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PARCERIA UNIVERSIDADE E ESCOLA: A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
EM EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
Sonia Maria Siqueira Trotte
Mestre em Educação Física
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade Estácio de Sá
Alvaro Rego Millen Neto
Mestre em Educação Física
Centro Universitário de Barra Mansa
Marco Antônio Santoro Salvador
Doutor em Educação Física
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Universidade Estácio de Sá
RESUMO
Norteado pelo relato de experiência da parceria entre o Colégio Estadual Visconde de
Cairu e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, o estudo investiga as conseqüentes
implicações na formação de professores de Educação Física e no cotidiano escolar. Tal
parceria possibilitou: a aproximação da universidade com a escola, na superação do
paradigma da instituição universitária que se limita em produzir conhecimento e a
instituição escolar que apenas o aplica; a compreensão do papel social que o professor e
a escola podem desempenhar; a construção dos espaços de democratização do
conhecimento que vão ao encontro das necessidades de ambas instituições.
ABSTRACT
Guided by the report of association’s experience between the State High-School Cairu’s
Viscount and the Rio de Janeiro Federal University, the study searches the eventual
implication at the Physical Education teacher’s graduation and the school’s daily. Such
association allowed: the university and school approximation, at the paradigm’s
overcoming of the university institution that limits itself in producing knowledge and the
scholar institution that just applies it; the social role’s comprehension that the teacher and
the school could perform; space’s construction of knowledge’s democratization that
conjoin both institutions necessities.
RESUMEN
Norteado por lo relato de experiencia de la asociación entre la Escuela Estadual Vizconde
de Cairu y la Universidad Federal del Río de Janeiro, el estudio investiga las
consecuentes implicaciones en la formación de profesores de Educación Física y en el
cotidiano escolar. Tal asociación posibilitó: la aproximación de la universidad con la
escuela, en la superación del paradigma de la institución universitaria que limitase en
producir conocimiento y la institución escolar que solamente lo aplica; la comprensión del
papel social que el profesor y la escuela pueden desempeñar; construcción de los espacios
de democratización del conocimiento que van al encuentro de las necesidades de ambas
las instituciones.
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APRESENTAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO
A educação brasileira passa por momentos de profundas transformações, sobretudo
a partir da década de 1960, quando começou a ser influenciada pelas políticas
internacionais através das agências de fomento. Nesse sentido, parte das políticas
educacionais que se apresentam aos países ditos em desenvolvimento se encontra atrelada
à agência de crédito do Banco Mundial (BIRD), o qual vem interferindo diretamente na
educação brasileira por intermédio do processo de cooperação internacional, na forma de
incentivos financeiros à educação e de coalizões entre o Banco Mundial e as diversas
regiões do Brasil, culminando em realizações de projetos para expansão da oferta de
ensino, inclusive no setor privado (Trotte, 2005).
Tendo como pano de fundo a manutenção de uma política de cunho neoliberal para
a diminuição de custos e a criação de oportunidades de acesso ao sistema educacional
público, ao longo dos anos, novos conceitos foram-se introduzindo à orientação
educacional brasileira. Sem esgotá- los, destacam-se a globalização, as competências e
habilidades, a competitividade, a qualidade total e a formação polivalente.
Diante do exposto, consideramos necessário atentar para o fato da educação
brasileira estar vinculada, em certa medida, aos interesses da lógica do mercado. Por um
lado o Estado foi se descomprometendo gradativamente com o financiamento da educação
pública, e por outro promoveu o incentivo às instituições privadas privilegiando-as com
generosos recursos.
Esse contexto educacional acaba por influenciar todo o ensino superior e, por volta
da década de 1990, passa a se traduzir em leis e parâmetros educacionais de forma mais
contundente. Pinto (2002) nos chama a atenção para as reformas dos cursos de licenciatura
que desencadearam uma série de normatizações, gerando novos arranjos curriculares nas
universidades.
Essas políticas incentivaram calorosos debates em torno do tema. Entretanto, apesar
da posição crítica, o presente estudo focaliza especificamente as possibilidades de avanços
acadêmicos resultantes de tais mudanças, especificamente no que se refere ao intuito de
aproximar a universidade ao cotidiano da prática profissional. Como exemplo, citamos a
introdução de horas-campo como complemento dos conteúdos de algumas disciplinas e o
aumento da carga horária da Prática de Ensino.
Nesse sentido, para destacar a importância da parceria universidade e escola
pública, tomaremos como ponto de partida o entendimento da Prática de Ensino como um
eixo norteador curricular para a formação de professores. Por intermédio dos
procedimentos pedagógicos, o licenciando pode perceber a realidade social de forma
crítica e de como se estrutura a rede de relações estabelecidas no cotidiano escolar.
Inclusive as relações de poder que são travadas entre os segmentos da escola, entre as
disciplinas que compõem o currículo e a hierarquia escolar.
A articulação da universidade com a escola pública pode ainda promover a
construção dos espaços de democratização do conhecimento que vão ao encontro das
necessidades de ambas instituições. A escola tem a possibilidade de refletir sobre seus
limites e suas possibilidades do seu compromisso em formar um aluno-cidadão, além de
oferecer à universidade questões de estudo do cotidiano escolar. E a universidade por sua
vez, pode buscar as respostas para os problemas enfrentados pela escola pública, e ao
mesmo tempo, redimensionar a formação de tais professores e investir no professor
pesquisador do cotidiano escolar.
É necessário frisar que não podemos compartimentalizar os saberes e a construção
do conhecimento entre a universidade que produz o conhecimento e a escola que o coloca
em prática. Essa visão desconsidera que as intervenções produzidas por essas instituições,
em seu cotidiano, não são dinâmicas isoladas. Acreditamos na existência de tensões
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permanentes entre as teorias pedagógicas e a realidade social concreta. Dessa forma, podese afirmar que ambas se complementam e possibilitam a existência de uma práxis (relação
dialética entre ação/teoria/ação).
De fato, a universidade e a escola ainda encontram-se em posições distantes entre
as pesquisas realizadas sobre a escola e a dinâmica encontrada no cotidiano escolar. O tripé
universitário “ensino, pesquisa e extensão” carece de uma reformulação na busca de uma
aproximação concisa com a realidade escolar. Observamos que grande parte dos cursos de
Licenciatura em Educação Física ainda mantém-se restritos ao ensino conteúdista
desconectado dos conflitos e das contradições sociais reproduzidos na escola.
A universidade necessita discutir metodologias de ações que superem a função
utilitarista em relação à escola. Nesse sentido, redirecionar e ampliar não somente a Prática
de Ensino no currículo universitário, mas também rever as ementas e as metodologias das
disciplinas que podem atuar no contexto escolar, valorizando o aspecto pedagógico, pode
ser uma oportunidade na tentativa de rever o papel da universidade.
A dificuldade que o professor da escola tem em participar de cursos, palestras e
discussões em sua área de estudo, os baixos salários e a conseqüente necessidade de
diversos empregos e o preconceito acadêmico existente entre os grupos citados, têm
dificultado o intercâmbio entre as instituições escola e universidade. Desse modo,
perdemos a oportunidade da troca de experiências e estudos que proporcionariam
aproximações entre as instituições.
Nesse aspecto específico, a Prática de Ensino ao longo dos anos vem contribuindo
para essa desejada aproximação, por intermédio dos Es tágios Supervisionados que
proporcionam um intercâmbio essencial para ambas instituições. A partir dessas análises,
um grupo de professores do Colégio Estadual Visconde de Cairu (CEVC) e da disciplina
de Prática de Ensino da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) iniciaram
reflexões e discussões acerca das aproximações do hiato verificado entre a Escola e a
Universidade.
A CONSTRUÇÃO DA PRETENSÃO
O projeto teve início no ano letivo de 2000, quando o CEVC passou a receber
estagiários de um dos professores da disciplina Estágio Supervisionado da UFRJ.
Atualmente a parceria se mantém com uma professora da mesma disciplina que trabalha
em ambas instituições. O projeto consiste em relacionar o conhecimento específico da
disciplina em confronto com as experiências vivenciadas no cotidiano escolar.
Os conhecimentos produzidos nas instituições referenciam-se mutuamente nas
teorias e metodologias aplicadas em comum acordo com os professores envolvidos no
projeto. As discussões pedagógicas na construção do planejamento, das unidades a serem
enfocadas, bem como, os métodos e estratégias e processo de avaliação são realizadas com
a participação dos envolvidos das duas instituições, com posterior participação dos
estagiários envolvidos no projeto.
A RELAÇÃO COM OS ESTAGIÁRIOS
O colégio recebe alunos do penúltimo período de Educação Física da UFRJ.
Quando os licenciandos chegam à escola no início do período letivo, passam no primeiro
momento pelo Setor de Orientação Educacional. A seguir, são realizadas reuniões para
estabelecer algumas regras básicas de estágio (manuseio do diário de classe, regras de
convivência do grupo e com os alunos e tarefas administrativas do cotidiano escolar) e lhes
é passado o planejamento anual das turmas, com cronograma de aulas. O objetivo dessas
reuniões é apresentar a escola, definir metas de trabalho em conjunto e possibilitar aos
licenciandos compreender a engrenagem da escola e do viés pedagógico da disciplina,
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refletido paralelamente nas aulas da disciplina da universidade e nas discussões em
reuniões da escola.
A avaliação das experiências dos licenciandos ocorre no cotidiano das aulas, ou
seja, os licenciandos socializam suas experiências de estágio ao final de cada aula,
buscando possibilitar uma avaliação coletiva do trabalho pedagógico que realizado. O
projeto possui como um dos pilares a consciência das limitações que enfrentamos, tanto no
aspecto administrativo da escola, quanto nas possibilidades acadêmicas experimentadas no
cotidiano.
DESCRIÇÃO DO COTIDIANO ESCOLAR
A cada início de ano letivo os professores envolvidos no projeto se reúnem para
elaborar o planejamento anual denominado plano de curso. Apesar de teoricamente
possuírem semelhantes concepções, tais como as abordagens crítico-superadora do
Coletivo de Autores (1992), crítico-emancipatória de Elenor Kunz (1994), cultural de
Jocimar Daólio (1995, 2004), sistêmica de Mauro Betti (1991), os Parâmetros Curriculares
Nacionais (1999), entre outros, a dinâmica do cotidiano denuncia as contradições entre o
discurso e a prática pedagógica do grupo e constantemente os conflitos surgem. Nesse
sentido, fica explícito que a dinâmica do cotidiano escolar e a própria concepção teórica de
cada integrante não se forma em apenas uma perspectiva teórica. Por muitas vezes, a
prática pedagógica se realiza de forma mais voluntariosa que acadêmica. A convergência
se dá no compromisso com uma educação de qualidade, crítica e participativa.
O projeto privilegia os seguintes princípios norteadores: a) valorização das
experiências/vivências anteriores dos alunos (tem como ponto de partida a realidade vivida
dos alunos); b) planejamento e a tomada de decisão em grupo (profe ssores e alunos); c)
utilização de conteúdos temáticos significativos para os alunos, contextualizados
historicamente e socialmente (aulas problematizadas); d) valorização da cultura popular; e)
o reconhecimento do conceito multifatorial da saúde e sua relação com a prática da
atividade física regular; f) avaliação diagnóstica, formativa e contínua, que identifica
conflitos no processo pedagógico e busca a superação coletiva com os envolvidos.
Partindo desses princípios, os conteúdos elencados pela equipe são desenvolvidos
em forma de temas e problematizados durante as aulas. Tais conteúdos estão baseados na
cultura do movimento humano, entendida aqui como uma forma de se movimentar no
mundo. São eles: os jogos (populares e cooperativos), as ginásticas (diferentes tipos de
ginástica, consciência corporal, entre outros), as danças atuais e manifestações folclóricas
(capoeira e maculêlê), os esportes tradicionais com regras transformadas pelo grupo e
corrida de orientação.
O processo de avaliação tem como objetivo a diagnose e a construção do
conhecimento nas esferas das aulas, levando-se em conta aspectos como: presença,
pontualidade, participação e cooperação nas aulas; evolução realizada na apreensão dos
aspectos técnicos da unidade em questão e auto-avaliação do processo observado pelos
alunos.
LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES DA REALIDADE ESCOLAR
Apesar do contexto desfavorável, o professor da escola pode empreender ações que
possibilitem a inversão dos valores em que a escola se propõe a reforçar e eternizar. Nesse
sentido, a experiência vivenciada nos últimos anos da parceria escola e universidade entre
o Colégio Estadual Visconde de Cairu e o curso de Educação Física da UFRJ, além de
proporcionar condições aos estagiários que ali se encontram com a esperança de
compreender o seu papel crítico/social no magistério e as ações e reflexões necessárias
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para a tentativa de mudança, carregam consigo a possibilidade de renovação essencial para
os professores necessitados de esperança em tempos de desânimo e descrença.
REFERÊNCIAS
BETTI, M. Educação física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: Ministério da Educação, 1999.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo:
Cortez, 1992.
DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995.
_______. Educação física e o conceito de cultura. Campinas, SP: Autores Associados,
2004.
KUNZ, E. Transformação didático-pedagogica do esporte. Ijuí, RS: Unijuí Ed., 1994.
PINTO, F. M. . A Prática de Ensino nos Cursos de Formação de Professores de Educação
Física. In: VAZ, A. F.; SAYÃO, D. T.; PINTO, F. M. (Orgs.). Educação do Corpo e
Formação de Professores: reflexões sobre a Prática de Ensino de Educação Física.
Florianópolis: EDUFSC, 2002.
TROTTE, S. M. S. A Educação Física e o Projeto Político-Pedagógico do Colégio
Estadual Visconde de Cairu: proximidade ou distanciamento? Dissertação (Mestrado em
Educação Física). Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 2005.
Endereço do autor
Sonia Maria Siqueira Trotte - Estrada do Capenha 1127, bloco 5, apto. 410, Jacarepaguá,
CEP 22743-041. Rio de Janeiro. Email: [email protected].
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