Técnica
Condicionantes de projecto
impostas pela exposição ambiental
das estruturas de betão
Eng. o João Carlos Duarte, APEB
Eng.o Jorge Santos Pato, APEB
Resumo
Tradicionalmente, é o projectista quem estabelece os
materiais a utilizar na execução das estruturas por si
concebidas para resistir, quer às acções mecânicas identificadas (p.e.: peso próprio; sobrecargas; vento; neve),
quer às solicitações expectáveis durante o seu tempo
de vida útil previsto.
No entanto, existe um outro conjunto de acções que a
longo prazo podem colocar em causa a estabilidade e
durabilidade das estruturas, referidas como acções ambientais, nomeadamente:
- a corrosão das armaduras induzida pela carbonatação
do betão e/ou provocada pela presença de cloretos;
- a degradação do betão superficial pela acção do
gelo-degelo e/ou de agentes químicos agressivos.
Desta forma, para assegurar a durabilidade das estruturas ao longo da vida útil prevista para as mesmas, torna-se necessário identificar correcta e atempadamente
os factores que concorrem para a sua degradação ambiental, o que pode ser obtido através da adequada
especificação da(s) classe(s) de exposição ambiental(is)
aplicável(is), a(s) qual(is) irá(ão) impor disposições prescritivas ao nível do dimensionamento e na composição
do betão.
Interessa assim esclarecer toda a comunidade técnica
que exerce actividades de projecto e especificação de
elementos de betão sobre a necessidade de identificar correctamente a exposição ambiental da estrutura
previamente à especificação da classe de resistência do
betão, como condição fundamental para assegurar a
durabilidade das estruturas.
Palavras-chave
Exposição; Ambiental; Projecto; Resistência; Betão; Especificação.
Introdução
As estruturas de betão estão sujeitas a um conjunto de
40 Betão n.25 Novembro 2010
acções de natureza diversa, nomeadamente, e entre
outras:
– Acções mecânicas;
– Acções internas;
– Acções ambientais.
Como acções mecânicas encontramos essencialmente
as solicitações decorrentes do peso da própria estrutura, das sobrecargas (p.e.: divisórias; revestimentos;
mobiliário; pessoas; eventuais viaturas ou equipamentos), da acção do vento, da acção da neve e da acção
sísmica. Estas acções devem ser identificadas pelo projectista e, ao serem quantificadas, são introduzidas e
consideradas no próprio dimensionamento estrutural.
Quanto às acções internas, encontramos essencialmente as reacções álcali-agregado, de entre as quais
assume especial relevância a reacção álcalis-sílica. Este
tipo de acções pode ocorrer no betão, sob determinadas condições, entre compostos incorporados no
betão pelos próprios materiais constituintes, pelo que,
normalmente, são contrariadas através de uma selecção criteriosa daqueles elementos, optando na medida das possibilidades por materiais não reactivos.
Finalmente, temos as acções ambientais, das quais as
mais relevantes são:
a) a corrosão das armaduras induzida pela carbonatação do betão;
b) a corrosão das armaduras provocada pela presença
de cloretos;
c) a degradação do betão, enquanto húmido, pela
acção do gelo-degelo;
d) a degradação do betão provocada pelo ataque de
compostos químicos presentes nas águas e/ou solos em contacto com a estrutura.
Tratam-se de acções que degradam claramente o desempenho estrutural pelo facto de, por um lado, reduzirem a secção das armaduras, provocada pela sua
corrosão, e por outro, a redução da secção resistente
do betão, provocada não só pela sua degradação, mas
também pela acção expansiva decorrente da corrosão
das armaduras.
Estas acções podem ser prevenidas através de várias
Técnica
formas, consoante a sua agressividade, sendo a mais
corrente a definição de disposições prescritivas ao nível do dimensionamento (p.e.: recobrimento mínimo;
classe de resistência mínima) e ao nível da composição
(p.e.: dosagem de cimento mínima; razão água/cimento máxima).
Foi o que aconteceu na generalidade dos países europeus que adoptaram norma EN 206-1 [1], através da
qual foram então estabelecidos os limites prescritivos
que à partida asseguram a durabilidade das estruturas.
Outras soluções para a prevenção da degradação estrutural face às acções ambientais podem envolver medidas extraordinárias tais como a utilização de armaduras resistentes à corrosão (p.e.: aço galvanizado; fibras
de carbono) ou o isolamento da estrutura, limitando
o seu grau de humidade, pois a generalidade destas
acções acontece em ambiente húmido.
Classificação da Exposição Ambiental
Em conformidade com a regulamentação nacional,
nomeadamente o Decreto-Lei n.º 301/2007, de 23 de
Agosto, a especificação do betão deve ser efectuada
de acordo com a NP EN 206-1.
Ora, em primeira instância, o responsável pela especificação do betão é o técnico que elabora o projecto de
estabilidade da estrutura, adiante designado apenas
por projectista, pois é este quem define quais os materiais a utilizar, no nosso caso: o betão e as armaduras.
De acordo com a NP EN 206-1, a especificação do
betão deve incluir obrigatoriamente a(s) classe(s) de
exposição ambiental, pelo que se pode concluir que
compete ao projectista a caracterização dos agentes
ambientais e a respectiva classificação.
No entanto, esta obrigatoriedade é também reflectida no Eurocódigo 2 [2], onde é referido que, além das
acções mecânicas, o projectista deve ter em consideração as condições ambientais a que a estrutura vai
estar sujeita durante a sua vida útil, uma vez que estas
condicionam a qualidade do betão, nomeadamente
no que diz respeito à dosagem de cimento mínima e
razão água/cimento máxima, podendo ainda ser estabelecida uma classe de resistência mínima.
A classificação da exposição ambiental encontra-se estabelecida na NP EN 206-1, mas não exclusivamente. É
também possível encontrar esta classificação, tanto no
Eurocódigo 2, como na Especificação E464 [3].
Nesta última, são inclusivamente apresentados outros
exemplos de situações onde podem ser encontradas
cada uma das classes de exposição ambiental. No
Quadro 1 apresentam-se as classes de exposição ambientais tal como definidas na NP EN 206-1 e no Eurocódigo 2.
Corrosão das armaduras induzida pela
carbonatação do betão
Os cimentos correntes são constituídos essencialmente por clinquer Portland, o qual é o principal responsável pelo desenvolvimento das propriedades do betão.
Esta substância é constituída essencialmente por silicato tricálcico, silicato bicálcico, aluminato tricálcico e ferroaluminato tetracálcico sendo os que se apresentam
em maiores quantidades, o silicato tricálcico e o silicato bicálcico. Da reacção destes dois compostos com a
água libertam-se grandes quantidades de hidróxido de
cálcio, Ca(OH)2, que é a substância que mais contribui
para conferir um elevado pH ao betão e, consequentemente, assumir-se como o principal responsável pela
protecção das armaduras contra a corrosão.
No entanto, trata-se de uma substância altamente instável na presença de humidade, pois caso esteja na
presença ou em contacto com o dióxido de carbono,
CO2, ocorre uma reacção de acordo com a seguinte
expressão, que evidencia o processo de carbonatação
de uma forma simplificada:
Ca(OH)2 + CO2 → CaCO3 + H20
(1)
Como se pode verificar, o resultado desta reacção
química, correntemente designada por carbonatação
do betão, é um composto neutro, o que vai contribuir
para a redução do pH do betão, pelo que, quando a
camada carbonatada atingir as armaduras, estas deixam de estar protegidas contra a corrosão.
A velocidade com que ocorre a carbonatação do betão depende essencialmente do grau de humidade no
betão, da concentração de dióxido de carbono e da
quantidade de hidróxido de cálcio disponível, sendo
esta proporcional à quantidade de clinquer, i.e.: cimento, do betão. Os dois primeiros factores foram os utilizados para classificar a exposição ambiental, no que
respeita à corrosão induzida pela carbonatação, conforme apresentado no Quadro 1.
Corrosão induzida pelos cloretos
Por outro lado, a corrosão das armaduras pode ser
induzida se ocorrerem diferenças na concentração de
cloretos, de água e de oxigénio em contacto com os
varões de aço. Assim, caso o betão envolvente das armaduras se apresente menos uniforme, tal vai produzir
diferentes graus de penetração de cloretos ao longo
das armaduras, originando processos electroquímicos
que vão levar à corrosão das mesmas.
As descontinuidades no betão de recobrimento podem ser geradas por diversos factores, designadamente por defeitos intrínsecos do betão (p.e.: água
em excesso adicionada em obra), defeitos gerados na
colocação e compactação do betão (p.e.: segregação;
falta de compactação) ou por fissurações do betão endurecido (p.e.: retracção plástica durante a cura; gradiente térmico nas idades jovens do betão).
Novembro 2010 Betão n.25 41
Técnica
Quadro 1 . Classes de exposição ambiental
Acção ambiental
Sem risco de
corrosão ou
ataque
Corrosão induzida
por carbonatação
Corrosão induzida
por cloretos não
provenientes da
água do mar
Corrosão induzida
por cloretos da
água do mar
Ataque pelo
gelo/degelo com
ou sem produtos
descongelantes
Ataque químico
Classe
Descrição do ambiente
Exemplos informativos
Para betão não armado e sem metais
embebidos: todas as exposições
excepto ao gelo/degelo, à abrasão ou
ao ataque químico.
Para betão armado ou com metais
embebidos: ambiente muito seco.
Betão no interior de edifícios com muito baixa humidade do ar.
XC1
Seco ou permanentemente húmido
Betão no interior de edifícios com baixa humidade do ar;
Betão permanentemente submerso em água.
XC2
Húmido, raramente seco
Superfícies de betão sujeitas a longos períodos de contacto
com água;
Muitas fundações.
XC3
Moderadamente húmido
Betão no interior de edifícios com moderada ou elevada
humidade do ar;
Betão no exterior protegido da chuva.
XC4
Ciclicamente húmido e seco
Superfícies de betão sujeitas ao contacto com a água, fora do
âmbito da classe XC2.
XD1
Moderadamente húmido
Superfícies de betão expostas a cloretos transportados pelo ar.
XD2
Húmido, raramente seco
Piscinas;
Betão exposto a águas industriais contendo cloretos.
XD3
Ciclicamente húmido e seco
Partes de pontes expostas a salpicos de água contendo
cloretos;
Pavimentos;
Lajes de parques de estacionamento de automóveis.
XS1
Ar transportando sais marinhos mas
sem contacto directo com a água do
mar
Estruturas na zona costeira ou na sua proximidade.
XS2
Submersão permanente
Partes de estruturas marítimas.
XS3
Zonas de marés, de rebentação ou de
salpicos
Partes de estruturas marítimas.
XF1
Moderadamente saturado, sem
produtos descongelantes
Superfícies verticais de betão expostas à chuva e ao gelo.
XF2
Moderadamente saturado, com
produtos descongelantes
Superfícies verticais de betão de estruturas rodoviárias
expostas ao gelo e a produtos descongelantes transportados
pelo ar.
XF3
Fortemente saturado, sem produtos
descongelantes
Superfícies horizontais de betão expostas à chuva e ao gelo.
XF4
Fortemente saturado, com produtos
descongelantes ou água do mar
Estradas e tabuleiros de pontes expostos a produtos
descongelantes;
Superfícies de betão expostas ao gelo e a salpicos de água
contendo produtos descongelantes;
Zona das estruturas marítimas expostas à rebentação e ao
gelo.
XA1
Ligeiramente agressivo, de acordo
com o Quadro 2
--
XA2
Moderadamente agressivo, de acordo
com o Quadro 2
--
XA3
Fortemente agressivo, de acordo com
o Quadro 2
--
X0
Desta forma, a progressão dos agentes agressivos –
neste caso: os cloretos, a humidade e o oxigénio – vai
ser variável ao longo da armadura, criando as tais diferenças nas respectivas concentrações, responsáveis
pela criação de zonas anódicas e catódicas, entre as
quais ocorrem trocas iónicas, num sentido, e electrónicas, noutro (ver Figura 1). Na zona anódica, o Fe2+
acaba por se combinar com o oxigénio, gerando assim
diferentes óxidos de ferro, os quais, por ocuparem um
maior volume, vão gerar tensões internas que normalmente resultam na expulsão do betão de recobrimento sobre a zona anódica.
42 Betão n.25 Novembro 2010
Acção do gelo-degelo
A exposição do betão, enquanto húmido, a ciclos de
gelo-degelo, provoca uma degradação das camadas
superficiais do betão. De uma forma genérica, os efeitos deletérios decorrem das pressões hidráulicas que
se geram nos poros do betão quando a água neles
contida congela formando cristais de gelo. A pressão
hidráulica decorre da dificuldade de movimentação da
água no seio do betão e depende de vários factores,
tais como: da velocidade do congelamento, do grau
de saturação do betão, do coeficiente de permeabilidade do betão e do espaço entre vazios (i.e.: distância
a percorrer pela água).
Técnica
BETÃO
Corrente iónica
1/2
Fe → Fe2++2eÂnodo
O2+H2O+2e-→2OHCátodo
Corrente
electrónica
AÇO
Figura 1. Ilustração do mecanismo de corrosão das armaduras embebidas
no betão induzida pela acção dos cloretos
Desta forma, com a descida da temperatura para valores negativos, a água contida nos poros e fissuras
do betão vai congelar e expandir, alargando assim os
próprios poros e fissuras, os quais ficam aptos a receber mais água no decorrer da próxima fase de degelo,
criando um ciclo de degradação vicioso.
A degradação provocada pelo gelo-degelo pode ainda ser maior na presença de cloretos, uma vez que a
degradação é significativamente acelerada na presença daqueles iões (p.e.: quando da utilização de cloreto
de sódio ou de cloreto de cálcio como agentes descongelantes). Este efeito majorador explica-se pelo
facto daqueles sais provocarem uma sobresaturação
do betão.
Como uma das formas de aumentar a resistência do
betão à acção do gelo-degelo surgiram os processos
de introdução de ar, que vão produzir essencialmente
uma distribuição de pequenos poros pela massa do
betão, reduzindo substancialmente a distância a percorrer pela água. Assim, a água contida num determinado interstício ou fissura pode movimentar-se para
poros próximos, equilibrando a pressão hidráulica e
reduzindo a ocorrência dos efeitos já referidos, provocados pelo congelamento da água.
Ataque químico
O betão tem normalmente um bom desempenho face
à maior parte das substâncias químicas agressivas presentes na atmosfera, na água ou no solo. No entanto,
existem algumas substâncias que podem reduzir substancialmente o tempo de vida útil das estruturas expostas a ambientes contendo aqueles compostos.
O betão é raramente atacado por substâncias químicas secas e no estado sólido. Efectivamente, para poderem atacar o betão, as substâncias químicas devem
apresentar-se sob a forma de soluções e com concentrações apreciáveis. Normalmente o ataque dá-se pela
penetração daquelas substâncias na massa do betão
por efeitos de diferenças de pressão. Assim, uma estrutura sujeita ao gradiente de pressão de uma solução,
apenas de um dos lados, vai sofrer muito mais do que
uma estrutura com gradientes de pressão equilibrados
em toda a sua fronteira.
No Quadro 2 são apresentadas as substâncias químicas
consideradas actualmente para a classificação da exposição ambiental, assim como os respectivos patamares de concentração. Os ambientes classificados neste
quadro têm como base o solo e a água nele contida,
com temperaturas do solo ou da água entre os 5 ºC e
os 25 ºC e com velocidades da água suficientemente
lentas para que possam ser consideradas próximas das
condições estáticas.
A classe é determinada pelo valor mais elevado para
qualquer característica química.
Quando duas ou mais características agressivas conduzirem à mesma classe, o ambiente deve ser classificado
na classe imediatamente superior, a menos que um estudo especial para este caso específico prove que tal
não é necessário.
Além desta tabela, há ainda que considerar complementarmente o que se encontra na Especificação E464,
nomeadamente no que respeita à água do mar, considerada naquela especificação como um ambiente da
classe XA1, e às infra-estruturas de saneamento que,
em determinadas situações, conduzem a uma classe
XA3.
Implicações no Projecto de Estabilidade
Conforme já foi referido, a exposição ambiental das
estruturas de betão, simples, armado e/ou pré-esfor-
Quadro 2 . Valores limites das substâncias químicas agressivas para o betão
Meio
Característica química
XA1
XA2
XA3
Águas
SO42- , em mg/l
 200 e  600
> 600 e  3000
> 3000 e  6000
pH
 5,5 e  6,5
 4,5 e < 5,5
 4,0 e < 4,5
CO2 agressivo, em mg/l
 15 e  40
> 40 e  100
> 100 até à saturação
Solos
NH4+ , em mg/l
 15 e  30
> 30 e  60
> 60 e  100
Mg2+ , em mg/l
 300 e  1000
> 1000 e  3000
> 3000 até à saturação
 2000 e  3000 b)
> 3000 c) e  12000
> 12000 e  24000
> 200 Baumann Gully
Não encontrado na prática
Não encontrado na prática
SO42- total a), em mg/kg
Acidez, em ml/kg
a) Os solos argilosos com uma permeabilidade abaixo de 10-5 m/s podem ser colocados numa classe mais baixa.
b) O método de ensaio prescreve a extracção do SO42- através de ácido clorídrico; em alternativa, pode usar-se a extracção aquosa, se houver experiência
no local de utilização do betão.
c) O limite de 3000 mg/kg deve ser reduzido para 2000 mg/kg, caso exista risco de acumulação de iões sulfato no betão devido a ciclos de secagem e molhagem ou à absorção capilar.
Novembro 2010 Betão n.25 43
Técnica
çado condiciona a qualidade e a durabilidade do betão. Este condicionamento surge da necessidade de
assegurar a manutenção do desempenho da estrutura
durante a sua vida útil prevista, o que só é garantido
se o aço não sofrer corrosão significativa e se o betão
conseguir suportar os efeitos do gelo-degelo e do ataque químico.
No que respeita às armaduras, a sua protecção contra
a corrosão vai depender essencialmente da espessura e da qualidade do recobrimento. No que respeita à
espessura, é facilmente entendível que quanto maior
for a mesma, maior será a barreira ente os agentes
agressivos (humidade, dióxido de carbono, cloretos)
e as armaduras. No respeitante à qualidade, temos
de considerar a compacidade do betão, a fissuração,
a dosagem de cimento e a razão A/C. Assim, quanto
mais compacto for o betão de recobrimento, maior
será a resistência à passagem dos agentes agressivos
já mencionados, quanto menor for a fissuração menor
será a facilidade de penetração dos agentes agressivos, quanto maior a dosagem de cimento, maior será a
reserva de agente fixador do CO2 e quanto menor for a
razão A/C, maior será a densidade do betão.
Quanto ao betão, a sua resistência aos ataques do gelo
degelo, depende essencialmente da resistência do betão e do teor de ar introduzido. Assim, quanto maior a
resistência do betão, maior será a resistência à acção
expansiva decorrente da congelação da água presente
no interior dos vazios do betão, e ao assegurar um teor
de ar mínimo, garante-se que a água terá espaço para
ocupação em caso de aumento da pressão hidráulica
interior.
Quanto ao ataque químico, a durabilidade do betão
vai depender da sua composição química, o que pode
condicionar a selecção dos materiais constituintes, nomeadamente quanto ao tipo de cimento. Por exemplo,
se tivermos um betão em contacto com uma solução
contendo sulfatos (SO42-), então deverá ser utilizado um
cimento que induza uma resistência àquele agente.
Tendo em conta estes aspectos, foram estabelecidos
limites prescritivos para o recobrimento, para a composição do betão e para o seu desempenho, para cada
uma das classes de exposição ambiental. No nosso
País, estes limites foram estabelecidos através da Especificação E464, a qual, para cada classe de exposição ambiental define um recobrimento mínimo, uma
dosagem de cimento mínima, uma razão água/cimento máxima, uma classe de resistência mínima e, em certos casos, um teor de ar mínimo (ver Quadro 3, no qual
são compilados os quadros 6 a 9 da E464).
É de salientar que estes limites prescritivos são aplicáveis a estruturas com uma vida útil pretendida de 50
anos. No caso de estruturas para 100 anos de vida útil,
há que ter em consideração as seguintes alterações
devidas naquele quadro:
a) Nas estruturas de betão armado ou pré-esforçado
sob a acção do dióxido de carbono ou dos cloretos,
44 Betão n.25 Novembro 2010
o valor mínimo do recobrimento nominal deve ser
aumentado de 10 mm;
b) Nas estruturas sujeitas à acção do gelo-degelo ou
ao ataque químico, a razão A/C máxima deve ser
diminuída de 0,05, a dosagem mínima de cimento
deve ser aumentada de 20 kg/m3 e a classe de resistência mínima deve ser aumentada de 2 classes.
Posto isto, é claro que o projectista deverá primeiramente caracterizar o ambiente que vai estar envolvente à estrutura e seleccionar as classes de exposição
ambiental aplicáveis. Só depois está na posse de toda
a informação necessária para seleccionar alguns parâmetros essenciais para o dimensionamento da estrutura, nomeadamente:
a) Classe de resistência mínima;
b) Recobrimento nominal mínimo.
Actualmente, surgem ainda projectos de estabilidade
em que estes factores ambientais não foram tidos em
conta pelos respectivos projectistas, situação potencialmente geradora de dificuldades em obra, e, eventualmente, no respectivo licenciamento. Muitas vezes,
justificar-se-ia uma revisão do projecto em causa. No
entanto, é corrente verificar que a solução passa, amiúde, por colocar um betão de uma classe de resistência
superior à original, o que leva a um sobrecusto para a
obra sem qualquer valor acrescentado, uma vez que
aquele incremento não foi reflectido em termos de aligeiramento da estrutura ou na redução da secção de
aço.
Este tipo de situações acontece essencialmente por
duas razões:
1. No nosso País está ainda em vigor, em termos de
legislação de referência obrigatória, o Regulamento de Estrutura de Betão Armado e Pré-esforçado
(REBAP) [4] e não o Eurocódigo 2, sendo os técnicos
projectistas obrigados a conviver com duas filosofias
distintas, especificamente no que respeita à forma
como é tratada a durabilidade das estruturas;
2. Falta de informação e preocupação de muitos técnicos em actualizar os seus conhecimentos normativos, pelo que é comum verificar que o betão é ainda
frequentemente identificado apenas com base na
classe de resistência, estabelecida a partir do Quadro 1 do REBAP, sendo completamente esquecidos
os restantes requisitos fundamentais estabelecidos
na NP EN 206-1, entre os quais estão as classes de
exposição ambiental.
Conclusões
De acordo com a regulamentação actual, o técnico responsável pelo projecto de estabilidade das estruturas
deve especificar o betão tendo em conta todos os requisitos fundamentais e ainda os requisitos adicionais
relevantes. Trata-se de uma disposição explícita no Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 301/2007.
Uma vez que o projecto de estabilidade é elaborado
Técnica
Quadro 3 . Valores limites prescritos para 50 anos de vida útil
Tipo de
cimento(1)
--
CEM I;
CEM II/A(2).
Classe de exposição
Recobrimento
nominal mínimo
Dosagem
de cimento mínima
Razão A/C máxima
Classe
de resistência mínima
--
--
C12/15
240 kg/m3
0,65
C25/30
280 kg/m3
0,60
C30/37
360 kg/m3
0,45
C40/50
380 kg/m3
0,40
C50/60
X0
--
XC1
25 mm
XC2
35 mm
XC3
35 mm
XC4
40 mm
XS1 / XD1(4)
45 mm
XS2 / XD2(4)
50 mm
XS3 / XD3(4)
55 mm
XF1
XF2(5)
--
XA1(4)
XA2
(4)
340 kg/m3
--
XA3(4)
CEM II/B ;
CEM III/A(3);
CEM IV(3);
CEM V/A(3).
(2)
25 mm
XC2
35 mm
XC3
35 mm
XC4
40 mm
XF1
CEM IV/A;
CEM IV/B;
CEM III/A;
CEM III/B;
CEM V;
CEM II/B(4);
CEM II/A-D.
--
XS1 / XD1
45 mm
XS2 / XD2
50 mm
XS3 / XD3
55 mm
XA1
XA2
--
XA3
0,55
C30/37
0,50
C35/45
0,45
C40/50
260 kg/m3
0,65
C25/30
300 kg/m3
0,55
C30/37
360 kg/m
3
380 kg/m3
XC1
XF2(5)
280 kg/m3
0,60
300 kg/m3
0,55
0,50
320 kg/m3
0,55
340 kg/m3
0,45
320 kg/m3
0,55
340 kg/m3
0,50
360 kg/m3
0,45
C30/37
C30/37
C35/45
C40/50
(1) De acordo com a especificação E 464, em vez dos cimentos indicados, podem ser utilizadas misturas, obtidas pela junção de um cimento do tipo CEM I
ou CEM II/A com adições, cuja composição resultante seja equivalente à de um dos cimentos indicados.
(2) Não aplicável aos cimentos II/A-T e II/A-W e aos cimentos II/B-T e II/B-W, respectivamente.
(3) Não aplicável aos cimentos com percentagem inferior a 50% de clínquer Portland, em massa.
(4) Não aplicável aos cimentos II-T, II-W, II/B-L e II/B-LL.
(5) Teor mínimo de ar de 4%.
com base em parâmetros previamente seleccionados,
torna-se imperioso que o projectista efectue primeiramente a caracterização da exposição ambiental da
estrutura, a qual condiciona a selecção de alguns daqueles parâmetros, nomeadamente da classe de resistência à compressão do betão, consoante a vida útil
pretendida para a estrutura.
Desta forma, o projectista estará a cumprir simultaneamente o REBAP e o Decreto-Lei n.º 301/2007, assegurando igualmente a optimização económica do projecto, uma vez que os materiais seleccionados são os
efectivamente utilizados em obra.
Como nota final, importa alertar as entidades responsáveis pela gestão e actualização do acervo regulamentar e normativo nacional, sobre a necessidade de
intervir activamente e de forma pedagógica, no sentido de eliminar os conflitos inevitáveis que decorrem
da convivência disciplinar na prescrição e no dimensionamento das estruturas de betão, dos dois referenciais
actuais: o REBAP e o Eurocódigo 2, não obstante poderem ter que ser estabelecidas algumas salvaguardas
nacionais quando ocorrer a substituição do primeiro
pelo segundo.
Desta forma haveria um contributo claro para a optimização da intervenção dos técnicos afectos ao projecto
das estruturas de betão e, consequentemente, para a
garantia do próprio grau de desempenho e qualidade das mesmas, com condições de maior durabilidade
face às condicionantes de exposição ambiental vigentes durante os respectivos tempos de vida útil.
REFERÊNCIAS
[1] NP EN 206-1: 2007, Betão – Parte 1: Especificação, desempenho, produção e conformidade. 2.ª ed. Caparica: IPQ, Jun. 2007, 84 p.
[2] N
P EN 1992-1-1: 2010, Eurocódigo 2 - Projecto de Estruturas de Betão – Parte 1.1: Regras gerais e regras para edifícios. 1.ª ed. Caparica:
IPQ, Mar. 2010, 259 p.
[3] E
specificação E464, Betões – Metodologia prescritiva para uma vida útil de projecto de 50 e de 100 anos face às acções ambientais. Lisboa:
LNEC, Nov. 2007, 16 p.
[4] Decreto-Lei n.º 349-C/83, de 30 de Julho, Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado. Lisboa: INCM.
[5] Decreto-Lei nº 301/2007, de 23 de Agosto. Lisboa: INCM.
Novembro 2010 Betão n.25 45
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