No 14 / 2012
Instituto de Relações Internacionais DEBATES GA CINT
O informativo sobre os debates no âmbito do Gacint
Grupo de Análise da Conjuntura Internacional
O euro e a crise europeia
P
ara discutir a crise da dívida
do euro, o Grupo de Análise
da Conjuntura Internacional
(GACINT-USP)
recebeu
o
representante do Banco Central
Alemão (Deutsche Bundesbank),
Peter Alfred Kern. A exposição de
Kern sobre o tema contou com uma
extensiva apresentação de dados e
foi dividida pelo palestrante em três
tópicos: sucessos da zona do euro
nos últimos 10-12 anos; as causas da
crise na zona do euro; e respostas à
crise. Os comentários foram feitos
pela professora, especialista em
economia política internacional,
Maria Antonieta Del Tedesco Lins
(IRI-USP).
Maria Antonieta Del Tedesco Lins, Ricardo Sennes e Peter Alfred Kern
Sucessos da zona do euro nos últimos 1012 anos
Os êxitos da zona do euro são facilmente
percebidos em diversos segmentos da economia.
Mais de 330 milhões de pessoas se beneficiaram
da introdução do Euro em 1999. Para corroborar
esse argumento, Kern fez uma retrospectiva do
desenvolvimento econômico de 1998 a 2011. Os
dados apresentados mostram que a zona do euro teria
crescido de maneira semelhante aos Estados Unidos
e criado mais postos de trabalho do que esse país, a
Grã-Bretanha e o Japão.
No que tange à inflação, os preços ficaram
mais estáveis, na média de 2%, enquanto que na
Grã-Bretanha ficaram mais altos e no Japão houve
deflação. Na zona do euro, a taxa de juros média da
dívida pública estava em torno de pouco mais de 4%,
também melhor que na Grã-Bretanha e nos EUA. O
endividamento privado em 2011 está ainda abaixo
dos números apresentados por esses dois países.
Para o representante do Banco Central
Alemão, sempre que se toma a zona do euro como
um conjunto a cifra média é bastante favorável. Por
essa razão, Kern menciona que o Euro é um sucesso.
Mesmo quando se analisa os déficits na conta
corrente, segundo o palestrante, ainda há motivo para
otimismo. Apenas nos anos de 2000 e 2008, houve
déficit de forma conjunta no bloco.
As causas da crise na zona do euro
Pouco antes da introdução da nova moeda,
e também logo após sua implementação, o fluxo
financeiro para os países da periferia da zona euro
se intensificou. Em vez de utilizar a nova fonte de
renda para investimentos produtivos, esses países
aumentaram o seu consumo público ou privado, como
na Grécia e em Portugal, ou permitiram um boom
não sustentável no setor de construção civil, como
na Espanha e Irlanda, o que levou ao crescimento
exagerado dos setores bancários e das concessões de
crédito.
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regras fiscais era frouxa demais, e, além disso, elas
foram ainda relaxadas na metade da década de 2000,
aproximadamente dois anos antes do começo da crise
financeira. Nesse sentido, os arquitetos do arcabouço
institucional fecharam os olhos para o surgimento de
desequilíbrios macroeconômicos e seus riscos para a
sustentabilidade fiscal e financeira.
Respostas à crise
Peter Alfred Kern - Representante do Banco Central
Alemão na América Latina (Deutsche Bundesbank).
Choques abruptos de booms de crédito ou
estouros de bolhas de créditos imobiliários, assim
como perdas permanentes de competitividade,
podem colocar a solvência da dívida dos países
em risco. Isso é de particular importância em
uma união monetária, uma vez que os Estados
membros não conseguem mais equilibrar as perdas
em competitividade, desvalorizando suas taxas de
câmbio. Desse modo, aumentos dos custos unitários
de trabalho acima da média acabam demandando
ajustes internos frequentemente dolorosos, para
retomar a competitividade de preços dos produtos e
serviços com concorrência internacional.
Muitos Estados membros da zona do euro
falharam em atingir os critérios de estabilidade da
União Monetária (estabelecidos pelo Tratado de
Estabilidade e Crescimento) ao não implementarem
os ajustes necessários. A combinação de políticas
monetárias únicas com políticas fiscais nacionais
é crucial para a União Europeia e a distingue de
repúblicas federais como os EUA e o Brasil. Essa
combinação aumenta o “déficit bias” e implica um
incentivo de extrair vantagens dos balanços dos
bancos centrais, socializando as dívidas soberanas
entre os pagadores de impostos de diferentes nações.
O sistema euro foi criado com o propósito
primário de manter a estabilidade de preços na zona
do euro. Neste contexto, um conjunto de regras
que deveria garantir a disciplina orçamentária foi
adotado no Tratado da União Europeia, entre essas: a
Cláusula de Não Salvamento (“No-Bailout Clause”);
a proibição do financiamento monetário aos Estados
membros pelo Eurosistema; e um procedimento
para déficits excessivos. A crise, no entanto, tornou
visíveis os defeitos da estrutura institucional da união
monetária europeia. Assim, a implementação das
Os responsáveis pela formulação de políticas
fiscais e econômicas tomaram medidas enérgicas
para conter a crise e manter a estabilidade financeira.
A ação começa por cada Estado-Membro, que deve
procurar realizar reformas estruturais e implementar
a estabilização orçamentária e fiscal. O primeiro pilar
estratégico de combate à crise refere-se ao reforço
do arcabouço de governança, como a coordenação
das políticas econômicas e orçamentárias e o pacto
fiscal. O segundo pilar, por sua vez, refere-se ao
envolvimento do European Central Bank através de
acordos de troca de moedas com cinco outros grandes
bancos centrais, três cortes nas taxas de juros e da
supervisão bancária dos países parte da zona euro.
Por fim, a terceira estratégia envolve a construção e
o fortalecimento de firewalls por meio da elevação
dos recursos disponibilizados pelos países membros
e o FMI. Soma-se a isso a necessidade de lidar com
a fraqueza do setor bancário através dos planos de
reforço e reestruturação dos bancos nacionais.
Os países da zona do euro e o FMI apoiaram
a Grécia primeiramente com empréstimos bilaterais e
depois via um mecanismo de estabilidade temporária,
o European Financial Stability Facility (EFSF). Entre
os seus beneficiários estão Irlanda, Portugal e Grécia.
Ao longo da crise da dívida soberana, o volume efetivo
de empréstimo do ESFS foi aumentado, as condições
de empréstimo foram relaxadas, um fundo de resgate
permanente - o European Stability Mechanism (ESM)
- foi criado e a caixa gêmea dos fundos foi expandida.
Soma-se a isso o fato de que os países membros do
FMI liberaram mais de 430 milhões de dólares em
novos empréstimos para o Fundo Monetário com
objetivo de construir um firewall global.
As estruturas de proteção europeias, assim
como as globais, foram substancialmente fortalecidas
nos últimos dois anos. No entanto, tornar esses muros
de proteção cada vez mais altos não resolverá o
problema. Firewalls não são o bastante para acabar
com o incêndio, apenas concedem mais tempo para
que medidas de fato sustentáveis tornem-se efetivas.
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Para acabar efetivamente com o fogo, são precisos
reformas e esforços de consolidação. É preciso ainda
reforçar mais a governança econômica europeia
através de seu arcabouço institucional, aumentando
a disciplina orçamentária e a integração econômica
e fiscal.
Comentários da Professora
Antonieta Del Tedesco Lins
Maria
Otimista em relação ao futuro do euro e
da União Europeia, a professora Maria Antonieta
acredita, como os “euro-otimistas”, que a crise na
zona do euro pode ser vista como um momento para
reformar e fortalecer tanto as instituições europeias
como a moeda única. De forma resumida e precisa,
a análise da professora esteve concentrada nos
principais temas de debate da crise europeia.
Primeiramente, o problema de desestruturação
fiscal e de desequilíbrio orçamentário em vários
países europeus, inclusive entre os doze primeiros que
constituíram a zona do euro em 2002, é permanente.
Dessa maneira, desde o início do esforço de integração,
alguns países estiveram sistematicamente fora dos
critérios de convergência, ou seja, não conseguem
ficar dentro dos 3% de déficit público e nos 60% do
estoque da dívida sobre o PIB. Esse problema de
desequilíbrio já existia e acabou agravando-se com
a crise. As medidas anti-cíclicas que o mundo inteiro
tomou, o estímulo monetário, fiscal, a diminuição
de compulsório, e mesmo a injeção de liquidez, que
eram necessárias e que foram absolutamente iguais
em todos os lugares, agravaram as contas de países,
como o Reino Unido. Apesar de não pertencer à zona
do Euro, sempre esteve dentro dos critérios e manteve
a dívida mais ou menos controlada.
Outro ponto a ser destacado é a política de
salvamento, conduzida pelo Banco Central Europeu,
em conjunto, ou apoiada, pelas instituições políticas
europeias. Nesse aspecto, há duas questões para o
mesmo problema: o quanto salvar ou recuperar a
dívida soberana dos países e o quanto remeter para
o sistema bancário? Esses dois lados andam juntos,
pois os bancos estão inundados de títulos da dívida
soberana.
O terceiro aspecto é o mandato do Banco
Central Europeu (BCE). A discussão envolve aquilo
que o BCE pode ou não fazer, como por exemplo, a
impossibilidade de emprestar para governos. Esse é
também outro ponto bastante delicado na discussão
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europeia no momento.
Isso posto, há alguns aspectos fundamentais
da discussão. O problema fiscal nos países, que
precisa ser resolvido e que necessariamente está
passando e vai passar ainda por medidas duras e por
um crescimento relativamente pequeno. A recessão,
por sua vez, pode fazer que as exportações cresçam
em determinados momentos e que haja ganho de
competitividade. Não obstante, até isso voltar para
a sociedade e para o Estado, em termos de maior
arrecadação de impostos, existe um espaço de tempo
que pode ser doloroso para as populações, impedindo
o avanço em direção à integração.
ENTREVISTA
Luiz Afonso Simoens da Silva - Economista, ex-diretor
do Banco Central e membro do Gacint.
Debates Gacint: Qual é a importância desse debate
a respeito da dívida da crise europeia no âmbito do
Gacint da USP?
Simoens: Acredito que a importância da União
Europeia, da zona euro, é fundamental para o mundo.
O Gacint faz bem em colocar esse tema, porque
o mundo vive hoje uma tendência de crescimento
baixo nos Estados Unidos, de recessão na Europa
e de desaceleração na China, ou seja, nos grandes
motores da economia mundial. Está entrando areia
nas engrenagens desses países e dessas regiões. Isso
tem um impacto potencial muito grande no Brasil. Por
isso, é importante que nos posicionemos com relação
a isso e pensemos nos rumos que a crise vai tomar,
inclusive nos seus impactos no nosso país.
Debates Gacint - O informativo digital sobre os debates no âmbito do Gacint
D.G: Qual é o papel da Alemanha na crise europeia?
Simoens: A Alemanha tem que ser um líder. No instante
em que ela insiste em um discurso de disciplina fiscal,
a zona euro se afasta cada vez mais dos valores sobre
os quais ela foi criada, que eram de solidariedade, de
construção de um espaço aberto, politicamente aberto
e economicamente crescente, rico. A Alemanha, no
instante em que insiste no discurso fiscalista, acaba
prejudicando a própria recuperação. O que se tem,
que Soros menciona em seu artigo, com toda razão,
é que não existe mais uma União Europeia no sentido
de vários países iguais, buscando algo aberto. Passase a ter vencedores e perdedores, e os perdedores têm
aumentado o seu ressentimento quanto ao que é visto
como uma arrogância dos vencedores.
D.G.: E quais são as perspectivas dessa crise?
Simoens: As perspectivas estão muito bem colocadas
pelo Soros também. Existe uma tentação dos perdedores
de saírem da zona do euro, e acredito que na verdade
não deviam fazer isso. Esse imbróglio não foi criado
por eles, esse problema é de todos. A periferia deve
permanecer dentro [da zona do euro], os países ricos
que resolvam, ou que não resolvam, como diz Soros.
E se os ricos não quiserem resolver, são os ricos que
sabem. Se os ricos saírem, se a Alemanha sair, o euro
perde muito valor. E aqueles que ficarem na zona do
euro reganham competitividade frente à China, que
é o grande problema por trás de todo esse imbróglio.
A China é o grande problema, não só nosso como da
IRI
Diretora
Maria Hermínia Tavares de
Almeida
Europa, dos Estados Unidos e do mundo em geral,
com a sua competitividade. Como Sorus diz, lidere
ou saia. O problema é que nós estamos caminhando, e
isso que ele [Peter Kern] diz que está sendo resolvido,
não está resolvendo nada. Estamos caminhando para
uma situação de impasse de longo prazo. É algo
desesperante. A Alemanha dá o dinheiro suficiente
para o país não ir para o buraco, mas não dá o dinheiro
o suficiente para o país possa retomar o crescimento
econômico para que saia do buraco, vivendo em uma
situação de mediocridade gigantesca. Não apenas
a Europa, mas o euro também sempre foi muito
criticado, não só por alguns países mais pobres, mas
como por regiões mais pobres dentro de alguns países
ricos. No ano passado, no sul da Itália, por exemplo,
não se gostava do euro, porque o euro estava impedido
a região de crescer, dada a fortaleza daquela moeda.
Então um siciliano, um napolitano, tinha e sempre teve
problemas com o euro. Era como se o euro tivesse
cristalizado a pobreza e não era mais possível romper
com a pobreza histórica. Hoje isso está se agravando,
temos países do sul contra países do norte. Isso tem
futuro? Não, não tem futuro.
Gacint
Debates Gacint
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