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Patologias menores do Ouvido Externo (II)
Nesta Ficha Técnica continuaremos a descrever algumas situações patológicas que afectam o ouvido externo.
COMPACTAÇÃO DE CERÚMEN
O canal auditivo externo (CAE) mantém-se limpo por um processo de autolimpeza, no qual o cerúmen e o epitélio
descamado são arrastados do interior para o exterior.4 A acumulação de cerúmen não é sinal de uma higiene deficiente, podendo inclusivamente dever-se à interrupção do mecanismo de autolimpeza dos ouvidos pela utilização,
p. ex., de cotonetes, que favorecem a acumulação de restos celulares ao empurrá-los em direcção ao interior.4,5
O cerúmen e os restos celulares tendem a acumular água que entra no CAE, o que resulta em maceração da pele
e facilita a invasão por bactérias patogénicas.5
O cerúmen só necessita de ser removido se causar surdez ou se impedir a observação do tímpano.6 Métodos inadequados de remoção do cerúmen, como o uso de cotonetes, podem forçá-lo para a porção interna do CAE, onde
pode endurecer e compactar-se ao longo do tempo. Indivíduos com excessiva produção de cerúmen, um CAE anormalmente estreito ou com alterações e/ou com excessivo crescimento piloso estão predispostos a acumulação de
cerúmen, já que este não migra normalmente para o exterior. O mesmo pode acontecer devido ao uso de dispositivos auditivos, tampões para impedir a entrada de água ou atenuar o som.1,4 A migração dos detritos, secreções
e corpos estranhos é dificultada por uma curva na junção das zonas óssea e cartilaginosa.7 Doentes idosos podem
produzir cerúmen mais seco por atrofia das glândulas ceruminosas, que é mais difícil de expelir, tornando mais frequente a acumulação de cerúmen.1,4
O excesso de cerúmen pode manifestar-se por uma sensação de pressão no ouvido e uma diminuição gradual da
audição, por vezes acompanhada de uma dor insidiosa, prurido ou de vertigens.1,3-5 Pode ocorrer surdez súbita,
temporária e geralmente apenas num ouvido.3-5 Pode também surgir autofonia (o doente ouve de forma amplificada
a sua própria voz) ou acufenos (sons internos).4
A terapêutica da compactação do cerúmen consiste no seu amolecimento e remoção.1 Um dos métodos recomendados preconiza a aplicação, durante alguns dias, de uma solução cerumenolítica, para amolecimento do cerúmen,
seguida pela irrigação do CAE.1,3,4 Alguns autores não recomendam o uso de cerumenolíticos dado que podem não
conseguir dissolver a obstrução, causando maceração da pele do CAE e reacções alérgicas.5 O cerúmen pode também ser removido com o auxílio de uma cureta ou aspirando-o através de uma cânula.4,5
Entre os fármacos utilizados para amolecer o cerúmen contam-se o peróxido de carbamida,1,6 o peróxido de hidrogénio,1,4 a glicerina,1,4 o azeite,1-4,6 o óleo de amêndoas2,6 e soluções de bicarbonato de sódio.3,4,6,7
Os peróxidos libertam oxigénio quando expostos a humidade, oxigénio este que tem efeito antibacteriano fraco.
A efervescência resultante tem uma acção mecânica que desagrega o cerúmen amolecido. O peróxido de carbamida é geralmente utilizado em solução de glicerina e o peróxido de hidrogénio em solução aquosa. Esta última pode
predispor a infecção se o CAE ficar com humidade excessiva.1
A glicerina tem também sido utilizada pelas suas propriedades emolientes.1 O azeite é também emoliente e constitui
um método eficaz para amolecer o cerúmen.1,4 Pode também aliviar o prurido.1 O bicarbonato de sódio é também
eficaz e são referidas soluções de diferentes concentrações.4,6,7
Alguns preparados comerciais contêm substâncias com utilidade questionável, como anestésicos locais e anti-sépticos4 ou solventes orgânicos que podem causar irritação cutânea local.4,6
A irrigação do ouvido deve ser efectuada com água morna.1,4,6 Esta é aplicada através de uma seringa, de forma
suave e dirigida para a parede superior do CAE, de modo a que a corrente de saída da água arraste o tampão de
cerumen.1,4
Se o doente tem historial de otite recorrente, perfuração timpânica ou otorreia, a irrigação não deve ser efectuada.5,6 Se o doente foi submetido a intervenção cirúrgica ou se apenas tem audição nesse ouvido, este procedimento
está igualmente contra-indicado.6 No caso de surdez súbita, o mais recomendável é que o doente seja observado
por um médico.4
RETENÇÃO DE ÁGUA
A retenção de água nos ouvidos é mais frequente em certas pessoas devido ao formato dos seus canais auditivos
ou à presença de cerúmen em excesso, que pode dilatar e causar a retenção de água. Pode resultar da permanência em climas quentes e húmidos, da transpiração, da prática de desportos aquáticos ou do uso inadequado de
soluções para limpar os ouvidos.1 Predispõe ao desenvolvimento de otite externa (OE), já que a humidade retida
pode causar maceração dos tecidos e diminuir as defesas naturais do CAE.1,7,10 Manifesta-se por uma sensação de
humidade ou pressão, acompanhada por uma perda gradual de audição.1
Uma medida não farmacológica que pode ser eficaz para remover a água retida é inclinar para baixo o ouvido afectado manipulando cuidadosamente o pavilhão auricular.1,2 Também pode ser útil, após nadar ou tomar banho, secar
o CAE com o secador de cabelo em baixa intensidade.1,7,11
Entre os agentes farmacológicos utilizados inclui-se o álcool isopropílico a 95% em glicerina a 5%; esta mistura
vai reduzir a humidade no ouvido sem ser demasiado secante.1 A remoção de água do ouvido pode ser também
facilitada pela aplicação de uma solução 1:1 de ácido acético diluído e álcool isopropílico; este ajuda a secar a humidade e o ácido acético permite diminuir o pH do CAE abaixo do valor ideal para o crescimento bacteriano.1,5 Esta
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solução é bem tolerada, mas se a pele estiver lesada, pode causar um ligeiro ardor.1 É também referida a utilização
de soluções de ácido acético em etanol.11
Os fármacos para remoção da água retida no ouvido não podem ser usados em doentes com ruptura do tímpano
ou tubo de timpanostomia, dado que a aplicação destas soluções seria muito dolorosa. O doente deve consultar o
médico se se suspeita de infecção ou trauma ou se foi submetido recentemente a cirurgia no ouvido.1
CORPOS ESTRANHOS
A presença de objectos estranhos no ouvido é muito frequente em crianças por introdução de pequenos objectos
no CAE.2,3,4,10 Os objectos mais vulgarmente encontrados são contas, borrachas, feijões, etc.4,5 Quando o objecto
não é imediatamente extraído pode facilitar o desenvolvimento de microorganismos. A extracção de objectos estranhos deve ser efectuada exclusivamente por um médico.2 No caso de contas de vidro ou metal, a extracção pode
por vezes ser efectuada por irrigação; no caso de objectos higroscópicos, como feijões, que aumentam de tamanho
com a adição de água, a sua aplicação iria complicar a extracção.5
INSECTOS
A entrada de insectos no CAE pode causar grande irritação e pânico.3-5 A instilação de azeite ou parafina permite
matar o insecto, que deve ser em seguida extraído por irrigação do ouvido ou através de fórceps.3,5 As picadas de
insectos no CAE podem causar edema, o que pode ocluir o canal; neste caso, o doente deve ser visto por um médico imediatamente.3
ACONSELHAMENTO AO DOENTE
As afecções dos ouvidos afectam todas as idades, sendo mais susceptíveis os indivíduos de menor e maior idade.1
Doentes com dores nos ouvidos e descarga ou com trauma externo no ouvido devem ser observados por um médico.3 Patologias da cabeça e pescoço e problemas dentários podem causar dor que o doente sente como tendo origem no ouvido.1 A dor no ouvido pode ser devida a causas inflamatórias no ouvido externo mas, se não existirem
lesões visíveis, a origem da dor pode estar numa inflamação causada por infecção no ouvido médio.3
O farmacêutico deve desencorajar a utilização de métodos inadequados de remoção do cerúmen e alívio do prurido, como cotonetes, palitos ou as próprias unhas.1,4,7 Os doentes susceptíveis devem ser instruídos a utilizar habitualmente os métodos de remoção, que lhe devem ser devidamente explicados. A remoção frequente de dispositivos auditivos e a sua limpeza adequada pode ajudar a prevenir a acumulação de cerúmen.1
A prevenção da OE (ver Ficha Técnica anterior) é particularmente importante em doentes com cerúmen muito
viscoso, CAE estreito ou alergias sistémicas, especialmente se imunodeprimidos, com hipersudação ou que pratiquem regularmente desportos aquáticos, e consiste essencialmente em evitar os factores precipitantes.7 O doente
deve tentar manter os ouvidos secos, não se coçar, de modo a evitar reinfecções e não utilizar instrumentos para
extrair o cerúmen.2 O tratamento antibacteriano da OE deve ser acompanhado por uma cuidada higiene do ouvido,
de modo a mantê-lo limpo e seco e menos propício à colonização.3
Os praticantes de natação devem proteger cuidadosamente os ouvidos usando tampões, se forem susceptíveis a
desenvolver OE. Isto permite manter os ouvidos limpos e secos, prevenindo a entrada de microorganismos e a
criação de um ambiente quente e húmido favorável à sua proliferação.3 Contudo, os tampões podem ter acção irritante local e predisporem a OE; uma touca bem ajustada pode conferir melhor protecção.7 Os tampões auditivos
não devem ser usados na presença de infecção, dado que retêm o exsudado e perpetuam a infecção.3
Antes de aplicar medicação no ouvido, esta deve ser aquecida à temperatura corporal entre as palmas das mãos.1,2,7
Após a aplicação das gotas, o doente deve reclinar-se durante o tempo indicado com o ouvido afectado para cima;
se tal não for possível, a medicação pode ser retida no CAE com o auxílio de um pedaço de algodão, que deve ser
removido após algum tempo.1
Ana Mendes
Bibliografia
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