetos em bibliotecas,
pontos de leituras comunitários e eventos
literários que estimulem o hábito de ler. O
edital “Todos por um Brasil de Leitores”
distribuirá R$ 2,4 milhões em prêmios para
duas categorias: A e B. A primeira é destinada a bibliotecas comunitárias e pontos
de leitura, que tenham registro no Cadastro
Nacional de Bibliotecas, e a segunda para
a promoção da leitura em espaços não formais. Serão 50 contemplados na categoria A
e 30 prêmios na categoria B. Para o ministro
Juca Ferreira, é preciso reconstruir relação
do brasileiro com o livro.
Vagner Freitas é reeleito
para comandar a CUT
Os delegados do 12º Congresso Nacional da
CUT elegeram, dia 16, os dirigentes que comandarão a Central até 2019. Serão 44 nomes,
pela primeira vez com paridade de gênero.
Vagner Freitas, reeleito presidente nacional
da Central, ressalta que a nova configuração,
com representantes de todo o país, reflete a
pluralidade da base cutista. Ele destacou que a
CUT manterá o compromisso com as lutas do
mundo sindical. “Construímos a Central pensando em cada trabalhador e trabalhadora, os
que estão nas roças e fábricas, nas escolas, nos
bancos. Somos uma Central para enfrentar os
patrões” , enfatizou.
Caixa lança aplicativo
do Bolsa Família
A Caixa Econômica Federal lançou, dia 19,
um aplicativo para facilitar o acesso de 13,9 milhões de famílias a informações do Bolsa Famí-
lia. O lançamento faz parte das comemorações
dos 12 anos do programa. O aplicativo pode
ser baixado gratuitamente em celulares com os
sistemas Android, Windows Phone e IOS. Pela
nova ferramenta, beneficiários do programa
poderão verificar rapidamente a situação do
seu benefício, o calendário de pagamentos e a
rede de atendimento da Caixa.
Crise eleva jornada de
trabalho em Portugal
O número de portugueses submetidos a jornada de trabalho de 50 horas ou mais quase
duplicou nos últimos anos, de acordo com
relatório da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico. Estudo da
instituição mostra que, entre 2009 e 2013,
esse percentual de trabalhadores aumentou
em 4,4%, chegando a 9,5%. O levantamento
avaliou o bem-estar em mais de 30 países. Portugal ficou em destaque por sofrer mais com as
consequências da crise de 2008.
4
5
brasil
de 22 a 28 de outubro de 2015
Eles são garimpeiros e querem seguir a lei, mas não conseguem
Fotos: Guilherme Gomes
MINERAÇÃO
Comunidade tradicional e
mineradora disputam área
rica em ouro na floresta
amazônica. Enquanto
processo se estende na
justiça, trabalhadores
e meio ambiente são
prejudicados
Guilherme Rosa
de Jacareacanga (Pará)
ANTÔNIO FERREIRA da Silva tinha
apenas 15 anos quando chegou na Vila
de São José, em 1970. Apesar da pouca idade, ele fora atraído pelos relatos
de que aquelas terras, localizadas à beira do rio Pacu, um afluente do Tapajós,
no Pará, eram ricas em ouro. Foi ali, em
meio aos rigores da floresta amazônica,
que ele aprendeu a empunhar picareta e
pá e cavar o chão atrás do minério. Enquanto crescia, presenciou as transformações da vila: a chegada dos primeiros
garimpeiros, os anos de intensa e violenta corrida do ouro, a calmaria que se
seguiu e a formação de uma comunidade estável no local. “Eu já passei por fases boas e outras difíceis aqui. O garimpeiro é assim: ele pode até sofrer, mas
quando ganha dinheiro esquece de tudo”, diz Antônio, que hoje trabalha no
garimpo ao lado de dois filhos.
Durante os 45 anos que viveu ali, ele
nunca precisou de documento para trabalhar nas minas da região. A posse das
terras era mantida apenas na palavra.
Mas tudo mudou em 2010, quando a
Mineradora Ouro Roxo, que tem entre
seus acionistas o grupo canadense Albrook Gold Corporation, pediu ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) a autorização para explorar uma área onde centenas de garimpeiros trabalhavam. Como eles atuavam ali de maneira informal, o órgão
concedeu o pedido e os ocupantes foram expulsos do local. Segundo os habitantes da vila, antes da Ouro Roxo aparecer, garimpeiros locais já haviam feito
o pedido para explorar a área, mas não
receberam resposta do órgão.
São muitas as diferenças entre o modo como uma grande empresa atua e os
garimpeiros locais exploram a terra. O
fato dos trabalhadores morarem no local é determinante para a preocupação
com os impactos ambientais, já que eles
bebem a água dos rios, se alimentam da
fauna e flora e sentiriam na pele qualquer tipo de contaminação. Os métodos que eles usam mudaram pouco desde os anos 1970 e são menos invasivos:
são poços cavados no chão, que podem
chegar a 30 metros de profundidade, e
poucas máquinas para processar o material retirado da terra. Isso contrasta com a atuação das grandes mineradoras, que operam usando retroescavadeiras e outros maquinários de grande
porte, causando mudanças mais radicais no meio.
Gilmar de Araújo investiu o ouro na casa e educação dos filhos
O garimpo feito pelos moradores da comunidade São José é baseado em extração artesanal
“Sempre reclamamos da falta de proteção ao usar o cianeto.
Aquilo era derramado no igarapé, matava os peixinhos”
A proteção ao meio ambiente foi um
dos fatores citados em uma decisão liminar da Justiça Federal, baseada numa ação do Ministério Público Federal, que obrigou o DNPM a suspender
a concessão em nome da Ouro Roxo e
a analisar o pedido de lavra garimpeira
dos moradores da Vila São José. A decisão foi em dezembro de 2014. Até hoje, no entanto, o pedido dos garimpeiros não foi analisado, o que deixa a comunidade em situação frágil, sem contar com a posse formal da terra.
Formalização
A formalização das atividades seria essencial para que os garimpeiros fossem
instruídos e obrigados a cumprir as regras de preservação ambiental e de segurança do trabalho. A ausência dessas
normas ameaça a própria vida dos trabalhadores. No dia 18 de setembro, quando a Repórter Brasil visitava a vila, um
acidente tirou a vida de uma das principais lideranças do local. Osmar Silva,
presidente da comunidade, inalou gás ao
entrar em uma das minas, ficou inconsciente e caiu no fundo do poço, morrendo com o impacto. O luto parou a comunidade por dois dias. Segundo os moradores, esse tipo de acidente é raro no local. Ainda assim, ele poderia ser evitado
se o garimpo fosse regularizado e os garimpeiros fossem instruídos a seguir as
regras básicas de segurança do trabalho.
A regularização também é importante
pelo fato de a comunidade estar localizada dentro da Área de Proteção Ambiental do Tapajós, que tem mais de 2 milhões de hectares e foi criada em 2006.
Esse tipo de unidade de conservação
permite presença humana maior do que
os Parques e Florestas Nacionais. Ainda assim, as atividades econômicas devem ser planejadas de modo a preservar
a fauna e a flora do local. Esse foi um dos
fatores que norteou a ação do Ministério Público Federal, uma vez que foram
constatados prejuízos ao meio ambiente
no trabalho da mineradora.
Os moradores de São José denunciam, por exemplo, o uso irregular, pela empresa, de cianeto, um produto químico usado para tratar o rejeito do garimpo. Ele pode ser altamente tóxico
se despejado no ambiente e contaminar rios e lençóis freáticos. “Eu não me
agradei quando vi eles chegando aqui
com as máquinas e os produtos químicos”, diz Osimar Alves Jesus, conhecido
como Marcha Lenta, que era presidente da comunidade quando a mineradora
começou a atuar na região. “Sempre reclamamos da falta de proteção ao usar o
cianeto. Aquilo era derramado no igarapé, matava os peixinhos.”
O governo do Pará constatou irregularidades no uso do produto, incluindo rachaduras e furos no material usado para
contê-lo. Na ação movida pelo Ministério Publico Federal, o órgão afirma que
a empresa causa “graves impactos ao
meio ambiente, à população local e, ainda, aos seus próprios colaboradores, vez
que não armazena substância tóxica da
forma devida”. Por não cumprir as condições ambientais, a ação pede que a licença ambiental da Ouro Roxo seja anulada. Procurada pela reportagem, a Mineradora Ouro Roxo não respondeu aos
pedidos de entrevista. (Repórter Brasil)
Corrida pelo título da terra
de Jacareacanga (Pará)
A posse da terra nunca foi motivo de
muito debate em São José. De modo geral, ninguém era impedido de trabalhar em um pedaço de chão que já tivesse um dono, bastava ao garimpeiro pagar uma porcentagem pelo uso do local.
“Aqui não tinha isso de assinar papel
não, todo mundo sabia de quem a terra era. Era palavra de homem”, diz José da Costa, o Zé Cabeludo, que trabalha na região desde 1978. “Foi só nos últimos anos que isso mudou, com a vinda de gente de fora.”
A prática foi alterada com a chegada
da Mineradora Ouro Roxo, nome inspirado num garimpo da região e da cooperativa que explorava o local. Em 2007,
no entanto, a empresa dirigida por Dirceu Frederico Sobrinho comprou o direito de explorar a área da cooperativa
e adotou o nome para si. Até hoje, essa compra é contestada na justiça, uma
vez que apenas 14 dos cooperados receberam pelo negócio. Os outros 300 garimpeiros que atuavam no garimpo foram expulsos do local.
A maior parte dos trabalhadores expulsos passou a atuar em outros dois
garimpos próximos dali: a Pimenteira e a Paxiúba. Mas foi aí que a comunidade sentiu o maior golpe. Em 2010,
a mineradora também conseguiu o direito de explorar o subsolo dessas outras áreas. “Isso foi muito injusto. Todo mundo sabe que quem descobre onde tem ouro são os garimpeiros. A gente
estava aqui trabalhando, mas como não
tínhamos os documentos, perdemos a
área”, diz Wanderley Pinheiro da Silva,
presidente da Associação de Moradores
de São José.
“Isso foi muito injusto. Todo mundo
sabe que quem descobre onde tem ouro
são os garimpeiros. A gente estava aqui
trabalhando, mas como não tínhamos os
documentos, perdemos a área”
Em abril do mesmo ano, a Polícia Federal apareceu em São José, expulsou
todos os trabalhadores que atuavam no
local e apreendeu o maquinário utilizado. Como 90% dos garimpeiros da vila
trabalhavam ali, a comunidade passou
por sérias dificuldades durante os três
anos em que as atividades ficaram paradas. O ouro sumiu das ruas e muita
gente teve que ir embora para não passar fome.
Consequências
O caso não atrapalhou a vida só dos
garimpeiros. O ouro retirado das minas
era responsável por fazer girar toda a
economia local. Esterlito dos Anjos, por
exemplo, é dono de um mercado na vi-
Ouro sem febre
os bêbados, o que seria impensável nos
anos de 1980. Nessa época, quando foi
garimpado muito ouro na região, os bares passaram a ficar lotados, e a violência explodiu. “Era muito comum as pessoas morrerem de facada ou de tiro. E o
pessoal continuava bebendo e dançando
em volta do morto, como se nada tivesse
acontecido”, diz Mara, dona de um dormitório na comunidade.
de Jacareacanga (Pará)
No imaginário brasileiro, os garimpos são terras sem lei, onde os conflitos são resolvidos à bala e o ouro desperdiçado em cachaça, jogos e prostituição. São José é o oposto dessa imagem.
Uma comunidade pacata de 1.500 habitantes encravada na floresta. As casas e
mercados da vila estão distribuídos em
volta de um campo de futebol, que permanece vazio a maior parte do tempo e,
aos domingos, sedia partidas entre times de garimpeiros. Uma escola atende
56 crianças, que brincam pelas ruas de
terra quando não estão em aula.
“Eu fico muito feliz quando
consigo reunir toda a
família para almoçar aqui
no domingo”
“Eu só sei trabalhar com
garimpo. Se sair daqui, passo
fome. Mas quero um futuro
diferente para meus filhos”
É também ao redor do campo de futebol que se concentram os bares e bordéis em que os garimpeiros costumam
gastar o ouro ganho durante a semana.
Em São José, no entanto, as noitadas não
têm mais a mesma intensidade de outros
tempos. Em algumas noites, os cachorros da vila fazem mais barulho do que
Iranilda Sales chegou a São José com cinco meses de idade e hoje tem filhos e neto na vila
Laços
Com o passar dos anos a vila se acalmou. A quantidade de minério retirado das minas diminuiu e a febre do ouro
abrandou. Ao mesmo tempo, os primeiros garimpeiros envelheceram, casaram-se — alguns com as prostitutas da vila —
e formaram famílias. As crianças cresceram, casaram e formaram uma comunidade ligada também por laços de sangue.
Iranilda Sales, por exemplo, chegou
em São José no ano de 1967, com apenas cinco meses de idade. Seus pais vieram trabalhar no garimpo. Ali, ela se
casou com Antonino Ferreira, teve três
filhos e um neto. São quatro gerações
de sua família que viveram ali, tirando
sustento diretamente do ouro explorado na região. “Eu fico muito feliz quando consigo reunir toda a família para almoçar aqui no domingo. É uma satisfação muito grande”, diz, apontando para
a mesa onde a refeição é servida.
Enquanto alguns garimpeiros desperdiçaram todo o ouro que coletaram, outros o usaram para comprar bares, lojas e investir no futuro da família. José Gilmar de Araújo, por exemplo, usa
o dinheiro que ganha para pagar a mensalidades da faculdade de dois filhos
que estudam fora. “Eu só sei trabalhar
com garimpo. Se sair daqui, passo fome. Mas quero um futuro diferente para meus filhos”, diz.
A noção de que havia se instalado ali
uma comunidade tradicional foi um dos
principais argumentos usados na ação
do Ministério Público Federal. As primeiras notícias de ocupação da área datam dos anos de 1940, quando seringueiros exploravam a região. Com o fim
do ciclo da borracha, garimpeiros começaram a atuar já nos anos 1950. Baseados em um parecer elaborado pelos pesquisadores Maurício Torres e Natalia
Ribas Guerrero, os procuradores federais afirmaram que a Vila São José tem
características de uma população tradicional, que estava na região antes da empresa chegar e, por isso, teria o direito de
garimpar a terra. (GR) (Repórter Brasil)
A balança está em todo o comércio da vila que, sem o garimpo, não sobrevive
la. Ele diz que teve um prejuízo de pelo
menos 500 mil reais com a ação. “Muitos garimpeiros nunca puderam me pagar o que deviam. Essa ação foi uma
barbaridade, uma brutalidade”, diz.
Foi aí que os moradores do local procuraram o Ministério Público Federal.
Em 2013, enquanto o órgão analisava a
questão, eles decidiram agir e reocupar
os dois garimpos como forma de protesto. No final do ano passado a Justiça proferiu a primeira decisão sobre o
caso, obrigando o DNPM a suspender a
concessão de lavra à Ouro Roxo e a analisar os pedidos de permissão de lavra
dos comunitários de São José.
Procurado, o DNPM diz que cumpriu
a primeira parte da decisão, mas não
identificou nenhum requerimento ou
pedido formalizado pelos garimpeiros
da Vila São José. “Portanto, legalmente, perante o DNPM quem detêm a titularidade da área é a empresa Mineradora Ouro Roxo Ltda”, afirmou o órgão
em comunicado.
Segundo o advogado dos garimpeiros, isso não é verdade. Embora não haja requerimento feito em nome da comunidade como um todo, diversos moradores já deram entrada com pedidos
no órgão. O Ministério Público Federal
confirma ter informações sobre a existência desses requerimentos. O processo ainda está tramitando, e deve se estender por mais alguns anos até que tudo seja resolvido.
Enquanto esperam a decisão da justiça ou um acordo com a empresa, os
“Hoje dependemos da
legalização para que
possamos ter uma melhoria
de vida. Com ela vamos
poder conseguir do governo
melhorias e empréstimos”
garimpeiros não podem fazer planejamento ou investimento na área, pois
correm o risco de perder a posse a qualquer momento. “Hoje dependemos da
legalização para que possamos ter uma
melhoria de vida. Com ela vamos poder
conseguir do governo melhorias e empréstimos”, diz José de Alencar, presidente da Cooperativa de Garimpeiros
que atua na área.
Outro projeto que depende da regularização para ser posto em prática é o de
reflorestamento de áreas já garimpadas.
Segundo José de Alencar, existe um plano de criar uma cooperativa extrativista e
plantar açaí e buriti em áreas de baixões
que já foram explorados. “Queremos reflorestar o que nossos antepassados danificaram e assim, garantir a sobrevivência da nossa comunidade”, diz. “Nós precisamos da legalização do nosso pedaço
de terra na Pimenteira e no Paxiúba. Pois
essa terra foi de nossos avós, passou de
geração em geração e um dia vai ser de
nossos filhos.” (GR) (Repórter Brasil)
6
de 22 a 28 de outubro de 2015
brasil
“Os governos não querem
aprovar este projeto”
Fotos: Marcos Oliveira/Agência Senado
ENTREVISTA
Para o senador Paulo Paim
(PT-RS), autor de projeto
que regulamenta o direito
de greve no setor público,
os governos querem
aprovar outro projeto que
não garante a negociação
coletiva, não garante a
sindicalização e proíbe o
direito de greve
do Rio de Janeiro (RJ)
NO DIA 7 DE OUTUBRO, a Comissão
de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado aprovou um
projeto que regulamenta o direito de greve de servidores e empregados públicos
da administração direta e de autarquias
e fundações da União, estados, municípios e Distrito Federal, bem como o direito à negociação coletiva e à sindicalização. O PLS 287/13, de autoria da CDH,
foi elaborado pelo Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado
(Fonacate) como alternativa a outro projeto (PLS 710/11), de autoria do senador
Aloysio Nunes (PSDB-SP).
A articulação para barrar o projeto do
tucano, apelidado de “lei antigreve”, foi
uma resposta às greves de 2012, quando 350 mil servidores públicos paralisaram atividades em diversos momentos
ao longo de quatro meses. Ao fim daquela mobilização, o governo federal orientou sua base parlamentar em torno da regulamentação proposta por Nunes, que,
entre outras coisas, exigia que entre 50%
e 80% dos servidores continuassem trabalhando durante a greve e previa o desconto em folha dos dias paralisados.
A estratégia de aprovação relâmpago do PLS 710 previa o envio à Câmara
dos Deputados sem que o projeto sequer
passasse pelo plenário do Senado, o que
não chegou a acontecer graças a uma requisição do senador Paulo Paim (PT-RS) que “puxou” o projeto para a CDH,
que finalmente rejeitou o texto também
no último dia 7.
Nessa entrevista, Paim comenta esse
processo, defende a regulamentação do
direito de greve - que não é ponto pacífico entre centrais e estudiosos do sindicalismo - e analisa a conjuntura, recheada de ataques aos direitos e ameaças aos
trabalhadores.
O senhor tenta regulamentar o
direito de greve no serviço público
desde 1988, quando era deputado
federal. De lá para cá, apresentou
o Projeto de Lei do Senado (PLS)
83/2007 e, em 2013, apresentou,
como presidente da Comissão de
Direitos Humanos e Legislação
Participativa (CDH), o atual PLS
287. Não existe consenso sobre
se a regulamentação do direito à
greve de servidores e empregados
públicos seria um ganho ou não
para esses trabalhadores, sob
argumentos de que o direito à
greve no serviço público já seria
garantido pela Constituição,
e por jurisprudência, além
de uma preocupação sobre
o caráter limitante que uma
regulamentação possa vir a
ter. Quais são os principais
argumentos que sustentam a
defesa da regulamentação?
Paulo Paim – Eu busco a regulamentação do direito de greve para o servidor
público desde a Constituinte. Na Constituição está assegurado o princípio, que,
contudo, não está regulamentado. Já
o trabalhador do regime geral tem esse direito regulamentado. Os governantes, naturalmente, nunca quiseram regulamentar. Não foi regulamentado por
causa dos trabalhadores? Não. Os trabalhadores sempre quiseram regulamentar. Tanto que há mais de 25 anos
que está tramitando na Câmara dos Deputados um projeto que apresentei nesse sentido e os governantes nunca deixaram aprovar. No Senado, apresentei
dois projetos e a Fonacate [Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado], em nome dos servidores
públicos e numa ampla discussão com
as centrais, apresentou na Comissão de
Direitos Humanos um projeto que busca a regulamentação do direito de greve,
da negociação coletiva e do direito pleno à sindicalização e à organização. Baseado nesse projeto é que eu fiz o meu
relatório. Hoje, sem a regulamentação,
a decisão sobre a legalidade da greve fica à mercê do Tribunal Superior do Trabalho que, por analogia, aplica a regula-
Reunião deliberativa da CDH realizada no dia 7 de outubro
mentação que existe para o trabalhador
do regime geral. E quem paga a conta é
o servidor, que não tem regulamentado
nem o direito de greve, nem a negociação coletiva e nem a sindicalização. Ora,
se você apresenta um projeto que vai garantir essas questões não dá para entender por que alguma categoria do serviço
público vai ser contra. É uma situação
diferente do projeto anterior que eu peguei para relatar [PLS 710/2011, de autoria do senador Aloysio Nunes, do PSDB de São Paulo] que, com a desculpa
de defender setores estratégicos, na prática proíbe o direito de greve. Na minha
avaliação, é que nem você dizer que na
Constituição está assegurado a liberdade plena de todo o indivíduo, então não
precisa mais nenhuma lei de direitos humanos, nenhuma lei que vá na linha de
preservar algo além do princípio constitucional. Claro que precisa, não é? Eu
não fiz o relatório final porque inventei
da minha cabeça. Eu fiz o relatório a pedido dos servidores públicos e não a pedido do governo. Os governos não querem aprovar este projeto, querem aprovar o outro que não garante a negociação coletiva, não garante a sindicalização e proíbe o direito de greve.
Em sua opinião, quais são os
pontos mais positivos do PL 287?
Quais são os avanços em relação
à jurisprudência?
A jurisprudência não assegura nada
para o servidor público. Há um equívoco aí. Quando há greve do servidor público o que acontece? Qual é o resultado? Diga um caso em que o servidor público se deu bem em uma greve. Noventa e nove por cento dos casos é pau, é
demissão, é desconto dos dias pagados.
Depois, chegam pedidos para ver se dá
para entrar com um projeto de lei para não perder os dias parados, para reverter demissões. Então não sei qual é
a lógica desse princípio. A vida nos ensina que entre o bom e o ótimo há uma
distância, mas no caso do servidor só
existe o ruim. Não tem nada que garanta para ele o direito de greve. Por isso
que, bom, os governantes estão na deles. Não tem direito de greve e se fizer
greve o tribunal entra, determina e acabou. É que nem quando eu apresentei o
Estatuto do Idoso, tinha um setor que
era contra, hoje todo mundo bate palma
e abraça o Estatuto. Estatuto ao Comerciante e Estatuto da Igualdade Racial, a
mesma coisa. Então não vamos cometer
o mesmo erro. Vamos dar um tiro no pé
se numa hora como essa os servidores
não entenderem que precisam ser regulamentados o direito de greve, a negociação coletiva e a livre organização
sindical – até com base na Convenção
[n.151, da Organização Internacional do
Trabalho, OIT].
“Eu não fiz o relatório final porque
inventei da minha cabeça. Eu fiz o
relatório a pedido dos servidores
públicos e não a pedido do governo”
Diante de um contexto de ataques
aos direitos dos trabalhadores –
como a movimentação em torno
da aprovação do PL 4.330, da
terceirização, do qual o senhor é
relator no Senado –, ascensão do
conservadorismo no parlamento
e na sociedade, o senhor acredita
que há clima político para aprovar
no Congresso Nacional um projeto
que regulamente o direito de
greve no serviço público de forma
positiva para os trabalhadores?
Nada é fácil. Tanto que quem aprovou o 4.330 não fomos nós, foi a direita. Já aprovou e se nós não pegamos e
fazemos todo esse embate, conseguindo
a unidade do movimento sindical, tanto
que estamos viajando todo o Brasil num
esforço enorme, já fui a 17 estados, o ato
é sempre na Assembleia, estamos escrevendo a carta de cada estado, e é unânime. Não há uma entidade sindical que
seja contra. Isso tudo para que repercuta dentro do Congresso, mas é uma batalha de Davi contra Golias. Claro que o
movimento sindical está todo unido, e
só por isso está dando certo, senão eles
já teriam votado há muito tempo. Porque acha que eles não votaram, se eles
são maioria? Por que votaram com tanta facilidade na Câmara e aqui não? Porque a gente se entrincheirou no Senado e não deixou votar. Se depender do
nosso trabalho com o conjunto do movimento sindical só vamos votar no momento que entendermos que é possível
aprovar um projeto que garanta a melhoria da qualidade de vida dos 13 milhões de terceirizados e não aceitar a
precarização. Esse é o nosso ponto de
vista. Agora, é Davi contra Golias. Eles
podem encaminhar um requerimento
de urgência à revelia do relator, indicar
outro relator e votar no plenário. Tudo
isso pode acontecer. Por que não passou o negociado sobre o legislado [referência à Medida Provisória 680/15, que
cria o Programa de Proteção ao Emprego]? Porque fizemos um enfrentamento no Senado, chamamos todo o movimento sindical, fomos para a sessão do
Congresso dissemos que aquilo era um
crime de lesa pátria, uma emenda cretina – foi o termo que usei –, que no contrabando de uma quinta-feira tentaram
passar. Até isso conseguimos reverter. A
mesma coisa aconteceu no caso da NR
12 [Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho, que trata de práticas
O senador Paulo Paim
de segurança no manuseio de máquinas
e equipamentos por parte dos trabalhadores dentro das empresas], que também tira toda a proteção do trabalhador no ambiente de trabalho. Tivemos
que fazer correndo um combate no Senado, de sexta para segunda-feira, e revertemos a urgência. Mas é um combate enorme. Essa é a hora do movimento sindical se unir e fazer o bom combate com os aliados. Sabendo que o inimigo tem maioria hoje.
Falando em embates, o projeto
do senador Aloysio Nunes foi
muito criticado por sindicalistas,
e também pelo senhor, quando
da tentativa, em 2012, de enviálo para a Câmara dos Deputados
após aprovação pela CCJ.
Durante a tramitação, partes do
PLS 710/2011 ou mesmo a íntegra
do projeto pode ser resgatada por
outra Comissão?
Claro que pode. Pode chegar na CCJ
e dizer: rejeita-se o projeto apresentado
pelas entidades e aprova-se o do Aloysio.
Pode acontecer sem nenhum problema,
basta ter 14 senadores favoráveis na Comissão. Aí o nosso cai e fica o deles só.
O nosso veio para se contrapor ao dele,
que já tinha sido aprovado. Quando [em
2012] vi que tinha sido aprovado, entrei
com requerimento e puxei para a Comissão de Direitos Humanos, articulei com
a Fonacate, com o movimento sindical, e
botamos outro para fazer o contraponto.
Esse esforço culminou com a aprovação
do das entidades e a rejeição do dele. Ele
pode fazer a mesma coisa porque agora o
projeto volta para a CCJ e lá o relator “é
deles”. Esse é o mundo real. Temos que
ter claro, estou assinando embaixo de todo e qualquer bom projeto que existir.
É como a questão da terceirização. Vamos deixar tudo como está? Tudo bem,
só que eles pegam e aprovam a terceirização deles,. Ou nós temos um projeto
para se contrapor ao deles, que garanta a regulamentação da situação dos 13
milhões de terceirizados para fazer o enfrentamento? Bom, se no enfrentamento eles também sentirem que a pressão
do movimento sindical está muito grande, pode até ficar como está, sem regulamentar. Isso já é um ganho para nós. Se
quisermos regulamentar a situação dos
13 milhões, melhor.
O PLS 287/13 não traz uma
definição do que deve ser
considerado atividade essencial
durante a greve, mas pondera que
se deve “assegurar o atendimento
das necessidades inadiáveis da
sociedade”. Seu projeto anterior,
PLS 83, elencava como essenciais
“as urgências médicas, necessárias
à manutenção da vida”. Já um dos
maiores problemas apontados por
sindicalistas no PLS 710/2011 era
que o projeto elencava 21 áreas
essenciais. Qual sua avaliação
sobre esse ponto e por que
ocorreu a mudança? Foi nesse
diálogo com o Fórum?
Muito mais do que isso. Todos nós em
sã consciência sabemos que numa greve
tu não podes fechar hospital porque vai
matar pessoas. Isso todos sabemos. Deixamos então uma redação ampla de que
nos setores os próprios trabalhadores
saberão fazer os plantões. Foi essa a intenção, deixar de uma forma aberta porque nós trabalhadores temos consciência, mesmo numa greve, de fazer as ressalvas. Isso é o mínimo de bom senso no
campo da razoabilidade.
Nos últimos anos houve um
notável crescimento dos
movimentos, no serviço público
e na iniciativa privada, que usam
a greve como estratégia de luta.
As mobilizações teriam se dado
principalmente em torno da
manutenção dos ganhos reais
nos salários. Agora, vemos, como
consequência da deterioração
da economia, um aumento
acelerado do desemprego neste
segundo semestre, o que sempre
é fator de recuo nas lutas. Como
analisa esse quadro?
A conjuntura é totalmente desfavorável, claro. Recessão, desemprego, ajuste
fiscal puxam o arrocho salarial. Inclusive para os servidores públicos. E agora a
ordem é não dar para os próximos anos
um centavo de reajuste para os servidores. Há inclusive quem defenda aqui no
parlamento que devia haver uma redução dos salários. Para todos: deputados,
senadores, ministros, entre outros. Essa tese está crescendo no parlamento,
para ver a que ponto nós chegamos. Então o quadro não é positivo. Nós temos
que estar unidos e em estado de alerta,
buscando parceria com aqueles deputados e senadores que têm compromisso com os trabalhadores. (Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio –
EPSJV/Fiocruz)
brasil
de 22 a 28 de outubro de 2015
7
O calvário dos bancários contra
o patrão mais rico do mundo
Fernando Diegues
GREVE Paralisados em todo o
país desde o dia 6 de outubro,
trabalhadores bancários mantêm
uma rotina dura e, às vezes,
desumana, para forçar os banqueiros
a negociarem. Os bancários vêm
ampliando ainda mais o movimento e
fecharam 12.277 agências e 44 centros
administrativos em todo o Brasil
Luiz Gustavo de Mesquita Soares
de Santos (SP)
DESDE O DIA 6 de outubro os bancários estão em greve nacional. Na Baixada
Santista (SP), por exemplo, 90% das unidades de Santos e Cubatão estão paralisadas e 70% em Guarujá, Praia Grande e
São Vicente. No país, há paralisações em
todos os bancos dos 26 Estados e no Distrito Federal. Os bancários vêm ampliando ainda mais o movimento e fecharam
12.277 agências e 44 centros administrativos em todo o país.
Para isso, todos os dias são obrigados a
madrugar, acordando às 5 horas da manhã para apresentarem-se em seus pontos determinados pela organização sindical. Ali enfrentam, além da chuva, do sol
e do cansaço, o desprezo, a irritação, a incompreensão social e política da população ao movimento que quer, mais do que
o reajuste, respeito aos trabalhadores de
todo o Brasil.
Inúmeras vezes são xingados, interpelados pela polícia e às vezes até por quem
se acha porta-voz dos banqueiros, mas
no fundo é apenas um trabalhador explorado, que tem que ser conscientizado
sobre o mal que o individualismo faz ao
ser humano. Toda hora os grevistas precisam lembrar aos clientes que eles também são explorados e, o que é pior, os
bancos estão demitindo trabalhadores e
colocando os clientes para trabalharem
para eles e ainda cobram por isso. Alguns
apoiam, mas querem resolver rápido o
seu problema particular!
Na hora do almoço, alguns bancários
correm para ficar no lugar de outros, que
precisam almoçar em no máximo 15 minutos, para segurar o movimento paredista. Muitas vezes ficam mesmo sem se
alimentar comprando um sanduíche no
boteco da esquina. No final do dia reúnem-se para organizar estratégias e avaliar a greve. Cansados, à noite voltam para suas casas – próprias ou alugadas – e
preparam-se para um novo dia de luta.
Uma rotina dura e desumana para quem
quer apenas um salário digno do patrão
que mais lucra no mundo. O Itaú/Unibanco, Bradesco e Banco do Brasil são os
três primeiros da lista (nesta ordem), segundo dados da agência Economática e
do Dieese.
Ganhando força, bancários vêm ampliando o movimento, tendo fechado 12.277 agências em todo o país
Setores com lucros menores
pagaram acima da inflação
de Santos (SP)
Outros setores da economia, com lucros muito menores e sem comparação
aos dos bancos – e em alguns casos apresentaram prejuízos –, pagaram aumento acima da inflação aos seus trabalhadores, como mostra balanço das campanhas salariais do primeiro semestre, realizado pelo Departamento Intersindical
de Estatística de Estudos Socioeconômicos (Dieese).
O setor do Comércio, por exemplo, que
registrou quedas no faturamento e nas
vendas no primeiro semestre do ano, fechou 76% de seus acordos com reajuste
acima da inflação para os funcionários.
No setor de Serviços, que também sofreu
perdas, os ganhos reais foram observados em 74% dos acordos. E a Indústria,
outra área com recuos no desempenho,
fechou 61% das campanhas com reajustes acima da inflação nos primeiros seis
meses do ano.
Na indústria um caso é dos metalúrgicos, que estão em campanha e têm a
mesma data base dos bancários: 1º de
“O Dieese considerou 302
unidades de negociação,
privadas e estatais. Desse
total, 69% resultaram em
reajustes acima da inflação”
setembro. Apesar de sofrerem diretamente os efeitos da queda na venda de
automóveis e caminhões, dezenas de
empresas do ABC paulista ofereceram
aos seus empregados a garantia do índice que recompõe pelo menos a inflação do período, de 9,88%.
O setor químico de São Paulo, também propôs aos seus empregados a correção dos salários pelo percentual equivalente à variação integral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)
do período de novembro de 2014 a outubro de 2015, que deverá girar em torno de 10%. A data-base da categoria é 1º
de novembro. O Dieese considerou 302
unidades de negociação, privadas e es-
tatais. Desse total, 69% resultaram em
reajustes acima da inflação, 17% foram
iguais à inflação do período e somente
15% foram abaixo.
Bilhões de lucros
Os banqueiros possuem condições para atender as reivindicações. Porque exploram a população cobrando 403,5%
ao ano no cartão de crédito, 253,2% ao
ano no cheque especial, tarifas exorbitantes a custa da miséria do trabalhador. Os cinco maiores bancos que atuam no Brasil lucraram R$ 36,3 bilhões
no primeiro semestre, conforme dados
do Dieese.
Principais reivindicações
A categoria reivindica reajuste salarial
de 16% (reposição da inflação mais 5,7%
de reposição salarial), PLR, piso e vales maiores, fim das metas e do assédio
moral, mais segurança, 14º salário, entre outros itens. No entanto, o setor que
mais lucra no país ofereceu 5,5% e abono
único de R$ 2.500, o que representa perda de mais de 4% diante da inflação de
9,88%. (LGMS)
Sindicato dos Bancários de Santos e Região
“Os banqueiros vão apostando no
quanto pior melhor e continuam
em silêncio observando o cansaço
dos bancários e da população, quase
sempre sentados nos seus gabinetes
refrigerados cercados por mordomias”
Gabinetes refrigerados
“Por outro lado, os banqueiros vão
apostando no quanto pior melhor e continuam em silêncio observando o cansaço dos bancários e da população, quase sempre sentados nos seus gabinetes
refrigerados cercados por mordomias.
Depois muitos voltam de helicópteros
para suas mansões cercadas por verdadeiros exércitos de seguranças”, indigna-se Ricardo Saraiva Big, presidente
do Sindicato dos Bancários de Santos e
Região e Secretário de Relações Internacionais da Intersindical – Central da
Classe Trabalhadora.
Não demonstram nenhuma vontade de
negociar um reajuste que reponha a inflação de 9,88%, muito menos um índice
para repor perdas salariais dos últimos
anos impostas aos funcionários dos bancos públicos. Porém, os bancos cobram
os maiores juros em 20 anos, segundo o
Procon. Os juros do cheque especial chegaram a 12,28% no mês em outubro – a
maior marca desde setembro de 1995 –
quando a taxa era 12,58%.
A proposta da Federação Nacional dos
Bancos (Fenaban) de 5,5% é bem inferior
ao índice de inflação de 9,88% medido
pelo Indíce Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), de 1º de setembro/2014 a
30 de agosto/ 2015 (período medido para a data-base da categoria).
Em menos de 6h de trabalho
bancários pagam seus salários
de Santos (SP)
As demissões são frutos da exploração
segundo as regras do defeituoso sistema
capitalista. Neste sistema, o acúmulo
de riqueza deve ser atingido a qualquer
custo. O ser humano, na equação do capitalismo, é taxado como Capital Variável que produz a mais valia e o consequente lucro, através do chamado sobretrabalho. Por exemplo, nas seis primeiras horas de um dia o bancário reproduz o valor do seu salário, mas acaba por trabalhar mais tempo. Mas é neste tempo extra (que o capitalista tenta prolongar ao máximo) que ele traba-
lha e não é pago, que é criado o lucro.
Ou seja, o lucro surge do fato do bancário trabalhar mais do que o socialmente necessário (por conta da exploração)
e é este excedente, não pago que o capitalista se apropria, que se chama lucro.
Ele cresce quando a jornada é prolongada com a sobrecarga de trabalho, acúmulo de função, jornada estendida etc.
Exemplo
Vamos pegar o exemplo de cada trabalhador do Itaú, que produziu o maior
lucro líquido (entre a categoria) de R$
67.773,62 (fonte: Dieese) somente em
março deste ano. Vamos utilizar como
parâmetro quem recebe cerca de R$ 3
mil, portanto ganha R$ 25 por hora,
mas lucra para o Itaú R$ 565 por hora, em menos de 6 horas ele já pagou o
seu salário!
Faça sua conta
Divida o lucro (conforme cada banco
segundo a tabela abaixo) por 120 horas e
depois o valor de seu salário pelas mesmas 120 horas, que conforme a CLT e o
Acordo Coletivo são as horas de trabalho
mensal da categoria (não comissionada),
veja quanto você produz de lucro por hora e quanto o banco lhe remunera por estas horas e em quanto tempo você reproduz seu salário para o banqueiro aproximadamente. (LGMS)
8
brasil
de 22 a 28 de outubro de 2015
Fotos: Ministério Público-RS
Segundo o MP gaúcho, outdoors anunciando agrotóxicos são comuns nas estradas brasileiras
Agricultura desobedece a
legislação sobre agrotóxicos
VENENO NO PRATO
A ilegalidade está na
pesquisa, experimentação,
produção, embalagem,
rotulagem, transporte,
armazenamento,
comercialização,
publicidade e utilização
desses produtos
Cida de Oliveira
de São Paulo (SP)
da Rede Brasil Atual
A CONSTITUIÇÃO e a Lei Federal nº
7.802/89, que disciplina a pesquisa,
a experimentação, produção, embalagem, rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, publicidade, utilização, fiscalização e controle
dos agrotóxicos são desrespeitadas pela agricultura nacional. A denúncia é do
promotor de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul em Catuípe,
Nilton Kasctin dos Santos. Com formação em Direito e especialização em Direito Comunitário pela Escola Superior
do Ministério Público, o ex-delegado da
Polícia Federal trocou a PF pela defesa
do meio ambiente e atua também como
conferencista e articulista em diversas
publicações.
De acordo com o promotor, a desobediência já começa com a prescrição
de venenos por agrônomos ou técnicos
agrícolas que nem sequer examinaram a
lavoura para conhecer suas características e necessidades. Tal procedimento
consta do artigo 15º da Lei nº 7.802/89
(Lei dos Agrotóxicos). A pena prevista é
de dois a quatro anos de reclusão para
quem descumprir.
“É comum esses profissionais assinarem receituários sem ter visitado e diagnosticado a lavoura. Como um médico
examina o paciente para identificar a doença e receitar o remédio, o agrônomo
deve examinar a lavoura. Só então poderá decidir se há necessidade do uso de veneno e qual o tipo”, compara.
Porém, isso normalmente não ocorre.
“O agricultor vai direto à ‘farmácia’ (revenda), já decidido a comprar o veneno
que será aplicado da forma e no momento que bem entender. Às vezes, quem entrega a receita já assinada é o balconista da loja de agrotóxico. Assim, a receita,
que deveria ser o principal instrumento
para controlar a circulação desses produtos, não passa de uma farsa.”
Propaganda irregular
Outro grande problema é a publicidade dos venenos. A Constituição Federal
estabelece, em seu artigo 220, parágrafo
4º, que a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais. Tais restrições foram estabelecidas também pelas leis federais
9.294/96 – sobre as restrições ao uso e à
propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias
e defensivos agrícolas – e ainda pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
8.078/90).
Santos entende que a legislação é cumprida à risca quando se trata de medicamentos, bebidas alcoólicas e tabaco. Mas
em relação aos agrotóxicos, não há obediência a qualquer dispositivo legal. A
propaganda é completamente livre. Está
na televisão, no rádio, nos jornais, na internet, e até mesmo em cartazes, placas,
faixas e outdoors.
“Só para exemplificar, as margens das
estradas do Brasil inteiro estão tomadas de placas com anúncios de agrotóxicos e sementes transgênicas. Até no espaço público, reservado à colocação de
sinais de trânsito eles podem ser vistos.
E toda forma de propaganda mencionada, da maneira como veiculada no Brasil, constitui crime contra as relações de
consumo, na medida em que caracteriza
publicidade enganosa (arts. 66 e 67 do
CDC)”, afirma.
Para o promotor, a culpa não é apenas
das empresas interessadas, mas também
das autoridades, que nada fazem para
coibir anunciantes e punir os que atuam
livremente, com conhecimento das autoridades, que nada fazem. “O que é lamentável. A propaganda irregular de agrotóxico precisa ser vista como algo grave,
uma vez que influencia toda a coletividade a banalizar o perigo dos venenos, a
não ver problema em encher de agrotóxico a terra, o ar, a água e nossa mesa.”
Enquanto isso, conforme conta, a ampla maioria dos plantadores de soja, trigo, arroz, aveia, milho, feijão, uva, melancia, abacaxi, verduras e demais alimentos segue aplicando de forma ilegal
os mais variados tipos de venenos perigosos. “Fazem quando querem, como
querem e na quantidade que querem,
sem serem incomodados por quem quer
que seja no sentido de pelo menos cumprir a legislação vigente”.
Alienação
Para o promotor, a sociedade brasileira
está em grande parte alienada em relação
aos agrotóxicos – o que se deve principalmente à fragilidade do sistema educacio-
nal, sem compromisso com o desenvolvimento de uma consciência mais crítica.
“Nem as tais campanhas de ‘conscientização’ da população e dos agricultores
sobre o perigo dos agrotóxicos funcionam mais. É lógico, uma nação que figura no 88º lugar no ranking mundial da
educação é incapaz de qualquer processo de transformação para melhor; a tendência é piorar”, lamenta.
“Desses raros processos e inquéritos,
99% foram abertos pelo próprio do Ministério Público, Polícia Ambiental ou alguma organização. A sociedade brasileira está completamente alheia a esse grave problema que é de todos.”
Para ele, isso justifica as pouquíssimas
denúncias envolvendo agrotóxicos, em
geral relacionadas apenas a prejuízo financeiro. Ou seja, as pessoas só vão à polícia ou ao Ministério Público denunciar
quando o veneno da lavoura do vizinho
danificou sua plantação, seus animais,
ou quando alguém da família sofreu intoxicação aguda.
Num cenário assim tão favorável, a indústria e o comércio de agrotóxicos nem
precisam se esforçar no assédio aos produtores. Isso porque, conforme o promo-
tor, o agronegócio já é absolutamente dependente do poder econômico das megacorporações transnacionais detentoras
das marcas de sementes, adubos e venenos agrícolas.
Todos os produtores rurais brasileiros, diz, trabalham como num sistema
integrado de produção a exemplo do que
ocorre com criadores de frango e suínos
para os grandes frigoríficos.
Na prática, trabalham para essas empresas multinacionais já que nenhum
produtor possui insumos próprios (se
guardar a semente, ela não nasce, é estéril), nem podem adquirir semente, adubo químico ou veneno de outro eventual fornecedor.
“Todos dependem absolutamente da
Monsanto, Bayer, Basf, Syngenta, FMC,
Du Pont, Dow e mais duas ou três. A curto
ou a médio prazo nada pode ser feito para minar esse quadro sombrio de dependência econômica e tecnológica do Brasil
em relação a esse aspecto do capital internacional. Isso equivale a dizer que não só
nossa segurança alimentar desapareceu
por completo, como também nossa soberania nacional vem se debilitando progressivamente. E de forma acelerada.”
Reprodução
No teste, substâncias químicas são aplicadas nos olhos ou na pele (raspada) de animais para medir a toxicidade
Cruéis, os testes de agrotóxicos torturam animais, mas são incapazes
de mensurar seu real perigo à saúde humana e ao meio ambiente
de São Paulo (SP)
Feitos em animais com metabolismo e sistema imunológico diferente dos seres humanos, e que não representam a complexidade dos ecossistemas, os testes não conseguem identificar o real espectro de ação dos venenos.
O Teste Draize consiste em aplicar a substância química nos olhos ou na pele (raspada) de animais para medir
a toxicidade. Principalmente coelhos (porque têm olhos
grandes e salientes), são amarrados em um instrumento fixo, ficando apenas com a cabeça para fora. O veneno
a ser testado é pingado de quando em quando dentro dos
olhos (mantidos abertos com grampos ou fitas adesivas).
Por estar preso e não poder fechar os olhos ou coçar o
local da agressão, o animal apenas grita de dor, chegando até mesmo a fraturar o pescoço na tentativa de escapar. O procedimento dura vários dias, até que o olho vire uma crosta infecciosa, acompanhada de cegueira completa. “Tudo para ‘saber’ o grau de toxicidade da substância a ser lançada no mercado. Ora, desse jeito até
mesmo água potável causaria danos no olho”, diz o promotor de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do
Sul em Catuípe, Nilton Kasctin dos Santos.
Pelo método LD50, o agrotóxico é ministrado (via oral
ou venosa) aos poucos a um grupo de animais (cães, macacos, coelhos, ratos etc.), até que morram 50%. Todo o
grupo, normalmente em torno de 200 indivíduos, sofre
longo processo de tortura, definhando lentamente até a
morte. Essa forma cruel de experiência científica foi inventada em 1927, e até hoje é utilizada em larga escala
pela indústria química.
De acordo com Santos, os testes de laboratório são feitos com um tipo de agrotóxico por vez, não levando em
conta que nas plantações são aplicados vários tipos de
venenos diferentes, misturados ou uns após os outros,
em intervalos curtos ou médios, de maneira que resíduos de vários tipos de venenos interagem entre si e com o
solo, com o ar, com a água e no corpo dos organismos vivos. Portanto, é completamente impossível identificar
em laboratório as consequências da ação conjunta de diferentes tipos de agrotóxicos para o meio ambiente e a
saúde humana.
Esses testes em animais são concluídos em períodos
extremamente curtos, impossibilitando qualquer certeza
sobre efeitos crônicos derivados de exposições ou contatos prolongados com agrotóxicos. Observe-se que a cada
evento de ataque intenso de pragas ou doenças aparecem
no mercado, de uma hora para outra, dezenas de agrotóxicos novos.
“As conclusões dessas experiências não apontam antídotos para casos de intoxicação acidental. Os testes são
realizados pelo próprio fabricante do veneno, cujo interesse único e exclusivo é lucrar com a venda do produto”,
diz o promotor.
Ele destaca ainda que essas experiências sacrificam
dos animais sem trazer utilidade para a proteção da saúde humana. A literatura científica na área de toxicologia
mostra que os resultados de testes Draize nunca são utilizados por médicos, que se orientam a partir de experiências de casos reais com seres humanos.
Esses testes são realizados para defender os interesses
econômicos do fabricante. “A lei não obriga a utilização
de animais para testes científicos. Mas essa metodologia
ultrapassada, inventada há quase um século, é a maneira mais eficaz de o fabricante e o comerciante serem inocentados em processos judiciais por intoxicação humana
ou dano ambiental. É só provar que o veneno foi testado
antes da colocação no mercado, que a Justiça sempre julga em favor das empresas que fabricam e comercializam
o agrotóxico. A ‘culpa’ passa a ser de quem aplica o veneno”, diz Santos. (CO) (Rede Brasil Atual)
brasil
de 22 a 28 de outubro de 2015
9
Os pastores do Congresso
Agência Câmara
ESPECIAL
Como as igrejas
evangélicas escolhem
seus políticos? Qual o
segredo da força da
bancada para barrar
os avanços sociais e
garantir privilégios
como a isenção fiscal e a
concessão de rádios e TV?
Andrea Dip
de Brasília (DF)
da Agência Pública
HOMENS DE TERNO e mulheres de
saia com a Bíblia na mão vão enchendo
o auditório. Alguém regula o som do violão e dos microfones. A música que celebra “júbilo ao Senhor” estoura nos alto-falantes, e a audiência canta junto. Em
um púlpito no palco, os pastores abrem
o culto com uma oração fervorosamente
acompanhada pelos fiéis.
Uma descrição comum de um culto
evangélico não fossem os pastores, deputados, falando de um púlpito improvisado no Plenário Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados de um país laico
chamado Brasil. E se o (até então) presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), anunciado do púlpito ao entrar
no recinto pelos pastores João Campos (PSDB/GO) e Sóstenes Cavalcante
(PSD/RJ), não tivesse deixado de lado
a agenda oficial para participar da celebração e tirar selfies com pessoas que se
amontoavam ao seu redor.
Certamente, seria bem menos estranho se logo atrás de mim, no fundo do
auditório, assessores de parlamentares não estivessem fazendo piadas de
cunho homofóbico e rindo alto durante
boa parte do evento, que se tornou show
com a chegada da aclamada cantora gospel Aline Barros, vencedora do Grammy
Latino 2014 e um dos cachês mais altos do mundo gospel brasileiro. Ela tinha viajado do Rio a Brasília com o marido, o ex-jogador de futebol e hoje pastor e empresário gospel, Gilmar Santos,
especialmente para cantar e orar naquela manhã de quarta-feira no Congresso.
Ao final do culto/evento, todos receberiam um CD promocional de Aline.
Aline Barros entoou alguns de seus sucessos com o auxílio de um playback, antes da pregação do marido. O tema é a luta do profeta Elias contra Jezebel, a princesa fenícia que se casou com o rei de Israel e, uma vez rainha, perseguiu e matou profetas israelitas. A imagem da mulher poderosa de alma cruel é usada por
dezenas de sites religiosos, que comparam Jezebel à presidente Dilma Rousseff, ameaçando-a de acabar como a rainha, comida por cães.
“Em Tiago, capítulo 5, versículo 17, está escrito que Elias era um homem como
nós. Ele orou e durante três anos e meio
não choveu. Depois ele orou de novo e
Deus manda vir a chuva”, diz o pastor
Gilmar, dirigindo-se aos parlamentares.
“Muitas vezes a gente tem orado ‘Deus
sacode esse país, traz um avivamento,
faz algo novo’. Deus está fazendo. Mas a
forma que Deus está fazendo nem sempre é do jeito que a gente quer, da nossa maneira. Muitas vezes a gente queria
que Deus fizesse chover dinheiro do céu,
que fizesse anjo carregar a gente no colo pra levar a gente pra todos os lados e
queria pedir pra Deus pra sentar numa
rede, pra ele trazer um suco de laranja e
operar, trabalhar. ‘Manda fogo, destrói
aquele endemoniado, aquele idólatra.’
Mas Deus não faz dessa forma. Por que
Deus escondeu Elias? Por que Deus tem
escondido muitos de vocês e ainda não
estão nos jornais como sonharam ou não
tiveram reconhecimento como sempre
sonharam? […] Deus está te escondendo, querido. No momento certo tudo vai
acontecer, você vai ser exaltado. Deus sabe como honrar. […] Pode ser o momento mais difícil do seu mandato, mas continua confiando. Muitas pessoas podem
estar vivendo uma seca nesse país. Nosso
país pode estar vivendo o momento mais
seco da história. Vidas secas. Mas o céu
nunca vai estar em crise. Nunca tem crise, nunca tem crise.”
Sem crise
O número de evangélicos no Parlamento cresceu, acompanhando o aumento de fiéis. Segundo os últimos dados do IBGE, que são de 2010, o número de evangélicos aumentou 61% na década passada (2000-2010). Por sua vez,
a Frente Parlamentar Evangélica (FPE),
encabeçada pelo deputado e pastor
João Campos, agrega mais de 90 parlamentares, segundo dados atualizados da própria Frente – os números podem variar por causa dos suplentes – o
que representa um crescimento de 30%
na última legislatura. A mistura de política e religião é a marca da atuação dos
Presidente da Câmara, dep. Eduardo Cunha (PMDB-RJ), participa de reunião com a bancada evangélica
pastores deputados. Campos, por exemplo, é presidente da Frente Parlamentar
Evangélica, autor do projeto de lei apelidado de “cura gay” e defensor destacado
da redução da maioridade penal, como a
maioria da chamada “bancada da bala” –
em 2014 ele recebeu R$ 400 mil de uma
empresa de segurança para sua campanha. Cavalcante, ex-diretor de eventos do
pastor Silas Malafaia, seu padrinho na fé
e na política, é presidente na Comissão
Especial que trata do Estatuto da Família.
Encorajada por Eduardo Cunha, que
assumiu a presidência da Câmara dizendo que “aborto e regulação da mídia
só serão votados passando por cima do
meu cadáver”, a bancada evangélica tem
conseguido levar adiante projetos extremamente conservadores, como o Estatuto da Família (PL 6.583/2013), que
reconhece a família apenas como a entidade “formada a partir da união entre
um homem e uma mulher, por meio de
casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos
pais e seus filhos”, que deve seguir para o Senado nos próximos dias. A PEC
171/1993, que usa passagens bíblicas
para justificar a redução da maioridade penal, também foi aprovada na Câmara e aguarda análise do Senado, sem
previsão de votação. O próprio Eduardo Cunha é autor do PL 5.069/2013,
que cria uma série de empecilhos para o direito constitucional das mulheres
vítimas de violência sexual realizarem
aborto na rede pública de saúde. Esse
está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. Também
foi nesta legislatura que a bancada conseguiu barrar o trecho que trata do ensino da ideologia de gênero nas escolas no
Plano Nacional de Educação.
“Por ser mais próxima da cultura
do espetáculo e menos litúrgica,
também são as igrejas pentecostais
que se dão melhor com as mídias”
Ainda segundo os dados fornecidos pela FPE, a maioria dos parlamentares pertence a igrejas pentecostais: a Assembleia de Deus é a que mais congrega esses fiéis, seguida pela Igreja Universal
do Reino de Deus, que tem como figura
de destaque o senador Marcelo Crivella
(PRB-RJ). Também tem representantes
no Congresso as igrejas Sara Nossa Terra
e a Igreja Quadrangular. Como acontece com os partidos na política, os membros também trocam de denominação.
Eduardo Cunha recentemente trocou
a Sara Nossa Terra pela Assembleia de
Deus, onde já estavam os colegas João
Campos e Marco Feliciano. Entre os
membros das protestantes históricas estão Jair Bolsonaro (batista) e Clarissa
Garotinho (presbiteriana).
O sociólogo e escritor Paul Freston,
professor catedrático em religião e política da Wilfrid Lauries University, do
Canadá, explica que as igrejas pentecostais se diferenciam das protestantes históricas principalmente pela ênfase da
crença nos dons do Espírito Santo, como
“falar em línguas” e agir em curas e exorcismos. “Por ser uma forma mais entusiasmada de religiosidade, depende menos de um discurso racional, elaborado.
Você pode não saber ler ou escrever, pode ser alguém que não ousaria fazer um
discurso racional em público, mas sob
influência do Espírito você fala. Por isso pode-se dizer que a igreja pentecostal também tem esse poder de inverter
as hierarquias sociais”, explica o professor. E destaca: “Por ser mais próxima da
cultura do espetáculo e menos litúrgica,
também são as igrejas pentecostais que
se dão melhor com as mídias”.
Nos gabinetes
de Brasília (DF)
“A Frente Parlamentar Evangélica
[FPE] tem exercido um papel muito importante em contribuir com o processo legislativo porque ela priorizou algumas bandeiras que são relevantes para
a sociedade brasileira como, por exemplo, a defesa da família tradicional”, diz
João Campos, que recebeu a Pública em
seu gabinete de número 315 no anexo
IV da Câmara, após muitos dias de negociação com seu assessor. “Outra bandeira nossa é a defesa da vida desde a
concepção, os direitos do nascituro, a
proibição do aborto, do infanticídio, os
direitos da mulher também, mas principalmente os direitos do ente humano que está sendo gerado. Temos uma
postura clara a favor da reforma política, sobre a reforma tributária e sobre a
violência que tem inquietado a sociedade”, continua o deputado.
O segredo do sucesso? “A gente atua a
partir desses temas, e isso faz com que
a Frente seja ouvida no Parlamento. A
Frente nem é a que congrega o maior
número de parlamentares, mas é uma
das mais ouvidas. Porque não é a quantidade, é a atuação dela”, diz com orgulho. Pergunto sobre sua trajetória política e religiosa, em que momento as duas se misturam. Ele me conta que aos 16
anos já era líder de jovens em sua igreja (Assembleia de Deus) e há quase 20
foi ordenado pastor. Também fez carreira na Polícia Civil de Goiânia. Começou como escrivão de polícia, se tornou
delegado, participou de greves – “sempre fui muito ativo”, diz. Passou a atuar na classe, foi presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil,
até que “naturalmente” se candidatou
a deputado federal. “Eu sempre exerci
liderança na igreja e na segurança pública. E essas duas vertentes apoiaram
minha candidatura e me elegeram”, resume Campos, 53 anos, atualmente no
quarto mandato como deputado fede-
ral. Quando pergunto se a igreja tem sido um ambiente fértil para a formação
de líderes políticos, ele desconversa: “A
igreja tem ocupado um espaço e se colocado mais na política tendo ela própria como referência”.
Sua colega de bancada evangélica, Clarissa Garotinho (PR), é uma jovem deputada federal que tem política e religião
no pedigree. A filha dos ex-governadores
Anthony e Rosinha Garotinho é da Igreja
Presbiteriana, como todos de sua família.
E, como fez a mãe, todas as vezes que seu
pai, Anthony Garotinho, mudou de partido, ela o acompanhou “mesmo a contragosto”, confessa. E não foram poucas
vezes: o radialista de sucesso começou a
carreira política no PT, depois foi para o
PDT, para o PSB, PMDB e PR.
“O Eduardo é considerado
um deputado muito temido
aqui. Dizem que ele é
vingativo, que tem um
temperamento difícil. E ele
ainda tem muito apoio aqui,
apesar dos escândalos”
Jogo da política
Clarissa fala do jogo da política com a
naturalidade de quem viveu isso em casa
desde pequena, mas faz questão de dizer
que nunca foi pedir voto em igreja. “Visitei algumas igrejas quando me convidaram, mas não foi o foco da minha campanha.” Descreve o início de sua carreira política como a de líder estudantil que
se tornou diretora da UNE e foi eleita vereadora – a contragosto do pai, sublinha.
“Nessa época, eu tinha me formado em
jornalismo e fiz estágio com a Xuxa, no
programa dela, a convite da Marlene Matos. A Marlene me convidou para ir para
um programa na rádio Globo, eu já era
gerente comercial da empresa dos meus
pais, e ele não queria que eu entrasse na
política. Dizia que a vida dos políticos ficava muito exposta, que dava muita dor
de cabeça. Comecei a campanha sozinha,
eu e a juventude do partido. Pensava:
‘Meu pai foi governador, minha mãe foi
governadora, eu não posso perder uma
eleição de vereadora porque, se eu perder, eu vou estar comprometendo o nome deles’”, conta.
De vereadora, Clarissa passou a deputada estadual e em 2014 foi eleita deputada
federal com a maior votação obtida entre
as mulheres. Sobre sua atuação na bancada evangélica, ela diz que só participa
das atividades quando acha necessário.
“Quando houve algumas manifestações
na parada gay que satirizaram a imagem
de Cristo. Nesse ponto, a bancada reuniu
inclusive católicos. Quando tem alguma
causa que a gente entende que precisa se
unir, eu participo das reuniões.”
Pergunto sua opinião sobre o aborto, e sua expressão se fecha: “Tem temas que para nós não são negociáveis.
Eu sou contra o aborto”. Sem que eu
pergunte, emenda: “Mas você quer saber do Cunha? Eu não apoiei o Eduardo Cunha para presidente da Câmara
só porque ele era evangélico. Não basta ser evangélico e eu presbiteriana para eu votar se acho que a postura dele
como político não é boa pra representar
a Câmara e não é boa para o Brasil. Fui
uma das poucas deputadas evangélicas
que não votou nele. Fizeram reuniões
com os membros da bancada pra apoiar,
mas eu não participei. Não gosto do estilo dele de fazer política. Ele usa chantagem pra conseguir vantagens, é o chanteageador geral da República. O Eduardo é considerado um deputado muito
temido aqui. Dizem que ele é vingativo,
que tem um temperamento difícil. E ele
ainda tem muito apoio aqui, apesar dos
escândalos”. (Esta reportagem continua nas págs. 10, 11 e 12) (AD) (Agência Pública- www.apublica.org)
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brasil
de 22 a 28 de outubro de 2015
Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas
Modelo brasileiro
Lula Marques/Agência PT
de Brasília (DF)
O começo de tudo
ESPECIAL
Os pentecostais
deslancharam na
política com a Igreja
Universal do Reino de
Deus, que criou um plano
político mais estruturado
dentro da instituição
Andrea Dip
de Brasília (DF)
da Agência Pública
A IGREJA PENTECOSTAL começou
a se envolver na política brasileira na
década de 1960, através da Brasil para
Cristo, que elegeu um deputado federal
em 1961 e um estadual em 1966. Depois
disso, porém, a igreja só voltaria a eleger candidatos na década de 1980, como explica Paul Freston: “A maior participação vem em 1986, no fim do regime militar, com a Assembleia Consti-
tuinte. A Assembleia de Deus é o motor
disso inicialmente, e se organiza desde a cúpula para ter um candidato oficial em cada estado, um deputado. Eles
se organizam e tentam apresentar esse candidato nas igrejas, falar pras pessoas votarem nele. É o que dá origem
à bancada evangélica, é a primeira vez
que se fala nisso. E a grande novidade é
que a maioria é pentecostal”.
Os pentecostais deslancharam na política com a Igreja Universal do Reino de Deus, que criou um plano político mais estruturado dentro da instituição, segundo a autora da tese Religião
e política: ideologia e ação da “Bancada Evangélica” na Câmara Federal,
Bruna Suruagyt. “No início da década
de 1990, a Igreja Universal começou a
atuar com um plano político estruturado”, explica.
Em sua pesquisa, Bruna chegou ao
seguinte desenho do plano político da
Universal: “A cúpula da igreja, formada por um conselho de bispos da confiança de Edir Macedo, indica candidatos em um procedimento absolutamente verticalizado, sem a participação da
comunidade. Os critérios para a escolha desses candidatos geralmente têm
Ainda segundo a pesquisadora Bruna
Suruagy, a Universal se tornou um modelo para outras igrejas brasileiras justamente porque a cada novo mandato
havia um aumento significativo dos parlamentares. “A Assembleia de Deus, que
hoje tem a maioria dos deputados, não
funcionava assim”, diz. Ela explica que
isso não significa que o funcionamento
institucional das duas denominações seja o mesmo. “A Assembleia é uma igreja
com muitas dissidências e muitas divisões internas, por isso não é possível estabelecer hierarquicamente os candidatos oficiais. As igrejas têm fortes lideranças regionais e uma fragilidade do ponto
de vista nacional. A sede não tem tanta
força e, por isso, eles criam prévias eleitorais. As pessoas se apresentam voluntariamente ou são levadas pela própria
igreja, e ainda há a ideia de que alguns
são indicados por Deus porque mobilizam grandes multidões, ou contagiam,
como dizia Freud, o que também termina sendo um critério. Então tem uma
lista, depois uma pré-seleção que passa
por um conselho de pastores – isso em
cada ministério, porque a Assembleia é
uma igreja que tem várias subdivisões
internas. É interessante que os que pretendem se candidatar assinam um documento se comprometendo a apoiar o
candidato oficial caso ele não seja escolhido, para evitar candidaturas independentes e para manter a fidelidade que se
tem na Universal.”
Templo de Salomão, construído pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), no Brás (SP)
“A maior participação vem em
1986, no fim do regime militar,
com a Assembleia Constituinte.
A Assembleia de Deus é o motor
disso inicialmente, e se organiza
desde a cúpula para ter um
candidato oficial em cada estado,
um deputado”
base em um certo recenseamento que
se faz do número de eleitores em cada
igreja ou em cada distrito. E cada templo, cada região, tem apenas dois candidatos que seriam o candidato federal
e o estadual. Ela desenvolve uma racionalidade eleitoral a partir de uma distribuição geográfica dos candidatos e
a partir de uma distribuição partidária
dos candidatos. Isso mudou um pouco
agora porque existe um partido que é
da Universal, o PRB, que fica cada vez
mais forte no Congresso”, explica, destacando também a importância da mí-
dia religiosa como interface entre a
igreja e a política.
A Pública fez contato com a assessoria
de imprensa da Igreja Universal e obteve como resposta que a instituição não
se pronunciaria a respeito “porque não
se envolve com política”. Ao insistir para obter a entrevista, a assessoria pediu
que as perguntas ao bispo Edir Macedo fossem feitas por e-mail e não respondeu mais. Mesmo o site do PRB, que
tem grande parte dos filiados ligados
à Universal, incluindo o presidente do
partido, Marcos Pereira, não deixa clara
essa conexão entre o partido e a igreja.
Mas, entrevistado pelo deputado federal Celso Russomanno, ao vivo, durante a festa de dez anos do PRB, no dia 25
de agosto, diante da plateia do auditório
Nereu Ramos, Pereira revelou que sua
carreira e o PRB caminharam de braços dados com Edir Macedo. Ele contou
que é bispo da igreja desde 1999, foi vice-presidente da Rede Record de Televisão em 2003, ano em que também se
tornou sócio da LM Consultoria Empresarial – holding que controla todos os
negócios da Igreja Universal do Reino
de Deus – e então se tornou presidente
do PRB em 2011.
Eduardo Cunha
“Nas pentecostais, os
pastores vão colocando
seus filhos na linha
sucessória na igreja e
na política. Aconteceu
assim com Malafaia, por
exemplo. O pai dele era
pastor e o filho também é”
“A maioria dos políticos que
temos hoje foi produzida em berço
pentecostal. Portanto, eles nascem
do único poder que habita esse
ambiente, que é o do carisma pessoal”
O sistema de escolha de candidatos é
confirmado pelo pastor Caio Fábio, enquanto conversamos no belo jardim de
sua casa, em Brasília. “A maioria dos políticos que temos hoje foi produzida em
berço pentecostal. Portanto, eles nascem do único poder que habita esse ambiente, que é o do carisma pessoal. E esse carisma não tem absolutamente nada a ver com inteligência, instrução ou
cultura. Por carisma, entende-se a capacidade de comunicação popular intensa, tanto mais poderosa quanto menos escrupulosa seja. São em geral pastores, bispos e apóstolos. A Universal
é um caso à parte, assim como as igre-
O pastor Silas Malafaia
jas neopentecostais, que são igrejas pós-macedianas, porque o projeto político
lá é totalitário, vem do Macedo a determinação de quem é e quem não é”, critica. “As igrejas reformadas [também conhecidas como protestantes históricas]
são democrático-representativas. A cada cinco anos no máximo, tem uma elei-
E o que querem os
políticos evangélicos?
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
de Brasília (DF)
Quando estive no Congresso, cada
vez que Eduardo Cunha entrava em
uma sala da Câmara dos Deputados
era cercado por um séquito e não raramente aplaudido de pé, apesar dos
escândalos, e não apenas os mais recentes. Cunha, que começou sua carreira como tesoureiro do comitê eleitoral de Collor, chegou à presidência
da Telerj, de onde saiu em 1993 em
um escândalo de superfaturamento, quando foi descoberto que havia
assinado um aditivo de US$ 92 milhões a um contrato da Telerj com a
fornecedora de equipamentos telefônicos NEC do Brasil (então controlada pelo empresário Roberto Marinho). Foi quando se aproximou do
então deputado mais votado do Rio
de Janeiro e dono da rádio evangélica Melodia, Francisco Silva. Por indicação de Silva, tornou-se presidente da Companhia Estadual de Habitação na gestão de Anthony Garotinho, da qual também foi afastado em
meio a denúncias de irregularidades em contratos sem licitação e favorecimento a empresas fantasmas.
A passagem pelo rádio, onde tinha
boletins diários que acabavam com
o bordão “O povo merece respeito”,
tornou sua voz conhecida e se lançou
a candidato a uma cadeira na Câmara dos Deputados nas eleições gerais de 2002, quando foi eleito com
o apoio de Garotinho e 101.495 votos
nas urnas. Em 2003, entrou no PMDB e foi eleito deputado federal e hoje cumpre seu quarto mandato consecutivo. Em 2014 foi o terceiro candidato mais votado do Rio de Janeiro, com 232.708 votos.
O deputado Eduardo Cunha
O sociólogo Paul Freston, que estuda as relações entre política e religião, pesquisou a biografia de Cunha
e de seu mentor, Francisco Silva. “Ele
começa politicamente pela mão do
Francisco Silva, que já era uma pessoa estranha porque tinha uma identidade evangélica pessoal muito tênue. O que ele tinha era uma rádio
evangélica. E basicamente usou a força da mídia para se lançar politicamente. Ele se dizia membro da Congregação Cristã, o que não fazia muito sentido porque é a igreja mais arredia, que não se envolve com política, com mídia, não paga pastor. E a
própria Congregação fez uma decla-
ração na época dizendo que desconhecia esse cidadão.”
O polêmico pastor, escritor e psicanalista, Caio Fábio – fundador e ex-presidente da Associação Evangélica Brasileira (AEVB), líder e mentor da igreja Caminho da Graça – acrescenta outras informações ao perfil de Cunha:
“Eu o conheço há 20 anos, desde que
o pessoal o chamava de ‘Eduardinho’.
Desde quando ele trabalhava para o
deputado Francisco Silva. Esse indivíduo de crente não tinha nada. Francisco comprou a rádio Melodia, criou
uma igreja radiofônica chamada Cristo em Casa que não congregava ninguém, não reunia ninguém, não tinha
relacionamento com ninguém. Era tudo no rádio e você dava o dízimo para esse ente abstrato. O Eduardo era
o assessor dessa figura. Ele teve função importante na loteria esportiva do
Rio de Janeiro, em autarquias diversas até chegar ao governo Garotinho.
Ele dá nó em pingo d’água. O mais inteligente deles é burro perto do Eduardo Cunha. Ele é um dos caras mais ardilosos, mais jogadores, mais sutis que
eu já conheci”.
Recentemente, Cunha trocou a igreja Sara Nossa Terra, para qual foi levado por Silva, pela Assembleia de Deus.
A primeira tinha pouco mais de 1 milhão de fiéis, enquanto sua igreja atual
tem mais de 13 milhões de seguidores, segundo o IBGE. A ramificação da
igreja escolhida por Cunha foi a Madureira, cujo presidente é o bispo Manoel Ferreira, acusado de coronelismo
por membros de sua igreja por ter tornado seu cargo vitalício e denunciado
por um pastor de sua igreja em uma
matéria da revista IstoÉ por usar laranjas para abrir a Faculdade Evangélica de Brasília, dar golpe nos sócios e
sonegar milhões em impostos (ele nega as acusações). Em agosto deste ano,
o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acusou Eduardo Cunha
de indicar a igreja do filho de Manoel,
Samuel Ferreira, para receber parte da
propina de ao menos US$ 5 milhões
destinada a ele referente aos contratos para viabilizar a construção de dois
navios-sonda usados pela Petrobras.
“Eu estou dizendo há 25 anos que Manoel Ferreira já se envolveu com tudo. É um gângster religioso. E curiosamente é para onde o Cunha foi”, acusa o pastor Caio Fábio. (AD) (Agência
Pública- www.apublica.org)
de Brasília (DF)
Mais do que os temas morais como
aborto, violência, drogas e sexualidade, são os interesses institucionais que
unem a bancada evangélica, segundo
os pesquisadores. “A conquista de dividendos para as igrejas como a manutenção de isenção fiscal, a manutenção
das leis de radiodifusão, a obtenção de
espaços para a construção de templos
e a transformação de eventos evangélicos em culturais para obtenção de verbas públicas, estão nesse páreo”, explica Bruna Suruagy. Paul Freston dá um
exemplo: “Na época da Constituinte, teve a questão do mandato do Sarney, do
quinto ano. Para conseguir esse quinto
ano, ele comprou muita gente no Congresso. A moeda de troca para muitos
pentecostais era uma rádio, coisas ligadas à mídia”.
Apenas a Igreja Universal
controla mais de 20
emissoras de televisão, 40 de
rádio, além de gravadoras,
editoras e a segunda maior
rede de televisão do país – a
Rede Record
Um estudo realizado pelo Instituto
de Estudos da Religião (Iser) em 2009,
mostrou que, de 20 redes de televisão
que transmitiam conteúdo religioso,
11 eram evangélicas e 9 católicas. Apenas a Igreja Universal controla mais de
20 emissoras de televisão, 40 de rádio,
além de gravadoras, editoras e a segunda maior rede de televisão do país – a
Rede Record.
lho também é. Os protestantes históricos são mais silenciosos, mas não quer
dizer que não sejam homofóbicos, por
exemplo. O Bolsonaro frequenta uma
igreja batista e é… O Bolsonaro.”
Freston, por sua vez, não vê influência
do modelo americano, como os chamados cinturões bíblicos, na política brasileira. Para ele, o crescimento da bancada evangélica tem mais a ver com nosso modelo político. “Quando a imprensa e os acadêmicos começaram a notar
a presença dos pentecostais na política, houve algumas interpretações sobre
ser cópia dos Estados Unidos, que já tinha a direita cristã, e a ideia de que isso
estava surgindo no Brasil, incentivado
por esse modelo. Mas eu sempre achei
que correspondia muito mais às peculiaridades do sistema eleitoral brasileiro. Porque você tem o crescimento pentecostal em muitos países do mundo, na
América Latina toda, em muitos lugares
na África, em alguns lugares da Ásia.
Mas só no Brasil você tem esses fenômenos de bancadas nos Congressos. Essa aproximação com a direita é mais recente e tem a ver com essa nova direita,
que não tem medo de se chamar de direita”, diz o sociólogo.
Larissa Preuss, autora da tese de
doutorado As telerreligiões no telespaço público: o programa Vitória em
Cristo e a estratégia de mesclar evangelização e preparação política, destaca a enxurrada de pastores eletrônicos
na televisão brasileira nas décadas de
1980 e 1990. “O RR Soares é o mais antigo, está no ar desde o fim dos anos de
1970, e o Silas Malafaia entra em 1982.
Ele é quem fala mais explicitamente
sobre política na televisão, apesar da
maior articulação política ser da Universal”, lembra.
A pesquisadora conta que estudou
os programas de Malafaia de 2014 para entender a relação de seus discursos
com as eleições. “Ele assume que existe uma briga política e deixa claro que
quer influenciar e por isso não se candidata. Ele fala diretamente ao público,
mas também fala muito aos líderes religiosos, tanto que Malafaia dá cursos de
formação de pastores em locais como a
Escola de Líderes da Associação Vitória em Cristo (Eslavec) e está construindo um império, hierarquizando igrejas
dentro da Assembleia de Deus, que não
tem essa cultura. O Malafaia se coloca
no lugar do profeta, que é aquela autoridade que unge o rei e denuncia o sacerdote, e isso é muito forte. Ele incentiva os líderes a influenciar seus fiéis para
que Deus possa agir na política.”
A hipótese de Larissa é que os pastores
midiáticos migram para a política justamente para garantir as concessões de
radiodifusão. “Porque as outorgas são
ratificadas ou podem ser abolidas pelo
Congresso. Então é uma retroalimentação: eles estão na televisão, influenciam
a eleição de certos candidatos que vão
garantir sua permanência na televisão.
A informação hoje é poder. A imagem é
uma moeda valiosa. E os evangélicos estão na política como nunca. Basta dizer
que o tema da última Marcha para Jesus
foi ‘faxina ética’”. (AD) (Agência Pública- www.apublica.org)
ção de pastores. As episcopais [pentecostais] são mais por sucessão, indicação do bispo. E, se os demais acolherem, eles são afirmados. Nas pentecostais, os pastores vão colocando seus filhos na linha sucessória na igreja e na
política. Aconteceu assim com Malafaia,
por exemplo. O pai dele era pastor e o fi-
Outra característica de nosso sistema
eleitoral, a de representação proporcional com listas abertas, favorece os candidatos carismáticos, os “puxadores de
voto”, que passam a ser cobiçados pelos partidos. “Eles dizem ‘vamos pôr o
pastor candidato que ele traz mais 2 ou
3 mil votos para a gente’. Mas esse cara traz 60 mil votos e se elege sozinho!
Esse sistema favorece a eleição desses
pentecostais. E muitos países que tem
crescimento pentecostal não têm isso.
No Chile, por exemplo, onde o pentecostalismo também cresceu muito, você quase não teve políticos evangélicos
porque é outro sistema eleitoral. Aqui
os líderes pentecostais souberam maximizar suas possibilidades dentro desse sistema.” (AD) (Agência Públicawww.apublica.org)
Municipal
de Brasília(DF)
E não é só em âmbito federal que a
bancada evangélica tem se fortalecido.
O número de projetos de leis temáticos
também tem crescido entre os vereadores e deputados estaduais evangélicos,
que recentemente também barraram a
discussão de gênero em planos municipais de educação em várias cidades, incluindo a capital paulista. E não é só isso. A pastora e deputada estadual Liziane
Bayer, do PSB do Rio Grande do Sul, protocolou em abril o PL 124/2015, que prevê o ensino do criacionismo nas escolas
públicas e privadas do estado. Liziane,
cujo slogan de campanha foi “compromisso com a fé, a família e a vida”, conta que começou a se interessar por política e a conversar sobre o assunto no grupo
de mulheres de sua igreja. Ela diz que sabe que o projeto é polêmico, mas defende
o ensino do criacionismo para dar uma
opção aos alunos. “Eu acho o comunismo ruim, mas ele é ensinado nas escolas.
O criacionismo pode ser visto da mesma
forma, mas, até pra que tu digas que não
é correto, tem que saber”, opina.
Em Cuiabá, o vereador Marcrean dos
Santos (PRTB) criou um projeto que virou lei para feriado evangélico na cidade (Lei n° 5.940/15); em Itapema (SC),
o vereador Mouzatt Barreto (DEM)
também criou um PL para obrigar a leitura da Bíblia nas aulas de história das
escolas públicas e particulares; em São
Paulo, o vereador Carlos Apolinário,
que em 2011 conseguiu que a Câmara
aprovasse o “Dia do Orgulho Heterossexual”, vetado pelo então prefeito Gilberto Kassab, apresentou um projeto
de lei para criar banheiros públicos em
restaurantes, shoppings, cinemas e em
casas noturnas para gays, lésbicas, bissexuais e transexuais e chegou a declarar que “não é possível minha mãe entrar em um banheiro e encontrar um
homem vestido de mulher”.
Em Manaus, a vereadora Pastora Luciana (PP), que prefere ser chamada de
pastora – “vereadora é só uma promes-
sa, pastora é pra eternidade” –, é autora
de três projetos temáticos: o PL 125/15,
que visa autorizar por lei manifestações
religiosas como palestras e pregações nos
terminais de ônibus da capital com o uso
de caixas de som; o 075/15, que propõe
a instituição de uma capelania na Guarda Civil Metropolitana; e o PL da Cristofobia, que prevê multas para quem tiver
“atitudes discriminatórias em face da religião cristã, palavras e práticas agressivas contra a figura de Jesus Cristo, ameaças, estereótipos pejorativos, induzir
ou incitar a discriminação contra a Bíblia Sagrada”. Mas o projeto de lei mais
bizarro é do vereador de Santa Bárbara do Oeste, Carlos Fontes (PSD). O PL
29/2015 proíbe a implantação de microchips em seres humanos, comparando-os à marca da besta prevista no livro do
Apocalipse (veja a entrevista em vídeo
que gravamos com o vereador).
“Eu acho o comunismo
ruim, mas ele é ensinado nas
escolas. O criacionismo pode
ser visto da mesma forma,
mas, até pra que tu digas que
não é correto, tem que saber”
“Se a presença de um evangélico na
política melhorasse a política, humanizasse a política, as igrejas seriam édens,
oásis, paraísos de bondade humana, altruísmo, inclusão, tolerância, misericórdia, de amor de verdade, equidade, solidariedade. Mas, enquanto o diabo continuar a existir pra eles da forma como
existe, eles podem continuar roubando
porque o diabo pagará a conta das acusações. Em nome de Deus, a canalhice
é santificada”, conclui Caio Fábio. (Esta
reportagem continua na pág. 12) (AD)
(Agência Pública- www.apublica.org)
(Colaborou Guilherme Peters)
12
brasil
de 22 a 28 de outubro de 2015
O dia em que caí do berço evangélico
ÉNóis
ESPECIAL Em parceria com a Pública,
os jovens repórteres da É Nóis foram
investigar o que a molecada pensa de
política nas igrejas evangélicas
Ariane Assunção e
Tiago Tuiuiú
de São Paulo (SP)
da Agência Pública
NUNCA HAVIA prestado atenção nos
projetos da bancada evangélica até o dia
2 de julho, quando, após uma manobra
legal, a Câmara dos Deputados retomou
e aprovou a pauta da redução da maioridade penal em primeiro turno. Dos 74
deputados federais evangélicos, 53 votaram a favor e apenas 9 disseram não à
redução – 12 não votaram.
Como jovem negro e morador de periferia, aquela decisão me afetava diretamente. E, de certa forma, me incomodava também. Sou o que conhecemos como “crente de berço”. Nasci em uma família evangélica, as primeiras músicas
que aprendi eram hinos, o primeiro livro que li foi a Bíblia, minha primeira
namorada era da igreja e meus amigos
eram meus irmãos em Cristo. Sempre
considerei a igreja um canal de mudança, lá conheci histórias de pessoas que
saíram do crime, acreditando que era
possível transformar suas vidas.
E, nesse momento, ficou explícito pra
mim que esse lance de amar ao próximo é muito mais fácil quando o próximo se parece com você. Decidi então
que iria descobrir como pensam outros
“Amar ao próximo é muito mais fácil quando o próximo se parece com você”
jovens evangélicos para entender essa
relação entre política e religião num estado laico. Será que eles também são a
favor da redução da maioridade penal
e de outras leis propostas pela banca-
da evangélica? Qual o nível de interesse
deles por política? E será que a religião,
para eles, é um critério no momento de
decidir o voto? Fomos, eu e minha parceira de reportagem, Ariane, para por-
A voz da bancada
é a voz de Deus?
de São Paulo (SP)
Foi colocar o pé na rua para constatar
que religião e política eram temas superconectados para o jovem evangélico –
mesmo sem ter clareza disso. Do total de
jovens, entre 14 e 30 anos, que responderam à nossa pesquisa, 4 em cada 10 afirmaram ter votado em um político da sua
igreja na última eleição. E, para metade
deles, a religião é um critério a ser levado
em conta no momento do voto.
O voto, no entanto, é quase sempre o
único – e último – estágio de participação política do jovem. Na pesquisa O sonho brasileiro da política, de 2014, em
que jovens de sete estados, de 18 a 32
anos, de classes A, B e C, foram entrevistados, 74% dizem que sua prática política é o voto, 68% não gostariam de participar mais ativamente da política e 20%
afirmaram que nada poderia aproximá-los da política. O resultado dessa falta
de interesse tem consequências importantes: uma vez eleitos, nossos representantes parecem agir de acordo com
suas alianças e crenças pessoais, sem
lastro com as necessidades de quem os
colocou no poder. E é aí que o tiro sai
pela culatra: você é diretamente responsável por um em cada seis deputados da
Câmara ser evangélico, mas ele pode estar lá defendendo causas que não são as
suas.
Dentro das igrejas, isso tem gerado
atrito – principalmente entre os mais jovens. “Acho ridículo criarem uma lei assim”, afirma Dayanne Kraft, 21 anos, convertida há dois anos e membro da igreja
Terra Fértil, quando questionada sobre o
Projeto de Lei 177/2015, da vereadora de
Manaus, Pastora Luciana. Conhecido como o PL da Cristofobia, a proposta pune
o preconceito e atitudes discriminatórias
contra a religião cristã com multa e pode
fechar estabelecimentos comerciais. “Essa perseguição sempre aconteceu. Lá em
Mateus 5:44 está escrito pra gente amar
nossos inimigos e orar por quem nos persegue. Temos que plantar o bem para colher o bem”, diz Dayanne.
Outra proposta da bancada evangélica que tem incitado discussões é o Estatuto da Família, que define a família como união entre homem e mulher. Para alguns jovens, a decisão é equivocada: “Onde existe amor, pode existir família. O amor é livre”, afirma L., 15 anos,
membro da Igreja Mundial, do pastor
Valdemiro Santiago, dissidente da igreja de Edir Macedo. “Eles não podem definir o que é família. Família é uma coisa
bem pessoal”, concorda M., também de
15 anos, membro da Igreja Batista Refúgio – que existe há sete anos em Itapecerica da Serra, São Paulo.
Essa pauta faz parte de uma luta que
a bancada evangélica e, principalmente, alguns de seus membros mais controversos, têm travado contra os direitos
dos grupos LGBT. É o caso do PL da deputada federal do Pará, Júlia Marinho,
que tem o intuito de alterar o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) para proibir a adoção de crianças por casais
do mesmo sexo.
“Desde que a criança seja cuidada, bem
tratada, possa crescer, não vejo problema nenhum”, afirma Wesley Ribeiro, 22
anos, professor de escola bíblica da Assembleia de Deus. “Tanto a Bíblia quanto
a nossa Constituição defendem primeiramente o direito à vida, o direito à família
– o que infelizmente não é um conceito-padrão no nosso país. Então temos que
nos adequar à nossa realidade”, justifica.
“Ser o líder do grupo de adolescentes
da igreja pode ser um canal de transformação. Chegaram jovens com camiseta
de rock, e meu pastor, que é novo, os acolheu e eles continuaram indo, fazem parte do louvor. [A igreja] Tá perdendo muito o preconceito”, confirma o jovem M.,
ajeitando com os dedos o moicano sobre
a cabeça.
“Essa perseguição sempre aconteceu.
Lá em Mateus 5:44 está escrito pra
gente amar nossos inimigos e orar
por quem nos persegue. Temos que
plantar o bem para colher o bem”
Em uma pesquisa conduzida pelo Datafolha em 2013, 78% dos jovens evangélicos entre 16 e 24 anos são a favor
de uma lei para punir quem ofende homossexuais, por exemplo. E 54% são
a favor da adoção de criança por casal
gay – enquanto na média geral da pesquisa, que considera todos os entrevistados com 16 anos ou mais, apenas 14%
dos não pentecostais e 22% dos pentecostais são a favor.
Mas é claro, existem muitas correntes. “A bancada evangélica é tão complexa quanto o movimento evangélico em
si. Ali não tem só um bloco de pessoas
que pensam da mesma forma e que defendem os mesmos interesses. Mas que
se unem para defender pautas que são
comuns, como a redução da maioridade
penal”, afirma o jovem evangélico Felipe
Neves, 22 anos, que tem acompanhado a
relação entre evangélicos e a política para seu trabalho de conclusão de curso da
faculdade.
Ainda na pesquisa do Datafolha, para
a pergunta “a mulher deveria ser processada e ir para a cadeia por cometer um
aborto?”, 72% dos pentecostais e 65%
dos não pentecostais dizem que sim, a
mulher deveria. No recorte jovem (entre 16 e 24), 68% também disseram sim.
Mesmo tendo a média de mulheres evangélicas que já fizeram um aborto em algum momento da vida quase equiparada
à média nacional: 13% contra 15%, respectivamente, segundo a Pesquisa Nacional do Aborto 2010, que entrevistou
mulheres entre 18 e 39 anos. (AA e TT)
(Agência Pública- www.apublica.org)
tas de cultos em busca de respostas. Fizemos uma pesquisa com mais de cem
jovens evangélicos e entrevistamos cinco deles. (Agência Pública- www.apublica.org)
ÉNóis
Encontro para o público jovem da Sara Nossa Terra discute política
Vamos falar de política?
de São Paulo (SP)
Para saber se o discurso político estava atrelado ao discurso religioso – o que,
muitas vezes, leva o fiel a votar em pastores políticos –, fomos a encontros direcionados para o público jovem. Quando
visitamos a Sara Nossa Terra – igreja da
qual o deputado e atual presidente da câmara Eduardo Cunha foi membro –, na
rua Augusta, em São Paulo, o espaço estava tomado por jovens de várias regiões
da cidade que se reúnem não só para o
culto, mas também para cursos como o
“Instituto de Vencedores”, voltado para a
formação de liderança, aperfeiçoamento
pastoral e estudo da Bíblia.
O tema da celebração dava pistas:
“Guerra é guerra: tempo de mudança, atitudes que causam impacto”. Nela, o pastor [que não aparentava ter mais
do que 30 anos] falava sobre a guerra
do “governo contra antigoverno, direita
contra esquerda”. E também trazia questões como a votação da redução da maioridade penal – para a qual poucas pessoas levantaram a mão quando indagadas
se sabiam do que se tratava. O culto acabava falando sobre a importância de respeitar as opiniões divergentes.
“A religião te ajuda a
expandir e manter um
equilíbrio, você respeita o
espaço das outras pessoas e
elas deveriam respeitar o seu
espaço. Isso é democracia”
Para Joabe Santos, bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo e pastor da Igreja Batista da Água Branca, a função de um pastor inclui a política. “Ensinamos as pessoas a se mobilizarem politicamente, torná-las engajadas com a política, não com
o partidarismo”, afirma. Joabe deseja, a
partir do próximo ano, criar um grupo de
discussão e práticas políticas. “Precisamos dar pros meninos essa possibilida-
de de discutir e praticar política. Será que
um menino de 15, 16 anos pode mobilizar
os amigos da escola para fazer um movimento em relação à redução da maioridade penal? A gente vai dar os elementos
pro cara fazer isso”, diz.
Felipe vivenciou a ligação entre política e religião de uma forma bem direta. “Em 2012, o pastor da antiga igreja que frequentava começou a apoiar a
campanha de um vereador, a divulgar
cartazes nos carros e a distribuir folhetos. Haviam também eventos na igreja
que eram patrocinados pelo candidato, que, em troca, prometia favores para a igreja”, conta. O candidato foi eleito e, no ano seguinte, quando Felipe começou seu estágio na Câmara Municipal, presenciou visitas do pastor no gabinete do político. “Na maioria das igrejas da periferia, ainda acontece do candidato aparecer, pedir votos e oferecer
algo em troca”, afirma.
“Nós expomos o que a Bíblia diz e o
que ela nos orienta, então temos que votar em pessoas que se assemelham com
nossa cultura e nosso valor, independente de qual seja o partido”, afirma Wesley,
que é a favor de que os políticos possam
abordar os fiéis dentro das igrejas como
forma de divulgar seu trabalho. Para o
professor da escola bíblica, no entanto,
a liberdade de expressão e o livre-arbítrio devem ser respeitados. “A religião te
ajuda a expandir e manter um equilíbrio,
você respeita o espaço das outras pessoas e elas deveriam respeitar o seu espaço.
Isso é democracia.” (AA e TT) (Agência
Pública- www.apublica.org)
A Énois | Inteligência Jovem existe desde 2012, mas sua história começou em 2009, na periferia da zona sul
de São Paulo, numa oficina de jornalismo para adolescentes. Foi ali que
Amanda Rahra e Nina Weingrill perceberam que o jornalismo poderia ser
ainda mais transformador dentro da
sala de aula, ao formar jovens mais críticos e engajados, que falem por eles
mesmos. Hoje, a Énois oferece cursos
presenciais e também a distância, por
meio da escoladejornalismo.org; produz conteúdo – revistas, vídeos e pesquisas – com os jovens formados; e
presta consultoria para que os próprios
estudantes possam criar seus projetos.
américa latina
de 22 a 28 de outubro de 2015
13
“Curuguaty é farsa para encobrir
criminosos e golpistas”
Leonardo Wexell Severo
ENTREVISTA Presidente
da Central Unitária de
Trabalhadores Autêntica
(CUT-A Paraguai),
Bernardo Rojas, defende
camponeses e denuncia
governo do Paraguai
Como qualificar tais práticas?
No Paraguai temos um governo absolutamente de ultradireita, reacionário e patronal. Daí a importância da
unidade das entidades sindicais, camponesas e estudantis. Contra os trabalhadores, o governo Cartes está detendo os registros sindicais – sem os quais
elas não têm reconhecimento - e atacando sua existência; não permite a livre associação dos estudantes secundaristas e universitários; reprime as organizações sociais e comunitárias; criminaliza os camponeses, como ficou claro na farsa montada em Curuguaty. Para auxiliar a articulação, integramos na
CUT-A a Federação dos Estudantes Secundaristas do Paraguai e reforçamos
o apoio aos universitários na luta contra a corrupção e em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade. Há
uma compreensão comum de que precisamos juntar todos numa concertação democrática para enfrentar o modelo neoliberal.
Leonardo Wexell Severo
de São Paulo (SP)
O PRESIDENTE da Central Unitária de
Trabalhadores Autêntica (CUT-A Paraguai), Bernardo Rojas esteve no Brasil para participar do 12° Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CONCUT), que ocorreu entre os
dias 13 e 16 de outubro de em São Paulo
(SP). Nesta entrevista ao Brasil de Fato,
ele condena o governo neoliberal de Horacio Cartes, que atua contra os salários
e os direitos dos trabalhadores, entrega o
patrimônio público e compromete o desenvolvimento do país.
Brasil de Fato – O que move o
governo de Horacio Cartes?
Bernardo Rojas – O objetivo do
governo paraguaio é a flexibilização
laboral, tendo criado várias leis que
lesionam os direitos dos trabalhadores.
Criaram a lei da privatização, que
busca alienar todos os bens do
Estado: serviços públicos, mineração,
transporte, educação, portos,
aeroportos. Fazem de tudo com o
propósito de entregar ao capital
transnacional o que é de todos, num
ataque frontal aos salários, direitos,
à seguridade social, à jornada de
oito horas... Depois criaram a lei do
Primeiro Emprego, que segundo eles
beneficiaria os jovens. Na prática,
colocam a juventude no mercado de
trabalho sem direito ao salário mínimo,
seguro social, férias e décimo terceiro
salário. É uma precarização em forma
legal. Completo neoliberalismo.
Fazem um ataque frontal aos
direitos por todas as frentes...
A lei da Micro, Pequena e Média Empresa é outra novidade contra o código do trabalho, com benefícios fiscais a
grandes empreendimentos que mascaram seu tamanho subdividindo-se em
várias empresas. Como a lei paraguaia
impede que o Sindicato represente o conjunto da categoria profissional e obriga a
que tenha um mínimo de 20 trabalhadores em sua base, transnacionais como a
JBS Friboi usam este artifício para impedir a constituição de entidades. Além
sucessivamente. Sempre há mais de dois.
Para completar, tentam matar as entidades representativas à força da repressão
existente.
Bernardo Rojas, presidente da CUT-A Paraguai
disso, mesmo quando fazemos reuniões
clandestinas para preparar a organização do Sindicato, infiltram dedos –duros
e, antes mesmo de protocolarmos a formação da entidade, despedem seus líderes. A JBS Friboi já fez isso no Paraguai.
Que outras armações legais o
governo tem utilizado?
A Lei da “Maquila” proíbe abertamente a sindicalização. Assim, o patrão impõe o quanto o trabalhador vai ganhar,
qual a jornada, sempre abrindo mão da
contratação coletiva e de todo e qualquer direito. A lei da Adequação Fiscal
pretende eliminar o salário mínimo, os
contratos coletivos, entre outros benefícios, especialmente no setor público.
Essa política de flexibilização é para que
todas as “negociações” fiquem restritas
a patrões e trabalhadores, com a mão de
obra fragilizada diante do “é pegar ou
largar”. Desta forma, o empresário faz o
que quer e como quer, avançando para a
precarização total das relações de trabalho. Isso tem levado a um enorme grau
de desespero e impotência, chegando ao
cúmulo de termos companheiros se crucificando, como é o caso dos trabalhadores do transporte, indo ao extremo de
atentar contra sua própria vida. Obviamente não recomendamos nem estimulamos tais práticas, mas são compreensíveis pelo grau de deterioração das próprias condições de vida. Em resposta a
estes e outros abusos, os trabalhadores
do transporte realizarão uma greve geral nos próximos dias 2 e 3 de novembro, em que além do reconhecimento
sindical e da melhoria das condições de
trabalho, exigirão um preço justo para o
valor das passagens.
“O objetivo do governo
paraguaio é a flexibilização
laboral, tendo criado várias leis
que lesionam os direitos dos
trabalhadores. Criaram a lei da
privatização, que busca alienar
todos os bens do Estado”
Há empresas em que o patrão
chega a pagar para que se
formem entidades sindicais que
irão fazer o seu jogo, abrindo
mão de salários e direitos.
Se com 20 trabalhadores podes formar
Sindicato, numa empresa com 100 podes
formar cinco entidades. Assim, o patrão
paga para formar um sindicato que divida a categoria. Há instituições públicas
em que a divisão é profunda. No porto de
Assunção há dez sindicatos; no Instituto
de Previsão Social (IPS) são 16; na Indústria Nacional de Cimentos são 11 e assim
Unidade é a palavra de ordem?
Todos estão se dando conta de que
separados somos nada e juntos somos tudo. Daí a importância de nuclear todos os setores para lutar unitariamente, já que o governo age para fragmentar a oposição. Na luta pela recuperação e acesso à terra temos um refrão: “Camponeses sem terra e terras
sem camponeses”. Os grandes latifundiários e sojeiros falam que são “invasões”. Nós respondemos que são ocupações, pois a terra pertence aos camponeses. Curuguaty mostra o que é este
modelo de exclusão e concentração que
o governo quer perpetuar. Não houve
enfrentamento, mas um teatro. Houve
uma provocação armada para matar 11
camponeses e transformar seis policiais
em heróis. A informação é que os tiros
vieram de cima, do helicóptero. Primeiro atiraram nos policiais para que a tropa reagisse. O objetivo central foi conseguido: a destituição de Lugo. Um golpe. A operação foi montada para desacreditar os camponeses, para evitar que
lutassem para a recuperação das suas
terras. Inocentes, os camponeses estão
pagando por um crime que não cometeram, ao mesmo tempo em que não há
um único policial encarcerado. Por isso acompanhamos o processo de Curuguaty, que denunciamos ser sumamente injusto, bem como apoiamos a luta
dos camponeses, que é de toda a sociedade. Exigimos uma investigação real,
para que os verdadeiros responsáveis
pelo crime sejam punidos.
ÁFRICA
“Derrotaremos a sangrenta e ilegal ocupação
da República Saharauí pelo Marrocos”
ENTREVISTA
Mohamed Zrug,
da Frente Polisário,
agradece a solidariedade
do povo brasileiro
Leonardo Wexell Severo
de São Paulo (SP)
COM PRISÕES, assassinatos e desaparecimentos forçados, o reinado do Marrocos impõe sobre a República Saharauí
o último caso de colonialismo da África.
Para garantir a segregação, um muro de
2.725 quilômetros, ladeado por cinco milhões de minas e 150 mil soldados.
Representante da Frente Polisário no
Brasil – organização que luta pela independência do povo saharauí – e que também participou do 12° Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores
(CONCUT), ocorrido entre os dias 13 e
16 de outubro, em São Paulo (SP), Mohamed Zrug sublinha a importância do
apoio brasileiro para a libertação de sua
pátria da dominação estrangeira.
Como se encontra a luta pelo
reconhecimento da República
Saharauí?
Mohamed Zrug – Em setembro do
ano passado, a Câmara dos Deputados
votou e aprovou uma indicação pedin-
do à presidenta Dilma o reconhecimento da República Saharauí nos mesmos
termos do que já feito à Palestina. Parlamentares de todos os partidos tomaram
uma posição unitária e isso é importantíssimo. Infelizmente, o lobby marroquino é muito forte e ainda não houve
resposta, mas temos a confiança de que
a posição será tomada em consonância
com a expressa pela União Africana, que
expulsou o Marrocos em 1984 por invadir a República Saharauí. O reconhecimento também está de acordo ao manifestado pela imensa maioria dos países da América Latina. O posicionamento do Brasil será um aporte substancial
para desobstruir o processo de paz, pois
sem uma pressão internacional o reinado do Marrocos continuará se impondo.
O apoio do governo brasileiro
está sendo bastante aguardado.
A história do Brasil é marcada por
manter uma relação equilibrada com todos, portanto não há justificativa de que
mantenha contato com apenas uma das
partes. O reconhecimento da República
Saharauí fortalecerá o intercâmbio cultural e a cooperação internacional nos mais
diversos terrenos. Acredito que, neste
momento histórico, a decisão da presidente Dilma pelo reconhecimento será
muito bem recebida pela sociedade brasileira e internacional. Para isso, o apoio
da CUT é fundamental.
Qual a dimensão da ocupação
marroquina?
O Marrocos ocupa quase 70% do território saharauí, com um muro de 2.725
quilômetros, cinco milhões de minas, radares, artilharia pesada e 150 mil soldados. Com isso assaltam nossas jazidas e
as vendem ilegalmente às empresas estrangeiras, enquanto mantém famílias
separadas por mais de 40 anos. O muro
da ocupação serve para espoliar basicamente o pescado e o fosfato e, mais recentemente, para favorecer as transnacionais do petróleo e do gás. O mais lamentável é que isso se produz agora mediante os olhos da ONU. A delegação das
Nações Unidas chegou em 1991 para fazer o Referendo de Autonomia e acabou
se transformando em testemunha cega,
surda e muda da ocupação ilegal, da espoliação do nosso povo. São anos de tortura, desaparecimento e prisões.
“O muro da ocupação serve para espoliar
basicamente o pescado e o fosfato e,
mais recentemente, para favorecer as
transnacionais do petróleo e do gás”
Há companheiros inclusive
condenados à prisão perpétua.
Somente no último ano são mais de
50 presos políticos nos cárceres do Marrocos, 25 à prisão perpétua e a 25 e 30
anos de prisão por defenderem o direito
à soberania e à liberdade. Esta realidade
não pode continuar, daí a importância da
presença dos observadores internacionais, das delegações sindicais.
Uma delegação da Confederação
Sindical Internacional (CSI)
foi proibida recentemente pelo
governo do Marrocos de fazer
uma visita de solidariedade.
Como aconteceu?
A delegação da CSI visitaria a República Saharauí e os territórios ocupados
do Sahara Ocidental para nos ajudar a
romper o cerco e exigir o nosso direito à autodeterminação, mas foi impedida pelo Marrocos. Este é o momento de
perguntar se foi isso o que queria a ONU
quando se transformou em guarda-chuva do colonialismo. Estamos mobilizando representantes de todos os países, e
o Brasil também tem responsabilidade para mudar a situação atual, porque
possui 11 oficiais na delegação das Nações Unidas. A visita servirá para uma
maior aproximação, para que todos vejam com seus próximos olhos a realidade da ocupação, que já dura 40 anos,
que deixa dezenas de milhares de pessoas refugiadas sem acesso à água e luz. É
importante que vejam a resistência digna, que ouçam a organização sindical,
as mulheres e jovens que lutam por sua
emancipação, que dialoguem com o Alto Comissariado dos Refugiados. A partir desta presença, tenho a convicção, se
pode levantar uma ampla campanha de
denúncia contra este que é o último caso de colonialismo na África.
14
MOSTRA SP 2015
CINEMA
Festival paulistano
apresenta amplo painel do
cinema contemporâneo,
sem esquecer os grandes
filmes do passado.
Esta Edição, de número 39,
também presta
tributo a Ermano Olmi,
Patrício Guzmán e
José Mojica Marins. E
lembra o centenário de
Mario Monicelli
Maria do Rosário Caetano
de São Paulo (SP)
A MOSTRA INTERNACIONAL de Cinema de São Paulo chega à sua 39ª edição
ofertando ao público 311 filmes oriundos
de 62 países. E o faz de olho no presente, com o melhor da produção mundial, e
no passado, com mostra de clássicos restaurados pela The Film Foundation, instituição criada há 25 anos pelo cineasta
Martin Scorsese.
Durante catorze dias – de 22 de outubro, quando será exibido o mais novo
filme de Hector Babenco, “Meu Amigo
Hindu”, a 4 de novembro, quando serão
entregues os troféus Bandeira Paulista e apresentado o filme espanhol “Um
Dia Perfeito”, de Fernando León Aranoa
– o público poderá escolher alguns dos
22 cinemas (auditórios ou espaços livres) do centro ou da periferia paulistana. Neles, acontecerão projeções de longas e curtas-metragens, alguns deles seguidos de debate ou concertos sinfônicos, que se somarão a laboratório de roteiros, encontro de coprodução entre o
Brasil e os Países Nórdicos, depoimentos para a série “Os Filmes da Minha Vida”, lançamento de livros e tributos a
grandes nomes do cinema.
A Mostra SP, este ano, prestará homenagens aos cineastas Ermano Olmi,
da Itália, e Patrício Guzmán, do Chile
(distinguidos com o Prêmio Humanidade), ao norte-americano Martin Scorsese e sua Fundação (ele, que está filmando seu novo longa, “Silence”, não poderá
comparecer), e ao cineasta José Mojica
Marins, o Zé do Caixão, agraciado com
o Troféu Leon Cakoff por sua contribuição ao cinema de terror brasileiro e por
seus 80 anos.
Um filme paulistano – “Tudo Que
Aprendemos Juntos”, de Sérgio Machado – marcará o congraçamento entre o centro e a periferia. Ele será exibido na sofisticada Sala São Paulo (dia
3/11), no centro antigo, e em Heliópolis
(dia 7, quando a Mostra estará em fase
de “repescagem” de títulos especiais).
Nas duas sessões, haverá apresentação
da Orquestra Sinfônica de Heliópolis,
que, afinal, faz parte da trama estrelada por Lázaro Ramos. O ator baiano interpreta um músico que, reprovado nu-
ma audição da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de SP), busca saída profissional e torna-se professor de adolescentes problemáticos da periferia.
25 títulos restaurados
A homenagem à The Film Foundation
contará com a exibição de 25 títulos restaurados por esta instituição, um para
cada um dos seus 25 anos. Atuando em
parceria com cinematecas e estúdios de
várias partes do mundo, a instituição já
restaurou mais de 700 filmes disponibilizados ao público em festivais, mostras,
museus e instituições de ensino.
Nunca é demais lembrar que Scorsese, um ítalo-americano, tornou-se um
missionário da preservação de filmes
que tiveram o nitrato ou o celulóide como suporte. Há que se lembrar, inclusive, que dois de seus projetos reconstituem a cinematografia norte-americana (“Uma Jornada Pessoal de Scorsese Através do Cinema Americano”,
1995) e a italiana (“Minha Viagem à Itália”, 1996). A fundação também criou
o World Cinema Project, que ajudou a
restaurar 25 filmes de 19 países diferentes que estavam em situação precária –
incluindo o brasileiro “Limite”, de Mario Peixoto. Este filme, aliás, unirá, num
debate na Cinemateca Brasileira, a estadunidense Margaret Bodde e o brasileiro Walter Salles.
Safra ibero-americana
Colômbia e Venezuela ganham espaço nobre na festa paulistana
Divulgação
O ator Lázaro Ramos em cena do filme paulistano “Tudo Que Aprendemos Juntos”, de Sérgio Machado
A sessão do filme “Meu Único Amor” (dia 31 de outubro, às
20h) será acompanhada ao vivo pela Orquestra Sinfônica de
Heliópolis, regida pelo maestro David Michael Frank
A Film Foundation produz, também,
programa educativo, o “The Story of
Movies”, que disponibiliza filmes clássicos para escolas dos EUA, acompanhados de livros didáticos e temáticos
para uso de professores e alunos.
A homenagem da Mostra à Fundação presidida por Martin Scorsese –
lembra a Renata Almeida, diretora geral do festival paulistano – “é inédita
no mundo. Ao invés de promovermos
uma retrospectiva de filmes de Scorsese, um diretor que amamos, mas que é
muito conhecido do público e tem suas realizações disponibilizadas em várias mídias, resolvemos homenagear
uma vertente do trabalho dele, a que
se liga à memória do cinema”. Por isto
– acrescenta – “um título da era muda, restaurado pela Film Foundation
– ‘Meu Único Amor’, com Mary Pickford – será a atração de nossa já clássica exibição ao ar livre no Parque Ibirapuera”. E mais: “tivemos a alegria de
contar com desenhos de story-board
de ‘Silence’, longa ao qual Scorsese se
dedica neste momento, como matéria-prima de nosso cartaz e da vinheta da
Mostra”.
A sessão do filme “Meu Único Amor”
(dia 31 de outubro, às 20h) será acompanhada ao vivo pela Orquestra Sinfônica de Heliópolis, regida pelo maestro
David Michael Frank.
Foco Brasil
Representação do país
reúne 55 filmes novos,
onze clássicos e três
curtas. Um dos filmes,
“Chico, um artista
brasileiro”, refaz a trajetória
artística do autor de
“Construção”. O curta “Dá
Licença de Contar” recria
momentos da vida de
Adoniram Barbosa e seus
“amigos” Joca, Matogrosso
e Iracema
de São Paulo (SP)
A representação brasileira é das mais
significativas na Mostra SP. Inscreveram-se 146 filmes novos (55 foram selecionados). A eles foram acrescidos 11 títulos do núcleo histórico, que vai de “Limite”, de Mário Peixoto, à trilogia de
terror de José Mojica Marins. O cineasta octogenário vai deixar a cama (anda
adoentado) para receber, no vão livre do
Masp, o Troféu Leon Cakoff. No mesmo
local, o público assistirá a dois de seus
clássicos terroríficos, “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” (1964) e “Esta Noite Encarnarei em Teu Cadáver” (1967). Já o
fecho da Trilogia de Zé do Caixão – “A
Encarnação do Demônio” (2008) – será exibido em ambiente fechado. Renata
Almeida esclarece que o filme que trouxe
Mojica e Zé do Caixão de volta ao longa-metragem “contém cenas que não recomendam sua exibição ao ar livre, em espaço público”.
A homenagem a Mojica se completará
com a exibição de dois episódios da série
que reconstitui sua vida, dedicada por
inteiro ao horror nacional: “Zé do Caixão”, dirigida por Victor Mafra, e protagonizada pelo craque Matheus Nachtergaele. O ator deve entregar o Trofeu Leon Cakoff ao retratado.
Um média-metragem (“Making off de
Meu Amigo Hindu”) dirigido pela atriz
Bárbara Paz (sobre os bastidores das filmagens do novo longa de Babenco) e
dois curtas – “Dá Licença de Contar”, de
Pedro Serrano, sobre Adoniram Barbosa
e personagens de suas músicas, e “Mar
de Fogo”, de Joel Pizzini, sobre Mário
Peixoto e seu “Limite” – completam a
programação.
Todos os gostos
O público poderá desfrutar de filmes
para todos os gostos e gêneros. A começar pelo documentário “Chico, um artista brasileiro”, de Miguel Faria Jr, sobre
seu grande amigo, o compositor e escritor Francisco Buarque de Hollanda. Claro que os ingressos para esta sessão se-
rão poucos e disputadíssimos. Outro
Chico está no título de uma atração do
Festival: “Cinco Vezes Chico”. Só que este filme, composto de episódios, tem um
rio, o São Francisco, como fonte de inspiração. Para dirigi-lo, foram convocados Gustavo Spolidoro (RS), Camilo Cavalcanti (PE), Ana Riper, Eduardo Goldstein e Eduardo Nunes (os três do Rio).
Do sul, chegam dois filmes que merecem conferência: “Para Minha Amada Morta”, do baiano-paranaense Aly
Muritiba, com trinca de atores da pesada (Fernando Alves Pinto, Mayana Neiva e Lourinelson Vladmir), e “Ponto Zero”, do gaúcho José Pedro Goulart, parceiro de Jorge Furtado no ótimo curta “O
Dia em Que Dorival Encarou a Guarda”
(1986).
Do Festival do Rio chegam os premiados “Boi Neon”, do pernambucano Gabriel Mascaro (com Maeve Jinkings e
Juliano Cazarré), “Aspirantes”, de Ives
Rosenfeld (protagonizado por jovem
ator de muito talento, o cearense Ariclenes Barroso) e “Mate-Me Por Favor”, de
Anita Rocha da Silveira, filiado ao terror
metafísico que vem impregnando a nova produção autoral brasileira. Ainda do
festival carioca chegam “Nise – O Coração da Loucura”, sobre a doutora Nise
da Silveira, psiquiatra alagoana que revolucionou o tratamento de alienados do
Museu do Engenho de Dentro, “Califórnia”, de Marina Person, e “Campo Grande”, de Sandra Kogut.
Entre a produção de realizadores veteranos, destacam-se “Quase Memó-
ria”, recriação de Ruy Guerra para o romance memorialístico de Carlos Heitor Cony, “Através da Sombra”, de Walter Lima Jr (autor do clássico “Menino
de Engenho”) e mais um experimento da
atriz Helena Ignez (“O Padre e a Moça”,
“O Bandido da Luz Vermelha”) na direção, “Ralé”.
Uma cineasta – a documentarista Maria Augusta Ramos – participa do Festival com dois longas-metragens: “Futuro
Junho”, sobre as manifestações anti-Copa (que lhe rendeu o Trofeu Redentor
de melhor direção no Festival do Rio), e
“Seca”. O vencedor da categoria melhor
documentário no mesmo festival carioca, “Olmo e Gaivota” também será mostrado em São Paulo. O filme traz as assinaturas da brasileira Petra Costa e da dinamarquesa Lea Gob. (MRC)
SERVIÇO
MOSTRA SP 2015 – Edição 39 – De 22 de
outubro a 4 de novembro, em 22 salas paulistanas. Haverá itinerância em Campinas (de 26
a 31 de outubro, no Auditório Umuarama, com
sessões diárias às 19h00 e 21h00), Campos do
Jordão (5 a 8 de novembro), Rio de Janeiro (5
a 11 de novembro). Depois, virá a Itinerância
Sesc, que levará seleção de filmes da Mostra
a suas unidades no litoral e interior paulistas
(Araraquara, Bauru, Campinas, Piracicaba,
Ribeirão Preto, Santos, São Carlos, S. José dos
Campos e Sorocaba), ao longo do mês de novembro e até 17 de dezembro. (MRC)
A Mostra em flashes
Eisenstein no México – Todos sabem que o grande cineasta soviético Sergei Eisenstein (1898-1948) realizou um
filme no México. Um filme inacabado,
que só ganhou versão póstuma, montada
por seu colaborador, Grigori Alexandrov,
nos anos de 1970 (“Que Viva México!”).
Que o cineasta era bissexual (ou homossexual) também não constitui novidade. Quem leu o livro Glauber Rocha –
Cartas ao Mundo, organizado por Ivana
Bentes, deparou-se com missiva do cineasta baiano, escrita quando de sua visita
ao Museu Eisenstein de Moscou, na qual
fala abertamente do assunto. O casamento do maior nome da história do cinema
soviético com Pera Atacheva serviu mais
para aproximar um gênio de uma grande amiga e defensora-difusora de sua arte. O cineasta britânico Peter Greenaway,
um dos grandes admiradores do diretor
de “Encouraçado Potenkin” e “Ivan, o
Terrível”, resolveu dedicar um filme inteiro a história de amor que teria unido o
soviético a um jovem mexicano. O filme
– “Eisenstein em Guanajuato” – é uma
das atrações da Mostra SP.
rar a Mostra, no CineSesc, com o filme
dominicano “Dólares de Areia”, por ela
protagonizado. Sua passagem foi rápida.
Mas este ano ela volta com tempo. Passará largos dias por aqui. Afinal, vai presidir o juri da Mostra Novos Diretores
(filmes de realizadores de até três longas-metragens). Vai, também, dar depoimento (aberto ao público) sobre os
filmes que marcaram sua memória afetiva. A atriz, que foi mulher do espanhol
Carlos Saura, pai de sua primeira filha,
e que depois casou-se com o chileno Patricio Castillla (pai de sua segunda filha),
será vista, também, no filme “Eu e Kaminski”, do alemão Wolfgang Becker, o
mesmo do cultuadíssimo “Adeus Lênin”.
Este filme, nunca é demais lembrar, vendeu 6 milhões de ingressos na Alemanha unificada, e foi comercializado para 66 países. No Brasil, tornou-se um
cult. O protagonista do novo filme de Becker, diretor do melhor episódio do longa “Bem-Vindo a São Paulo” (produção
de Leon Cakoff), é mais uma vez o ator
Daniel Brühl, astro germânico de origem
espanhola. O filme gira em torno do pintor cego Manuel Kaminski e de seu biógrafo. Geraldine interpreta um amor do
passado de Kaminski.
Geraldine Chaplin e Wolfgang
Becker – Ano passado, a atriz Geraldine Chaplin veio a São Paulo para encer-
Safra Oscar – O festival paulistano vai mostrar doze dos 81 longas-metragens pré-indicados ao Oscar de me-
de São Paulo (SP)
15
cultura
de 22 a 28 de outubro de 2015
lhor filme estrangeiro. Inclusive o húngaro “O Filho de Saul”, de Lázlo Nemes,
a grande pedra no sapato de nosso pré-candidato, “Que Horas Ela Volta?”, de
Anna Muylaert. Além de prêmios em
festivais importantes como Cannes, este longa do leste europeu aborda um dos
temas preferidos dos mais de cinco mil
votantes da Academia de Hollywood: a
perseguição aos judeus. Além de “Saul”,
foram escalados, pela Mostra, os filmes “Ixcanul, o Vulcão”, da Guatemala,
“Guerra”, da Dinamarca, “O Esgrimista”, da Finlândia, “Aferim”, da Romênia, “O Abraço da Serpente”, da Colômbia, “Pai”, do Kosovo, “Lo Que Lleva el
Río”, da Venezuela, “The Paradise Suite”, da Holanda, “A Ovelha Negra”, da
Islândia, “O Verão de Sangaile”, da Lituânia, e o monumental “As Mil e Uma
Noites”, de Portugal.
Prêmio Humanidade para Olmi
e Guzmán – O Prêmio Humanidade,
uma das tradições da Mostra SP, será
este ano entregue a dois grandes cineastas, dedicados ambos à criação de filmes que somam invenção artística e temáticas humanísticas: o italiano Ermano Olmi, de 84 anos, e o chileno Patricio Guzmán, de 74. O festival paulistano
exibirá os filmes mais recentes dos dois
diretores. De Olmi, que Cannes consagrou com a Palma de Ouro, em 1978,
pelo belo “A Árvore dos Tamancos”, os
paulistanos assistirão à ficção “Os Campos Voltarão”, ambientado no altiplano
nevado durante a primeira guerra mundial. De Guzmán, autor da monumental “Batalha do Chile” e do arrebatador
“Nostalgia da Luz”, será exibido o documentário “O Botão de Pérola”. Olmi, pela idade avançada, não virá a São Paulo, mas Guzmán, que vive entre Paris e
Santiago, pode vir buscar sua láurea.
Centenário de Monicelli – Se vivo
fosse, Mario Monicelli, autor do clássico dos clássicos cineclubistas – “Os
Companheiros” (com Marcelo Mastroianni, 1963) – estaria comemorando cem anos. Mas, impaciente, preferiu abreviar sua vida, saltando da janela de um hospital. Contava bem vividos 95 anos. A Mostra SP, que editou
em parceria com a Cosac Naify, livro no
qual Monicelli ocupa espaço nobre (Cinema Político Italiano – Anos 60 e 70,
organizado por Angela Prudenzi & Elisa Resegotti/2006), homenageia agora o mestre da comédia social italiana
com a exibição de cinco de seus 50 filmes. Dois deles integram qualquer lista
de melhores títulos da comédia peninsular (aquela com alto teor dramático):
“A Grande Guerra” (1959), e “Os Eternos Desconhecidos” (1958). Há duas
joias a serem descobertas: “Filhas do
Desejo” (1950) e “Ladrão Apaixonado”
(1960). E, para completar, “Casanova
70” (1965), protagonizado por Marcello
Mastroiani e Virna Lisi. O diretor de “O
Incrível Exército de Brancaleone” merece todas as láureas.
BR Lab, Dia Britânico e Foco
Nórdico – A SPCine, empresa paulistana de cinema que soma esforços dos
governos municipal, estadual e federal,
vai promover, além de sessão de “Tudo Que Aprendemos Juntos”, de Sérgio Machado, em Heliópolis, o BR Lab,
um laboratório de aperfeiçoamento de
roteiros, destinados a profissionais do
audiovisual. A Inglaterra, além de mostrar cinco longas no British Day, promoverá debate com Isabel Davis, representante do BFI (British Film Institute), tendo produtores brasileiros como interlocutores. E, dando sequência à tradição de homenagear regiões
com importante contribuição ao cinema planetário, a Mostra, apresenta, este ano, o Foco Nórdico. Um grupo de
cinco países (Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia e Islândia), onde fizeram carreira cineastas da grandeza de
Dreyer e Bergman, serão representados
por 60 filmes, entre eles o islandês “A
Ovelha Negra”, premiado em Cannes, e
o dinamarquês “Pardais”, premiado em
San Sebastián. (MRC)
de São Paulo (SP)
Quem imaginaria que os mais aguardados filmes da safra latino-americana deste ano, na Mostra SP, teriam nacionalidade venezuelana e colombiana?
Pois isto é fato.
A Venezuela, pela primeira vez em sua
história, conquistou o Leão de Ouro, em
Veneza, com “Desde Allá”, de Lorenzo
Vigas. E a Colômbia ganhou três importante prêmios em Cannes. Seu carro-chefe no festival paulistano é o belo e silencioso “A Terra e a Sombra”, de César Augusto Acevedo. Os dois diretores estarão
em São Paulo para mostrar seus filmes.
As mais poderosas cinematografias
da América Hispânica (a argentina e a
mexicana) dividirão, desta vez, espaço
menos badalado com o Chile. Um dos
títulos deste país que merece conferência é “A Mulher de Barro”, de Sérgio
San Martin, protagonizada por Catalina Saavedra. Esta atriz de pouca beleza
e muito talento, figura ao lado de Paulina García (“Glória”) como nome de
ponta da produção chilena que tem circulado por festivais internacionais. Isto desde que “A Criada”, que ela protagonizou e que Sebastián Silva dirigiu,
ganhou significativa repercussão. E, do
Chile, chega “O Botão de Pérola”, novo filme do grande documentarista Patricio Guzmán, cujo roteiro foi laureado em Berlim.
A América Hispânica participa da
Mostra SP com um total de 25 filmes.
O mais esperado, claro, é o venezuelano
“Desde Allá”, drama social protagoniza-
do por jovem delinquente, que envolve-se com um homem mais velho. Trata-se de “ópera prima” (filme de diretor
estreante), o que só faz aumentar o interesse por este filme oriundo de país de
reduzida presença em festivais da grandeza de Cannes, Veneza e Berlim.
Além do colombiano “A Terra e a
Sombra”, filme de imensa beleza plástica, significativo conteúdo social e muitos silêncios, recomenda-se “O Abraço da Serpente”, de Ciro Guerra, vencedor de prêmio na Quinzena dos Realizadores, em Cannes, e pre-indicado
a uma vaga no Oscar de melhor longa
estrangeiro. O filme, um épico amazônico, mostra o encontro “que transcende a vida” entre Karamakate, um xamã e último sobrevivente de sua tribo,
e dois cientistas (Koch-Grunberg e Richard Schultes) que buscam planta sagrada capaz de curar doenças, na selva
colombiana.
A Colômbia marca presença, também,
com “Alias María”, de José Luis Rugeles,
que mergulha nas entranhas da guerrilha que perturbou a vida do país nos últimos 50 anos, e com “Siembra”, de Santiago Losano.
Oscar da Venezuela
Para o Oscar, a Venezuela indicou um
drama histórico sobre contato entre populações indígenas e missões religiosas:
“Lo Que Leva el Rio”. O filme centra-se
na nativa Dauna, da tribo Warao, e em
seu relacionamento com o marido índio
e um missionário católico.
O Peru se faz representar pelo primeiro longa-metragem dirigido pelo ator
Salvador del Solar, “Magallanes”. Salvador, nunca é demais lembrar, protagonizou, com Angie Cepeda, a deliciosa
adaptação que Francisco Lombardi realizou de “Pantaleão e as Visitadoras”.
Como o badalado “O Clã”, que rendeu a Pablo Trapero o prêmio de melhor diretor em Veneza, não participará da Mostra SP (foi o convidado da noite de premiação do festival do Rio), o filme argentino mais aguardado este ano é
“Paulina”, de Santiago Mitre, coproduzido por Walter Salles.
O Peru se faz representar
pelo primeiro longametragem dirigido pelo
ator Salvador del Solar,
“Magallanes”
Do México, o título mais comentado é
“Chronic”, do polêmico Michel Franco,
que teve seu roteiro laureado em Cannes. A Guatemala, por sua vez, chega
com o título mais festejado de sua história: Ixcanul (O Vulcão), de Jairo Bustamante. Este filme causou sensação
em Berlim, que lhe atribuiu o prêmio
de “ópera prima” (melhor filme de diretor estreante). Ixcanul continuou colecionando trofeus por onde passou (prêmio máximo em Guadalajara, no México, Cartagena, na Colômbia, e Cinema
das Fronteira, na Itália). (MRC)
As Mil e Uma Noites em seis horas
de São Paulo (SP)
Portugal tem representação de peso
na Mostra SP. De Manoel de Oliveira
(1908-2015), nos chega “Visita ou Memórias e Confissões” (1982), conhecido como seu “filme secreto” ou documentário-testamento. Realizado há
mais de 30 anos, o longa de 73 minutos (há versão com 52’) foi depositado
na Cinemateca Portuguesa, sob a recomendação de que só fosse exibido após
a morte do cineasta. Renata Almeida
confessou aos jornalistas que imaginava tratar-se de “um filme inexistente,
algo inventado para divertir os amigos”. Ficou feliz ao ver que “Memórias e Confissões” existe, sim, e mais
feliz ainda em poder exibi-lo na Mostra, que teve Manoel como um de seus
mais fiéis amigos.
Outra grande atração portuguesa –
“Mil e Uma Noites” – traz a assinatura de Miguel Gomes, autor do excelente
“Tabu” (2012). Trata-se de alentada trilogia que dialoga, com imensa liberdade,
com as “Mil e Uma Noites”, clássico da
literatura árabe e universal. As narrativas engendradas por Sherazade para livrar-se da morte foram filmadas infinitas vezes pelo cinema hollywoodiano. E
também por Pasolini, no terceiro e último filme de sua Trilogia da Vida (As Mil
e Uma Noites, 1974).
Miguel Gomes leu as narrativas árabes e as recriou à sua maneira. Para tanto, consumiu seis horas com relatos encenados ou documentais que evocam o
mundo de Sherazade, mas também – e
principalmente – a realidade de seu país,
Portugal, no período em que enfrentou
grave (e recente) crise econômica. Exibido na Quinzena de Realizadores, em
Cannes, o filme causou furor. Já lançado
em Portugal, em três volumes (1. O Inquieto, 2. O Desolado e 3. O Encantado),
foi visto por 50 mil espectadores.
Os brasileiros vão gostar de ver o relevo dado, por Miguel, à nossa música.
Os Novos Baianos cantam “Samba da
Minha Terra”, de Dorival Caymmi, Tim
Maia nos encanta com “Que Beleza” e
Ney Matogrosso com “Fala” (usada magistralmente por Camilo Cavalcante em
seu “História da Eternidade”). Um bolero hispânico (“Perfídia”) empresta ao filme seu hipnotizante leit-motif.
Outro título lusitano que dialoga com
o Brasil é “Estive em Lisboa e Lembrei
de Você”, de José Barahona, baseado em
livro homônimo do escritor mineiro, de
Cataguases, Luiz Ruffato. Os dois – diretor e romancista – se somarão ao ator
Paulo Azevedo para debater o filme com
o público da Mostra SP, dia 25. (MRC)
Raridades de Celulose: Edward Yang,
Ousmane Sembene e Shadi Abdel Salam
de São Paulo (SP)
O núcleo histórico da Mostra SP conta com uma face brasileira (Dia do Patrimônio Audiovisual) e uma internacional (exibição de 25 títulos da retrospectiva The Film Foundation).
Em parceria com a Mostra, a Cinemateca Brasileira exibirá cinco filmes recém-restaurados: “Esse Mundo é Meu”,
de Sérgio Ricardo (1963), “O Bravo Guerreiro”, de Gustavo Dahl (1968), “Brasil Ano 2000”, de Walter Lima Jr
(1968), “As Cariocas”, de Walter Hugo Khouri, Roberto Santos e Fernando de Barros (1966) e “A Opção ou As Rosas da Estrada”, de Ozualdo Candeias (1981) .
Entre os 25 títulos selecionados pela Fundação mantida por Martin Scorsese e parceiros, há produções norte-americanas, europeias e asiáticas. Sete delas devem ser priorizadas, pois são raríssimas.
Da China insular (Taiwan), chega “Um Dia Quente de Verão”, de Edward Yang. O autor do belíssimo “Yi Yi” (“As
Coisas Simples da Vida”/2000) morreu cedo (aos 59 anos) e de forma inesperada, pois encontrava-se no auge de
seu ciclo criativo. Nascido em Xangai, em novembro de 1947, ele radicou-se em Taipei, capital de Taiwan, e morreu
na Califórnia, em junho de 2007. Os cinéfilos brasileiros ainda estavam em estado de graça com a exibição de “Yi
Yi” em nosso circuito de arte, quando ele se foi. Agora, surge a oportunidade de assistirmos ao seu sexto longa-metragem, realizado em 1991 (ele só deixou nove filmes).
As outras raridades da retrospectiva chancelada por Scorsese são o senegalês “Garota Negra” (1966), de Ousmane Sembene, o marroquino “Transes” (1981), de Ahmed El Maanouim, os egípcios “O Camponês Eloquente” (1969)
e “A Múmia – A Noite da Passagem dos Anos” (1969), ambos de Shadi Abdel Salam, o iraniano “Aguaceiro” (1972),
de Bahram Beizai, o filipino “Manila nas Garras da Luz” (1975), de Lino Brocka, e o armênio-soviético “A Cor da
Romã” (URSS, 1969), de Sergei Parajanov.
Do patrono da retrospectiva, será exibido “O Rei da Comédia” (EUA, 1982), protagonizado por Jerry Lewis e Robert de Niro.
A lista do importante núcleo histórico da Mostra SP complementa-se com:
• Rashomon (Japão, 1950), de Akira Kurosawa
• Rocco e Seus Irmãos (Itália, 1960), de Luchino Visconti
• O Bandido Giuliano (Salvatore Giuliano, Itália, 1962), de Francesco Rosi
• Limite (Brasil, 1931), de Mário Peixoto
• Meu Único Amor (My Best Girl, EUA, 1927), de Sam Taylor
• O Inquilino (The Lodger – A Story of the London Fog, Inglaterra- 1927), de Alfred Hitchcock
• Vida e Morte de Coronel Blimp (Inglaterra, 1943), de Powell & Pressburger
• O Show Deve Continuar (All That Jazz, EUA, 1979), de Bob Fosse
• Bom Dia, Tristeza (Bonjour Tristesse, EUA, 1958), de Otto Premimger
• Como Era Verde Meu Vale (EUA, 1941), de John Ford
• Eraserhead (Canadá-EUA1977), de David Lynch
• Juventude Transviada (EUA, 1955), de Nicholas Ray
• Sindicato de Ladrões (On the Waterfront, EUA, 1954), de Elia Kazan
• Um Caminho Para Dois (EUA, 1967), de Stanley Donen
• Aconteceu Naquela Noite (EUA, 1934), de Frank Capra. (MRC)
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de 22 a 28 de outubro de 2015
cultura
As TVs brasileiras
e o estímulo à violência
Bob May/CC
A BARBÁRIE NO AR
O fato de se apresentarem
como “jornalísticos” faz
com que alguns programas
escapem da classificação
indicativa, oferecendo
às crianças e jovens um
festival de ódio e violência
Laurindo Lalo Leal Filho
SÃO EXATAMENTE 1936 violações de
direitos cometidas em um mês no rádio e
na TV, por apenas 30 programas. Os autores dessa façanha não são os
personagens, geralmente negros e pobres, apresentados com estardalhaço diariamente pelos programas policialescos.
São os próprios apresentadores, em
conluio com repórteres e produtores, além de determinadas autoridades, sob o comando dos dirigentes das
emissoras que abrem espaços para essas aberrações.
A constatação está numa pesquisa realizada pela Andi – Comunicação e Direitos, uma organização social que há 21
anos trabalha para dar visibilidade na
mídia a questões relacionadas aos direitos das crianças e dos adolescentes. Entre outras ações criou o projeto “Jornalista Amigo das Crianças”, que já reconheceu com essa qualidade 392 profissionais
em atuação no país. Os chamados programas policialescos
entraram na mira da Andi diante das seguidas violações cometidas contra os direitos da infância e do adolescente. Realizada a pesquisa, constatou-se que
as violações, em nove categorias de direitos, vão muito além dessas faixas etárias
atingindo toda a sociedade.
Exemplos não faltam. A presunção de inocência, uma das categorias selecionadas pela pesquisa, é
constantemente violada. No programa Balanço Geral da TV
Record, uma chamada diz “Pai abandona filho em estrada do RS” e o apresentador acrescenta “um pai abandonou
uma criança nas margens de uma rodovia? Fez!”.
Apesar do desmentido do pai, a acusação constitui um claro desrespeito à presunção de inocência, garantida no artigo
5º da Constituição brasileira.
quero assistindo o meu programa. Ah,
mas você não é democrático. Nesta questão não sou não, porque um sujeito que é
ateu, na minha modesta opinião não tem
limites, é por isso que a gente tem esses
crimes por ai...”.
Só com essas frases o apresentador violou seis leis brasileiras, três pactos multilaterais firmados pelo Brasil e mais uma
vez o Código de Ética dos Jornalistas,
além de desrespeitar princípios e declarações internacionais de defesa da liberdade de expressão. E ainda ignorar os muitos crimes de
Estado, guerras e outras violências que
foram cometidos ao longo da história, e
ainda o são, em nome de supostas causas religiosas.
O fato de se apresentarem como “jornalísticos” faz com que esses programas
escapem da classificação indicativa de
horários para determinadas faixas etárias do público telespectador. “Então, a praga acabou de ser
grampeada. Não seria o caso,
né? Passa logo fogo num cara
desse ai! (...) Então, é uma pena
que ele não reagiu, porque a
rapaziada passaria fogo nele de
uma vez e ‘tava’ tudo certo”
O estímulo à violência como forma de
resolver conflitos é outra marca desses
programas. Como neste exemplo pinçado pela pesquisa na Rádio Barra do Pirai AM, programa Repórter Policial. Uma pessoa acaba de ser presa pela policia e o apresentador anuncia: “Então, a
praga acabou de ser grampeada. Não seria o caso, né? Passa logo fogo num cara
desse ai! (...) Então, é uma pena que ele
não reagiu, porque a rapaziada passaria
fogo nele de uma vez e ‘tava’ tudo certo”. Só nesse caso são violadas cinco leis
brasileiras, cinco acordos internacionais
firmados pelo Brasil e um código de ética profissional. Entre elas a Constituição Federal (“não
haverá pena de morte...”), o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (é considerada infração ao regulamento “incitar
a desobediência às leis ou às decisões judiciárias” e “criar situação que possa resultar em perigo de vida”) e o Código de
Ética dos Jornalistas Profissionais (“O
jornalista não pode usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime”).
Outra categoria: discurso de ódio e
preconceito. No programa Brasil Urgente, da Rede
Bandeirantes, o apresentador José Luiz
Datena faz enquete para saber quem
acredita em Deus e diz: “...ateu eu não
www.malvados.com. br
Passam a qualquer hora oferecendo às
crianças e jovens um festival de ódio e
violência. Na verdade, de jornalismo têm pouco. São programas de variedades, espetacularizando fatos dramáticos da vida real
com tentativas até de fazer um tipo grotesco de humor. Numa edição gaúcha do programa Balanço Geral, por exemplo, o apresentador
Alexandre Mota ao narrar a morte de um
suspeito pela policia fingia chorar copiosamente clamando, de forma irônica, pela vinda dos defensores dos direitos humanos. Em seguida, estimulado por uma repórter passa a sambar alegremente
diante das câmeras. (Revista do Brasil)
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É
autor, entre outros, de ¿A TV sob controle ¿ A
resposta da sociedade ao poder da televisão¿ (Summus Editorial)
dahmer
PALAVRAS CRUZADAS
Verticais: 1.A do Brasil durou 21 anos, de 1964 à 1985 – Sua capital é Teresina. 2.Interjeição de espanto. 3.A Comissão da (?) é responsável pelo esclarecimento dos
casos de morte e torturas praticados durante a ditadura. 4. Vaso grande de barro,
ordinariamente destinado a conter água. 5. Que se dedica ao estudo e tratamento
dos dentes. 6.“Ovo”, em alemão. 7. Construção em que há um foco luminoso para
guia noturno dos navegantes – Senhora. 8. órgão do Poder Judiciário encarregado
do gerenciamento de eleições em âmbito estadual – “Ele”, em espanhol. 9. Conjunto
de direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em
que vive. 10.Agência que atua no gerenciamento dos recursos hídricos do Brasil –
“Ou”, em inglês – Estado (sigla) em que vivem a maioria dos Guarani Kaiowá. 11.Frequência de rádio. 12.Disco de vinil – Divisão principal de uma peça de teatro.13.
Engloba os processos de ensinar e aprender. 15.Boletim de Ocorrência. 16.Suborno.
18. Cantor e compositor brasileiro frequentemente considerado um dos pioneiros
do rock brasileiro – Que tem arma ou está munido de arma.
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Horizontais: 1.Dívida – Oca – Regular. 2.In. 3.Dá – Lua. 4.Auditoria – PC – Boal. 5.Dia – Dor – Ator.
6.Soltar – Rua. 7.RN – Uai. 8.Pandeiro – PP. 9.Ovo. 10.Ene – Mato. 11.Imperialismo – Globo.
Verticais: 1.Ditadura – PI. 2.Ui. 3.Verdade. 4.Pote. 5.Dentista. 6.Ei. 7.Farol – Dona. 8.TRE – Él. 9.Cidadania. 10.ANA – Or – MS. 11.AM. 12.LP – Ato. 13.Educação. 15.BO. 16.Corrupção. 18.Raul – Armado.
Horizontais: 1.Ofensa (de que se espera tirar desforra) – “Casa”, em tupi – Comum.
2.“Dentro”, em inglês. 3.Cede – Diz-se “Moon”, em inglês. 4. Análise e avaliação do estado contábil de uma empresa ou instituição feita por um especialista em assuntos
financeiros e econômicos – Computador pessoal – Fundador do Teatro do Oprimido.
5.Em alemão, diz-se “Tag” – Sensação mais ou menos aguda mas que incomoda –
Agente. 6.Liberar – Em inglês, diz-se “street”. 7.Quem nasce neste estado (sigla) é
chamado de potiguar – Maneirismo mineiro. 8.Instrumento tradicional do samba
– Partido de Paulo Maluf. 9.Diz-se “Ei”, em alemão. 10.Décima quarta letra do alfabeto – Terreno inculto em que crescem plantas agrestes. 11.A intervenção na Síria
proposta pelos Estados Unidos foi um claro exemplo disso – Rede de televisão que
assumiu publicamente o seu apoio à ditadura brasileira.
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Cinema contemporâneo e filmes do passado Págs