inovação
Uma
educação
debutante
Marcelo Freitas*
Luiza (que está na fase inicial de alfabetização):
- Mãe, agora já consigo juntar as letrinhas para formar palavrinhas...
- Isso mesmo, Lu. Agora, quando você pegar o livrinho, não precisa
mais inventar as histórias. Você pode ler de verdade, comentou a
mãe.
Depois de um tempo com o livro Se eu fosse..., da Luiza Meyer:
- Mãe, por que eu tenho de ler se posso inventar?
Nos últimos 15 anos, empurrado pela revolução tecnológica e pela crescente integração planetária dos povos, o processo educativo passou por
inúmeros movimentos de adaptação ao ambiente externo. Hoje, faze-
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15 anos 15 anos
© Edyta Pawlowska / Photoxpress
Q
uando ouvi essa narrativa, contada pela mãe da criança, percebi
o quanto deixamos de lado os questionamentos e a imaginação
para nos apegarmos ao que já está determinado. Quantas possibilidades de inovação jogamos fora quando sustentamos premissas já
ultrapassadas pelo simples fato de não as confrontarmos? Oportunidades
de promover rupturas que nos possibilitariam avanços não lineares em
vários campos do conhecimento são descartadas naturalmente, coisa
que uma criança de 6 anos não faz. Manter aceso esse instinto infantil, ao longo de toda a nossa vida, não seria o grande combustível da
aprendizagem? Por tabela, da inovação? Não seria esse um bom ponto
de partida para a educação?
mos parte de uma comunidade global e não podemos estar alheios a isso. Nosso vizinho, por exemplo,
tanto pode estar no apartamento de cima como em
Istambul, Tóquio ou Veneza. Tanto faz, ele está ali,
ao alcance do teclado.
Essa comunidade ampliada mudou o perfil das pessoas, das famílias e das relações em geral, sejam
elas políticas, econômicas ou religiosas. Mudanças
significativas no campo social eclodiram por todos os
cantos do nosso mundinho, cada vez menor em função do mouse ou de inovações tecnológicas, como
os tablets e a banda larga. A estrutura familiar ganhou arranjos variados com a introdução de novos
agentes, como o “namorado da minha mãe”, “o meu
meio-irmão” ou “a esposa do meu pai”. As mulheres tomaram de assalto o mercado de trabalho nos
principais centros produtivos do mundo – mercados
esses que viram novas potências sacudirem a ordem
mundial, como é o caso dos Bric (sigla usada para se
referir aos países emergentes de primeira grandeza:
Brasil, Rússia, Índia e China).
No âmbito demográfico, nos últimos 15 anos, o crescimento populacional vem diminuindo, e o perfil da
pirâmide etária, ganhando massa no contingente de
maior idade. Todas essas mudanças no ambiente,
direta ou indiretamente, impactam o sistema educacional. Todas elas conduziram pessoas e instituições a um processo de adaptação. Como na seleção
natural de Darwin, sobreviverão aqueles que melhor
se saírem nesse caminho.
Recente estudo sobre as mudanças proporcionadas
pela internet na forma como assimilamos e processamos conhecimento, conduzido pela psicóloga
Betsy Sparrow, da Universidade Colúmbia, constatou que o cérebro humano tem modificado todo
o sistema de construção do raciocínio em virtude
do impacto provocado – pasmem – pelos sites de
busca. O Google em destaque. Hoje, diz uma das
conclusões da pesquisa, nos preocupamos menos
em reter informações no cérebro, pois sabemos
onde encontrá-las rapidamente. A memória agora
é coletiva e está localizada na internet. A consequência é que podemos estar tornando nosso cérebro mais preguiçoso. Ele precisa de estímulos para
construir conexões que levem à obtenção do conhecimento. Já paramos para pensar em como isso
afeta nossos métodos de ensino-aprendizagem? Eis
um dos grandes desafios surgidos nos últimos 15
anos. Mas o impacto está aí.
Isso nos leva a uma questão fundamental: a maneira como ensinamos e aprendemos foi colocada em
xeque. E, se isso é verdade, todo o sistema educacional, construído para transmitir o conhecimento,
de certa maneira, também está comprometido. Para
quem já tem meio século de vida e observa o que
está ao seu redor, isso não parece grande surpresa,
pois os reflexos podem ser sentidos em vários ambientes. Entretanto, em alguns segmentos, como o
da educação, a notícia parece ainda não ter sido devidamente absorvida, pois, nesse caso, adaptações
aqui e ali não são mais suficientes. Tudo indica a
necessidade de um “corte” mais radical e que ainda não aconteceu. Alguns estudiosos da estratégia o
chamam de “ponto de ruptura”. O surgimento desse
ponto geralmente marca a descontinuidade de processos, produtos e práticas, rompendo com paradigmas vigentes e introduzindo uma nova ordem. Assim
como o DVD fez com a indústria do videocassete,
para ficar apenas em um exemplo.
De 15 anos para cá, o fato é que novos hábitos e
práticas colocaram sob fogo cruzado a velha maneira
de aprender e ensinar. As redes sociais são exemplos
disso. Elas não só aproximaram pessoas, como introduziram a Era da Construção do Conhecimento de
forma difusa e colaborativa. Empresas de todos os
segmentos vêm buscando sistematizar essa maneira
inovadora de criar e explorar o conhecimento produzido. A reunião de cérebros ao redor do mundo
gestou o conceito da cocriação, que se expandiu rapidamente pelas empresas. Estamos diante da nova
maneira de criar valor. A pergunta para educadores
e gestores educacionais é: estaríamos de vez aposentando o binômio ensinar-aprender em favor do
colaborar-construir? E, se for assim, o que fazer com
os sistemas educacionais baseados no antigo modelo? Senhores gestores, eis aí um ponto de ruptura do
sistema educacional. Como torná-lo sustentável?
Sustentabilidade, aliás, é outra palavra da nova safra. Conceito amplamente difundido para alertar
sobre a preservação da vida no planeta, foi incorporado instantaneamente ao segmento empresarial
como sinônimo da nova maneira de gerir as empresas. Segundo essa vertente, os gestores devem zelar
para que seus empreendimentos sejam capazes de
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produzir riqueza sem, contudo, comprometer a capacidade das gerações futuras de fazer o mesmo. Ou
seja, temos de utilizar os recursos existentes preservando o ecossistema para que nossos filhos e netos
possam dele também usufruir. Se, nas salas de aula,
o conceito já é uma realidade, não se pode dizer o
mesmo em relação às práticas de gestão das escolas.
De 15 anos para cá, o fato
é que novos hábitos e práticas
colocaram sob fogo cruzado a
velha maneira de aprender
e ensinar.
Como tivemos a oportunidade de refletir em nossa
palestra no Congresso Educacional das Escolas Particulares do Espírito Santo, realizado recentemente, é
da escola o papel de garantir que as gerações futuras sejam capazes de sustentar a vida no planeta. O
sistema educacional tem de abastecer a sociedade
com pessoas detentoras de habilidades e conhecimentos suficientes para garantir a preservação da
espécie. A sustentabilidade passa pelo necessário
desenvolvimento de competências duráveis, e a geração desse manancial de cérebros deve ser um dos
principais compromissos das escolas. Tudo em consonância com os novos paradigmas.
Isso demanda novas formas de gestão, um crescente
estímulo à inovação e um sólido sistema de governança corporativa para as instituições. Se o termo
governança já é de uso frequente em diversos setores produtivos, no segmento educacional ele ainda é
incipiente. Eis aí, quem sabe, mais um movimento de
ruptura necessário. Em especial nos últimos 15 anos,
velhas práticas de gerenciamento vêm dando lugar
ao crescimento do profissionalismo nas escolas. Mas
ainda é pouco. Escolas são instituições estratégicas
e, por isso, devem ser mais transparentes, mais bem
avaliadas e mais cobradas em termos de resultados
se comparadas a outros segmentos. Afinal, como foi
dito anteriormente, estamos falando das verdadeiras
usinas de inovação, capazes de fomentar formas sustentáveis de crescimento da sociedade.
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Por ser tão estratégica, movimentos mais contundentes na ruptura com os paradigmas educacionais
do passado têm partido de diversos pontos. É o caso
de empresários de outros segmentos que estão disponibilizando sua expertise e avançando suas fronteiras de negócios sobre o segmento educacional.
Eles entendem que conceitos como iniciativa, liderança, trabalho em equipe e persistência extrapolam o mundo dos negócios e devem fazer parte da
formação do indivíduo, seja qual for a carreira escolhida. Em algumas escolas, por exemplo, executivos
estão ensinando jovens a criar planos de negócios e
falando sobre capital de giro. Nos últimos anos, nós
mesmos, da Corporate, temos nos dedicado a isso,
seja através da elaboração de conteúdos sobre préempreendedorismo (livros, roteiros para jogo de empresa simulada, dinâmicas etc.), seja pela promoção
de eventos como o Ideias em Rede. São novos ares
refrescando as salas de aula.
E por falar em novos ares, talvez a notícia de maior
impacto no segmento educacional, nos últimos tempos, tenha vindo dos Estados Unidos. O Estado de Indiana tornou opcional, em lei, a substituição do ensino da letra cursiva nas suas escolas pelo aprendizado
da letra bastão e métodos de digitação. Os defensores do novo código argumentam que, atualmente, as
crianças não necessitam e quase não se utilizam de
caneta e papel para escrever, consequência do uso
de celulares, computadores e tablets. Uma guinada
sem precedentes, que deve ser seguida por outros
40 Estados americanos. Se isso é bom ou ruim, ainda
é cedo pra dizer. Fato é que a inovação mais uma vez
bate à porta.
Tudo isso e muito mais em apenas 15 anos. Nossa
satisfação foi ver cada passo desses, cada tendência,
cada avanço ou retrocesso, de uma forma ou de outra, registrados aqui. Um prazer fazer parte da caminhada. Uma satisfação estar em Linha Direta com a
inovação durante esse tempo. E bom saber que tem
muito mais vindo por aí... 
*Consultor da Linha Direta, diretor da Corporate
Gestão Empresarial, coordenador-geral do Movimento Escola Responsável e consultor em Gestão Estratégica e Revitalização Institucional
www.corporateconsultoria.com
www.ideiasemrede.com.br
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