Malvinas: uma solução
impossível?
Luiz Felipe Lampreia¹
Ano: 2012
¹É membro do Conselho Curador do CEBRI, diplomata e foi ministro das Relações Exteriores do governo Fernando
Henrique Cardoso.
CEBRI – Centro Brasileiro de Relações Internacionais
+55 21 2206-4444 | Fax: +55 21 2206-4422
Rua da Candelária, 9 – Grupo 201 – Centro – Rio de Janeiro
20091-020
Malvinas: uma solução
impossível?
Luiz Felipe Lampreia
Ano: 2012
Este texto foi publicado no jornal El Cronista.
As opiniões expressadas neste documento são de única responsabilidade do
autor e não necessariamente refletem a opinião do CEBRI.
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Malvinas: uma solução impossível?
Luiz Felipe Lampreia
O dia 2 de abril será uma ocasião de revisitar os dolorosos
sentimentos que, trinta anos depois, a guerra das Malvinas desperta
no povo argentino. Querelas territoriais são revestidas de emoções
profundas que se aprendem na infância e nunca deixam de tocar
corações e mentes de uma nação.
O Brasil teve o privilégio histórico, que lhe foi legado há mais
de cem anos pelo seu grande chanceler, o Barão do Rio Branco, de
escapar deste destino. Não temos sob contestação um centímetro
sequer de nossas extensas fronteiras com dez vizinhos. Por isso,
nossa visão há de sempre preconizar o entendimento e a solução
pacífica de controvérsias, mesmo reconhecendo desde sempre o
direito argentino sobre as Malvinas.
O episódio de trinta anos atrás é suficientemente recente para
que sua invocação toque em cordas muito sensíveis e dificulte um
entendimento diplomático. Os governos de ambos os países
envolvidos são tentados a encarar o tema da soberania das Malvinas
como um ponto de honra nacional. Em particular, o governo da
presidente Cristina Fernandez de Kirchner tem atuado de modo
contundente contra os britânicos, com um discurso agressivo que
certamente não vai conduzir a um entendimento. Após cem dias de
seu segundo governo, a presidente da Argentina começa a sofrer
desgastes e reviver a questão das Malvinas deve ter-lhe parecido
uma boa estratégia política de superação de dificuldades políticas. A
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história está cheia de exemplos de utilização de memórias amargas
de guerras perdidas como base para iniciativas revanchistas, que
geralmente conduzem a mais frustrações. Por exemplo, a questão
das grandes províncias da Alsácia e Lorena, que a França havia
perdido para a Alemanha em 1870 após a derrota de Sedan,
permaneceu por quarenta e quatro anos como a dor profunda de
uma amputação, alimentando um desejo de revanche. Mas Léon
Gambetta, um grande patriota e primeiro ministro da França,
preconizava:“pense sempre, mas não fale nunca neste tema
(penses-y toujours n’en parlez jamais).”
Os únicos beneficiários de uma campanha nacionalista
estridente são os governos que a fomentam. Eles jogam com as
emoções de suas sociedades e não medem as consequências
negativas para a solução de questões altamente controversas.
Vejam-se os dividendos de popularidade que estão colhendo hoje
tanto Cameron quanto Cristina. Mas estes ganhos de curto prazo
protelam - por um múltiplo crescente - uma solução diplomática
equilibrada e, portanto aceitável para ambas as partes. Se para
Londres um abordagem construtiva do assunto já era em si muito
problemática, agora ela se tornou impensável- por que teria um tom
de capitulação- e assim permanecerá por uma geração pelo menos.
Já para o governo argentino a perspectiva realista é, apenas, de
colher os dividendos políticos e desviar o foco de assuntos menos
agregadores.
Guido Di Tella, o grande chanceler argentino da década de
noventa, tinha uma visão clara, embora ingênua na aparência, do
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caminho correto quando buscava pacificar os habitantes das
Malvinas por meios simples como o envio pessoal de cartões de
Natal e gestos de boa vontade. Ele percebeu que o nervo central da
questão era reconhecer os ilhéus como sujeitos de direito e
conquistar gradualmente sua confiança para permitir que o governo
de Londres examinasse com seriedade fórmulas que possibilitassem
uma solução negociada com a Argentina. Ao contrário, posta a
soberania como primeiro item e sendo a posição argentina de que
ela é inegociável, constrói-se uma equação insolúvel, salvo na
hipótese impossível de uma postura vergonhosa do governo
britânico.
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