1
Universidade
Federal do Pampa
Raquel Einloft Kleinübing
GESTANTES E PUÉRPERAS SOROPOSITIVAS PARA O HIV:
COMO ESTÃO VIVENCIANDO A NÃO AMAMENTAÇÃO
Trabalho de Conclusão de Curso
URUGUAIANA
2010
2
RAQUEL EINLOFT KLEINÜBING
GESTANTES E PUÉRPERAS SOROPOSITIVAS PARA O HIV: COMO
ESTÃO VIVENCIANDO A NÃO AMAMENTAÇÃO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao curso de enfermagem, para a obtenção do
título de Bacharel em enfermagem da
Universidade Federal do Pampa.
Orientadora:
Lipinski.
Uruguaiana
2010
Profª.
Ms.
Jussara Mendes
3
FOLHA DE APROVAÇÃO
4
Dedico o meu Trabalho de Conclusão de
Curso à Deus. És meu caminho, minha vida,
minha inspiração, obrigada por tudo!
“Deus Pai Todo poderoso, rogai por nós.”
5
AGRADECIMENTOS
À Deus, fonte inesgotável de inspiração, de amor, Pai e amigo de todas as horas. Amo você.
Aos meus amados pais, Paulo e Izabel, obrigada por estarem ao meu lado em todas as fases da
minha vida. Agradeço a Deus por ter me enviado vocês. Amo vocês muito, mais do que tudo.
Aos meus queridos irmãos, Ricardo e Aline, amores da minha vida, meus irmãos e acima de
tudo, meus amigos fiéis de todas as horas. Amo vocês. Obrigada por tudo.
À professora orientadora Jussara Mendes Lipinski, pela dedicação e compreensão que
ajudaram-me muito a conquistar mais essa etapa da minha vida profissional.
À amiga e irmã querida Fabiani Weiss Pereira, pela atenção, apoio e carinho em todos os
momentos. Obrigada por estar do meu lado sempre quando precisei de ti. Te amo muito.
Ao meu noivo, Sérgio Vicente Jaureguy Montano, companheiro e amigo querido que Deus
colocou em meu caminho para completar a minha vida. Obrigada pelo incentivo a sempre
continuar meus estudos e pelo apoio incondicional de todas as horas. Te amo e te amarei para
sempre.
Às minhas amigas queridas que Deus colocou em minha trajetória acadêmica, e que quero ao
meu lado para todo o sempre: Carla Cibele Silveira da Costa, Naiana Oliveira dos Santos e
Marieli Barcelos Ramires.
À todos aqueles que me apoiaram e me incentivaram a nunca desistir de lutar. Obrigada a
todos.
6
A neve e as tempestades matam as flores, mas
nada podem contra as sementes.
Kahlil Gibran
7
RESUMO
A transmissão vertical do Human Immunodeficiency Virus (HIV) representa a forma mais
comum de contaminação perinatal. Dados epidemiológicos do ano de 2006 informam que
85% de casos de infecção perinatal aconteceram através da transmissão vertical, o que poderia
ser evitado com medidas que permitissem, a partir do esclarecimento das formas de contágio
de mãe para filho, promover a profilaxia adequada, mediante o acompanhamento por uma
equipe de profissionais que atendesse às expectativas das mulheres confirmadamente
infectadas. Assim este estudo exploratório descritivo com abordagem qualitativa teve por
objetivo conhecer como gestantes e puérperas soropositivas para o vírus HIV estão
vivenciando ou vivenciaram a orientação de não amamentar. Participaram do estudo,
gestantes e puérperas soropositivas para HIV em acompanhamento no Centro de Testagem e
Aconselhamento (CTA) e que procuraram por atendimento no mês de abril de 2010. Após a
aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) os dados
coletados por meio de entrevista semi estruturada, foram submetidos à análise temática
proposta por Minayo. Os dados, então, foram adaptados em duas categorias, que mencionam
a dificuldade de enfrentamento que as mães soropositivas para o vírus HIV encontram na não
amamentação e o gesto de amor que as mesmas consideram presente, no fato de não praticar o
aleitamento materno. Pode-se concluir, a partir dos achados desse estudo, que a dificuldade
existente em não amamentar está ligada a diversos fatores biológicos e psicossociais. E
juntamente a esses fatores, há a presença, como evidenciado nas falas das entrevistadas, do
preconceito e julgamentos a cerca da conduta dessas mães (não amamentar), bem como os
sentimentos desencadeados por essa inibição, determinam a grande dificuldade de
enfrentamento dessa questão. O ato de não amamentar é encarado por essas mulheres como
sendo o gesto de amor ofertado aos filhos, já que evitam a transmissão vertical puerperal.
Pode ser constatado nos relatos contidos nas entrevistas, dentre outras questões, que a
possibilidade de gerar e ver crescer um bebê saudável e possivelmente livre do HIV, traz a
essas mulheres sentimentos de felicidade por ter evitado a possível contaminação do filho,
demonstrando, por ele, um gesto de amor, de zelo. Percebeu-se que a mulher na condição de
gestante ou puérpera acometida pelo HIV, identifica na inibição da lactação a revelação da
condição de estar doente, sendo assim as gestantes e puérperas soropositivas necessitam de
um apoio maior para que possam aderir a orientação de não amamentar. Acredita-se que o
assunto abordado seja de grande impacto nas opiniões da sociedade, pois existem diversos
sentimentos que surgem em diferentes intensidades quando trata-se da gestação, e os mesmos
tornam-se ainda mias intensos quando estão co-relacionados a presença do HIV. Considera-se
de grande valia que novos estudos sejam realizados, abordando a problemática da não
amamentação e sua relação com a contaminação perinatal.
Descritores: Enfermagem, Aleitamento Materno, HIV
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................9
2 REVISÃO DE LITERATURA ..........................................................................................12
3 METODOLOGIA ...............................................................................................................19
3.1 Tipo de estudo .................................................................................................................19
3.2 Local de realização do estudo ..........................................................................................19
3.3 Período de realização do estudo .......................................................................................19
3.4 População ..........................................................................................................................20
3.5 Amostra .............................................................................................................................20
3.6 Critérios de inclusão e exclusão ........................................................................................20
3.6.1 Inclusão ..........................................................................................................................20
3.6.2 Exclusão .........................................................................................................................20
3.7 Método de coleta de dados ...............................................................................................20
3.8 Método de análise dos dados ............................................................................................21
3.9 Considerações éticas do estudo .........................................................................................22
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS ........................................................................................23
4.1 Dificuldade de enfrentamento da condição da não amamentação ....................................23
4.2 Gesto de amor pelo filho (a) .............................................................................................29
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................32
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................34
APÊNDICES ............................................................................................................................38
Apêndice A ..............................................................................................................................39
Apêndice B ...............................................................................................................................40
Apêndice C ...............................................................................................................................41
ANEXOS .................................................................................................................................42
Anexo 1 ....................................................................................................................................43
Anexo 2 ....................................................................................................................................44
9
1 INTRODUÇÃO
A transmissão vertical do Human Immunodeficiency Virus (HIV) representa a forma
mais comum de contaminação perinatal, pois como afirma Botelho (2008, p. 35)
Sua taxa de transmissão pode chegar a 20% , ou seja, a cada 100 crianças nascidas
de mães infectadas, 20 podem tornar-se HIV+. Com ações de prevenção, no entanto,
a transmissão pode reduzir-se para menos de 1%.
Dados epidemiológicos do ano de 2006 informam 85% de casos de infecção perinatal
através da transmissão vertical, o que poderia ser evitado com medidas que permitissem, a
partir do esclarecimento das formas de contágio de mãe para filho, promover a profilaxia
adequada, mediante o acompanhamento por uma equipe de profissionais que atendesse às
expectativas das mulheres confirmadamente infectadas, culminando em uma maior
abrangência de gestantes e crianças.
Dados recentes do Ministério da Saúde comprovam que o percentual total de
gestantes infectadas era de 1,8% o que justifica os altos índices de recém natos infectados,
pois como refere o Boletim Epidemiológico do MS (2008), o número de crianças com idade
inferior a cinco anos infectados é de 31 por 100.000 habitantes no de Brasil. Já no Rio Grande
do Sul, esta proporção é de 12 por 100.000 habitantes.
Como acadêmica de enfermagem envolvida no cuidado, sempre tive a preocupação
com mulheres e crianças que apresentavam resultado positivo para o vírus HIV. A partir da
busca de conhecimentos mais aprofundados sobre a infecção e dados relativos a transmissão
vertical, a preocupação aumentou, o que determinou maior interesse acerca dessa
problemática, na tentativa de compreender o contexto em que essas mulheres e crianças estão
inseridas, os anseios, dúvidas e medos que as cercam em relação à transmissão vertical, assim
como a questão da não amamentação. Embora sem ter vivenciado contato direto com
puérperas soropositivas para HIV sempre me preocupou como seria, para elas, receber um
diagnóstico, quais seus sentimentos em relação a gestação, já que a condição de gestante faz
despertar uma série de outros sentimentos e expectativas, como a mulher enfrenta o fato de
existir a possibilidade de contaminação do bebê e a impossibilidade real de amamentar.
10
Acredito que como conduta primordial do enfermeiro frente a essa problemática, deve
ser o aconselhamento embasado em conhecimentos oriundos de capacitação e sensibilidade
humana, para saber ouvir e orientar com informações adequadas e comportamento que
promova a aproximação e laços de confiança entre paciente e profissional. Nessa perspectiva,
tem-se a afirmação de Amatuzzi (1990), onde refere que ouvir vem antes de falar, ou seja, o
fato de escutar realmente o que o outro ser fala, representa um imenso crescimento,
remetendo-nos ao mundo e aos outros, em termos de relacionamento interpessoal, de
comunicação. Já a relação do falar não contribui na mesma proporção, pois compreende a
roupagem da palavra, como ela é referida aos outros. Amatuzzi (1990) relata ainda que o
verdadeiro ouvir consiste em entender o que as pessoas dizem, e não apenas aquilo que elas
falam, sendo essa a disposição de ouvir realmente, pois consiste em entender o significado
pleno, o que culmina por produzir um contato entre as pessoas, levando ao enriquecimento
pessoal. Se não houver o enriquecimento através do contato, significa que não ouve plena
comunicação, portanto não existiu o ouvir realmente.
Essa forma de pensar e agir, exposta pelo autor, pode ser aplicada ao relacionamento
entre os sujeitos do cuidado, ou seja, o profissional enfermeiro(a) deve propor-se a ouvir as
mulheres soropositivas, promovendo uma aproximação e vínculo real, que permita um
momento de troca efetivo. Essa comunicação deve-se fazer presente em todos os momentos
da assistência, e o profissional necessita estar atento para as manifestações subjetivas das
palavras produzidas pelas gestantes, para saber interpretá-las em seu pleno significado,
possibilitando uma relação positiva entre ambos. Assim se reforça a necessidade da escuta
comprometida como uma das características essenciais na atenção ao binômio mãe e bebê
quando se pensa em atenção integral.
A idéia de atenção integral à mulher no pré-natal surgiu a partir do Programa de
Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN) no ano de 2000, pois como afirma Serruya,
Cecatti e Lago (2004) a falta de atenção e percepção da mulher como sujeito, com direitos
reprodutivos, aliado à falta de conhecimento e desrespeito à esses direitos, por parte dos
profissionais de saúde, refletiam a precária assistência direcionada a mulher antes do PHPN.
Essa conclusão levou o Ministério da Saúde a desenvolver, em junho de 2000, o PHPN, que
visa a incorporação de elementos como o respeito aos direitos de reprodução e a humanização
dos serviços de saúde.
O enfermeiro, como um dos profissionais que compõe a equipe multiprofissional de
saúde tem papel fundamental na orientação e adesão das gestantes e puérperas no tratamento
com a terapia antiretroviral, bem como nas medidas que devem ser adotadas após o
11
nascimento da criança, como a inibição da lactação. Pois como afirma Vaz e Barros (2000,
p.1 e 2)
Com as crescentes taxas de infecção pelo HIV na população feminina em idade fértil
podemos observar um aumento correspondente de infecções congênitas. A
enfermeira obstetra deve, portanto, estar atualizada para a participação e
desenvolvimento de programas de assistência pré-natal às gestantes portadoras do
HIV.
De uma maneira geral, o enfermeiro, mesmo sem possuir uma especialização em
saúde materno-infantil, deve estar preparado para oferecer uma assistência adequada à
paciente e ao recém nascido.
A atuação do enfermeiro é essencial, já que o contato com as gestantes se faz em
maior intensidade e freqüência, como por exemplo, durante as consultas do pré-natal onde são
oferecidas informações e orientações importantes para o desfecho favorável do processo
gravídico-puerperal, além da requisição de exames fundamentais para a detecção precoce de
doenças, dentre as quais o anti HIV. A testagem para esse vírus exige do enfermeiro
competência técnica científica e humanística para realização de aconselhamento, onde possa
esclarecer dúvidas, amenizar anseios, tornando este momento um espaço de troca entre
profissional e paciente, para que a mulher sinta-se acolhida e protegida, independentemente
do resultado do teste.
A chegada do resultado e a revelação do diagnóstico, principalmente quando positivo,
consistem em um momento delicado, onde a gestante pode se mostrar frágil e tensa,
necessitando que o profissional possa escutá-la e para isso deve haver a interação entre
ambos, estando o enfermeiro disponível para oferecer seu apoio e compreensão. (BRASIL,
2007)
Assim, o aconselhamento pós teste, é um dispositivo essencial para esclarecer
dúvidas, ofertar as orientações referente aos procedimentos e cuidados que a puérpera
soropositiva será submetida antes, durante e após o parto.
Dada a importância da temática e os riscos da transmissão vertical do HIV, este estudo
tem como objetivo geral: Conhecer como gestantes e puérperas soropositivas para o vírus
HIV estão vivenciando ou vivenciaram a orientação de não amamentar.
12
2 REVISÃO DE LITERATURA
A transmissão materno-infantil, ou seja, a contaminação do feto pelo vírus HIV,
oriundo de prévia soropositividade materna, é uma das maiores responsáveis pelo diagnóstico
positivo de crianças em todo o mundo, sendo assim, segundo Bellini (2008), essa preocupante
realidade provém de um significativo aumento nas infecções maternas pelo HIV e,
consequentemente, há a preocupação com o possível contato do feto com o vírus, vindo a
desenvolver a soropositividade.
Os dados percentuais gerais referentes às formas de transmissão vertical do HIV
demonstram que
Cerca de 35% dessa transmissão ocorre durante a gestação, 65% ocorre no periparto e há um risco acrescido de transmissão através da amamentação entre 7% e
22% por exposição (mamada), entretanto, a administração da Zidovudina (AZT)
na gestação e o uso de AZT no parto e no recém-nascido , reduz a taxa de
transmissão vertical para 8,3% (BRASIL, 2007, p. 12).
A infecção da criança pelo vírus pode ocorrer em várias fases da gestação, ou seja,
durante a gestação, parto e após o parto, no aleitamento materno (VAZ e BARROS, 2000).
Essa transmissão dá-se devido à uma série de fatores que estão presentes desde o prénatal, no qual constitui um momento importante para a detecção precoce do HIV, pois é
através dessas consultas que o profissional fará as orientações adequadas sobre os cuidados
com a gestação, bem como a requisição de exames fundamentais, dentre eles, o Anti-HIV,
constituindo uma forma importante de prevenção à transmissão perinatal do HIV, pois como
preconiza o Ministério da Saúde (2007, p. 15)
Como uma das estratégias para qualificar e ampliar o acesso ao diagnóstico do HIV,
particularmente para gestantes no pré-natal e maternidades, o PN-DST/AIDS está
incluindo a implantação do teste rápido para o diagnóstico. A utilização desses testes
permite que, no momento da consulta seja realizado o teste, o aconselhamento e o
diagnóstico em menos de 30 minutos, desde que realizado por profissionais de saúde
devidamente capacitados.
13
Essa conduta permite que medidas sejam tomadas com antecedência, evitando a
contaminação do feto, que seria inevitável se não houvesse intervenções profiláticas
adequadas.
Nas situações em que o rastreamento e diagnóstico confirmatório da soropositividade
não forem realizados durante a gestação, por motivos de não adesão ao pré- natal, ou mesmo a
não requisição do teste Anti-HIV pelo profissional de saúde, o teste rápido para a detecção do
vírus deve ser oferecido às gestantes nessa situação, pois segundo Brasil (2007, p. 60) “na
entrada da parturiente na maternidade deve ser oferecido o teste rápido para o HIV para todas
as gestantes que não tenham realizado investigação no pré-natal ou cujo resultado não esteja
disponível”.
Durante o pré-natal, toda gestante tem o direito e o dever de realizar o teste anti-HIV.
Quanto mais precoce o diagnóstico da infecção pelo HIV na gestante, maiores são as chances
de evitar a transmissão para o bebê, pois
O conhecimento do status sorológico da infecção pelo HIV e a precocidade do
diagnóstico torna possível a adoção de medidas que possibilitem a interrupção da
cadeia de transmissão, além de permitir uma atenção adequada às gestantes
infectadas (BRASIL, 2009, p.20).
Uma vez detectado a soropositividade da mãe, essa gestante passa a ser considerada de
alto risco, à medida que possui considerável chance de transmitir o vírus ao feto, além de
exigir dos profissionais um acompanhamento mais apurado, pois necessitará do apoio e
compreensão no momento do diagnóstico, além do adequado acompanhamento puerperal.
Segundo Vaz e Barros (2000), o aumento no número de mulheres que tornam-se soropositivas
durante a idade reprodutiva reflete uma maior preocupação em relação às gestantes HIV na
assistência pré-natal, não somente devido ao desenvolvimento do feto e aos riscos que a
gestação nessas condições implica, mas também no que diz respeito às questões de cunho
psicológico, social e familiar.
Juntamente a essa conduta, tem-se a realização do aconselhamento pré e pós-teste.
Essa intervenção permite que sejam realizadas as orientações necessárias, além de ofertar à
gestante o apoio no momento do diagnóstico, o qual consiste uma etapa desafiadora à mulher,
no caso do resultado positivo, pois há a junção de uma série de sentimentos, e a condição de
gestante faz aflorar sensações como medo de contaminar o bebê, devido a todas as alterações
14
psicológicas que essa etapa provoca à gestante. Afirmam Vinhas et. al. (2004), que o fato de
estar grávida e também soropositiva, traz a mulher diversas modificações no âmbito
psicológico, e essas mudanças ocorrem devido ao fato de entenderem que a contaminação
pelo vírus HIV não possui cura até o presente momento, e essa condição leva a uma maior
expectativa em relação a transmissão ao filho.
Portanto, nessas condições, faz-se necessário que o apoio e a orientação sejam os
componentes principais do aconselhamento, pois ajudará a gestante a entender e enfrentar as
situações conflituosas que a condição da soropositividade exprime, culminando no auxílio da
gestante à adesão tanto ao teste, na situação de aconselhamento pré-teste, quanto às medidas
de prevenção, na situação de aconselhamento pós- teste (BRASIL, 2006).
Segundo o Ministério da Saúde (2007) a interação e o vínculo entre a gestante e o
profissional que está realizando a assistência, são os pilares fundamentais para que o
aconselhamento seja eficaz, sendo assim, deve partir do profissional o estímulo da escuta
acerca dos anseios e possíveis dúvidas da paciente. Nessa linha de raciocínio, é
imprescindível a conduta acolhedora entre profissional e paciente, uma vez que o bom
relacionamento entre ambos permitirá um acompanhamento baseado na confiança, fazendo
com que as orientações e condições propostas pelo profissional atuante nas consultas, sejam
melhor aceitas pela gestante.
O diálogo permite que a interação entre os sujeitos, profissional e gestante, ofertando
um momento de trocas de conhecimentos, proporcionando ao profissional conhecer melhor o
contexto ao qual a mulher soropositiva está inserida, bem como, apontará o caminho
adequado a ser traçado no seguimento do tratamento e prevenção da transmissão vertical do
HIV, pois como afirma o Ministério da Saúde (2007, p. 18) “A integralidade, subjetividade e
compreensão dos diversos contextos de vulnerabilidades são elementos fundamentais para a
abordagem de redução de riscos”.
As orientações das gestantes durante o pré-natal constituem medidas que podem tornar
inviável a transmissão, desde que haja a devida atenção, comprometimento e dedicação do
profissional que está prestando a assistência direta à paciente, para que sejam esclarecidas
dúvidas sobre as formas de transmissão, promovendo o entendimento, e assim, a consequente
adesão às medidas profiláticas da transmissão vertical, como afirma Ortigão (1995) devido ao
fato de não existirem tratamentos ou vacinas que sejam eficazes contra a contaminação pelo
HIV, a profilaxia faz-se a melhor alternativa contra a transmissão do vírus ao feto, sendo
fundamental conhecer os mecanismos de transmissão do HIV.
15
As intervenções preconizadas pelo Programa Nacional de DST e Aids, atualmente,
para reduzir a transmissão vertical do HIV são
O uso de anti-retrovirais a partir da 14ª semana de gestação, com possibilidade de
indicação de AZT ou terapia anti-retroviral tríplice; utilização de AZT injetável
durante o trabalho de parto; realização de parto cesário eletivo em gestantes com
cargas virais elevadas ou desconhecidas, ou por indicação obstétrica; AZT oral
para o recém-nascido exposto, do nascimento até 42 dias de vida e inibição
de lactação associada ao fornecimento de fórmula infantil até os seis meses de
idade (BRASIL, 2007, p.13).
Das formas de contágio do feto pelo HIV, como já descrito anteriormente, a
intraplacentária, ou seja, durante a gestação, ocorre a partir de trocas entre a mãe e o feto.
Esse mecanismo de transmissão, ainda pouco conhecido, é a de menor incidência quando
comparada à forma de infecção no peri-parto, sendo considerável as chances de não haver
contaminação do feto, quando adotadas medidas profiláticas adequadas e adesão da gestante
ao pré-natal, ao tratamento e recomendações do profissional (BRASIL, 2007).
A transmissão peri-parto, ou seja, durante o trabalho de parto ou no parto
propriamente dito, ocorre devido ao contato do feto com secreções cérvico-vaginais ou com
sangue oriundo de microfissuras cutâneas da mãe (ORTIGÃO, 1995), no momento em que se
dá o rompimento das membranas amnióticas e o recém nascido passa a ter contato direto com
a mãe, pois afirma o Ministério da Saúde (2009, p. 45) que
O tempo de ruptura das membranas amnióticas está associado ao risco de
transmissão vertical: quanto maior o tempo de ruptura maior será o risco de
transmissão do HIV, particularmente quando superior a 4 horas. Fatores associados
ao trabalho de parto interferem diretamente no risco de transmissão. A contratilidade
uterina desencadeia microtransfusões placentárias, levando ao maior contato do feto
com o sangue materno. Em decorrência disso, a maior duração do trabalho de parto
está associada com maior risco de transmissão vertical do HIV.
Segundo o Ministério da Saúde (2007), essa forma é descrita como a maior
responsável pela transmissão vertical, estando presente em 65% dos casos.
A transmissão oriunda do pós-parto deve-se a prática do aleitamento materno,
desaconselhada pelo Ministério da Saúde (2007), que refere uma parcela de contaminação
infantil entre 7% e 22%. A transmissão vertical puerperal, ou seja, devido à amamentação,
exprime diversas faces de uma realidade que parece triste para uma parcela de mulheres
16
infectadas, pois o fato de não poder oferecer o alimento ao filho, quando o mesmo chora de
fome, pode trazer à mulher sensações e sentimentos desagradáveis, como por exemplo,
fracasso como figura de mãe, punição pela soropositividade para o vírus HIV, tristeza,
angústia, negação da condição de não amamentar, não aceitação do diagnóstico positivo, e
constrangimento perante a família, vizinhos e amigos, pois a puérpera, muitas vezes, esconde
a medicação dada ao filho, bem como omite e/ou mente às pessoas sobre a impossibilidade de
amamentar, o que dificulta o tratamento (BELLINI, 2008).
Os sentimentos vivenciados por estas mulheres-mães são os mais diversos, juntamente
com as idealizações e mitos presentes no fato de amamentar, como se esse poder conferido a
elas simbolizasse a única forma de vínculo com seu filho, pois não se trata apenas da doença
em si, ou seja, fatores físicos, mas também inclui fatores sociais, econômicos e culturais, e
mães soropositivas para o vírus HIV e que não amamentam seus filhos são, muitas vezes,
questionadas pela sociedade quanto ao fato de terem contraído o HIV, considerando essa
realidade como sendo fruto de uma vida promíscua, percebendo a soropositividade para o
HIV como um castigo (MORENO; REA; FILIPE, 2006).
Esta visão que a as pessoas referem faz com que as gestantes e puérperas encontrem
na não amamentação, um perdão para o castigo que julgam ser a infecção pelo HIV, como se
a proteção ofertada ao filho (não amamentá-lo), de alguma forma, também fosse sua própria
proteção, ela beneficia-se ao proteger a criança, pois passa a ter a chance de ser aceita e, de
alguma forma, “perdoada” pela sociedade, que considerará sua atitude como positiva
(MORENO, REA, FILIPE, 2006).
Os benefícios do aleitamento materno são inúmeros, sendo o leite fonte de subsídios
alimentares indispensáveis aos primeiros meses de vida do recém-nascido, essa concepção
não é contestada e sim incentivada, pois à medida que os estudos nessa área avançam, e as
propriedades do leite materno vêm sendo descobertas e mais conhecidas, pois o mesmo deve
ser o alimento exclusivo até os seis meses de idade do lactente, devido a sua superioridade
comparada a outras formas de alimentação, o que contribui para a diminuição da morbimortalidade infantil, principalmente através do auxilio na redução de doenças infecciosas,
especialmente a diarréia (BRASIL, 1995).
À medida que são aprofundadas as pesquisas e examinadas as particularidades
metabólicas e nutricionais da criança, entre os benefícios concedidos ao recém nascido podese destacar a diminuição dos fenômenos alérgicos, proteção contra infecções, melhor
digestibilidade, além do estreitamento do vínculo do binômio mãe-filho (BRASIL, 1995).
17
Além de beneficiar a criança, a prática de amamentar pode promover diversos
benefícios à mãe, além do momento de interação e carinho com o bebê, também são
verificados a diminuição de chances de desenvolver câncer de mama, recuperação mais rápida
do peso pré-gestacional, diminuição de sangramento pós-parto (BRASIL, 1995).
Em contrapartida, com todo o incentivo ao aleitamento, têm-se a outra face da
realidade, a existência de mães soropositivas para o vírus HIV que são impossibilitadas e
desaconselhadas a amamentar, essa condição refere-se à presença de riscos de contágio do
bebê pelo vírus HIV. Com o aumento de infectividade de mulheres em idade reprodutiva,
consequentemente, o índice de crianças também se torna elevado, por isso é fundamental que
haja o esclarecimento da forma de contágio através do aleitamento, tanto para preservar a
prática da amamentação, quanto para desenvolver métodos de controle da disseminação da
infecção. Como medidas de profilaxia à transmissão vertical preconiza-se que a prática do
aleitamento cruzado não deve ser permitida, bem como a mãe HIV positiva não deve doar seu
leite ao banco de leite. Nos casos em que o leite materno é fator de sobrevivência ao recém
nato, o leite deverá então, passar por um adequado processo de pasteurização, com
aquecimento a 62,5ºC por 30 minutos, e esse tratamento térmico é capaz de inativar 100% das
partículas de HIV presentes no leite, e passíveis de infectar o recém nascido (BRASIL,1995).
Segundo Ministério da Saúde (2009, p. 137) “É terminantemente contra-indicado o
aleitamento cruzado (amamentação da criança por outra nutriz), alimentação mista (leite
humano e fórmula infantil) e uso de leite humano com pasteurização domiciliar”.
Assim é orientada e instituída a inibição farmacológica e a não farmacológica. A
inibição farmacológica deve ser realizada utilizando-se Cabergolina, e sua administração deve
ser efetivada imediatamente após o parto, com a dosagem de 1mg via oral, em dose única, ou
seja, dois comprimidos de 0,5 mg via oral. Sua indicação se dá por motivos de efetividade,
comodidade posológica, bem como a menor incidência de efeitos colaterais, e esse
medicamento deve ser utilizado antes do período de alta hospitalar da paciente.
Já a inibição não farmacológica é realizada através da compressão das mamas com
uma atadura, devendo ser realizada com cautela, pois há risco de comprometimento dos
movimentos respiratórios, levando ao desconforto, e conseqüente não adesão à medida
indicada, além disso, em regiões de clima quente, há a ocorrência de abscessos mamários, o
que dificulta ainda mais a utilização da faixa.
O período de enfaixamento é preconizado em dez dias, iniciando imediatamente após
o parto, não devendo a mama ser manipulada, ou estimulada (BRASIL, 2009).
18
O enfermeiro que acompanha as mulheres em situação de inibição da lactação deve
estar atento, pois a inibição tanto farmacológica quanto a não farmacológica pode ser
igualmente dolorosa, física e emocionalmente para a puérpera que desejava amamentar.
Frente ao conhecimento destas dificuldades este estudo justifica-se pelo interesse em
conhecer como as mulheres soropositivas para o HIV têm vivenciado estas recomendações,
com vistas à promoção da saúde.
19
3 METODOLOGIA
3.1 Tipo de estudo
Tratou-se de um estudo qualitativo, sendo esse tipo de abordagem a melhor opção para
a investigação de grupos focalizados, de vivências sociais sob o ponto de vista dos atores. O
método qualitativo possui fundamentação teórica, permitindo, além do aprofundamento em
questões sociais referentes a grupos pouco conhecidos, oferece também, subsídios para a
construção de novas abordagens, conceitos e hipóteses durante a investigação (MINAYO,
2007). O estudo foi do tipo exploratório descritivo, na qual o mesmo visa o desenvolvimento,
o esclarecimento e a modificação de conceitos e idéias existentes, para que possam ser
realizadas abordagens e estudos futuros, proporcionando ao pesquisador uma maior
compreensão acerca do assunto para a formulação de hipóteses para posteriores pesquisas
(exploratório) possibilitando ainda descrever as informações e conhecimentos apreendidos
(descritivo) (GIL, 1999).
3.2 Local de realização do estudo
O estudo foi realizado no município de Uruguaiana, Rio Grande do Sul, no Centro de
Testagem e Aconselhamento (CTA), onde em 1995 o Serviço de Doenças Sexualmente
Transmissíveis (DSTs) iniciou as suas atividades implantando um centro que proporciona à
população testagem anti-HIV gratuita, bem como oferece também atividades como a prática
de educação em saúde. (PARRAGA; BENITES, 2005). Porém, o CTA do município,
encontra-se em processo de reestruturação, não oferecendo a testagem anti-HIV
momentaneamente, retornando a suas atividades no mês de março do ano de 2010.
3.3 Período de realização do estudo
O estudo foi realizado no período de março a julho de 2010 sendo que a coleta de
dados foi realizada no mês de abril.
20
3.4 População
Atualmente são atendidas no CTA 447 mulheres (entre não gestante, gestantes e
puérperas).
3.5 Amostra
Foram convidadas a participar do estudo as puérperas e gestantes que já vivenciaram o
período puerperal sem amamentar devido à soropositividade para o vírus HIV, que
compareceram ao CTA para atendimento nas segundas e quartas-feiras no período da tarde do
mês de abril. O total de seis sujeitos aceitaram participar do estudo, aderindo a entrevista.
3.6 Critérios de inclusão e exclusão
3.6.1 Inclusão:
Ser gestante ou puérpera soropositiva para o HIV, já tendo vivenciado a orientação de
não amamentar em decorrência do HIV.
3.6.2 Exclusão:
Ser gestante ou puérpera soropositiva para o HIV sem nunca ter vivenciado a não
amamentação.
3.7 Método de coleta de dados
Foram realizadas entrevistas, que compreendem um guia visando entender as idéias do
entrevistado, contendo poucas questões, não devendo, portanto, servir como obstáculo durante
21
a entrevista, prevendo todas as situações durante o trabalho de campo, pois questões irão
surgir ao longo dos questionamentos e o roteiro de entrevista de atuar frente a essas
emergências, dando continuidade aos assuntos (MINAYO, 2007).
As mesmas foram semi-estruturadas, ou seja, o roteiro da entrevista funcionou apenas
como tópicos de lembretes, podendo ser utilizado pelo entrevistador ao longo da conversa.
Esse roteiro deve ser flexível, à medida que possibilite a adição de novos temas, considerados
relevantes, trazidos pelo entrevistado (MINAYO, 2007).
As entrevistas foram gravadas em aparelho MP3 e após seu término foram transcritas.
Há a exceção dos sujeitos que não permitiram a gravação da mesma, nesse caso, as entrevistas
foram transcritas de acordo com as falas. Não foram utilizadas imagens dos sujeitos da
pesquisa. Durante o período de coleta, caso fosse necessário os contato dos sujeitos com a
pesquisadora foi fornecido o telefone fixo institucional, bem como o número do telefone
móvel da pesquisadora responsável, no qual os sujeitos poderiam realizar chamadas à cobrar,
identificando-se.
3.8 Método de análise dos dados
O método utilizado para análise dos dados foi a Análise Temática, que segundo
Minayo (2007, p. 316) “consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma
comunicação, cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico
visado”. Este tipo de análise se divide em etapas conforme descrito a seguir:
Primeira etapa
Pré-análise: quando se dá a escolha dos documentos a serem analisados, na retomada dos
objetivos iniciais da pesquisa. A pré-análise pode ser decomposta nas seguintes tarefas:
a) Leitura flutuante do conjunto de comunicações, em que o pesquisador toma contato direto
com o material de campo, deixando-se impregnar por seu conteúdo.
b) Constituição do corpus, termo que diz respeito ao universo estudado em sua totalidade,
deve responder a algumas normas de validade qualitativa: exaustividade, representatividade,
homogeneidade, e pertinência.
c) Formulação e reformulação de objetivos, processo que consiste na retomada da etapa
exploratória, tendo como parâmetro a leitura exaustiva do material, as indagações iniciais;
22
neste momento a riqueza do material de campo não deve ser obscurecida pelo tecnicismo; por
isso se fala em reformulação de hipóteses, o que significa a possibilidade de correção de
rumos interpretativos ou abertura para novas indagações.
Segunda Etapa:
Exploração do material: consiste essencialmente em uma operação classificatória, que visa
alcançar o núcleo de compreensão do texto nesta fase o investigador busca categorias que são
expressões, ou palavras significativas, em função das quais o conteúdo de uma fala será
organizado. A categorização, que consiste no processo de redução do texto a palavras e
expressões significativas e a uma etapa delicada, não havendo segurança de que a escolha de
categorias a priori leve a uma abordagem densa e rica.
Terceira Etapa:
Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: aqui o analista propõe inferências e realiza
interpretações, relacionando-as com o quadro teórico desenhado inicialmente ou abre outras
pistas em torno de novas dimensões teóricas e interpretativas, sugeridas pela leitura do
material (MINAYO, 2008).
3.9 Considerações éticas do estudo
Para atender às normas regulamentadoras das pesquisas envolvendo seres humanos
em consonância com o parecer do Conselho Nacional de Saúde (CNS)196/96, foi oferecido às
mulheres um termo de consentimento livre e esclarecido (apêndice A), no qual foram
informados os procedimentos de abordagem dos sujeitos, foram ainda informadas que a
pesquisa oferecia risco mínimo, foi garantido anonimato dos sujeitos, assim como sua
possibilidade de desistência do estudo em qualquer fase de realização dos trabalhos sem que
isto implicasse em situações que viessem a comprometer seu atendimento na unidade de
saúde. As informações foram utilizadas somente para fins acadêmicos. Os dados obtidos das
entrevistas permanecerão em poder da pesquisadora responsável pelo prazo de cinco anos,
decorrido este período o mesmo será incinerado. O presente projeto foi encaminhado ao
Comitê de Ética em Pesquisa e somente foi executado após sua aprovação com parecer
número 006 2010.
23
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
A partir dos dados coletados foram estabelecidas duas categorias, elencadas seguindose as fases propostas pela análise temática de Minayo.
4.1 Dificuldade de enfrentamento da condição da não amamentação
A inibição da lactação trata- se de uma conduta preconizada pelo Ministério da Saúde
para evitar a transmissão vertical do HIV, pois o índice de contaminação materno-infantil
eleva-se cerca de 25% em recém-nascidos de mães soropositivas para o vírus HIV que não
realizaram a aplicação das medidas de profilaxia adequadas durante as fases do pré-natal,
parto e puerpério, sendo essa taxa de infecção reduzida a parâmetros de 2%, quando aplicada
tais medidas. A não amamentação proporciona que sejam evitados riscos entre 7% a 22%
ocorridos devido à exposição do recém-nascido no momento da mamada, ou seja, quando a
criança entra em contato com leite materno contaminado. Essa conduta está associada ao
fornecimento de fórmula infantil até os seis meses de idade das crianças submetidas a tais
métodos de inibição (BRASIL, 2007).
Além dos fatores biológicos envolvidos na condição de amamentar, existem também
os fatores psicossociais, ou seja, aqueles que envolvem a identidade materna existente nesse
ato, e como a mulher-mãe enfrenta essa negação imposta pela presença da soropositividade
para o vírus HIV.
A perspectiva da soronegatividade do filho confronta-se com diversos dilemas
existentes, os quais destacam-se os físicos, sociais e emocionais, pois a sociedade ainda faz-se
rígida em relação a questões envolvendo mulheres soropositivas para o vírus HIV que
decidem assumir uma gestação. Essas mulheres enfrentam um risco social denominado
culpabilização, pelo fato das mesmas terem a possibilidade ou o risco de transmitir ao filho
uma patologia grave e momentaneamente sem cura, trazendo ao filho as mesmas limitações
aos quais são submetidas (BRAGA, 2009). Esse sentimento reflete a parcela existente de um
possível preconceito, vivenciado e expressado nas falas a seguir:
“(...) Aí mas aquilo assim te dói porque ficam te olhando com uma desconfiança sabe, aí tu
fica naquela assim...e agora o que que vão fala...fico naquela...aí eu até tinha pensado em
24
dize que eu pudesse te hepatite né, que hepatite também a gente não pode amamenta, mas
mesmo assim...tem a...tem gente que já te...que se afasta de ti também...”E6
“(...) Causa que muita gente às vez, se tu fala assim já te olha diferente, já te
tratam diferente...é diferente...”E6
A presença de um possível pré-julgamento a cerca da impossibilidade que essas
mulheres têm em amamentar gera um imenso desconforto como pode ser observado nos
relatos acima, o que foi também evidenciado através da linguagem não-verbal durante as
entrevistas. Segundo Silva et al. (2000) a expressão não verbal compreende as manifestações
do ser humano, que não são expressas pela fala através das palavras, e sim os gestos,
expressões faciais, bem como através da postura corporal apresentada pelo indivíduo ao
relatar ou vivenciar determinada situação. As gestantes e puérperas mostravam-se
desconfortáveis ao relatar sua experiência de não amamentação, pois a possibilidade da
transmissão materno-infantil juntamente ao preconceito ainda presente denotam que, o fato de
a mulher optar pela maternidade, na presença da soropositividade para o vírus HIV, é
geralmente encarada como um ato de total irresponsabilidade e egoísmo por elas praticado
(SANT’ANNA; SEIDL; GALINKIN, 2008).
O relato a seguir, demonstra a grande preocupação com o pré-julgamento perante a
condição de a gestante ou puérpera serem soropositiva para o vírus HIV, isso lhes coloca
frente à possibilidade de discriminação de seus filhos. Essas situações, quando relacionadas à
condição de não amamentar o filho, geram sentimentos que refletem o medo de que a
sociedade tome conhecimento do diagnóstico da soropositividade para o vírus HIV que elas
possuem devido à possibilidade de estigmatização e culpabilização das mesmas (BRAGA,
2009)
“(...) eu converso às vez muito com a mãe...(gaguejos)...tenho medo, tentar esconder o
máximo das minhas filhas pra um dia não jogarem na cara delas...às vezes eu fico pensando
nisso...é que às vez corre boato, coisa assim né..e...tarem jogando na cara ...as criança não
têm culpa... mas é que têm gente que são umas pessoa ignorante..e tratam às vez...e o erro
do pai delas, elas pagarem...é isso que eu tenho medo...” E6
“Outra fonte de preocupação para as mulheres HIV+ grávidas ou puérperas refere-se
ao fato de a não amamentação levantar suspeita sobre o seu status sorológico, expondo-as
eventualmente à estigmatização social” (SANT’ANNA; SEIDL; GALINKIN, 2008, p. 108).
25
Pode ser observada nos relatos a seguir a dificuldade enfrentada por essas mulheres,
no que diz respeito à necessidade de omissão da soropositividade, que está estreitamente
correlacionada com a amamentação, pois as mesmas sentem-se “obrigadas” omitir o real
motivo pelo qual são desaconselhadas a amamentar:
“(...) Difícil...rsrsrs (risos)...por causa que a primeira vez...quando eu descobri eu tive
aquele choque né, eu só pensava que eu não podia amamenta né... aí quando eu ganhei ela
né, aí iam no quarto..ai por que tu não bota...tu não dá mamá? E eu bem assim...ah porque
eu não tenho leite, e uma que ela, ela nasceu magrinha...aí eu tinha a desculpa que ela não
pegava, uma que não tinha leite e outra que ela ia te que fica na neo..mas mesmo assim aí
depois quando eu fui..não...elas me deram remédio lá pra seca meu peito, aí quando é....eu
fui pra casa que encheu...” ...” E6
“(...) Já dessa aqui já foi diferente...claro que a gente sente meio assim por não pode
amamenta, mas já, já não doeu tanto assim, mas...a gente fica assim, as pessoa perguntam
por que que tu não amamenta, aí...eu bem assim, é que eu não tenho leite, e uma que eu
tenho pouco seio, aí eu tenho a desculpa, aí bem assim...não é que não...não baixa o leite,
já não, já não pude amamenta na primeira, na segunda já não deu também...” ...” E6
“(...) É aquilo assim sabe, às vez dói...por tu ta...tu não te o que fala pra
pessoa...isso dói...aí...o brabo também é o leite em pó resseca
também...mas...como se diz, a vida é assim...” E6
“(...) Aí eu até tinha pensado em dize que eu pudesse te hepatite né, que
hepatite também a gente não pode amamenta, mas mesmo assim...tem a...tem
gente que já te...que se afasta de ti também...” E6
Os sentimentos relatados pelas gestantes e puérperas refletem a grande dificuldade em
enfrentar a condição de não amamentar seus filhos, o que evidencia-se também nos seguintes
relatos:
“(...) Pra mim foi difícil né, porque eu não sabia que tinha, fiquei sabendo
no meu terceiro filho, das outras eu pude, a gravidez das outras não são...”
E2
“... pra mim foi difícil não pode amamenta ela se vinha com as mão nos
peito, tudo, e eu não pude amamenta...” E2
“(...) Pra mim têm sido muito difícil, por...porque desde que...desde pequena a gente brinca
de boneca,a gente pensa assim, ai eu vou cresce, vo ter filho,vou dá mamá,vo troca, vo
cuida...e aí quando eu descobri que tava com HIV...eu não acreditei, eu saí desnorteada, eu
não sabia...eu pensei até em me atira na frente de um carro...e a primeira coisa que me veio
26
na cabeça era isso, porque é o contato que tu têm com o teu filho, é...o..é...é vida que tu ta
dando pra ele...”E5
“(...) Tu não pode amamenta é a mesma...claro, tu vai te ele contigo, mas
não é a mesma coisa, tu pode dá, transmiti vida pra ele, tu pode passa um
pouquinho...fica, senti ele mais pertinho de ti...senti sabe...”E5
“(...) Ele sente a tua respiração melhor, sente até o batimento do teu
coração melhor...acalma pra eles é melhor...pra mim é muito difícil, é muito
triste...”E5
O sofrimento emocional desencadeado pela não amamentação proporciona um
sentimento de dor, como relatado por algumas entrevistadas, pois se compreende como senso
comum na sociedade, que o fato da mãe não ofertar o leite materno, pode denotar alguma
alteração relacionada aquela mulher, seja de caráter pessoal, como falta de zelo, desamor,
negligência, entre outros (BRAGA, 2009), ou de caráter patológico, ou seja, a impossibilidade
de amamentar devido à alguma alteração orgânica, que a impeça de amamentar o filho, o que
gera de alguma forma, a desconfiança entre as pessoas para com ela.
No momento da descoberta da impossibilidade da amamentação, algumas vezes, a
mulher sente-se como se sua maternidade fosse reduzida pela metade, como se de alguma
maneira o seu papel de mãe fosse menos importante do que de outras que podem amamentar
seus filhos, pois compreende-se a amamentação como sendo o simbolismo materno, ou seja, o
ato de nutrir o filho possui, além de um determinismo biológico , o fator sociocultural
condicionador (ALMEIDA; NOVAK, 2004), o que pode tornar difícil o enfrentamento da
impossibilidade de estar coerente com o comportamento das demais mulheres/mães, o que
pode gerar, algumas vezes, o sentimento de inferioridade perante outras mães que
amamentam. Pode-se observar, nos relatos a seguir, a presença de tais sentimentos:
“(...) Ás vez eu quero se tão forte sabe...mas às vez dói...Hunf (suspiro)...é
como diz a minha mãe...Deus nada dá se a gente não pode suportar...mas é
que às vez dói...Hunfffff (longo suspiro)...”E6
“(...) Eu chorava de raiva...do pai dela e na mesma hora eu chorava de
raiva porque eu não podia dá... que aquilo me doía...”E6
“(...) Ás vez eu fico pensando, por que os outros podem amamenta e eu não
posso...”E3
27
O sentimento de inferioridade retratado no relato acima remete a outra questão, que
muitas vezes parece ser enfrentado por essas mulheres, denominado sentimento de impotência
perante a contaminação pelo HIV, bem como às limitações por ela impostas, como a não
amamentação, ou seja, o fato do filho procurar o seio da mãe referindo fome e a mesma não
poder alimentá-lo, pode trazer, algumas vezes, sentimentos de angustia devido a
impossibilidade de exercer uma ação solicitada pelo filho. Essas questões podem ser
evidenciadas nos relatos a seguir:
“(...) Ela procurava o seio pra pode mama e eu não podia dá...” E2
“(...) Da minha guriazinha eu não amamentei, mas desse bebezinho agora
que eu tô esperando, eu queria amamenta, mas não posso...” E3
“(...) A experiência é ruim... a gente têm uma consideração com as criança
pra pode não amamenta. É ruim...é ruim vê todas as mães amamentando, e a
gente não pode...” E3
Sentimentos de tristeza e desespero também foram relatados pelas mulheres, refletindo
a angústia existente, constituída pelo fato de as mesmas serem desaconselhadas a praticar o
aleitamento de seus filhos, pois o fato de estar gestando um ser, e descobrir-se portadora do
vírus HIV, desencadeia grandes mudanças de origem psicológicas, devido a compreenderam
que a contaminação pelo HIV ainda não possui cura, o que provoca o aumento nas
expectativas quanto a possível contaminação do filho, bem como traz sensações de medo,
insegurança, angústia e diversos questionamentos (VINHAS et al., 2004), essas aflições
mostram-se presentes também no que diz respeito ao sofrimento físico de tais mulheres, como
conseqüência de tal inibição, é o que percebe-se nos relatos que seguem:
“(...) Ai o pior triste dia das mães (bebê chora ao fundo), não podia
amamenta...é triste, te leite e não pode dá...” E2
“(...) Horrível...é ruim a gente te uma criança que tu tanto espera nasce e tu
não pode amamentar...pra mim é ruim...assim, quando eu descobri que eu
28
não podia amamentar me deu um desespero, eu entrei em depressão, ficava
só deitada...” E4
Assim, ressalta-se a importância do entendimento acerca das questões psicobiológicas
relacionadas à gestação mediante o diagnostico de contaminação pelo vírus do HIV, pois o
difícil enfrentamento da não amamentação dá-se devido ao fato dessa vivência estar
interligada à aspectos de origem clínica, bem como sociais e psicológicos, que podem
desencadear o sofrimento e esse sentimento entrelaça-se ao fato de que o HIV trata-se de uma
doença, até o momento, percebida como sinônimo de morte decretada, o que leva ao grande
estigma a cerca da mesma (BRAGA, 2009).
29
4.2 Gesto de amor pelo filho (a)
Segundo Lamounier, Moulin e Xavier (2004) o leite materno possui em sua
composição diversos componentes nutritivos, além de uma complexidade de células,
membranas e moléculas que atuam no organismo do recém-nascido conferindo a ele a
proteção
necessária
para
desenvolver-se
saudavelmente,
porém
a
condição
de
soropositividade para o vírus HIV determina à gestante e puérpera a negação da possibilidade
de amamentar o filho, devido ao risco de transmissão vertical.
A impossibilidade de exercer esta função materna de extrema importância pode
ocasionar na mulher, muitas vezes, situações e vivências dolorosas, pois além da mesma ter
que conviver com o diagnóstico de soropositividade para o vírus HIV, ainda possui chances
de transmitir a doença ao filho.
Essa condição desperta na mulher diversos sentimentos, dentre os quais destaca-se o
de angústia, devido a limitação existente em amamentar, porém, a medida em que o filho vai
sendo gerado, a gestação passa a simbolizar a possível valorização de si, já que o fato de dar a
luz a uma criança traria a vida,o que contraria a idéia que existe acerca da soropositividade
para o vírus HIV, ou seja, o imaginário de que a mesma determinava às gestantes e puérperas
infectadas, a certeza da morte e consequente abandono do filho. O risco de transmissão
vertical igualmente sofre mudança na maneira de ser encarada e compreendida pela gestante e
puérpera infectada, devido ao nascimento do bebê, ao simbolismo e “status” que a
maternidade confere (MOURA; PRAÇA, 2006 apud RUGGIERO, 2000).
Em muitas situações, essas mulheres-mães acometidas pelo HIV acabam considerando
a maternidade de um filho saudável como sendo sua razão para aderirem à terapia antiretroviral, pois desenvolvem força para resistirem às privações determinadas pela doença,
bem como às manifestações da medicação no organismo. Para essas mulheres o uso dos
medicamentos proporcionará a possibilidade de cuidar do filho, de vê-lo crescer e
possivelmente o alcance da cura dessa patologia (MOURA; PRAÇA, 2006).
As manifestações de amor e zelo pelo filho podem ser constatadas nos relatos a seguir,
onde a entrevistada confere às filhas, sua razão e motivação para estar viva e realizar o
tratamento com a terapia anti-retroviral, bem como aderir às orientações de profilaxia da
transmissão vertical, como a não amamentação:
30
“(...) Eu vivo por elas...me levanto todos dias por elas...pra mim pode dá
uma vida melhor pra elas... mas...se Deus quiser vai se, vai corre tudo
bem...” E6
“(...) Se eu não tivesse feito coisa errada, assim sabe, te..que eu pensei em tira tudo eu não
taria hoje gorda como eu to sabe...como eu digo pra mãe, acho que taria até morta já,
porque eu não ia me cuidar, como eu me cuido, assim sabe...me alimento, sempre, faço
meus exame direitinho, pra mim pode...com se diz...ãh...te força pra...vê elas grande né...”
E6
No contexto do HIV, segundo os relatos coletados das participantes entrevistadas, a
forma na qual as mães soropositivas podem demonstrar sua dedicação e amor para com os
filhos, contrapõem-se à imagem idealizada, muitas vezes, pela maioria das pessoas, que
entendem que a amamentação, além de representar um gesto de amor e afeição pelo filho,
também é essencial para a formação biológica da criança, e fundamentalmente trata-se de uma
ação preconizada para o desenvolvimento saudável do bebê, já que proporciona diversos
benefícios tanto para a mãe quanto para o filho, o que torna-o reconhecido como a forma mais
completa e indicada para alimentar o recém-nascido (LAMOUNIER; MOULIN; XAVIER,
2004), porém esse incentivo é vedado quando está relacionado à soropositividade da mãe para
o vírus HIV, o que desperta nesta o desejo de proteger o filho, mesmo sem poder oferecer a
ele o próprio leite.
A possibilidade de gestar e ver nascer um bebê livre da patologia que tanto às
preocupa e entristece, faz com que as mesmas sintam-se felizes ao pensar na possível e
esperada soronegatividade do filho, fato que pode ser observado nos relatos a seguir:
“(...) O importante pra mim é vê ele com saúde, sendo saudável, não tendo
risco nenhum...só isso já me deixa feliz!” E1
“(...) Eu no meu pensar, é o único gesto de amor que eu posso prova para o
meu bebê não amamentando, pra ele não corre risco nenhum...”E1
O gesto de amor e dedicação com o filho parece estar interligado ao fato de que as
mães soropositivas sentem-se comprometidas em não transmitir o vírus ao bebê, parecendo
encontrar na não-amamentação a forma de cumprir essa determinação, reforçando a
compreensão de que, na condição de soropositividade para o vírus HIV, o gesto de amor que
31
pode ser ofertado, com intuito de preservação da saúde do filho, seria a inibição da lactação,
como pode ser constatado no relato que segue:
“(...) É um gesto de amor porque com a minha guriazinha, todos os exames
que eu fiz, não, não teve nenhum poblema...aí então como eu não fiz com a
minha primeira guriazinha, não quero fazer pra esse bebê...” E3
Entender os sentimentos que cercam a gestação no contexto do HIV é de extrema
complexidade, pois a compreensão da expressão “gesto de amor”, ganha diversos significados
em se tratando da subjetividade do verbo “amar”, no entanto, na situação da soropositividade
essa expressão ganha o sentido de buscar ofertar satisfações, que podem ser de diferentes
naturezas, como satisfazer tanto o filho em não contrair o HIV, quanto a sociedade que irá
considerar como positiva a sua atitude de amor pelo filho, de preservação da saúde do bebê
(NÓBREGA; FONTES; PAULA, 2005 apud DORON; PAROT, 1991).
A pessoa ao receber o diagnóstico de uma patologia, até o momento incurável,
perpassa um longo caminho até a possível aceitação da realidade apresentada à ela. Esse
caminho é constituído por momentos como o de negação e de tristeza, sendo esses
sentimentos vividos e acatados de diferentes formas por cada ser humano (SILVA et. al.,
2008). Quando a descoberta da soropositividade se dá durante a gestação, a mulher tende a
vivenciar momentos que vão do desespero até a sensação de morte anunciada, e esses
sentimentos tornam-se conflituosos, chocando-se aos sentimentos provocados pela presença
da gestação ou do filho (MORENO; REA; FILIPE, 2006).
No entanto, segundo os relatos das participantes, a forma como as mesmas
transformam esses sentimentos negativos em ações que visam beneficiar o filho são
interpretadas por elas como sendo o gesto de amor a ser ofertado, a dedicação e preocupação
materna com a saúde do filho, e esse gesto manifesta-se no ato de não amamentar.
32
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A amamentação corresponde a uma determinação cultural e socialmente préestabelecida, o que a torna um ato rodeado por ideologias que nascem e se consolidam nas
condições reais e concretizadas da vida, pela formação do ser humano biologicamente e sua
estruturação como indivíduo inserido na sociedade (ALMEIDA; NOVAK, 2004).
O leite materno possui em sua composição natural, lactobacilos e bífidobactérias, que
compõem os pró-bióticos, sendo também uma fonte rica de oligossacáridos, que são prébióticos que atuam no organismo do recém-nascido protegendo-o contra diversas patologias
infecciosas ou não, e essa proteção perpassa todas as fases da vida.
São inúmeros os
benefícios proporcionados aos recém-nascidos que forem amamentados nos primeiros tempos
de vida (NETO, 2006).
Contrastando-se a todo esse incentivo que cerca a lactação, tem-se a presença de
mulheres soropositivas para o vírus HIV que são desaconselhadas a amamentar. E essa
inibição afeta diretamente a identidade social da mulher, ou seja, sua imagem como mãe
dentro da sociedade. Essa situação conflitante desencadeada pela não-amamentação afeta,
além da própria mulher, o filho, o que exigirá da mesma, o saber conviver com as possíveis
cobranças e conflitos interiores provocados pela inibição da lactação, para poder avaliar os
riscos e benefícios que a inibição dessa prática proporciona (MORENO; REA; FILIPE, 2006).
Percebe-se que a mulher na condição de gestante ou puérpera acometida pelo HIV,
identifica na inibição da lactação a revelação da condição de estar doente. Além disso, os
métodos para a realização da inibição, como o enfaixamento das mamas, confirmam seu
status sorológico e a sua impossibilidade de amamentar, impedindo que exerça sua
determinação biológica e cultural, o que contribui para a dificuldade da aceitação e
cumprimento dessa orientação. Frente a essa problemática, o incentivo encontrado por essas
mulheres para a adesão tanto ao tratamento medicamentoso, quanto a não amamentação,
parece ser a avaliação dos riscos e benefícios para o bebê (MORENO; REA; FILIPE, 2006).
A importante decisão de aderir a não-amamentação denota, segundo os relatos das
entrevistadas, o gesto de amor, de proteção, o instinto materno que leva essas mulheres a
evitar que seu filho adquira uma patologia que parece designar tantos estigmas.
Através das categorias elencadas e estudadas, pode-se compreender aos motivos que
determinam a dificuldade de enfrentamento da condição de não amamentar o filho, bem como
o entendimento que essas mulheres possuem acerca dessa inibição, que como constatado no
33
estudo, consiste para essas mulheres como sendo o gesto de amor ofertado aos filhos, já que
evitando o aleitamento materno, estarão também evitando a transmissão vertical puerperal do
HIV.
A realização do presente trabalho acrescentou à pesquisadora enorme aprendizado, à
medida que proporcionou momentos de intensa troca de vivências com as entrevistadas.
Durante o período de coleta de dados, foi possível elencar pontos positivos, que ajudaram na
realização das entrevistas, dentre os quais ressalta-se a interação pré-existente com as
gestantes e puérperas, o que facilitou a aproximação e formação do vínculo de confiança para
a coleta de informações.
As dificuldades também permearam o processo de construção deste estudo e dentre
elas pode-se destacar, a dificuldade de encontrar as entrevistadas no Centro de Testagem e
Aconselhamento (CTA) para realizar as entrevistas, e este entrave parece estar atrelado ao
preconceito, muitas vezes, existente, o que gera o possível medo entre as mulheres de que
algum julgamento pudesse ocorrer por parte da pesquisadora. Também se ressalta a questão
da temática como sendo, em parte, de difícil abordagem, no contexto em que as mulheres se
encontram, pois em sua totalidade, os relatos foram de tristeza ao mencionar a
impossibilidade de amamentar o filho. No entanto as mulheres que se disponibilizaram a
participar contribuíram muito com suas considerações.
Acredita-se que o assunto abordado como tema do estudo possa gerar grande impacto
nas opiniões formadas pela sociedade, pois existem sentimentos que surgem com diferentes
intensidades quando se trata do vírus HIV e suas manifestações, e esses sentimentos tornamse ainda mais intensos quando estão interligados a gestação mediante a possibilidade de
contaminação do bebê. Considera-se de suma importância que novos estudos sejam realizados
a cerca da problemática da não amamentação, e sua relação com a transmissão perinatal.
34
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, João Aprigio Guerra de; NOVAK, Franz. Reis. Amamentação: um híbrido
natureza-cultura. Jornal de Pediatria, v. 80, n. 5, 119-125 p. 2004.
ARAÚJO, Maria Alix Leite; VIEIRA, Neiva Francenely Cunha; BUCHER, Júlia Sursis
Nobre Ferro. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa de Nacional
de DST/AIDS. Aconselhamento pré e pós teste anti-HIV como estratégia de melhoria da
cobertura de testagem em gestantes e prevenção da transmissão vertical do HIV. Boletim
Epidemiológico- AIDS e DST, Brasília, ano III, n. 1, p. 16-22, novembro. 2006.
AMATUZZI, Mauro Martins. O que é ouvir. Estudos de psicologia, Campinas, n. 2, p. 8,
ago/dez. 1990.
BELLINI, Nara Regina. Significações Psicossociais do diagnóstico de HIV e do
impedimento da amamentação para as gestantes: um estudo clínico-qualitativo. 2008. 77 f.
Dissertação (Mestrado em Tocoginecologia). Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.
BOTELHO, Carlos Augusto de Olieira. Prevalência dos agravos no programa de proteção a
gestante do Estado de Mato Grosso do Sul de 2004 a 2007. 2008. 97 f. Dissertação (Mestrado
em Ciências da Saúde). Universidade de Brasília, Faculdade de Ciências da Saúde, Brasília.
BRAGA, Isabel Catarina Correia. Mulheres em idade reprodutiva infectadas pelo HIV:
contribuição para a prática de enfermagem. 2009. 93 f. Dissertação (Mestrado em
enfermagem). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria da assistência à saúde. Coordenação Geral do PN
DST/AIDS. Unidade de Promoção à Saúde e Assistência. Aleitamento X Mulheres
infectadas pelo HIV: recomendações. Coordenação Geral de doenças sexualmente
transmissíveis DST/AIDS. Brasília, p. 9-14. 1995.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em saúde. Programa Nacional de DST
e Aids. Plano Operacional para a redução da transmissão vertical do HIV e da Sífilis.
Brasília, p. 24. 2007.
35
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST
e Aids. Protocolo para a prevenção de transmissão vertical de HIV e síflis: manual de
bolso. 1. Ed. Brasília, p. 181. 2007.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST
e Aids. Boletim Epidemiológico-Aids e DST. Ano V, n. 1. Brasília, p. 64. 2008.
______. Ministério da Saúde. Consenso de Gestantes. Abordagem diagnóstica da infecção
pelo HIV na gestação: diagnóstico laboratorial da infecção pelo HIV. Versão Preliminar.
Brasília, p. 145. 2009.
______. Ministério da Saúde. Consenso de Gestantes. Profilaxia da Transmissão Vertical
do HIV no puerpério: suspensão da amamentação e inibição da lactação. Brasília, p. 136138. 2009.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.
ORTIGÃO, Maria Beatriz. AIDS em crianças: considerações sobre a transmissão vertical.
Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, vol.11, n. 1, p. 10, jan./mar. 1995.
LAMOUNIER, Joel A; MOULIN, Zeina S; XAVIER, César C. Recomendações quanto à
amamentação na vigência de infecção materna. Jornal de Pediatria, Porto Alegre, v. 80, n. 5,
p. 8. 2004.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em
Saúde. 10 Ed. São Paulo: Hucitec, 2007.
______. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11 ed. São Paulo:
Hucitec, 2008.
36
MORENO, Cirlei Célia Gomes Sanchez; REA, Marina Ferreira; FILIPE, Elvira Ventura.
Mães HIV positivo e a não-amamentação. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant., Recife, v. 6, n.
2, p. 199-208, abr./jun. 2006.
MOURA, Edilene Lins de; PRAÇA, Neide de Souza. Transmissão Vertical do HIV:
Expectativas e ações da gestante soropositiva. Rev. Latino-am. Enfermagem, São Paulo, v.
14, n. 3, p. 405-413, mai./jun. 2006.
NETO, M. T. Aleitamento materno e infecção ou da importância do mesmo na sua
prevenção. Acta Pediátrica Portuguesa, Portugal, v. 1, n. 37, p. 23-26, mar. 2006.
NÓBREGA, Sheva Maia da; FONTES, Érica Palmieri Guimarães; PAULA, Fabíola Maria
Souza Macêdo de. Do amor e da dor: representações sociais sobre o amor e o sofrimento
psíquico. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 22, n. 1, p. 77-87, jan./mar. 2005.
PARRAGA, Ana Paula Benites; ROSA, Roger dos Santos. As práticas de gestão financeira
no Programa DST/AIDS de Uruguaiana (RS): Reflexão sobre entraves administrativos.
Revista HCPA, Porto Alegre, vol. 25, n. 1/2, p. 68-75, abr./ago. 2005.
SANT’ANNA, Ana Carolina Cunha; SEIDL, Eliane Maria Fleury; GALINKIN, Ana Lúcia.
Mulheres, soropositividade e escolhas reprodutivas. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 25,
n. 1, p. 101-109, jan./mar. 2008.
SERRUYA, Suzanne Jacob; CECATTI, José Guilherme; LAGO, Tânia Di Giácomo. O
Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento do Ministério da Saúde no Brasil:
Resultados iniciais. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, vol. 20, n. 5, p. 17, set./ out.
2004.
SILVA, Lúcia Marta Giunta da; BRASIL, Virginia Visconde; GUIMARÃES, Heloísa
Cristina Quatrini Carvalho Passos; SAVONITTI, Beatriz Helena Ramos de Almeida; SILVA,
Maria Júlia Paes da. Comunicação não-verbal: reflexões acerca da linguagem corporal. Rev.
Latino-am. Enfermagem, São Paulo, v. 8, n. 4, p. 52-58, ago. 2000.
37
SILVA, Richardson Augusto Rosendo da; ROCHA, Vera Maria da; DAVIM, Rejane Marie
Barbosa; TORRES, Gilson de Vasconcelos. Formas de enfrentamento da AIDS: opinião de
mães de crianças soropositivas. Rev. Latino-am Enfermagem, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 7,
mar./abr. 2008. Disponível em: <www.eerp.usp.br/rlae>. Acesso em: 02 jun. 2010.
VAZ, Maria José Rodrigues; BARROS, Sonia Maria Oliveira de. Redução da Transmissão
Vertical do HIV: Desafio para a assistência de enfermagem. Revista Latino-Americana de
Enfermagem, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 11, abril, abr. 2000.
VINHAS, Dayane Cristina Silva; REZENDE, Leilinéia Pereira Ramos de; MARTINS, Cleusa
Alves; OLIVEIRA, Jane Portes de; HUBNER-CAMPOS, Rayssa Fátima. Amamentação:
impacto provocado nas gestantes HIV positivas. Revista eletrônica de enfermagem, v. 6, n.
1, p. 16-24, abr. 2004. Disponível em: <www.fen.ufg.br>. Acesso em: 02 jun. 2010.
38
APÊNDICES
39
APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Venho por meio deste instrumento, solicitar sua colaboração na coleta de dados para a
pesquisa intitulada: Gestantes e puérperas soropositivas para o HIV: como estão vivenciando
a não amamentação, que tem como objetivo geral conhecer como gestantes e puérperas
soropositivas para o vírus HIV estão vivenciando ou vivenciaram a orientação de não
amamentar. Os dados serão coletados no período de abril de 2010, através de entrevista semi
estruturada, que será gravada por voz, sendo solicitado o consentimento para gravação,
mesmo aqueles sujeitos que não aceitarem a gravação, mas que aceitem participar do estudo
poderão ser incluídos. Neste instrumento deixamos assegurada a liberdade de colaborar com
o estudo ou de desistir da colaboração, a qualquer momento, sem que sua decisão incorra
prejuízos de qualquer natureza. Reiteramos nosso compromisso com o seu anonimato, assim
como ressaltamos que sua colaboração não acarretará ônus de qualquer natureza. Tanto eu,
Raquel Einloft Kleinübing, pesquisadora, quanto a professora orientadora, Jussara Mendes
Lipinski, colocamo-nos à disposição para esclarecimentos adicionais que se fizerem
necessários em qualquer momento da realização do estudo, através das formas de contato que
constam a seguir, acrescentando-se nesse termo, o telefone institucional para que os sujeitos
possam entrar em contato se considerarem pertinente, salientando-se que os mesmos podem
realizar chamadas à cobrar para o telefone móvel da pesquisadora responsável, identificandose previamente.
__________________________
___________________________
Raquel Einloft Kleinübing
Jussara Mendes Lipinski
(55- 81199818)
(55- 81399400)
Uruguaiana ____ / __________________ / ________
______________________________
___________________________
(Assinatura participante)
(Nº identidade)
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e
Esclarecido, deste sujeito de pesquisa para participação neste estudo.
Uruguaiana ____ / __________________ / ________
____________________________________________
(Assinatura da pesquisadora)
Telefone institucional (Unipampa): (55) 3413-4321.
40
APÊNDICE B – Roteiro de entrevista
Dados Gerais
Data ___/___/___Idade:______ anos Estado Civil: (
) Casada
(
) Solteira
(
)
Outro
Profissão:
Você tem filhos:............... Quantos...........
Você poderia ou gostaria de falar sobre a orientação de não poder amamentar seu bebê, como
tem sido para você essa experiência.
41
APÊNDICE C – Carta de autorização da Secretaria de Saúde de Uruguaiana
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA
CURSO DE ENFERMAGEM
A
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE URUGUAIANA
A/C Secretário de Saúde de Uruguaiana
Sr. Luiz Augusto Fhurmann Schneider
Solicitamos sua autorização para que a acadêmica Raquel Einloft Kleinübing, do curso
de Enfermagem da Universidade Federal do Pampa, realize entrevistas com gestantes e
puérperas que freqüentam o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) no município de
Uruguaiana. Essa proposta visa o desenvolvimento de um projeto de Trabalho de Conclusão
de Curso, intitulado: Gestantes e puérperas soropositivas para o HIV: como estão vivenciando
a não amamentação, cuja orientação está sob tutela da professora Jussara Mendes Lipinski.
Cujo contato pode ser realizado pelo seguinte telefone 55 81399400
No aguardo de sua concordância, nos colocamos a sua inteira disposição para maiores
esclarecimentos.
Atenciosamente.
____________________________
Jussara Mendes Lipinski
Orientadora
____________________________
Raquel Einloft Kleinübing
Acadêmica
__________________________________
LUIZ AUGUSTO FUHRMANN SCHNEIDER
Secretário da Saúde
42
ANEXOS
43
ANEXO 1 – Carta de autorização do Comitê de Ética.
44
ANEXO 2- Termo de autorização de publicação nas bibliotecas da UNIPAMPA.
TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE PUBLICAÇÃO NAS BIBLIOTECAS DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA
Na qualidade de titular dos direitos de autor do trabalho, de acordo com a Lei nº 9610/98, eu
Raquel Einloft Kleinübing, estado civil solteira, de nacionalidade brasileira, portador do CPF nº
014.200.400-65, área de concentração em ciências da saúde, com defesa realizada em 13 de
julho de 2010, autorizo a Universidade Federal do Pampa, a disponibilizar o meu trabalho final
de conclusão de curso Intitulado “Gestantes e puérperas soropositivas para o HIV: como estão
vivenciando a não amamentação”, para fins de leitura, impressão ou Download, a título de
divulgação da produção, a partir dessa data, sem qualquer ônus para a UNIPAMPA.
Uruguaiana, 27 de julho de 2010
_________________________________
Informação de acesso ao documento
Liberação para publicação: ( )Total ( )Parcial
Em caso de publicação parcial, especifique o(s) arquivo(s) restrito(s):
Arquivo(s) / Capítulo(s):_________________________________________________________
Em caso de restrição, indique o período:____________________________________________
Dados Complementares:
Nome do orientador:_________________________________________________________
CPF:_________________________________________________________________________
Membro da Banca:_____________________________________________________________
CPF:_________________________________________________________________________
Membro da Banca:_____________________________________________________________
CPF:_________________________________________________________________________
Download

A percepção de gestantes soropositivas quanto à não