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“LEGGERE, SCRIVERE E CALCOLARE”:
ESCOLAS COMUNITÁRIAS ÉTNICAS ITALIANAS NO RIO GRANDE DO SUL
Terciane Ângela Luchese
Universitário da Região dos Vinhedos
RESUMO
Olhando para a escola como espaço de atravessamento cultural, importa conhecer a história
daquelas escolas, percebendo a relevância das negociações e (re)construções dos processos
identitários. O objetivo deste artigo é reconstruir a história das escolas étnicas da chamada Região
Colonial Italiana no Rio Grande do Sul, tendo como foco principal o final do século XIX e início do
século XX, momento em que houve maior participação e importância desta forma de escolarização.
O enfoque da análise são as chamadas antigas colônias italianas – Dona Isabel, Conde d´Eu e
Caxias – hoje correspondendo aos municípios de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Santa Tereza,
Garibaldi, Carlos Barbosa, Farroupilha e Caxias do Sul. As principais fontes de pesquisa utilizada
foram os relatórios dos agentes consulares bem como aqueles dos chamados professores –agentes –
italianos enviados pelo Governo para algumas colônias e que desempenharam a função de agentes
consulares bem como a de professores. Os cônsules, preocupavam-se com a falta quase absoluta de
instrução nos núcleos coloniais. É possível encontrar em todos os relatórios consulares registros que
retratam a situação das colônias mencionando a falta de escolas e a necessidade do governo italiano
intervir, passando a apoiar a educação, enviando livros e material escolar. Certamente transparece a
perspectiva de manutenção dos laços culturais com a Pátria-mãe – a Itália, através do ensino.
Entendo como escolas comunitárias étnicas aquelas ‘aulas’ criadas por iniciativa dos próprios
imigrantes, em que o ensino era ministrado em italiano (dialetos) e que, em sua maioria, recebiam
subsídio material (livros didáticos) da Itália. As iniciativas dos imigrantes são resultado também das
condições de ensino em que encontrava-se a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul em fins do
século XIX. Nesse sentido, válido lembrar a participação das próprias Sociedades Italianas de Mútuo
Socorro. Estas associações assumiram, em diferentes contextos funções de intermediação e
preservação dos laços com a pátria de origem através de festividades cívicas - italianitá, foram
espaços de auxílio mútuo em caso de doença, morte ou sinistro, e muitas também assumiram atividade
de ensino. Estas, em sua maioria, mantiveram em sua própria sede escolas e distribuíram o material
didático proveniente da Itália. Essas escolas constituíram-se em espaços privilegiados de ensino das
noções mais básicas de leitura, escrita e cálculo. O professor era em geral alguém da própria
comunidade que dispunha-se a ensinar, mediante módicas contribuições.
Ressalto que a campanha de nacionalização preventiva ocorreu desde a Primeira Grande
Guerra – o que motivou o Estado a incentivar a supressão destas escolas étnicas; a expansão do ensino
público gratuito ou mesmo das escolas confessionais particulares; a inexistência de recursos para
manter as escolas – seja por parte do governo italiano que contribuía apenas com o material escolar,
ficando o pagamento dos professores a cargo das mensalidades pagas pelos alunos; a baixa qualidade
de ensino já que apenas as noções rudimentares de leitura, escrita e aritmética eram trabalhados, sendo
que quando havia o ensino da história e da geografia eram os da Itália apenas os ensinados; são fatores
que considerados no conjunto permitem compreender a curta duração da maioria das escolas étnicas
italianas
Palavras-chave: escolas comunitárias étnicas, imigrantes italianos.
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TRABALHO COMPLETO
Considerando os contextos culturais, sociais, políticos e econômicos que permeiam a trama
histórica dos processos de imigração, em especial de italianos1 para o Rio Grande do Sul a partir de
1875, o intuito deste artigo é reconstruir um pouco da história das escolas étnicas entre aqueles grupos.
Destaco, concordando com Kreutz que
A dimensão étnico-cultural é construída e reconstruída constantemente num
processo relacional em que os grupos e indivíduos buscam, selecionam, ou relutam em
função do significado que fenômenos e processos tem para eles. Por isto a educação e
a escola são um campo propício para se perceber a afirmação dos processos
identitários e os estranhamentos e as tensões decorrentes da relação entre culturas.2
Desta forma justifico o foco de análise e de importância da reconstrução histórica dos
processos escolares étnicos entre aqueles grupos que eram diversos, mas que acabaram assumindo a
perspectiva identitária, no Brasil, de ‘italianos’.
O enfoque da análise são as chamadas antigas colônias italianas – Dona Isabel, Conde d´Eu e
Caxias – hoje correspondendo aos municípios de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Santa Tereza,
Garibaldi, Carlos Barbosa, Farroupilha e Caxias do Sul.
Entendo por escolas étnicas as ‘aulas’ elementares que, na maioria dos casos, por iniciativa
das próprias comunidades eram instituídas. As que funcionavam na zona urbana, em geral, foram
resultado do empreendimento das Sociedades de Mútuo Socorro. As rurais, eregidas pelas próprias
famílias da comunidade que mediante a inexistência de escolas públicas ou pela própria distância,
escolhiam o professor entre aqueles moradores que era um pouco mais instruído. O ensino era em
italiano (geralmente dialetos – especialmente o vêneto) e em alguns períodos, essas escolas recebiam
material didático do Governo Italiano. Ressalto que os imigrantes falavam os dialetos maternos de
suas respectivas regiões de origem, conheciam mal o italiano – que de certa forma dificultava,
inicialmente, o uso dos livros didáticos.
As iniciativas dos imigrantes são resultado também das condições de ensino em que
encontrava-se a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul em fins do século XIX. Conforme
estudo realizado por Schneider, durante a década de 1870 a instrução pública, no meio rural, era muito
precária. Ela não podia ser regulada pelas mesmas normas que a maioria das escolas da Província, já
que os filhos de imigrantes falavam dialetos diferentes e os professores não poderiam ensinar se não
compreendessem o que seus alunos falavam.3 Surgia, então, um grande problema: onde conseguir
professores que compreendessem os dialetos italianos, dominassem o idioma nacional e se
dispusessem a se deslocar até as colônias e ali permanecerem para ministrar suas aulas?
Para solucionar essas dificuldades, o Governo passou a incentivar a criação de aulas
particulares, através de seu órgão, a Inspetoria Especial de Terras e Colonização. O ofício de julho de
1878, comunicava aos diretores das colônias que o Governo deixara o estabelecimento das aulas para a
iniciativa dos particulares. Entretanto, continuava contribuindo com 25$000 mensais quando o número
de alunos passasse de 15, e mais 1$000 por cada aluno que ultrapassasse esse número, contanto que
não excedesse a importância com que abonava os professores nomeados.4 No ano anterior, em 6 de
agosto de 1877, o Ministro da Agricultura mandara um aviso comunicando aos professores
1
Neste artigo utilizarei a denominação genérica e, digamos, hoje comum de – italianos, para nomear todos os
imigrantes saídos da península itálica ao final do século XIX e início do século XX. Ressalto entretanto que uma
discussão sobre os processos identitários destes grupos é um tema de grande pertinência.
2
KREUTZ, Lúcio. Imigrantes e projeto de escola pública no Brasil: diferenças e tensões culturais. In:
Educação no Brasil: história e historiografia. Sociedade Brasileira de História da Educação (org.). Campinas:
Autores Associados, 2001, p. 123.
3
SCHNEIDER, Regina Portela. A instrução pública no Rio Grande do Sul (1770 - 1889). Porto Alegre: ed.
Universidade/UFRGS/EST edições. 1993. p. 356.
4
Ofício n. 218, da Inspetoria Especial de Terras e Colonização para os diretores de núcleos coloniais em
01/07/1878. Lata 280, maço 09, Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
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particulares existentes ou aos que se estabelecessem nas colônias que os diretores também deveriam
providenciar a construção das escolas, se houvesse mais de trinta alunos.5
Neste sentido, existiram muitas iniciativas por parte dos próprios pais e da comunidade que
criava “aulas” onde o professor era pago para que ministrasse os conhecimentos básicos na leitura,
escrita e cálculos. Conforme o imigrante Júlio Lorenzoni, estabelecido em Dona Isabel:
A absoluta falta de escolas do Governo Brasileiro obrigava o colono a
escolher as pessoas mais aptas para ensinar a ler, escrever e fazer contas àquela
mocidade toda, sob pena de criarem-se na maior ignorância, verdadeiramente
analfabetos. Precisavam então conformar-se com o melhor que houvesse, pois não
eram professores formados os que iam lecionar, mas sim os que, na Itália, tivessem
recebido uma razoável instrução e que, mediante módica retribuição, se sujeitassem a
desempenhar a árdua tarefa de mestre, o que procuravam fazer da melhor maneira.6
Giovanni Battista Beverini, cônsul italiano no Rio Grande do Sul no período de 1908 a 1917,
registrou, em relatório de 1913 dois obstáculos que impedem a difusão do ensino. O primeiro deles,
refere-se às grandes distâncias que separam os colonos, obrigando as crianças a andarem uma ou duas
horas a cavalo até chegarem a escola, o segundo que era determinado, segundo ele, pelos próprios
colonos, os quais na época dos trabalhos não mandavam seus filhos para a escola pois, afirmavam
precisar de todos os braços para a sua colônia.7
Entre os imigrantes havia alguns professores com formação em sua terra natal, mas seu
número era insuficiente para suprir a carência / necessidade de escolas. Conforme Giron "[...] entre os
imigrantes da Colônia Caxias, apenas quatro se identificaram como professores, sendo os responsáveis
pelas primeiras escolas particulares regionais. Foram eles Giacomo Paternoster, Abramo Pezzi,
Clemente Fonini e Marcos Martini."8
Essas iniciativas foram muito comuns no interior das colônias. Diversos foram os casos
em que as famílias de imigrantes uniram-se para empreenderem em mutirão a construção da escola,
geralmente uma pequena casa de madeira rústica, apesar de, nos primeiros tempos estas aulas terem
funcionado na própria casa do professor ou na casa das crianças.
Já nas primeiras décadas do século XX estas aulas foram desaparecendo pela
dificuldade dos pais manterem o investimento (em especial pelo elevado número de filhos), pelo
crescimento de ofertas de escolas de outras modalidades ou pela própria desistência do professor
mediante parcas remunerações (o que por vezes era feito em espécie – feijão, trigo, milho...).
Tiveram papel fundamental no incentivo e criação de escolas italianas, as chamadas
Sociedades de Mútuo Socorro. Estas associações assumiram, em diferentes contextos funções de
intermediação e preservação dos laços com a pátria de origem através de festividades cívicas italianitá, foram espaços de auxílio mútuo em caso de doença, morte ou sinistro, e muitas também
assumiram atividade de ensino. Em 1925, B. Crocetta informava a existência das seguintes
associações:
Nome da Associação
Príncipe di Napoli
Rainha Regina Margherita
Stella d´Itália
Príncipe de Piemonte
Cristóforo Colombo
Ano da fundação
1887
1882
1888
1894
1910
5
Localização
Caxias do Sul
Bento Gonçalves
Garibaldi
Alfredo Chaves (hoje Veranópolis)
Nova Trento
Ofício da Inspetoria Especial de Terras e Colonização enviado para todos os diretores de colônia em
15/09/1877. Lata 280, maço 09, Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
6
LORENZONI, Júlio. Memórias de um imigrante italiano. Tradução Armida Lorenzoni Parreira. Porto
Alegre: Sulina, 1975. p.126.
7
BEVERINI, Giovanni B. Nella zona coloniale agricola del Rio Grande del Sud. Apud: IOTTI, Luiza
Horn. O olhar do poder – a imigração italiana no Rio grande do sul, de 1875 a 1914, através dos relatórios
consulares. Caxias do sul: EDUCS, 1996, p.103.
8
GIRON, Loraine Slomp. Colônia Italiana e Educação. In: Revista História da Educação. Pelotas: UFPel, nº
3, vol. 2, set. 1998, p. 90.
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Vitório Emanuelle III
Camillo Cavour
Umberto I
Cristóforo Colombo
Vitório Emanuelle III
Duca d´Acosta
Vittorio Emanuelle III
Comte Verde
Humberto II
Croce Rossa
Enrico Millo
1911
1908
1908
-
Antônio Prado
Eulália – Bento Gonçalves
Jansen – Bento Gonçalves
São Marcos de Caxias
Nova Pádua (hoje Flores da Cunha)
3a. Légua de Caxias
Nova Pádua (hoje Flores da Cunha)
Bella Vista - Caxias
Xª Légua de Caxias
Antônio Prado
Palmeiro – Bento Gonçalves
Nem todas mantinham escolas. Mas, em Conde D´Eu, por exemplo, foi com a fundação da
Sociedade Stella d´Itália, em 1884 que organizaram a escola italiana. Como podemos observar no
quadro, houve associações de imigrantes italianos também nas zonas rurais. Caso das sociedades
Camilo Cavour, localizada na Linha Santa Eulália e fundada em 1888 e a Camilo Cavour da Linha
Jansen, fundada em 1894 – ambas na antiga Colônia Dona Isabel e que atuavam na difusão da
instrução.
As autoridades italianas, como os cônsules, preocupavam-se com a falta quase absoluta de
instrução nos núcleos coloniais. É possível encontrar em todos os relatórios consulares registros que
retratam a situação das colônias mencionando a falta de escolas e a necessidade do governo italiano
intervir, passando a apoiar a educação, enviando livros e material escolar. Certamente transparece a
perspectiva de manutenção dos laços culturais com a Pátria-mãe – a Itália, através do ensino.
Enrico Perrod, cônsul italiano em Porto Alegre escrevia em seu relatório de 1883 que sua
visita às colônias da serra tinham como um dos intuitos principais formar um juízo do estado
intelectual e das aspirações que nutriam quanto à instrução aqueles colonos.9 Enumera que os colonos
lhe fizeram, em sua visita, dois pedidos apenas: estradas e escolas, já que o que estes podiam fazer a
respeito já o tinham feito. Referindo-se aos custos para a instrução, constatava que os valores eram
elevados:
[...] o dinheiro ainda é raro e o preço dos livros elevadíssimo. Um abecedário
custa 500 mil réis (1,25 liras), uma pequena gramática, 1 mil réis (2,50 liras), e um
simples livro de leitura, entre 2, 50 e 5,50 liras. (...) Sobre uma média de rendimentos
calculada em 300 franco ao ano, segundo meus cálculos, cada pai reserva pois, cerca
de 60 a 70 francos para a instrução dos filhos. E que pediram a mim? Não subsídios
pecuniários, mas livros escolares.10
Perrod afirmava que seria uma calamidade permitir que a instrução elementar se extinguisse
nas colônias e, nada havia de se esperar das escolas brasileiras já que as aflições e lamentos em relação
àquelas eram constantes por parte dos colonos. E, referindo-se exclusivamente à colônia Dona Isabel,
informava:
Em Dona Isabel há uma escola pública onde leciona uma senhora, mas a
maior parte dos pais retiram dela seus filhos, e os enviam para a de um professor
italiano, de quem vi o diploma de licença ginasial, e outros certificados de elogio
dados pelas autoridades municipais italianas. Cada criança paga mensalmente 1 mil
réis para frequentar as aulas. Na Linha Palmeiro há também uma escola, mantida com
grandes dificuldades pelos próprios colonos. O professor chama-se Santo Bolzoni.
Dele também vi os diplomas e certificados recebidos das autoridades municipais
italianas. Na verdade, é desoladora a situação destes professores. Sabem que são mais
cultos, e mesmo assim, embora trabalhem tanto quanto os demais colonos, encontram9
DE BONNI, Luis A. Bento Gonçalves era assim. POA:EST / Caxias do Sul: Correio Riograndense / Bento
Gonçalves: FERVI, 1985, p. 26 e 27.
10
Id.ibidem, p. 27.
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se na impossibilidade de fazer a menor economia. Conseguem apenas sobreviver,
enquanto muitos de seus concidadãos, em breve tempo, conseguem um modesto
patrimônio. De outro lado, como estes concidadãos jamais pagaram diretamente o
professor, agora fazem dificuldades em tirar de suas duras fadigas uns 60 ou 70
francos anuais para a instrução de um filho, ou 150 francos, para quem possui mais de
um.11
As autoridades italianas buscavam incentivar a criação de escolas pela iniciativa dos colonos.
Em 1882, haviam criado, em Dona Isabel, a Sociedade Artística de Mútuo Socorro, que contava
inicialmente com 40 sócios. Através do incentivo de Enrico Perrod, em 1883, no ano seguinte surgiu
uma escola italiana. Lorenzoni descreveu-a afirmando que:
Seu primeiro mestre foi o senhor Isidoro Cavedon, que residia na Linha Santa
Eulália e o Inspetor Escolar era o Reverendo Padre João Menegotto, pároco local (...)
Devido, ao ordenado mínimo que lhe era outorgado, e também à distância que o
separava da família, pouco depois pediu sua demissão sendo substituído pelo senhor
Santo Bolzoni.12
O terceiro professor da escola italiana, mantida pela Sociedade de Mútuo Socorro, foi o
próprio Júlio Lorenzoni. Em suas memórias Lorenzoni relata a situação escolar da época:
Prestei o devido exame perante o Inspetor Escolar e mais dois membros, no
dia doze de maio daquele mesmo ano. Na sessão ordinária da sociedade, realizada no
dia dezenove do mesmo mês fui aprovado para desempenhar provisoriamente o cargo
de professor elementar, nas mesmas condições do meu antecessor, a saber: trinta milréis mensais. Tinha a obrigação de dar aulas cinco horas por dia (menos os festivos) e
servir, ao mesmo tempo, de secretário da Sociedade. (...) No primeiro dia de junho
abri minha escola, atendendo a nada menos que cinqüenta alunos. O local da escola,
ao mesmo tempo sede da Sociedade, era uma espaçosa sala, na propriedade do senhor
Henrique Enriconi, bem arejada e com luz suficiente. (...) Depois de três meses, o meu
ordenado de professor foi aumentado de dez mil-réis e, com esse mísero pagamento,
desempenhei o árduo serviço até dezembro de 1889. Naquela ocasião, era nomeado
para as funções de agente postal e deixava o meu cargo com o senhor Alberto Bott,
que me substituiu. Recordo ainda, com viva satisfação, que, durante todo o tempo
desempenhei o magistério nessa ex-colônia ( cinco anos e sete meses), sempre tive
uma freqüência média superior a quarenta alunos e pude constatar que muitos desses
conseguiram tirar grande proveito dos ensinamentos que, com verdadeira paixão à arte
de ensinar, procurei ministrar-lhes.13
Informava ainda que naquela época haviam sido criadas quinze escolas italianas mistas nas
diversas linhas, todas, porém, dependendo da Sociedade, que era quem se interessava pelo seu
funcionamento e que distribuía-lhes os parcos recursos que possuía. O Real Consulado Italiano de
Porto Alegre encaminhava à Sociedade Rainha Margarida o que esta necessitava em livros e meios
para atender professores e alunos, tudo proveniente do Governo da Itália. A média da população
escolar naquela época era de cerca de quinhentos alunos. Os subsídios às escolas rurais, por parte da
Sociedade, durou até fins de 1894, quando uma a uma foram sendo fechadas, por abandono de parte
das autoridades consulares, suspendendo os subsídios, e pela falta de recursos da Sociedade para
manter em funcionamento tantas aulas.14 Em Caxias e em Conde d´Eu, havia várias Sociedade de
11
DE BONNI, Luis A. Bento Gonçalves era assim. POA:EST / Caxias do Sul: Correio Riograndense / Bento
Gonçalves: FERVI, 1985, p. 33 e 34.
12
LORENZONI, Júlio. Memórias de um imigrante italiano. Porto Alegre: PUCRS / Sulina, 1975. p. 123 e
124.
13
LORENZONI, Júlio. Memórias de um imigrante italiano. Porto Alegre: ed. Sulina, 1977, p. 123 e 124.
14
Id.ibidem, p. 124 a 126.
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Mútuo Socorro e, também nestas, como foi dito anteriormente, iniciativas escolares e o recebimento
de material didático.
Os subsídios fornecidos pelo governo italiano para estas escolas constituíam-se na remessa de
livros didáticos e materiais de ensino sendo que não previa o pagamento dos professores, que
deveriam contar apenas com as mensalidades dos alunos.
No ano de 1884, Pascoale Corte, também cônsul, visitou novamente as colônias e referiu-se à
situação da instrução em Dona Isabel:
A colônia possui na sede uma sociedade italiana de mútuo socorro, com 85
sócios e um capital de reserva de cerca de 2 mil francos.(...) Esta sociedade abriu uma
escola italiana que conta com cerca de 60 alunos , de ambos os sexos. Há também uma
escola pública mista, mantida pelo governo e uma banda de música, organizada por
diletantes italianos. Nas várias linhas, contudo, talvez por falta de professores, a
instrução é bastante descuidada, embora depois de minha visita me tenha sido
prometido em diversas linhas, principalmente na Palmeiro, que serão abertas escolas,
pagando os colonos uma mensalidade aos professores.15
Entre os anos de 1891 e 1896 assumiu como agente consular em Caxias do Sul Domenico
Bersani, tendo sido também, Inspetor Escolar oficial das escolas de língua italiana existentes na léguas
que constituíam Caxias.16 Também em Bento Gonçalves, o padre e também agente consular, Giovanni
Menegotto foi, por alguns anos, inspetor escolar. Em diversos casos encontramos a presença de
professores-agentes, ou seja, agentes consulares italianos que assumiam também a tarefa do ensino ou
mesmo da supervisão do ensino ministrado nas escolas italianas.
Outro relatório, de Eduardo de Brichanteau, de 25 de março de 1892 noticiava que existiam 7
escolas públicas das quais 2 eram na sede e 5 nas linhas. Estas escolas, segundo ele, eram pouco
frequentadas pelos filhos dos colonos, que preferiam as italianas. Estas também perfaziam um total de
7 sendo muito frequentadas- especialmente a da sede. Brichanteau afirmava que os alunos eram em
sua maioria nascidos no Brasil, sendo apenas 7% os italianos. Na escola italiana mantida na sede pela
Sociedade de Mútuo Socorro Regina Margherita as aulas eram gratuitas para os filhos de sócios já
que o subsídio público era suficiente para o pagamento dos professores. A sociedade cedia o local, os
móveis e arcava com pequenas despesas. Nas outras escolas étnicas cada aluno pagava em média 500
réis mensais. Por fim, acrescentava Brichanteau que "em geral os colonos desejam que as escolas
italianas progridam, mas, assim como na Itália, há também aqui os que pouco se preocupam com a
instrução de seus filhos."17
As “escolas italianas” foram importantes na manutenção da língua e do culto da Itália como a
pátria dos filhos dos imigrantes. A importância do professor como elemento de ligação entre os
imigrantes, a cultura e língua italianas foi reconhecida pelo governo da Itália, que no final do século
XIX designou o professor-agente, com o objetivo de fazer a ligação entre os imigrantes e as
autoridades consulares italianas.18
Os relatórios que referem-se ao processo escolar em Bento Gonçalves e que tornam-se fonte
fundamental são os elaborados por Luigi Petrocchi19. Ele veio como professor subsidiado pelo
Governo Italiano e serviu de agente consular na região entre os anos de 1903 e 1909 (pelas
informações obtidas). Em seu relatório de 1903 noticiava:
15
DE BONNI, Luis A. Bento Gonçalves era assim. POA:EST / Caxias do Sul: Correio Riograndense / Bento
Gonçalves: FERVI, 1985, p. 42.
16
ADAMI, João Spadari. História de Caxias do sul: 1864-1970. 2a. ed. Caxias do Sul: Paulinas, 1971, p. 22.
17
DE BONNI, Luis A. Bento Gonçalves era assim. POA:EST / Caxias do Sul: Correio Riograndense / Bento
Gonçalves: FERVI, 1985, p. 66.
18
Id.ibidem, p. 71.
19
“Luigi Petrocchi era natural de Pistóia, na Itália. Emigrou par ao Brasil por volta de 1900, com os dois filhos
maiores, deixando a esposa e outros dois filhos em Pistóia. Além de atuar como agente consular em Bento
Gonçalves, Petrocchi foi professor em uma escola do mesmo município.” IOTTI, Luiza Horn. O olhar do poder
– a imigração italiana no Rio grande do sul, de 1875 a 1914, através dos relatórios consulares. Caxias do
sul: EDUCS, 1996, p.163.
1427
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A nova escola italiana adquire sempre mais simpatia mesmo entre as
autoridades do país. No corrente ano, na seção de trabalhos femininos, estavam
inscritas 9 crianças filhas de brasileiros. Em 2 anos de vida, a escola deu um pouco de
instrução a mais de 100 analfabetos e conseguiu obter frequência máxima mesmo de
filhos de gente que sempre se mostrou cética em matéria de instrução.20
Em outro relatório, de julho de 1904, Petrocchi afirmava:
Geralmente é reconhecida a importância da escola italiana neste estado, visto
que só por meio da escola mantém-se vivo o culto das memórias pátrias, cultivam-se o
espírito e a mente, difundem-se a língua e a cultura italiana. O envio de outros
professores-agentes, da parte do governo italiano, continua a ser vivo desejo de todos
os compatriotas que vivem nos vários centros coloniais. E mesmo os brasileiros, que
com justa razão querem conservar e difundir seu idioma, sua literatura e seu
sentimento de nacionalidade, não se opõem a que nossos colonos enviem seus filhos à
escola italiana, pelo contrário, admiram esta escola, estuda o método didático que nela
é adotado e vêm assistir os exames. Deixam a cada um total e plena liberdade de
manifestar seus sentimentos patrióticos, e tomam parte, sem constrangimento, nas
festas de caráter italiano.(...) As escolas públicas, colocadas sob a fiscalização direta
do intendente e dos conselheiros, são mantidas pelo Estado. Em todo o município há
18 escolas públicas, das quais 9 são masculinas, 2 femininas e 7 mistas. As escolas
italianas, subsidiadas pelo governo da Itália com material didático, chegam a 24,
somadas aqui também as que foram abertas no corrente ano.21
Em dezembro de 1905, Petrocchi escrevia novo relatório, afirmando que a instrução deixava
muito a desejar pois em todo o território havia apenas 18 escolas públicas brasileiras e cerca de duas
dezenas de pequenas escolas italianas, dirigidas estas de boa vontade por imigrantes que, pouco se
importando com sacrifícios e privações de toda a sorte, ensinavam o que sabiam e como podiam, sem
ao menos terem a certeza de poderem cobrar ao final do mês o mil réis de que tinham direito.
Comentando sobre a situação daqueles professores:
Estes pobres párias além de lutar contra as grandes dificuldades causadas pela
falta absoluta de material escolar, especialmente livros de leitura, que os colonos
consideram objetos de luxo, devem ainda, seguidamente, despojar-se da autoridade de
ensinadores ante os próprios alunos.22
Petrocchi como professor agente relata em 1905 a desconfiança com relação à iniciativa de
uma escola com ensino em italiano e as conquistas obtidas:
Quando, em 1901, foi fundada a escola "Petrocchi" na vila de Bento
Gonçalves, alguns procuraram obstaculizá-la de todas as maneiras, porque
suspeitavam que nos auxílios que o governo italiano lhe garantira supunham esconderse alguns fins políticos ocultos. Afirmavam que a existência de escolas italianas no
Brasil era um grande empecilho para a formação e afirmação mais vigorosa da
nacionalidade brasileira. Duvidavam que a nacionalidade e a soberania brasileira não
viessem a ser abaladas pelo ensinamento da história e de línguas estrangeiras
ministrado aos filhos de colonos italianos. Para eles, não se deveria estudar nada além
da língua portuguesa. Em pouco tempo os temores desapareceram. Ninguém mais
tentou opor-se à escola italiana, quando se percebeu que ela não era um foco de
20
Id. Ibidem, p. 68.
Id. Ibidem, 71 e 74.
22
DE BONNI, Luis A. Bento Gonçalves era assim. POA:EST / Caxias do Sul: Correio Riograndense / Bento
Gonçalves: FERVI, 1985, p. 112.
21
1428
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política hostil, mas um local onde se ensinava a amar a pátria de origem e a de adoção.
Tal escola, juntamente com as outras, respondia à missão regeneradora da juventude, a
qual, sem instrução, acabaria por viver uma existência brutalizada e não constituiria
um povo orgulhoso de bom nome de sua pátria de origem.23
Neste mesmo ano de 1905, Bento Gonçalves foi visitada pelo italiano Vittorio Buccelli, agente
de imigração do governo brasileiro no Vêneto, que em seu relato de viagem, assim registrou a situação
escolar na região:
As escolas foram organizadas com amor, e não com a mesma sorte, em todo o
município de Bento Gonçalves: há 18 mantidas pelo estado; 4 na vila por conta do
município e 16 particulares, entre as quais o primeiro lugar é ocupado pela do
professor Luigi Petrocchi, um mestre benemérito, que há seis anos presta os mais
relevantes serviços à italianidade e às colônias, percorrendo-as de canto a canto,
aconselhando os colonos a instruir-se, ajudando-os a abrir escolas nos lugares mais
distantes, e tornando-se assim um precioso auxiliar das autoridades consulares
italianas de toda a região serrana. (...) Em algumas escolas italianas das colônias
adotou-se nos últimos anos um sistema educacional que infelizmente falta na mãepátria: junto com o ensino dos primeiros elementos e das noções gerais de história e
geografia, desenvolve-se a instrução militar. (...) A população escolar na vila é
naturalmente mais importante que nos pequenos centros rurais (...).24
Com o incremento do ensino público e as iniciativas dos institutos religiosos, já no início do
século XX as escolas italianas iam aos poucos desaparecendo. Conforme Giron, “na década de 1920,
das escolas italianas poucas sobreviviam em alguns municípios da região colonial, porém em vias de
extinção, sendo mal vistas pelo governo estadual e mal assistidas pelo governo italiano.”25 Maestri, no
entanto, aponta que ao final do século XIX “tínhamos também escolas italianas, com público
significativo, em Alfredo Chaves, Antônio Prado, Bagé, Bento Gonçalves, Caxias, Encantado, Estrela,
Garibaldi, Guaporé, Jaguarão, Lajeado, Pelotas, Porto Alegre, Silveira Martins.”26
Cabe ressaltar que outro elemento a ser considerado ao tratarmos das escolas étnicas nos anos
de 1920 é a propaganda fascista – inclusive com o envio de professores agentes. Entretanto,
numericamente as escolas italianas já eram em número bastante reduzido. Informa Kreutz: “A partir
da década de 20 em São Paulo, e de 1930 nos estados sulinos, as escolas da imigração italiana foram
passando gradativamente para escolas públicas, de modo que em 1938, início da nacionalização
compulsória, já não tinham muita expressão.”27
Para Giron, “o papel da escola ‘italiana’ foi muito importante na manutenção da língua e do
culto da Itália como a pátria dos filhos dos imigrantes”, entretanto, a mesma autora ressalta que “as
chamadas ‘escolas italianas’, isto é, escolas privadas que ensinavam em língua italiana, tiveram vida
curta. Os professores, no final do século, naturalizaram-se e passaram a lecionar nas escolas
públicas.”28 Entretanto, cabe ressaltar ainda que a campanha de nacionalização preventiva ocorreu
desde a Primeira Grande Guerra – o que motivou o Estado a incentivar a supressão destas escolas
étnicas; a expansão do ensino público gratuito ou mesmo das escolas confessionais particulares; a
inexistência de recursos para manter as escolas – seja por parte do governo italiano que contribuía
apenas com o material escolar, ficando o pagamento dos professores a cargo das mensalidades pagas
23
Id.ibidem, p. 113.
DE BONNI, Luis A. Bento Gonçalves era assim. POA:EST / Caxias do Sul: Correio Riograndense / Bento
Gonçalves: FERVI, 1985, p. 126 e 127.
25
GIRON, Loraine Slomp. Colônia Italiana e Educação. In: Revista História da Educação. Pelotas: UFPel, nº
3, vol. 2, set. 1998, p. 92.
26
MAESTRI, Mário. Os Senhores da Serra – a colonização italiana no Rio Grande do Sul (1875 – 1914).
Passo Fundo: UPF, 2000, p. 93.
27
KREUTZ, Lúcio. A educação de imigrantes no Brasil. In: LOPES, Eliane M.T e outros (orgs.). 500 anos de
educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
28
GIRON, Loraine S.. As Sombras do Littorio: o Fascismo no Rio Grande do Sul. POA: ed. Parlenda, 1994,
p. 58.
24
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pelos alunos; a baixa qualidade de ensino já que apenas as noções rudimentares de leitura, escrita e
aritmética eram trabalhados, sendo que quando havia o ensino da história e da geografia eram os da
Itália apenas os ensinados; são fatores que considerados no conjunto permitem compreender a curta
duração da maioria das escolas étnicas italianas.29
Compor os cenários escolares das antigas colônias italianas no Rio Grande do Sul é tarefa que
ainda precisa ser produzida. Aliar as iniciativas públicas, às dos próprios imigrantes, cônsules e da
própria Igreja Católica através das escolas confessionais se torna necessário para compreender os
processos escolares entre aquelas comunidades. Ao apresentar aspectos da dinâmica das escolas
étnicas a partir, em especial dos discursos dos cônsules, fica sinalizada a riqueza de possibilidades
destes processos escolares próprios daqueles grupos humanos, do universo cultural em constante
ressignificação bem como do processo identitário.
29
GIRON, 1994, p. 100.
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escolas comunitárias étnicas italianas no Rio Grande do Sul