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A VIOLÊNCIA NO PROCESSO EDUCACIONAL BRASILEIRO E SEU
CONTRAPONTO: UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA
PRAÇA, Marco Aurélio Martins 1
RESUMO
O processo educacional realizado em espaço formal, isto é, dentro das salas de
aulas, desafortunadamente poderá apresentar características de violência durante
seu desenvolvimento. Ao tratarmos da educação brasileira, observando os seus
primeiros registros escritos em meados do século XVI, o ensino jesuítico apresentase como algo absolutamente imposto, frente à proibição ou total exclusão de
quaisquer culturas educacionais já existentes e praticadas pelos índios, isto é, de
maneira violenta implantou-se uma nova didática, com novos conteúdos em
completa substituição à cultura vigente, proibindo-se a prática anterior e
principalmente suprimindo de maneira violenta qualquer discordância do novo
conteúdo proposto. Tempos depois, em pleno século XX, observa-se também uma
educação com forte cunho autoritário, onde o processo. Esta educação imposta,
prescrita, dissertada e que não permite nenhuma participação do aluno, é descrita
por Paulo Freire como uma “educação bancária”, sendo ela um instrumento de força,
e, portanto, violência. Uma educação libertadora mostra-se como contraponto desse
processo violento. Assim o objetivo deste artigo é identificar não somente as
características violentas que o processo educacional poderá conter, mas também a
visão inversa e sua importância na efetividade e principalmente na construção da
autonomia do sujeito. Para tanto, o trabalho foi realizado a partir de pesquisa
bibliográfica, de caráter descritivo e análise qualitativa do discurso.
Palavras Chave: Autoritarismo. Educação. Violência. Pedagogia. Libertadora.
ABSTRACT
The formal educational process in space, that is, within the classroom, unfortunately
may display characteristics of violence during their development. When dealing with
Brazilian education, watching their first records written in the mid-sixteenth century,
the Jesuit teaching is presented as absolutely tax front prohibition or total exclusion
of any existing and practiced by indigenous educational cultures, ie violently
implanted a new teaching with new content on complete replacement to the current
culture, forbidding the previous practice and especially violently suppressing any
1
Mestre em Educação e Sociedade pelo ISCTE de Lisboa-Portugal, Professor do Curso de
Pedagogia e Administração da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora Aparecida –
UNIESP Sertãozinho-SP e Coordenador do Curso de Pedagogia da mesma Instituição. E-mail:
[email protected]
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dissent from the proposed new content. Later, in the twentieth century, we also
observed an education with a strong authoritarian nature, where the process. This
education imposed, prescribed, dissertada and do not allow any student participation,
is described by Paulo Freire as a "banking education", it is an instrument of force,
and therefore violence. A liberating education shows up as a counterpoint this violent
process. Thus the aim of this paper is to identify not only the violent characteristics
that the educational process can contain, but also the inverse vision and its
importance to the effectiveness and mainly in the construction of the autonomy of the
subject. To this end, the work was done from bibliographic research, descriptive and
qualitative discourse analysis.
Key-words: Authoritarianism. Education. Violence. Pedagogy. Liberating.
INTRODUÇÃO
Entender o modelo pedagógico praticado em um determinado país, obriganos a entender não apenas a história da educação, mas também a história
propriamente dita desse país.
O Brasil, com toda sua heterogeneidade biológica e cultural, possui em sua
história da educação formatos e objetivos diferentes, de acordo com sua época e
seu processo histórico. Consideramos o início da história do Brasil o advento dos
portugueses à realidade do novo continente, pois entende-se Brasil essa
miscigenação e junção de culturas e costumes nunca antes registrado em tamanha
diversidade.
Essa configuração nos dava uma ilha Brasil, prefigurando no chão da América
do Sul, o que viria a ser o país Brasil.
Não era, obviamente, uma nação porque eles não se sabiam tantos
nem tão dominadores. Eram tão só uma miríade de povos tribais,
falando línguas do mesmo tronco, dialetos de uma mesma língua,
cada um dos quais, ao crescer, se bipartia, fazendo dois povos que
começavam a se diferenciar e logo se desconheciam e se
hostilizavam (RIBEIRO, 2011, p.26).
No momento anterior à invasão portuguesa, cá no novo mundo, já tínhamos
milhões de pessoas vivendo sob um arcabouço social, uma religiosidade, diversos
idiomas e, portanto, possuíam um processo educacional puramente oral, que
perpetuava essa cultura.
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Se deixados ao seu destino, talvez alguma tribo de maior autonomia pudesse
fazer-se reinante em todo o território. Todavia, com o surgimento do protagonista
europeu, mudou-se o destino desse povo. A política de colonização e exploração do
europeu ditou a tentativa, muito próxima do sucesso, de dizimar a cultura indígena e
obrigar uma forma educacional, que tentava unificar a língua, a religião, a forma de
pensar de um continente diverso e, por isso, complexo por sua diversidade.
Os períodos se sucederam e os objetivos educacionais se alteraram, contudo
a educação como ferramenta de autonomia, liberdade e valorização da identidade
de um povo, talvez nunca chegou a ser prioridade no Brasil. Ao final da primeira
matriz educacional que se instalou no Brasil, a cristã com seu ensino jesuítico, a
segunda matriz, o pombalismo, surge com suas críticas e alterações. Contudo os
novos objetivos, criados, da e para, a elite política portuguesa, novamente deixa o
real interessado numa educação libertadora a ver navios, ou caravelas.
Já em meados do século XX poderemos observar novo projeto educacional
colocado à serviço de uma classe dominadora, o tecnicismo, que trabalhou com toda
sua propaganda social para deixar a plenos pulmões a real prioridade do governo
militar que dominou o Brasil nos anos de chumbo, o desenvolvimento econômico e
perpetuação do poder militar, deixando mais uma vez a autonomia e liberdade,
praticadas e conquistadas com o uso de uma educação libertadora, como algo
proibido.
O presente trabalho tem com objetivo identificar as características violentas
desde o momento em que esta educação se instalou e se desenvolveu, inicialmente
com o ensino jesuítico, passando pelo período militar e alcançando os dias atuais. A
pesquisa foi realizada por meio de revisão literária de caráter descritivo e análise do
discurso por meio de abordagem qualitativa, buscando entender como os métodos
violentos introjectados no processo de ensino-aprendizagem perpassam os períodos
citados da história da educação brasileira, suas causas e suas consequências para
educadores, educandos e sociedade.
A imposição da cultura, costumes e religião europeia, através de um processo
educacional imposto violentamente pelos seus ditames dogmáticos e violência física,
encontram eco já em pleno século XX com a empreitada militar do regime ditatorial
que assombrou o país entre as décadas de 60 e 80, também impregnando as salas
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de aulas de conceitos enrijecidos pelos interesses de um governo, que proibia seus
docentes e alunos, de pensarem com liberdade. Dessa forma, a matriz liberal, que
anteriormente postou-se como evolução da matriz cristã, mostrou-se também
ineficaz, também violenta.
A liberdade pretendida implica fundamentalmente em conscientização de
realidade e posição do sujeito em sua sociedade. Estes fatores eram e são pontos
rejeitados pelos grupos, políticos ou economicamente, dominantes, pois a
conscientização e consequente autonomia do sujeito implicam quase que
automaticamente em término da opressão ou dominação. Esta postura crítica
inaugura um novo segmento da história da educação do Brasil, uma matriz crítica,
que propõe analisar o percurso das matrizes anteriores, barrando os tropeços e
fomentando os avanços, na busca de uma educação que permita a autonomia do
indivíduo: uma educação libertadora.
Construir ou resgatar a consciência social e política do indivíduo deve ser o
objetivo principal do processo educativo, e a observação crítica dos acontecimentos
que permearam a fundamentação da educação, durante toda a história do Brasil,
podem ajudar na configuração de um processo, que permita maior democracia na
condução da educação.
O INÍCIO DA EDUCAÇÃO FORMAL NO BRASIL E SEUS ASPECTOS
VIOLENTOS
Quando as caravelas de Cabral levantaram-se no horizonte do nordeste
brasileiro,
algo
grandioso
estava
para
acontecer
no
novo
mundo,
não
necessariamente algo bom, positivo ou maravilhoso, mas grandioso seguramente. A
substituição de valores, a instalação de uma nova sociedade, não apenas em
caráter físico, com suas cidades e centros de estratificação, mas principalmente a
maneira como a Europa invade o pensar do novo continente, muda os rumos
históricos e sociais de um povo que já existia, e dessa forma, já possuía uma história
de vida, cultura e educação. Esta substituição de valores, lamentavelmente se fez de
maneira imposta, prescrita e, portanto, violenta.
Em 1549 os jesuítas chegam ao Brasil, chefiados pelo padre Manoel da
Nóbrega, que inaugura a educação formal à sua maneira, isto é, marcada e
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recheada de conceitos, ideias e práticas religiosas. A educação desta forma tinha
por principal objetivo ser um meio de cristianização dos “selvagens”, deixando para
segundo plano os objetivos educacionais propriamente ditos, e para nenhum plano,
a finalidade de contribuição social ou proteção da cultura ou identidade daquela
população, pois como afirmou o rei de Portugal Dom João III “Porque a principal
coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente
delas se convertesse a nossa santa fé católica, de modo que os gentios possam ser
doutrinados e ensinados nas coisas de nossa santa fé” (SAVIANI, 2011, p.25).
O politeísmo, o idioma, os costumes que perpassaram toda a vida daqueles
nativos, não estiveram nos planos educacionais daquele momento, reduzindo toda
essa cultura à uma simples memória que não devia ser consultada, para dar lugar a
novos costumes, nova religião, novo idioma, nova cultura e uma nova vida. O não
diálogo e a maneira impositiva desse novo olhar, fundamentou-se de forma
caracteristicamente violenta.
Não apenas os jesuítas impuseram sua verdade absoluta e dogmática, mas
governadores de capitanias e políticos de Lisboa também olhavam o Brasil como
uma terra a ser mandada. É possível ilustrar como exemplo de dogmatismo e
intransigência, a “política dos diretórios” decretada por Sebastião José de Carvalho e
Melo, futuro Marquês de Pombal em 1757, que determinou o uso do português como
língua obrigatória nas comunidades rurais e pelas populações indígenas, tendo por
finalidade transformar os índios em colonos, como mão de obra assalariada. Essa
lei, além de “obrigar” os índios a falarem o novo idioma, também os obriga, em
sentido contrário a não mais falarem seus idiomas originais. Sendo esta lei imposta,
mostra-se, portanto, violenta.
As determinações e atos violentos, contudo, não se restringem apenas ao
processo educativo e aculturamento de um povo dito “sem cultura”, mas também no
plano associativo, isto é, no que concerne aos modos de organização da vida social
e econômica, com o objetivo de se estabelecer núcleos de “civilização” na nova
terra. Os portugueses tomaram providências como:
Introdução da escravatura indígena, logo substituída pelo tráfico de
escravos africanos, que permitiu aos setores mais dinâmicos da
economia prescindir da população original no recrutamento de mão
de obra (RIBEIRO, 2011, p.68).
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É possível vermos, através dessa citação do professor Darcy Ribeiro, que o
processo de imposição de uma nova cultura não limitou-se apenas à educação
formal, mas derramou-se por todo e qualquer assunto da vida do homem nativo. No
plano ideológico, ou seja, o relativo às formas de comunicação, ao saber às crenças,
à criação artística e à autoimagem étnica, também aconteceram alterações
obrigatórias, tais como:
Uma Igreja oficial, associada a um estado salvacionista, que depois
de intermediar a submissão dos núcleos indígenas através da
catequese impõe um catolicismo de corte messiânico e exerce um
rigoroso controle sobre a vida intelectual da colônia, para impedir a
difusão de qualquer outra ideologia e até mesmo do saber científico
(RIBEIRO, 2011, p.69).
Particularmente, este período de “descobrimento” trouxe em seus anos e
personagens características e particularidades que de alguma forma fomentou a
violência propriamente dita, antes mesmo da violência intelectual que este artigo se
refere. Segundo o professor Darcy Ribeiro:
A atuação mais negativa dos jesuítas, porém, se funda na própria
ambiguidade de sua dupla lealdade frente aos índios e à Coroa, mais
predispostos, porém, a servir a esta Coroa contra índios aguerridos
que a defendê-los eficazmente diante dela. Isso, sobretudo no
primeiro século, quando sua função principal foi minar as lealdades
étnicas dos índios, apelando fortemente para o seu espírito religioso,
a fim de fazer com que se desgarrassem das tribos e se atrelassem
às missões. A eficácia que alcançam nesse papel alienador é tão
extraordinária quanto grande a sua responsabilidade na dizimação
que dela resultou (RIBEIRO, 2011, p.51).
As intenções talvez nunca tenham sido exclusivamente educacionais.
Quando chegaram, os portugueses, com suas caravelas e um mundo novo,
foram recebidos de forma generosa pelos índios, pois a generosidade é parte do
alicerce da cultura indígena: “mesmo porque, no seu mundo, mais belo era dar que
receber” (RIBEIRO, 2011, p.38).
O mesmo autor, também complementa, afirmando que mais tarde, com a
destruição das bases da vida social indígena, a negação de todos os seus valores, o
despojo, o cativeiro, muitíssimos índios deitavam em suas redes e se deixavam
morrer, como só eles tem o poder de fazer. Morriam de tristeza, certos de que todo o
futuro possível seria negação mais horrível do passado, uma vida indigna de ser
vivida por gente verdadeira.
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A imposição cultural extrapola os ambientes da educação formal e destrói não
apenas a cultura do índio, mas também sua identidade, sua consciência.
Por estes pontos de vista, podemos observar um cenário de imposições e
prescrições, onde a desobediência era punida, e por isso, podemos concluir que
este início de educação formal brasileira mostrou-se violento, pois impediu aqueles
que aqui estavam de discordar, debater, viver, falar ou mesmo pensar de maneira
diferente, oprimindo pessoas e enrijecendo mentes, na busca da impregnação de
uma verdade absoluta, que poderia até conter informações importantes, contudo,
oferecida sob aquela forma de ensino, tira a consciência, rouba a identidade, impede
a existência.
Após esse período de matriz cristã, que deu início propriamente dito à
educação formal no Brasil, com a chegada do Marquês de Pombal, deu-se sua
substituição por nova matriz, a liberal, que ao instalar-se critica e combate
determinadas práticas jesuíticas, estabelecendo novas regras e desenvolvendo o
processo educacional de forma diferente. Contudo novos problemas surgiram, novas
ou ao menos diferentes formas de opressão continuam instaladas no processo de
ensino da educação formal.
As reformas pombalinas tinham caráter mais qualitativo que quantitativo e
tinham como principal objetivo formar uma escola útil aos fins do Estado em
substituição àquela que servia aos interesses eclesiásticos. Desta forma, era norma
instituir umas poucas escolas bem aparelhadas e voltadas para setores estratégicos,
antes que multiplicar o seu número. Agora, com a estatização do ensino, o conteúdo
a ser tratado passava obrigatoriamente pela Real Mesa Censória, que regulava o
que poderia ou deveria ser ensinado e censurava livros. O isolamento cultural do
Brasil era evidente e tinha por principal motivação evitar ideias emancipacionistas
que por ventura algum estudioso pudesse ter. Mais uma vez, o processo de ensino e
aprendizagem é colocado nas salas de aula como algo imposto, obrigatório, sob a
égide de alguma classe dominante, que antes era a jesuítica, e neste momento
posterior o Estado. Independentemente de quem conduzisse a educação, ela seria
sempre tratada com características violentas, pois era imposto e descartado
verdades de acordo com interesses próprios. E sempre de maneira violenta.
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A
INEXPERIÊNCIA
DEMOCRÁTICA
DO
POVO
BRASILEIRO
E
SUAS
CONSEQUÊNCIAS
A história do Brasil e suas características influenciam diretamente a história
da educação do Brasil. As práticas, ou mesmo não práticas políticas e culturais
afetam diretamente o desenvolvimento da educação no país.
A colonização brasileira possuiu forte cunho predatório e teve por base a
exploração econômica, onde o poder do senhor zelava desde as terras até às
gentes e o trabalho escravo. Dentre outros pontos históricos, o Brasil foi o último
país do mundo a abolir a escravatura, levando esse episódio em conta, percebemos
um país com uma grande marca autoritária e, portanto, violenta.
Desde a época do descobrimento, o Brasil viu-se em meios de alguém que
manda e outro que obedece, não contemplando, pensando ou exercendo em
nenhum momento de sua história qualquer autonomia. O trabalho escravo, primeiro
nativo e depois africano, não teria criado condições necessárias ao desenvolvimento
de uma mentalidade permeável, flexível, característica do clima cultural democrático,
no homem brasileiro.
“Teria sido a experiência de autogoverno, de que sempre, realmente, nos
distanciamos e quase nunca experimentamos que nos teria propiciado um melhor
exercício da democracia” (FREIRE, 2011, p.90).
Os grandes latifundiários se apropriavam de terras e de gentes que ali
trabalhavam, que sentiam-se protegidos pelos seus senhores e desta forma
acostumavam-se à obedecer, ou seja, uma fase de “mandonismo” e de
“protecionismo”, que se por um lado protegia, por outro domesticava e extinguia a
identidade do indivíduo.
É neste ponto que percebemos que essa cultura de dominação transborda-se
para a escola, para o processo didático praticado nas salas de aulas brasileiras.
Naquelas raízes que se estabeleciam fundamentalmente paternalistas, surgia por
consequência o “mutismo”.
As sociedades a que se nega o diálogo – comunicação – e, em seu
lugar, se lhes oferecem “comunicados”, resultantes de compulsão ou
“doação”, se fazem preponderantemente mudas. O mutismo não é
propriamente inexistência de resposta. É resposta a que falta teor
marcadamente crítico (FREIRE, 2011, p.93-94).
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Os latifundiários que comandavam toda sua micro sociedade e os seus
homens, com o argumento de protegê-los estabeleciam regras rígidas, onde ficava
subentendido que a crítica, a contra-argumentação ou discordância de quaisquer
resolução do patrão não seria aceita, fato este que facilitava aos proprietários de
terras e de homens a os conduzirem com rédeas curtas. Essa forma de opressão
ganhas as salas de aula e o professor, afim de colocar suas verdades e evitar
discussões, assimila esta forma de proceder, colocando em seu processo de ensinoaprendizagem todo o rigor do mandar, deixando aos alunos a única via permitida:
obedecer.
O mutismo toma conta então não apenas das ruas e do costume do brasileiro,
mas também instala-se nas escolas. Alunos mudos que apenas obedecem,
aprendem, quando aprendem, todo o material ali imposto pelo professor, contudo
não aprendem a argumentar e criticar, sendo este ponto um enorme prejuízo em sua
missão de construir uma autonomia, capaz de formar um cidadão livre no futuro que
consiga se autogovernar.
Não há autogoverno sem dialogação, daí ter sido entre os brasileiros,
desconhecido ou dele termos raras manifestações. Em muitas nações europeias, as
sociedades evoluíram, desde seus primórdios, sob um regime de senão democracia,
mas de vivência política, já entre os brasileiros, pelo contrário, o que predominou foi
o mutismo do homem. Mutismo à sua vida política, à sua vida social, à sua
educação.
Mutismo imposto, e portanto, violento.
Não há então, vivência da participação popular na política. Uma consciência
dominadora afasta a possível criação e manutenção de outra consciência, essa mais
livre e criadora, indispensável às sociedades democráticas, autônomas, que
permitem ao cidadão o autogoverno, a autonomia.
Essa cultura de mandonismo que acompanha a história do país chega e se
instala nas salas de aula, não permitindo que o indivíduo pratique a democracia,
pratique a participação popular em questões de ordem pública, ou mesmo em
decisões individuais. Esse hábito trouxe ao país uma inexperiência democrática que
amarra o processo educativo em um cais de formalidades e burocracias, impedindo
a implantação de uma educação democrática, que proponha a liberdade de
argumentação e crítica aos alunos e professores.
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Essa inexperiência democrática talvez tenha ajudado a conduzir a história do
Brasil a um dos seus capítulos mais sombrios, a Ditadura Militar, que assolou o país
e também suas salas de aula entre os anos de 1964 a 1985, praticando e deixando
marcas de violência em sua educação.
A EDUCAÇÃO TECNICISTA PRATICADA NOS ANOS MILITARES DO BRASIL
Com o advento do regime militar, o lema positivista “Ordem e Progresso”
inscrito
na
bandeira
do
Brasil
metamorfoseou-se
em
“Segurança
e
desenvolvimento”. Guiando-se por esse lema, o grande objetivo perseguido pelo
governo dito revolucionário era o desenvolvimento econômico com segurança
(SAVIANI, 2011).
Mais uma vez a educação ou um projeto educativo não era prioridade, e desta
vez nem ao menos enunciado como prioridade. Se até então a educação era tratada
como algo prioritário e as críticas recaíam sobre o tipo de educação praticada e seus
objetivos, agora, no período militar, o projeto educativo deixa mesmo de ser
colocado como algo primado, deixando lugar para o desenvolvimento econômico.
No entanto, não se é possível desvincular a educação de um povo de
quaisquer outros assuntos de Estado, isto é, para elaborar-se e instalar-se qualquer
objetivo sociopolítico, é imprescindível que coloque-se um projeto educativo, se não
prioritário, ao menos como instrumento fundamental. Diante do objetivo do
desenvolvimento econômico e “segurança”, essa apenas para a classe políticodominante enquanto o terror assombrava todo e qualquer cidadão que ousasse
discordar de qualquer ditame dos generais, um entrave a ser removido eram os altos
índices de evasão e repetência, além da baixa produtividade do ensino e também o
reduzido índice de atendimento da população em idade escolar.
O então governo brasileiro era próximo ao governo americano, e este
estreitamento de relações político-econômicas; trouxeram para o Brasil empresas
internacionais, com seu modelo organizacional, que necessitavam de mão de obra
preparada. Esta nova necessidade, acaba por ditar a tendência pedagógica da
época, e dessa forma, instala-se no Brasil uma linha pedagógica que treina, que
prepara o indivíduo ao trabalho do futuro que se aproxima, e de preferência o anula
culturalmente, proibindo-o ou ao menos desencorajando-o, a refletir ou buscar
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quaisquer possibilidade de autonomia, formando obrigatoriamente e portanto de
maneira violenta, não mais um estudante, mas um futuro funcionário da indústria. A
anulação da capacidade crítica, argumentativa e consequente autonomia do sujeito,
mostra que a educação novamente tinha objetivos diversos, menos o de preservar a
identidade do povo.
Difundiram-se, então, ideias relacionadas à organização racional do
trabalho, ao enfoque sistêmico e ao controle do comportamento que,
no campo educacional, configuram uma orientação pedagógica que
podemos sintetizar na expressão pedagogia tecnicista (SAVIANI,
2011, p.369).
Contudo, alguns professores e intelectuais da época, entendendo que esse
modo pedagógico atendia as necessidades da economia e do desenvolvimento
político do então governo militar, mas não atendia pressupostos importantes da
educação, tais como a liberdade de pensamento e expressão entre tantas. Tentam
indicar um outro caminho àquelas tendências tecnicistas, automatizantes e porque
não dizer alienantes.
Nesse cenário, haviam duas posições contraditórias :
De um lado, a demanda dos jovens estudantes ou postulantes a
estudantes universitários e dos professores que reivindicavam a
abolição da cátedra, a autonomia universitária, mais verbas para
desenvolver pesquisas e mais vagas para ampliar o raio de ação da
universidade; e de outro, a demanda dos grupos ligados ao regime
instalado com o golpe militar de 1964 que buscavam vincular mais
fortemente o ensino superior aos mecanismos de mercado do
capitalismo internacional (SAVIANI, 2011, p.374).
Estes professores, que defendiam a educação como instrumento de
autonomia e liberdade, buscavam uma linha pedagógica que fosse alternativa
àquela, que mostrava-se violenta por ser obrigatória. Buscavam também e
principalmente, uma linha pedagógica que se contrapusesse aos objetivos e ditames
do Estado militar.
Se o governo suprimia a democracia polícia, os anseios buscavam a
democracia em sala de aula, se a educação “oficial” minimizava a importância dos
argumentos do povo, aqueles professores sugeriam uma educação que ouvisse as
experiências e participação dos alunos, se o governo ditador impedia a liberdade,
essa educação proposta colocava a autonomia do sujeito e sua liberdade como seu
principal objetivo.
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EDUCAÇÃO REACIONÁRIA, EDUCAÇÃO BANCÁRIA
Poucas coisas são tão violentas quanto um processo pedagógico que, ao
invés de buscar a liberdade dos seus atores, busca sim a anulação de suas
consciências. Impedir que um indivíduo possa entender a realidade que o circunda,
ou ainda desencorajá-lo a qualquer tipo de análise mais profunda de todo assunto
colocado à sua mesa, foi,e por muitas vezes ainda é, o principal objetivo de uma
educação opressora.
Usada nos dois períodos citados nos parágrafos anteriores, esta ferramenta
de alienação ainda se faz presente nas salas de aula dos nossos dias. À esta
educação que oprime, que esteriliza, e que impede a construção da consciência,
Anísio Teixeira chama de educação reacionária, pois toda ela é composta por
homens reacionários, que presos ao passado, não entendem e portanto não aceitam
o novo, o contrário, o diferente, pois julga o reacionário que toda vez que lhe
renovam as roupas ou os pensamentos ele irá perder qualquer coisa. A função
dessa escola é “suplementar, com algumas informações dogmáticas, uma educação
que o lar e a comunidade ministravam ao indivíduo, em uma ordem, por assim dizer,
estática” (TEIXEIRA, 2007, p.45).
Dogmatismo do conceito e imobilidade do conhecimento, esta é a tônica de
uma educação que busca a alienação e supressão de todas consciências. Todas,
porque inconsciente é o aluno, produto desse projeto infértil, contudo inconsciente
também é o professor que participa desse jogo de imposições e obediências
irrefletidas. Trata-se, nesse processo educativo, por muitas vezes estranho ao
mundo do aluno, o conhecimento como algo parado, estático, que não pertence ao
ouvinte, que está ali apenas para mostrar o talento intelectual do professor, ou no
máximo fazer o aluno ser aprovado nas provas.
Nas linhas a seguir, o professor Anísio Teixeira nos mostra o grito do
reacionário, ao ver ou, ao simplesmente perceber a aproximação do novo:
As escolas passam, com efeito, por transformações alarmantes. A
velha autoridade dos mestres já não é a mesma, se é que existe
ainda. A própria autoridade dos livros começa a ser posta em dúvida.
Há, pelo menos, uma porção de livros, e de opiniões adversas –
todos sendo igualmente compulsados e lidos. Critica-se tudo e tudo
se questiona. Nada é sagrado (TEIXEIRA, 2007, p.28).
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É possível observarmos acima, o trecho que traz a luta que o reacionário
descrito por Teixeira trava para não perder a sua forma de “ensinar”, e assim manter
as consciências submersas.
A esta educação incólume, outro pesquisador se levanta, descrevendo-a em
todas as suas faltas. Paulo Freire denomina-a de educação bancária. A mesma linha
de crítica aproxima os dois autores acima citados.
Vejamos agora as descrições trazidas no livro Pedagogia do Oprimido, que de
acordo com Freire (2011), quanto mais analisamos as relações educadoreducandos, na escola, em qualquer de seus níveis (ou fora dela), parece que mais
nos podemos convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e
marcante – o de serem relações fundamentalmente narradoras e dissertadoras.
O professor concebe a sala de aula como uma espécie de oratório, onde
somente ele comunica os “saberes” aos demais, que deverão apenas ouvir.
Narração de conteúdos que, por isso mesmo, tendem a petrificar-se
ou a fazer-se algo quase morto, sejam valores ou dimensões
concretas da realidade. Narração ou dissertação que implica um
sujeito, o narrador, e objetos paciente, ouvintes – os educandos
(FREIRE, 2011, p.65).
O conteúdo morto, assim o é porque lhe é vetada a possibilidade de
discussão, e dessa forma assume um caráter dogmático, interessante apenas
àqueles que não o querem ver crescer ou mudar de rumo, pois a atual situação de
alguma forma o favorece. Aos demais atores dessa relação de opressão, caberá
apenas aceitar e obedecer o conteúdo colocado pelo professor, imposto na verdade,
sem contestação, sem ao menos ter a chance de observá-lo por um ângulo
diferente. Os alunos que assim ousarem fazer serão taxados de maus alunos,
agitadores
que
não
aceitam
agradecidamente,
o
valioso
conteúdo
que
bondosamente lhes é dado, pelo inquestionável dono do saber, o professor.
Essa incontestabilidade, somada com a posição de único protagonista da
relação de ensino-aprendizagem, coloca a aula expositiva como única forma
didática, e disto resulta um processo de ensino-aprendizagem violento, pois em
nenhum momento considera a opinião do aluno, chegando a julgá-lo absolutamente
ignorante, desprezando toda e qualquer experiência que ele posa ter trazido de sua
casa, de seu mundo.
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As informações colocadas pelo professor tem por único objetivo, encher cada
vez mais a cabeça “vazia” do aluno, e ainda, será taxado como excelente professor
aquele que conseguir preencher ao máximo as aulas e a cabeça/vasilha dos alunos
com seus conteúdos ensaiados e proibidos de discussão. Ao mesmo tempo, será
destacado como melhor aluno, aquele que conseguir memorizar a maior quantidade
de informação possível, sem contestá-la, sem perder tempo de pensá-la de maneira
distinta àquela apresentada pelo professor.
O produto dessa forma de educar será jovens desacostumados a reflexão,
porque esta lhe é desencorajada pela educação bancária. Alunos que não criticam e
não argumentam desde jovens, jamais assumirão a postura de adultos
perguntadores, críticos e argumentadores. A liberdade de pensamento, expressão e
escolha não lhes parecerá importante para a vida futura, pois como se acostumaram
a fazer, deixarão todos esses direitos nas mãos de outrem, isto é nas mãos dos
opressores, que violentamente surrupiam deles estes e o mais importante de todos
os direitos, o de serem livres.
UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA
Se a educação anterior não permite a construção de consciência, seja do
aluno, seja do próprio professor, o problema, ou como chamou Paulo Freire a
“enfermidade” deve estar em suas características, em seus componentes (FREIRE,
2010).
A fundamentação de toda a prática de uma educação bancária é feita sobre a
narração, sobre a dissertação. Narrativas e dissertações feitas por um único
personagem do processo, o professor, que trás a imagem do detentor do saber que
vem doar aos ignorantes sua dose de “sabedoria”. Toda e qualquer experiência que
o aluno possa ter trazido para a escola, é desprezada, ignorada.
Ora, se apenas o professor fala, dá-se um monólogo por vezes sonolento,
que perpassa toda a aula, que quase sempre é dissertativa. Se essas e demais
características já citadas nas linhas anteriores caracterizam uma educação que não
permite a construção de consciência da realidade que circunda o aluno, será lógico
que características contrárias possam produzir efeitos diferentes.
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Em uma educação libertadora será imprescindível o diálogo entre o professor
e o aluno, entre o aluno e o professor, entre o aluno e o aluno, isto é, todos poderão
participar da “conversa”, expondo suas ideias e interpretações do assunto colocado.
Não se trata aqui de um diálogo comum, costumeiramente desenvolvido por todos,
desinteressadamente e sem propósito, mas um diálogo onde todos os interlocutores
escutam com grande atenção o que o outro está dizendo, atenção essa capaz de
gerar comentários e críticas sobre o que se acabou de ouvir. Esse diálogo possui
objetivo claro, a reflexão acerca do objeto proposto ao estudo.
A partir dessa reflexão, será possível, através da liberdade colocada para
ambos atores do processo de atuar, o treinamento inicialmente da reflexão, e
posteriormente da argumentação e criticidade. Todo esse arcabouço de ações
culminará em consciência, despertando em quem não a possui ou lapidando em
quem já a trouxe para a carteira da escola.
Esta consciência não servirá apenas para o trato dos assuntos acadêmicos,
mas principalmente para a vida social. Se o conhecimento não é testado pela
discussão, não é repensado, refletido pelo sujeito, terá sempre seu tamanho, será
petrificado. Contudo se for possível a problematização de cada tema colocado pelo
professor, ambos, professor e aluno terão a oportunidade de aprender e desta forma
de aumentar o conhecimento.
O conhecimento trazido sob forma de prescrição, imposição violenta de ideias
e interpretações, apresentado de forma mecânica e segmentada mostrar-se-á sem
função na vida do aluno, onde o professor dá muito mais valor ao som da palavra,
do que ao seu real significado. Será nesse ponto verbosidade oca e terá por
serventia apenas a memorização.
Agora já não há mais o depósito. Ao invés de memorização mecânica do
conteúdo dos manuais ou apostilas, uma educação que prioriza a construção de
consciência do aluno, será imperioso que aconteça o desafio. Um dado não será
apenas uma ação de memorização de suas características e prescrição de seus
efeitos, mas agora, um projeto libertador. Um dado será um desafio, para todos
pensá-lo em conjunto, em inúmeras formas, com inúmeras interpretações,
descrições e críticas, proporcionando assim uma atividade que resultará em algo
maior que a simples memorização, o treinamento da problematização, que busca
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inicialmente a pergunta e posteriormente a resposta. “Precisamos preparar o homem
para indagar e resolver por si os seus problemas” (TEIXEIRA, 2007, p.40).
Perguntar e responder individualmente requer a construção de consciência,
de percepção de realidade à sua volta, de individualidade, de identidade, e portanto,
de liberdade. Dessa forma, praticar esse tipo de educação irá seguramente resultar
em alunos questionadores, críticos e argumentadores, algo que o adepto da
educação bancária menos quer em suas salas de aula. Querem o contrário. Querem
obedientes profissionais. Executadores que não pestanejam, nem refletem sobre o
que fazem na escola ou na rua, pois dessa forma, serão adultos de muito mais fácil
dominação, de muito mais tranquila opressão.
A essa educação, algumas críticas atiradas pelos reacionários surgirão. Dirão
que esse tipo de operação resultará em uma escola sem regras, em um ambiente
anárquico.
Não se trata de uma coisa nem de outra. Não se pode confundir
autoridade com autoritarismo. Enquanto a educação bancária funciona à base do
autoritarismo “disciplinador”, a educação libertadora funciona fundamentada na
liberdade, sem desmanchar nem diminuir a figura da autoridade. Contudo essa
autoridade não é imposta, mas sim inspirada pelo professor, com regras claras
construídas em conjunto com os alunos. A educação agora não é prescrita ou
doada, mas construída desde suas regras básicas em conjunto, sem contradição
professor x aluno, sabedoria x ignorância. O professor agora engaja-se com o
projeto final da educação, a libertação do aluno, que só se fará com a construção de
sua consciência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para quem é a escola?
Como conhecemos nos dias de hoje em toda sua formalidade, as escolas
nasceram como um fenômeno urbano, limitado a burguesia, em primeiro sentido
acomodado a um setor da pequena burguesia, vinculando o candidato a vincular-se
a funções eclesiásticas, burocráticas ou militares. Dessa maneira, a falta de
conceitos democráticos e possíveis características de violência perpassaram, e
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lamentavelmente ainda perpassam, todo o processo de educação formal, que ocorre
nas nossas escolas.
Quer por necessidades de mercado, políticas, religiosas ou por qualquer outra
justificativa, impor determinada interpretação de fatos ou assuntos dentro da sala de
aula, fará do professor um sujeito violento. É indiscutivelmente um episódio violento
impedir que um aluno veja mais do que uma interpretação do caso apresentado pelo
manual, desencorajá-lo a buscar outras fontes de conhecimento ou discordar da
opinião do professor. Sem a liberdade de reflexão, esta capacidade cai em desuso,
e culmina na inconsciência, posto que o único treinamento desta educação violenta
é a obediência.
No Brasil, as primeiras manifestações da escolaridade formal, chega
recheada de etnocentrismos e violências, desde físicas (somente proibida em
meados do século XX), até intelectuais, sendo estas, problemas comuns até os dias
de hoje. As características da educação bancária persistem em nossas salas de
aula, tendo por provável explicação, serem ferramentas de opressão, que impedem
o indivíduo perceber-se, de perceber sua situação no mundo à sua volta, e por isso,
não almejar mudanças.
A pedagogia que oprime, que não produz ou que retira a consciência do
aluno, é um processo violento. A escola dos dias atuais já não se atém aos objetivos
clérigos, militares, políticos ou acadêmicos. A escola trás em sua rotina, missão mais
ampla. Temos que construir a nossa escola, não como preparação para um futuro
conhecido, mas para um futuro rigorosamente imprevisível isto é, o objetivo da
escola dos nossos dias é preparar o indivíduo para a sua sociedade, para o seu
mundo, e certamente, para alcançar este fim, é preponderante a construção de
consciência.
A escola libertadora/problematizadora propõe ao aluno a possibilidade dele
pensar por si mesmo, de refletir e argumentar, de questionar e criticar, de libertar-se
e dessa forma construir consciência, buscando existir em sua sociedade, buscando
a cada dia, a sua autonomia.
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BIBLIOGRAFIA
ENGUITA, M. F. Igualdad, equidad, solidaridad. En: Educação e Sociedade..
Campinas: CEDES, 2001.
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
RIBEIRO, D. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
SAVIANI, D. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores
Associados, 2011.
TEIXEIRA, A. Pequena introdução à Filosofia da educação. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 2007.
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A VIOLÊNCIA NO PROCESSO EDUCACIONAL BRASILEIRO E