BIOGRAFIAS
Maria da Graça Pinto de Almeida Morais
Nasceu em Vieiro, Trás-os-Montes, em 1948. Concluiu o Curso de Pintura na Escola Superior
de Belas-Artes no Porto em 1971. Entre os anos de 1976 a 1979 viveu em Paris, como bolseira
da Fundação Calouste Gulbenkian.
Actualmente reside e tem o seu atelier em Trás-os-Montes e em Lisboa. É membro da Academia
Nacional de Belas Artes e de diversas associações, confrarias e fundações culturais.
Foi agraciada com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo Presidente
da República Dr. Jorge Sampaio. Desde 1974 até 2013 realiza e participa numa centena de
exposições individuais e colectivas, dentro e fora do país.
Em 2008 foi inaugurado o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais em Bragança, da
autoria do arquitecto Souto Moura.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares
Natural do Algarve, licenciada em Histórico-Filosóficas e com o Curso de Arte Dramática do
Conservatório, foi actriz, declamadora e pedagoga, e teve um papel político activo na luta pela
Democracia em Portugal.
Presidiu à direcção do Colégio Moderno, valorizando-o como instituição e escola.
Foi Deputada e Presidente da instituição humanitária Cruz Vermelha Portuguesa, de 1997 a
2005.
Criou e preside à Fundação para os Direitos Humanos “Pro Dignitate”.
É casada com o Ex-Presidente da República Dr. Mário Soares, têm dois filhos e cinco netos.
CRUZ VERMELHA
PORTUGUESA
Apresentação do retrato de Maria de Jesus Barroso Soares
pela pintora Graça Morais
Palácio do Conde d’Óbidos, 27 de maio de 2014
RETRATO
DE UMA SENHORA
Os três retratos que Graça Morais fez de Maria Barroso são três maneiras de lhe dizer o nome. Num
deles, o nome ouve-se alto e exclamado. Naquele, é dito como se não fosse dito. Neste, como numa
cerimónia de posse, são pronunciados - lenta, nítida e solenemente – todos os nomes do seu nome:
Maria de Jesus Simões Barroso Soares. Foi este o retrato escolhido para estar na parede do salão do
Palácio do Conde de Óbidos, porque nas instituições o que se desconhece é trocado pelo que se
reconhece.
Retratar é dar um rosto ao rosto. É tornar presente a presença (re-presentar, palavra da teologia, da
dramaturgia e da iconologia). É fazer da imagem do corpo o corpo da imagem. É captar e capturar. É
fixar o movimento e prolongar a vida. É detectar, desvendar, desmascarar, desvelar, revelar. E, às vezes,
como sabia bem Leonardo da Vinci, é velar com um sorriso sem outro enigma que não seja o seu. Ou,
como fazia Pietro Longhi, é mascarar, vendar, disfarçar, no eterno carnaval da alma de uma Veneza
interior. É também repetir o irrepetível, como acontece em Andy Warhol, e fazer dessa repetição uma
diferença.
Retratar - do latim retrahere, copiar. Retratar é copiar sem conseguir e conseguir sem copiar. É dar à
mimesis uma nêmesis. É fazer da majestade medida (Piero della Francesca); da alma, face (Nuno
Gonçalves); do poder, símbolo (Holbein); da perfeição, graça (Rafael). É tornar a elegância, espelho
(Bronzino); a imagem, gesto (Van Dyck), a posição, pose (Whistler); o acto, atitude (Cecil Beaton). É
desenhar uma álgebra da ambição (Van Eyck), uma heráldica da gravidade (Mantegna), uma astronomia
do coração (Van der Weyden), uma psicologia do corpo (Durer), uma fotogenia da memória (Nadar).
É dar ao impulso ímpeto (Caravaggio); e ao ímpeto, assalto (Bacon). É fazer da cor carne (Rubens); e
da carne, cor (Lucien Freud). É tornar o corpo fogo e forma (El Greco); a forma, figura (Modigliani); a
figura, fantasma (Giacometti). É colar (Otto Dix); é descolar e deslocar (Picasso). É dar um segredo à
claridade (Vermeer) e uma claridade ao mistério (Ingres). É apagar (Cezanne); e acender (Van Gogh).
É impor (Ticiano); e expor (Manet). É depor (Franz Hals); compor (David); repor (Degas). É opor
(Duchamp), sobrepor (Man Ray), dispor (Mapplethorpe), decompor (Stephen Finer). É olhar os olhos
que nos olham (Velazquez); é olhar os olhos que olham em nós (Rembrandt); é olhar com os olhos que
nos olham (Goya).
Agora, estou no atelier de Graça Morais. É domingo e os dias assim, em que há vagares e vazios, são
os melhores para olhar. Olho: olho os três retratos e é como se os olhasse a partir, não de mim, mas
de um ponto em que tudo se vê, se ouve, se lembra, se adivinha.
Vejo não apenas o retrato que representa aquela mulher, mas aquela mulher que representa o retrato.
Vejo aquela que tem a cortesia de parecer vulnerável. Vejo a sua fragilidade que é força, a sua força
que é firmeza, a sua firmeza que é elegância, a sua elegância que é atenção. Oiço a sua coragem feita
voz, a sua resistência tornada altivez, a sua convicção feita persistência, a sua dignidade tornada
distinção, a sua distinção feita sorriso. Vejo-a com aquilo que a faz ser o que é: fidelidades, obsessões,
amores, memórias, dedicações, indecisões, sustos, decisões, derrotas, razões. E teimosias, silêncios,
solidões, gritos, vitórias, indeterminações, filiações, generosidades, conversões, dependências,
independências, preconceitos, prestígios.
Vejo aquela que combateu contra a adversidade e o medo. Vejo a que lutou a favor da dignidade e da
justiça. Vejo a mulher e o seu poder - o poder de continuar a existir ao lado de um homem tão poderoso,
tão forte, tão frequente, tão destemido, tão desmedido. Lembro a sua vida feita de desassombro,
arrebatamento, rigor, vigor, misticismo. Vejo o seu talento em cena e no cinema. Oiço-a a dizer poesia
com uma voz nítida e vibrada, a denunciar e a acusar com uma voz irada e veemente, a formalizar-se
com uma voz leve, a afirmar-se com uma voz funda. Vejo-a na sombra e na luz. Imagina-o num romance
de Henry James e, por isso, faço de um título dele (“The Portrait of a Lady”) um título meu.
Agora, continuo a olhar os retratos. Olho o que, neles, passa de uns para os outros e o que é de cada
um deles. Imagino a pintora a olhar o seu modelo, a escutá-lo, a espiá-lo, a decifrá-lo. Adivinho a mão
que pinta a lutar contra a sua rotina, a descobrir os seus dons ocultos, a sondar as armadilhas e os
perigos, a avançar num terreno minado, a conquistar a sua liberdade, a encontrar a sua intensidade, a
chegar aonde não sabia que ia chegar.
Pressinto a pintora a atravessar a longa história do retrato, a compreender o que essa travessia nos diz
de uma civilização, de uma arte, de um imaginário. Adivinho-a a passar do sagrado ao profano e do
profano ao sagrado, outra vez, uma vez mais ainda. Sinto a pulsação do seu olhar, a procura do seu
gesto, a incerteza da sua respiração, a proximidade da sua distância.
Olho as pinceladas, as cores, as formas, as figuras. Olho o retrato que é “mais Graça Morais” (o da
grande cabeça). Aquele que é “mais Maria Barroso” (o mais pequeno). Este que é “mais para a Cruz
Vermelha” (o de meio corpo, como dizem os fotógrafos). Olho-os, pseudónimos visuais uns dos outros,
versos da mesma estrofe, átomos de uma molécula, sinais de um mapa, rostos de um rosto. Olho e
vejo. Olho esses rostos, vejo esse rosto. Vejo nele o brilho rápido da vida.
José Manuel dos Santos, Natal 2013
Download

brochura quadro graça morais.FH11