Políticas de Diversidade nas Organizações: Uma Questão de Discurso?
Autoria: Helio Arthur Reis Irigaray
Resumo
O objetivo neste artigo foi analisar até que ponto as organizações conseguem implementar
efetivamente as políticas de estímulo à diversidade no ambiente empresarial. Para tanto,
tomou-se para estudo uma empresa multinacional, que adotou na década de 1990 uma política
mundial de estímulo à diversidade e inclusão. Com base em uma metodologia qualitativa,
foram pesquisados documentos oficiais e entrevistados empregados representantes de
minorias e de não-minorias, analisados posteriormente por meio da técnica de análise do
discurso. Os resultados apontam para contradições entre os discursos da empresa e a
percepções dos empregados sobre as políticas por ela adotadas. Isso possivelmente se deve a
processos arraigados de preconceito por parte dos próprios empregados, a certa
permissividade no nível gerencial, e a um direcionamento das políticas de estímulo à
diversidade e inclusão mais voltadas para o mercado do que para as demandas da sociedade.
Introdução
As organizações têm sido historicamente abordadas como entidades assépticas em que
os indivíduos convivem de forma funcional e neutra em prol de objetivos econômicos
comuns. O questionamento do modelo funcionalista de administração, porém, revela as
fragilidades desta visão. Ela negligencia que no ambiente empresarial convivem indivíduos de
distintos segmentos psicográficos e estilos de vida, que, para sobreviver, muitas vezes se
calam (IRIGARAY, 2006), escondendo-se sob o manto da impessoalidade profissional.
A questão da diversidade tem se consolidado na pauta empresarial em todo o mundo,
principalmente em razão de as diferenças na força de trabalho terem se tornado evidentes.
Gênero, etnia, orientação sexual, idade, crença religiosa ou limitações físicas, entre outros
aspectos, são elementos que denunciam a heterogeneidade na organização (ALVES;
GALEÃO-SILVA, 2004; FLEURY, 2000; NKOMO; COX, 1999), o que requer elaboração
de estratégias que harmonizem lucro, práticas organizacionais e justiça social (ROBINS;
COULTER, 1998). As organizações perceberam que precisavam levar a sério as diferenças de
sua mão-de-obra sob pena de deixarem de atender satisfatoriamente o mercado em que
atuavam. No que diz respeito à pesquisa, a partir da década de 1980, a crescente diversidade
da mão-de-obra emergiu como um dos mais profícuos campos em estudos organizacionais
(GALVIN, 2006). Como Calás e Smircich (1992) argumentam, muitos acreditaram que a
inclusão de minorias historicamente discriminadas melhoraria o ambiente de trabalho,
fazendo-o mais diversificado e democrático. Todavia, há questionamentos de toda ordem
nesse sentido, sustentados por dúvidas quanto a como tratar diferentes com igualdade.
Este estudo orienta-se pela seguinte questão: até que ponto as organizações conseguem
implementar efetivamente as políticas de estímulo à diversidade no ambiente empresarial? Tal
questionamento se justifica na medida em que existe uma lacuna nos estudos sobre as
políticas de gestão ligadas à diversidade no Brasil (ARANHA, ZAMBALDI, FRANCISCO.,
2006). Ademais, acredita-se que melhor compreendendo a efetividade da política de
diversidade da empresa selecionada pode levar tanto a sugestões para a melhoria da qualidade
de vida dos empregados (PAUCHANT, 2006) quanto a melhorias no desempenho
organizacional (MORIN, 2005).
Para tratar do problema, desenvolveu-se um estudo de caso, com base em pesquisa
documental nas políticas da organização quanto à diversidade e entrevistas semi-estruturadas
com empregados dos escritórios do Rio de Janeiro e de São Paulo, em uma empresa
multinacional norte-americana do ramo tecnológico, denominada sob o nome fictício de
NORTEC. Esta empresa implantou, em meados da década de 1990, em todas as suas filiais
em mais de 100 diferentes países, a mesma política de diversidade utilizada na matriz. Nesta
pesquisa assume-se o pressuposto que formalizar políticas de estímulo à diversidade não
conduz necessariamente a resultados satisfatórios no que se refere à inclusão de minorias. Por
isso, com base em uma pesquisa qualitativa, procura-se apreender: a) a política de diversidade
da organização em questão com base na análise do discurso, verificando seus preceitos e
proposições implícitos e explícitos; b) as percepções dos empregados que constituem o
público-alvo de tal política a respeito de sua efetividade; e c) o posicionamento dos
empregados de não-minorias sobre a política formal de diversidade da organização.
Além desta introdução, este artigo está estruturado em seis seções. A segunda seção
introduz os discursos empresariais e a questão da legitimidade, seguida por uma seção que
discute a complexidade da diversidade no meio organizacional. A quarta seção apresenta a
metodologia utilizada na execução da pesquisa. Em seguida, usa-se a análise dos discursos da
empresa, das minorias, foco das políticas não-discriminatórias, e das não-minorias, o que
precede as considerações finais do estudo.
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Discursos Empresariais e a Questão da Legitimidade
Além de disseminar uma visão coerente e unívoca do que a organização e suas ações
são, os discursos empresariais utilizados pelas organizações adquirem características que, de
acordo com Saraiva et al. (2004) permitem alçá-lo à categoria de estratégia empresarial,
portanto além do enfoque que o encara como resultado de ações de comunicação. Trata-se de
um verdadeiro processo de engenharia organizacional, que alinha a organização ao que mais
moderno existe no mercado, pelo menos no nível retórico. De certa forma, não se trata de algo
novo; contudo, o nível de sofisticação atual permite vislumbrar algumas tendências, que
destacam, mais do que escondem, discrepâncias entre o dito e o feito pelas organizações, entre
a modernidade do discurso e o conservadorismo das práticas.
Em linhas gerais, os discursos empresariais – no plural, porque atuam em múltiplos
níveis e em diferentes frentes – difundem uma nova visão de organização, tratando de
aspectos díspares e ao mesmo tempo complementares na tessitura de uma nova perspectiva,
calcada em um cidadão, mais do que um empregado, e em uma comunidade, mais do que uma
empresa. O objetivo último é, indisfarçavelmente, a adesão dos empregados a um projeto
organizacional que os antecede e que sucumbe sem seu apoio, embora pretenda deles
independer (SENETT, 1999). Nesse sentido, diz respeito a uma essência tradicional porque
não questiona a ordem capitalista estabelecida nas organizações, mas que, ao mesmo tempo,
se apresenta como humanizada e atualizada na aparência. A cooperação que se pretende obter
dos empregados se baseia em discursos que difundem idéias como as de igualdade
democrática, proatividade, clareza na comunicação – elementos que somente há pouco foram
realmente considerados de forma mais ampla (MELO; LIMA, 1995).
A rigor, a organização dissemina discursos que ajudam a construir uma nova
realidade, em que supera os limites estritos do cotidiano capitalista e se converte em um local
de afeto, a ser “amado” pelos empregados. A estes caberia dedicar-se com cada vez mais
afinco a ela na busca de reconhecimento profissional, fazendo mais do que o prescrito, ao
passo que à organização caberia o acolhimento e observação do esforço extra e a promessa de
retorno. O não dito é que tais discursos, embora estimulem o envolvimento afetivo dos
empregados para com a organização, preservam um espaço em que predomina uma
impessoalidade estritamente baseada na relação entre pessoa jurídica e pessoa física. O mais
dedicado dos empregados pode se tornar “descartável” se não apresentar os resultados
esperados pela organização que se propõe a por ele ser amada. As práticas de gestão, assim,
contrariam os discursos das organizações, pois preservam instrumentalidade da administração,
o “braço armado da economia” (AKTOUF, 2004), ligada à performance.
No que diz respeito à questão da diversidade, os discursos são particularmente
ambíguos. A ambigüidade se deve a uma busca de legitimidade social, pois ao investir em
práticas não-discriminatórias, as organizações se habilitam a serem percebidas como mais
socialmente responsáveis do que outras que não adotam a mesma postura. Contudo, é de se
considerar a efetividade e os desdobramentos dos discursos empresariais pró-diversidade. A
efetividade diz respeito ao quanto são postas em prática as políticas de igualdade de
oportunidades entre indivíduos de segmentos discriminados na sociedade. Os desdobramentos
se referem ao que decorre da adoção ou não de tais medidas, pois a legitimidade tão
perseguida se vê ameaçada quando os indivíduos passam a acreditar que as políticas são
apenas formais, ou quando existem oportunidades reais de ascensão e de reconhecimento de
segmentos como nos discursos. Em qualquer um dos casos, trata-se de fenômenos que
merecem atenção por implicarem revisão da homogeneidade funcionalista nas organizações.
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A Questão da Diversidade nas Organizações
Possivelmente por conta de um ideal de neutralidade e tecnicismo desde a origem, as
organizações adotam uma perspectiva de homogeneidade no seu cotidiano. Lidam com os
indivíduos que nelas trabalham como se suas diferenças pudessem ser ocultadas sem maiores
problemas sob o manto da formalidade das posições hierárquicas. De certa forma, assumem
que os indivíduos separam suas características e interesses pessoais dos profissionais,
submetendo aquelas a estas no ambiente organizacional. Os limites desta visão já foram
demonstrados desde que estudiosos identificaram a presença de racionalidades concorrentes
na organização, e que, portanto, os indivíduos não apresentam qualquer tipo de clivagem entre
quem são, como homens e mulheres, dos papéis e exigências de suas profissões.
A década de 1980 trouxe à tona diversos estudos que abordaram a questão da
diversidade da força de trabalho, uma forma de minar a visão hegemônica de que as
diferenças individuais influenciavam pouco o ambiente e os resultados da organização. De
uma crítica inicial, os trabalhos passaram a visualizar a gestão da diversidade, ou seja, uma
forma de converter a preocupação social com os resultados da organização sob um enfoque
instrumental. Como salientam Aranha, Zambaldi e Francisco (2006), sob a ótica empresarial,
a eficácia na gestão da diversidade pode otimizar a troca de informações sobre experiências,
valores, atitudes e a apreensão de novas abordagens, estimulando a criatividade, a
flexibilidade, a inovação e a mudança, além de aprimorar o processo decisório. Por outro
lado, há o risco de redução de integração e contatos sociais, enfraquecimento dos laços de
lealdade com os colegas de trabalho e com a organização em si, bem como o recrudescimento
de conflitos e problemas de comunicação, pois, para os empregados, conviver com indivíduos
de identidades sociais distintas pode ser intolerável (IRIGARAY, 2006).
Na sua essência, o conceito de diversidade se relaciona ao respeito à individualidade
dos empregados e ao reconhecimento dela (FLEURY, 2000), a forma pela qual os indivíduos
se percebem, ou seja, suas identidades sociais visíveis e invisíveis. A Teoria da Identidade
Social assume que os indivíduos tendem a classificar a si próprios e aos outros em categorias
sociais e que estas classificações têm efeito significativo sobre as interações humanas
(SLUSS; ASHFORD, 2007), pois vêm carregadas de estereótipos e, eventualmente, de
estigmas.
Não raro, indivíduos de identidades sociais minoritárias têm sido alvo de preconceito e
atitudes discriminatórias. Estudos realizados evidenciaram que negros (ALVES; GALEÃOSILVA; 2004; FLEURY, 2000), pessoas com deformação facial (EDWARDS; WATSON,
1980), deficientes físicos (CENTERS; CENTERS, 1963; FARINA et al., 1968), obesos
(HARRIS et al., 1983); retardados mentais (FOLEY, 1979), homossexuais (IRIGARAY,
2006; DeCECCO, 1984; HEREK, 1984) e cegos (SCOTT, 1969) têm sido estigmatizados.
Estigma é um fenômeno socialmente construído (Blaine, 2000) e tem fortes implicações
negativas em suas vítimas (THOMPSON et al., 2004), pois o fato de ser membro de uma
minoria faz de um indivíduo alvo fácil de descriminação (GOFFMAN, 1963). A percepção de
um estigma reduz as expectativas dos outros, podendo significar anormalidade, avareza, ou
até mesmo, incapacidade física ou mental.
Metodologia
Este estudo fundamentou-se na fenomenologia heideggeriana, voltada a apreender e
interpretar as experiências de cada indivíduo a partir de suas próprias perspectivas. Nela, as
idiossincrasias do pesquisador são articuladas com o objeto de pesquisa, sem distanciamento
sujeito-objeto (bracketing), nem rompimento epistemológico; pelo contrário, a inclusão do
ponto de vista dos pesquisadores é que possibilita a apreensão do objeto (RAY, 1994). No
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Weltanschauung heideggeriano, as múltiplas realidades dos indivíduos são construídas a partir
da linguagem de suas experiências pessoais; portanto, um indivíduo e seu mundo são
elementos indissociáveis. Por isso, neste trabalho, os pesquisadores não se posicionaram
como meros observadores do fenômeno estudado, estando suas premissas presentes em toda a
pesquisa, do planejamento à execução.
O estudo da diversidade na NORTEC já o caracteriza como um estudo de caso por si
só (LEONARD-BARTON, 1995), útil em pesquisas exploratórias como é o presente tema, em
que há pouco conhecimento acumulado. Como estudos de caso se valem de vários recursos
para a obtenção de dados (BERG, 1998), esta pesquisa envolveu investigação bibliográfica,
via documentos da empresa, associada à pesquisa de campo. A pesquisa de campo foi
conduzida entre os meses de outubro de 2006 e fevereiro de 2007, nos escritórios da empresa
nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Dado que não existe uma verdade única, e sim
múltiplas realidades (BENHABIB, 1990; CALÁS; SMIRCICH, 1999), para responder à
questão de pesquisa foram entrevistados 9 empregados (6 no Rio de Janeiro e 3 em São
Paulo) de perfil variado. Esta amostra, não probabilística do tipo intencional, na qual se dirige
propositalmente a segmentos com características relevantes para o estudo, consistiu de 5
representantes de minorias (negros, mulheres, homossexuais, deficientes e judeus) e 4
representantes de não-minorias. Considerou-se suficiente este número,tendo em vista que, em
abordagens qualitativas, o que importa não é o tamanho da amostra, mas as diferentes
representações sobre o assunto (GASKEL, 2002). As entrevistas, que não puderam ser
gravadas, foram registradas por meio de anotações, complementadas com dados obtidos por
observação nas instalações da empresa.
Em atenção a Goldenberg (2000), na realização das entrevistas optou-se por um
roteiro compatível com a entrevista focada, semi-estruturada. Por conta das considerações de
Rubin e Rubin (1995) buscou-se identificar quais as funções-chave relacionadas ao objeto
deste estudo no sentido de se obter conteúdo relevante. Segundo esses autores, os sujeitos
selecionados devem: (a) conhecer a arena cultural, situação ou experiência a ser estudada; (b)
ter vontade de falar; e (c) ter diferentes perspectivas. Observou-se, ainda, que a questão de
pesquisa fosse orientadora dos critérios de seleção (EISENHARDT, 1989), tendo sido as
questões das entrevistas direcionadas a apreender a percepção dos entrevistados sobre a
política de diversidade da NORTEC. O método escolhido para o tratamento dos dados foi a
análise do discurso, que tem a intenção de não só apreender a mensagem, como também
explorar o seu sentido, seus significados: o que se fala e como se fala, o que está explícito e o
que está implícito, a linguagem empregada e as dimensões enfatizadas (PUTNAN;
FAIRHURST, 2001).
Revelações do Campo
A Visão da Empresa
A política de não-discriminação da NORTEC dá margem a diversas interpretações
sobre as políticas de estímulo à diversidade:
(01) Desde a sua fundação, a NORTEC tem demonstrado comprometimento contínuo com as
pessoas e com práticas empregatícias justas. Como a NORTEC tem crescido e expandido
suas atividades pelo mundo, sua força de trabalho tem se tornado mais diversificada. A
NORTEC acredita que sua força de trabalho diversificada ajuda a companhia a alcançar seu
pleno potencial. Reconhecendo e desenvolvendo os talentos de cada indivíduo traz novas
idéias à NORTEC.
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O discurso do fragmento (01) traz, em primeiro lugar, um tema explícito: a “questão
do comprometimento com as pessoas e com práticas empregatícias justas”. O discurso associa
a diversificação da mão-de-obra ao crescimento e expansão das atividades da empresa em
nível mundial. É o caso de se perguntar qual era efetividade da política de diversidade antes
da expansão mundial. A julgar pelo discurso, não há indicativos de que a força de trabalho
fosse diversificada quando a empresa tinha atividades nacionais, o que contradiz o discurso do
comprometimento e da justiça. Outro ponto que merece destaque neste fragmento diz respeito
à visão que a NORTEC tem dos seus empregados. Por ajudarem “a companhia a alcançar seu
pleno potencial”, têm seus talentos reconhecidos e desenvolvidos, já que trazem novas idéias
à empresa. O explícito neste fragmento é que há uma relação visível de troca, em que o
reconhecimento é trocado por resultados no âmbito da organização. O comprometimento
contínuo com as pessoas, assim, se vê a serviço de uma base estritamente capitalista.
(02) A companhia se beneficia da criatividade e inovação que resulta quando a NORTEC que
tem diferentes experiências, perspectivas e culturas trabalhando juntos. Isso é o que dirige a
invenção e alta performance na NORTEC. Nós acreditamos que uma força de trabalho
diversificada e bem gerenciada expande a base de conhecimento, habilidades e compreensão
intercultural da NORTEC, o que, por sua vez, nos habilita a entender, relatar e responder à
mudança de diversidades dos nossos clientes, conectando-os ao poder da tecnologia. Nosso
comprometimento geral é refletido na nossa filosofia de diversidade e inclusão...
O fragmento (02) tematiza explicitamente a visão oficial da empresa sobre a questão
da diversidade. A organização se beneficia da criatividade e da inovação oriundas das
diferenças, e, de acordo com o fragmento, “Isso é o que dirige a invenção e alta performance
na NORTEC”. Há uma associação explícita entre a diversificação da força de trabalho e a
capacidade de alcance das expectativas dos clientes. Mais uma vez, trata-se de uma questão
regida não por uma lógica de genuíno interesse pela sociedade, mas de foco no mercado.
(03) Filosofia de Diversidade e Inclusão da NORTEC
Uma força de trabalho diversificada e altamente realizadora é uma vantagem competitiva
sustentável que diferencia a NORTEC. Ela é essencial para vencer nos mercados e
comunidades ao redor do mundo.
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Um ambiente de trabalho flexível e inclusivo, que valoriza as diferenças, motiva os
empregados a contribuir com o seu melhor.
Para melhor servir aos nossos clientes, nós devemos atrair, desenvolver, promover e reter
uma força de trabalho diversificada.
Confiança, respeito mútuo e dignidade são crenças fundamentais que são refletidas em
nossos comportamentos e ações.
Accountability para objetivos de diversidade e inclusão dirige nosso sucesso.
O fragmento (03) explicitamente aborda a questão da diversidade como “fonte de
vantagem competitiva sustentável” que propicia que a empresa “vença” nos mercados e
comunidades ao redor do mundo. O emprego do vocábulo “vencer” denota uma lógica de
competição empresarial como um tipo de luta, na qual a empresa associa a vitória às políticas
de diversidade, que a auxiliariam a entender as diferenças entre mercados e comunidades em
todo o mundo, “derrotando” os concorrentes.
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(04) Igualdade, Oportunidades Iguais e Ação Afirmativa
As políticas e práticas de suporte da NORTEC são construídas sobre esta filosofia, tanto
quanto o grupo de valores, que incluem uma forte crença de que todos os empregados
deveriam ser tratados com dignidade e respeito. De acordo com isso, a NORTEC não
discrimina qualquer empregado ou candidato a emprego por causa da raça, credo, cor,
religião, gênero, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, origem nacional,
deficiência, idade, ou pessoas com status de veterano. Também é política da NORTEC estar
de acordo com todas as leis aplicáveis local e nacionalmente com relação a nãodiscriminação e oportunidades iguais.
As políticas e práticas de suporte da NORTEC se baseiam, conforme o fragmento
(04), em igualdade, oportunidades iguais e ação afirmativa. O discurso mobiliza
explicitamente os vocábulos “dignidade e respeito”, associando-os à não diferenciação de
empregados ou candidatos a emprego por causa de suas diferenças e ao cumprimento de
legislação nacional e local com relação à não-discriminação e oportunidades iguais. O que é
colocado como uma política empresarial não passa, objetivamente, de obrigação legal. Uma
organização qualquer, para atuar em um dado território, tem de obedecer à legislação local,
sob pena de infração da ordem legalmente estabelecida. Isso não é objeto de política da
empresa, mas um pré-requisito para a viabilização de operações em diversas localidades.
Quando a NORTEC converte a obrigação legal em estratégia da organização, coloca-se acima
dos concorrentes em nível de discurso, pois se presume que é uma decisão da empresa
obedecer à legislação – quando não é mais do que uma mera aquiescência às leis em vigor.
Para a viabilização das práticas empresariais, o gerente NORTEC possui diversas
responsabilidades ligadas às questões da diversidade e inclusão, conforme o fragmento (05):
(05) Responsabilidades do Gerente NORTEC
Todo gerente na NORTEC tem responsabilidades de liderança com relação à diversidade e
inclusão, incluindo criar o melhor ambiente de trabalho para nossos clientes, empregadores,
fornecedores, parceiros comerciais e acionistas, como definido na política do melhor
ambiente de trabalho da NORTEC. Adicionalmente, gerentes são desafiados com as seguintes
responsabilidades específicas quanto à diversidade e inclusão, e por resultados alcançados
como parte da performance do seu trabalho:
1. Desenvolvendo uma força de trabalho diversificada. Atrair, desenvolver, promover e reter
uma força de trabalho diversificada para servir aos nossos clientes crescentemente diferentes
e para conquistar mercados globais, mercados e trabalho e comunidades em todo o mundo.
2. Criando um ambiente de trabalho inclusivo. Criar um ambiente de trabalho inclusivo e
flexível para uma alta realização, times com multi-habilidades – uma vez que põe as
diferenças para trabalhar em prol dos negócios da NORTEC, encorajando e motivando cada
empregado a contribuir com seu potencial completo.
3. Aderindo às políticas da companhia e políticas e práticas locais no seu negócio e região.
Familiarizar-se com liderança, implementação, suporte, participação, e integrando
diversidade, inclusão, oportunidades iguais, e políticas e práticas de ação afirmativa nas
suas principais responsabilidades de negócios cotidianas. Isso inclui entender, apropriar-se e
comunicar conceitos chave em mensagens dirigidas aos empregados.
4. Contribuindo para as metas e objetivos da rede da NORTEC. Tornar-se conhecido e ser
envolvido com os esforços da organização para contribuir para os objetivos de rede da
NORTEC e para a implementação de programas de ação afirmativa, diversidade e inclusão.
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Isso inclui familiaridade com os principais temas/objetivos e envolvimento com planos de
ação para alcançar objetivos.
5. Agindo com liderança pessoal. Executar o comprometimento da companhia com a
diversidade, oportunidades iguais e ação afirmativa pela obediência aos seguintes
comportamentos e ações:
Tomar um papel ativo no acompanhamento e desenvolvimento de mulheres, pessoas de cor,
minorias, pessoas com status de veterano e pessoas com deficiência.
Manter um ambiente de trabalho que promova dignidade, cortesia, e respeito pelo indivíduo.
Prover acomodação razoável para empregados com deficiência.
Dar apoio ao comprometimento da companhia com pequenos negócios de propriedade ou
operação de mulheres, pessoas de cor e pessoas com deficiência.
O papel gerencial na promoção da diversidade e inclusão é explícito no fragmento
discursivo (05), devendo criar um “melhor ambiente de trabalho”. Este fragmento denota uma
preocupação com que não haja empecilhos de nenhuma ordem ao alcance de resultados.
Implicitamente, trata-se da questão da diversidade como um problema potencial, resolvido
com a inclusão de minorias no ambiente da empresa. Por isso as responsabilidades específicas
quanto à diversidade e inclusão têm metas associadas à performance do trabalho gerencial na
NORTEC, de onde se infere a probabilidade, uma vez que parte da avaliação se baseia nesses
aspectos, de nesse nível se concretizarem ações voltadas para a promoção da diversidade.
As responsabilidades específicas dos gerentes quanto à promoção da diversidade são
relacionadas a resultados, o que significa que a ação é adequada do ponto de vista social, mas
realmente motivada pelos benefícios que podem ser auferidos pela organização. A atração,
desenvolvimento e promoção da diversidade são feitas “para servir aos nossos clientes
crescentemente diferentes e para conquistar mercados globais, mercados e trabalho e
comunidades em todo o mundo” (responsabilidade 1, fragmento 05), “uma vez que põe as
diferenças para trabalhar em prol dos negócios da NORTEC, encorajando e motivando cada
empregado a contribuir com seu potencial completo” (responsabilidade 02, fragmento 05). Os
gerentes devem aderir “às políticas da companhia e políticas e práticas locais no seu negócio e
região” e isso “inclui entender, apropriar-se e comunicar conceitos chave em mensagens
dirigidas aos empregados” (responsabilidade 03, fragmento 05), o que significa
familiarizarem-se “com os principais temas/objetivos e envolvimento com planos de ação
para alcançar objetivos” (responsabilidade 04, fragmento 05). Isso os habilita a serem
percebidos como líderes por desempenhar um papel ativo no acompanhamento e
desenvolvimento de minorias na empresa e na manutenção de um ambiente de trabalho que
promova “dignidade, cortesia, e respeito pelo indivíduo”. Também ao “prover acomodação
razoável para empregados com deficiência” e apoiar as políticas da empresa com
“comprometimento da companhia com pequenos negócios de propriedade ou operação de
mulheres, pessoas de cor e pessoas com deficiência” (responsabilidade 05, fragmento 05).
Mais uma vez o cumprimento da legislação é substituído por um discurso de responsabilidade
social empresarial (ergonomia no caso da acomodação para deficientes físicos).
Outra questão que aparece neste fragmento discursivo é que a empresa seria
comprometida com a diversidade ao manter relações econômicas com pequenos negócios de
propriedade de minorias. Não se trata de estímulo à diversidade, mas de discriminação
disfarçada, porque não haveria tratamento em pé de igualdade, mas de diferença, pois não é
por serem competentes em seus nichos que tais organizações seriam alvo das políticas da
NORTEC, mas apenas por serem de propriedade de minorias. Isso coloca em xeque o
discurso de estímulo à diversidade, pois se manifesta uma perspectiva de caridade
(benevolência para com as minorias), e não de inclusão (igualdade no tratamento de
diferentes). As minorias falam por si na próxima seção.
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A Visão das Minorias
Quando ouvidos membros das minorias que trabalham na NORTEC, as políticas de
estímulo à diversidade e inclusão apresentam limites. Independente da minoria a que os
entrevistados pertencem, as denúncias de discriminação e exclusão se assemelham:
(06) o discurso é muito bonitinho, mas não tem nenhum negro gerente ou diretor (empregado
negro).
(07) Falam tanto em política de diversidade aqui na empresa, mas meu companheiro não tem
os mesmo direitos que as mulheres dos meus amigos têm: plano de saúde, seguro, viagemprêmio (empregado homossexual).
O personagem explícito “discurso” é mobilizado no fragmento discursivo (06) na
forma de contradição. Embora seja “bonitinho”, que denota formalidade e rigor, “não tem
nenhum negro gerente ou diretor”, o que implica possíveis dificuldades na ascensão
profissional dessa minoria. O fragmento (07) mobiliza o discurso da empresa, explicitamente
se referindo à personagem “política de diversidade”, que é muito “falada”, do que se entende
sua difusão na organização, mas não efetivação em toda a sua extensão, pois não há igualdade
de direitos no tratamento de casais homossexuais em relação aos heterossexuais.
Quanto à existência de preconceito no âmbito da NORTEC, as posições são diferentes:
(08) O engraçado é que dois funcionários judeus, sendo que uma era uma mulher, abriram
um discurso homofóbico e ninguém falou nada; aliás, nunca ninguém fala nada; algumas
vezes entram no site de diversidade da empresa e ficam rindo dos viadinhos e das sapatonas
(...) fico com raiva, mas não consigo falar nada (empregado homossexual).
(09) Mulher para ser vista como boa profissional tem que ser duas vezes melhor do que os
homens, ainda mais eu que sou loira (...) pior, desquitada. Você acha que não tem
preconceito ainda? Mulher separada é vista como presa fácil para os homens (empregado do
gênero feminino).
No caso do fragmento discursivo (08), ao destacar o adjetivo “judeus”, o empregado
deixa a entender que de uma minoria não seria esperada qualquer tipo de preconceito, e que,
embora tenha sido expresso, não houve represálias. Isso indica o estigma apontado por
Thompson et al. (2004), em que o indivíduo arca sozinho com o silêncio de ser discriminado
por ser quem é (BLAINE, 2000). No mesmo sentido, o fragmento discursivo (09) destaca
outra forma de discriminação. O entrevistado destaca que, por ser mulher, tem de ser “duas
vezes melhor do que os homens”, referindo-se ao fato de ser loira, e, “pior, desquitada” e
inquire o entrevistador: “você acha que não tem preconceito ainda?”. Aparentemente, ela
vivencia em seu cotidiano profissional uma tripla discriminação: por gênero, pelo seu estado
civil, e por sua aparência, o que dá margem a questionamentos sobre a efetividade das
políticas da NORTEC de estímulo à diversidade e inclusão.
Para lidar com o preconceito, diversas ações são levadas a cabo pelos membros de
minoria, conforme os próximos fragmentos discursivos:
(10) Se tem preconceito? Não sei, acho que não, porque se tiver eu denuncio e o babaca se
ferra, mas vira e mexe a gente ouve piadinhas sobre como os judeus são pão-duros (...) isso
enche o saco (empregado judeu).
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(11) o primeiro que fizer uma piadinha nazista eu denuncio... isto dá rua (empregado judeu).
(12) eu não vou denunciá-los à empresa porque no final pega mal para mim. Sabe lá o que
eles podem fazer comigo depois? (...) uma coisa é o que a matriz e o RH dizem, outra bem
diferente o nosso dia-a-dia (empregado homossexual).
Os fragmentos (10) e (11) deixam clara a perspectiva de reação frente ao preconceito.
O empregado, de origem judia, embora não perceba claramente a existência do preconceito na
empresa, diz que, se o perceber, denunciá-lo-á, recusando-se a aceitar a discriminação.
Postura diferente do fragmento discursivo (12), em que o empregado, homossexual, não
denuncia o preconceito porque, no final, pode “pegar mal para ele”, temendo represálias
(“sabe lá o que eles podem fazer comigo depois?”). Continua dizendo que o sustentado pela
matriz e pelo RH difere do dia-a-dia da NORTEC, pois há assimetrias entre os discursos e as
práticas nesta empresa. Um aspecto que se destaca nestes fragmentos discursivos é um
paradoxo já apontado por Siqueira e Zauli-Fellows (2006): quando se trata de políticas de
diversidade, as pessoas são mais propensas a aceitar as diferenças étnicas, sociais e de gênero;
mas têm resistência à diversidade de orientações sexuais.
Outra forma de lidar com o preconceito está presente nos fragmentos (13) e (14), uma
espécie de resignação com o estigma:
(13) Eu sei que para ser aceita tenho que ser “one of the boys”. É engraçado como meus
colegas de trabalho me tratam como se eu fosse um homem (...) faz parte do jogo (...)
brasileiro é machista, não importa em que empresa ele trabalhe: sueca, americana. Aqui
mulher no volante ainda é um perigo constante (empregado do gênero feminino).
(14) (...) por isto tenho que me vestir assim... bem formal. Sempre de cinza ou preto... este
terninho dá um tom profissional, me faço respeitar (..) eles me olham como um colega e não
como uma mulher (empregado do gênero feminino).
Na impossibilidade de ser vista de outra forma, a empregada se resigna a práticas
sociais que não consideram as diferenças. Ao ser tratada, e ao deixar-se tratar como um
homem, consegue sobreviver no cotidiano machista da empresa. Coerente com isso, adota, na
sua própria indumentária, uma formalidade que não a agrada, o que é demonstrado pelas
seleções lexicais “tenho de me vestir assim (...) este terninho dá um tom profissional, me faço
respeitar (...) eles me olham como um colega e não como uma mulher”. De certa forma, neste
caso, o preço de trabalhar na empresa e sobreviver ao preconceito é negar sua própria
identidade e aderir ao mainstream e às suas práticas discriminatórias.
No caso dos fragmentos (15) e (16), o entrevistado fala de seu sentimento de
invisibilidade quanto à sutil discriminação econômica e social por que passa na NORTEC:
(15) às vezes me sinto invisível, quando falam de viagens para os EUA, por exemplo... nem
me puxam para a conversa (...) acho que pensam: não vamos humilhar este pobretão que
nunca vai ter grana de viajar como a gente (empregado negro).
(16) outros fazem questão de tratar a gente tão bem, que parece forçado (empregado negro).
Embora não haja no fragmento (15) referência explícita à etnia negra, depreende-se,
pelo uso do termo “pobretão”, que este empregado recebe remuneração inferior à de seus
pares, razão pela qual não é incluído em conversas sobre viagens internacionais, e, por isso, se
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sente “invisível”, embora haja um tratamento excessivamente cordial (fragmento 16). O
preconceito neste caso é mais social do que étnico, pois não ter uma remuneração compatível
com viagens internacionais é que origina o comentário.
A identidade de minoria é tema explícito no fragmento discursivo (17). Para o
entrevistado, independente das políticas adotadas, ele tem clareza de sua condição de minoria,
que é tolerada:
(17) Não importa o que falam ou façam, desde pequeno eu sei que sou uma minoria (...) não
sei se aceita, mas tolerada (empregado judeu).
As entrevistas mostram o discurso das minorias quanto à tentativa de homogeneização
corporativa, que pretende assemelhar todos os empregados apenas por trabalharem na mesma
empresa. As políticas de estímulo à diversidade e à inclusão parecem não ter sido
adequadamente compreendidas, porque não dizem respeito a lidar com todos como iguais,
mas de perceber as diferenças, e tratá-las com eqüidade. Não é fingindo a inexistência de
assimetrias que se resolve o problema de inclusão de segmentos discriminados nas
organizações, mas considerando que as diferenças são um ganho à medida que enfatizam a
heterogeneidade, e não a errônea homogeneidade vigente.
A Voz das Não-Minorias
As não-minorias, ou seja, os empregados da NORTEC que não fazem parte das
políticas de incentivo à diversidade e inclusão, deixam claras contradições entre os discursos
da empresa e as práticas de gestão. Os fragmentos seguintes ilustram tais aspectos:
(18) Eu não tenho preconceito algum, só acho que um bicha não pode ser engenheiro. Como
vai lidar com os peões? (empregado do gênero masculino, heterossexual).
(19) A empresa é bem clara que aqui não pode haver preconceito (...) mas é lógico que piada
sobre viado sempre rola, né? Afinal, os caras são muito engraçados (....) de preto, mulher,
judeu e português também (...) não é racismo, é só humor. Lá na matriz [nos EUA] rola
aquele papo de politicamente correto; mas aqui é Brasil, né? A gente é bem humorado e tudo
acaba em festa (empregado do gênero masculino, heterossexual).
No fragmento discursivo (18) percebe-se um discurso discriminatório (explícito pela
seleção lexical “bicha”), pois a orientação sexual dos homossexuais impedi-los-ia de exercer
determinadas profissões. Implicitamente é provável que a referência seja a engenheiros civis,
que normalmente lidam com mão-de-obra de baixo nível educacional, referidos pela seleção
lexical “peões”. O fragmento discursivo (19) reconhece que a empresa não aceita o
preconceito, mas alude ao humor como não sendo um tipo de discriminação – contra
homossexuais (invocados pela seleção lexical “viado”), negros (seleção lexical “preto”),
mulheres (seleção lexical “mulher”), judeus (seleção lexical “judeu”), e pessoas com
limitações intelectuais (seleção lexical “português”, uma alusão implícita à inteligência,
conforme o senso comum) – por meio do fragmento “é só humor”, no que contraria estudos
que tratam do humor como forma de manifestação, como o de Rodrigues e Collinson (1995).
A desvalorização da mulher é objeto dos fragmentos discursivos (20) e (21):
(20) A Joana é ótima profissional, trabalha feito um homem (empregado do gênero
masculino, heterossexual).
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(21) O mais difícil de trabalhar com mulher é quando elas entram na TPM (...) quer ficar
histérica, fica em casa, aqui é local de trabalho e não de frescura (empregado do gênero
masculino, heterossexual).
No fragmento (20), há uma referência positiva ao seu desempenho profissional, mas
comparando-a depreciativamente a um homem. O fragmento deixa explícito que, na visão do
entrevistado, as mulheres não têm valor suficiente para serem consideradas competentes
profissionalmente. Teriam, por isso, de ser comparadas a homens para expressar a qualidade
esperada – uma visão discriminatória. No caso do fragmento (21), as particularidades de
gênero são ignoradas e depreciadas pelo entrevistado, que utiliza as seleções lexicais
“histérica” e “frescura” para se referir ao estado emocional feminino no período de tensão
pré-menstrual. O uso do léxico “o mais difícil” deixa subentendido que não é fácil trabalhar
com mulheres, sendo o aspecto da TPM a maior dificuldade existente, uma evidência de
desrespeito às diferenças, como também ocorre no fragmento (22):
(22) Eu moro em Ipanema e sou obrigada a tolerar os gays (....) não acho que seja uma
opção normal, não pode ser (...) mas aqui na empresa não conheço nenhum. Se tem, está
muito bem escondido (riso) (empregado do gênero feminino, heterossexual).
Neste fragmento discursivo, a entrevistada manifesta explicitamente intolerância com
relação aos homossexuais ao utilizar a seleção lexical “obrigada a tolerar os gays”. Como
reside em uma região do Rio de Janeiro em que há grande concentração de empreendimentos
destinados ao público homossexual, tem de dividir o espaço com eles. Mas não os aceita, o
que é demonstrado pela expressão “não acho que seja uma opção normal, não pode ser”, uma
referência ao tema implícito julgamento de valor sobre a orientação sexual dos homossexuais.
Os desafios da NORTEC quanto à efetiva implementação das políticas de estímulo à
diversidade e inclusão de minorias são notáveis. Principalmente pelo fato de um dos
entrevistados, um diretor, se posicionar da seguinte maneira:
(23) Aqui a gente respeita todas as diferenças, apesar das dificuldades (...) é caro ter mulher
como empregada, elas casam, tem filhos, ficam longe do trabalho por 4 meses (...) quanto aos
negros, é difícil achar um com boa formação. A culpa não é minha, nem da empresa. É a
realidade social do Brasil mesmo, né? [Quando perguntado sobre os funcionários gays] olha,
que eu saiba não tem nenhum não, a não ser um que parece uma gazela (rindo) que trabalha
na limpeza [firma terceirizada] mas, se tiver, por mim não tem problema, não. Cada um faz o
que quer (diretor do gênero masculino, heterossexual).
O uso da seleção lexical “a gente respeita todas as diferenças, apesar das dificuldades”
no fragmento discursivo (23) denota clareza quanto aos problemas ligados à política de nãodiscriminação na empresa, o que seria aceitável considerando a delicadeza do tema. Os
trechos seguintes do mesmo discurso, contudo, evidenciam discriminação: “é caro ter mulher
como empregada, elas casam, tem filhos, ficam longe do trabalho por 4 meses”, uma alusão
explícita à licença-maternidade e ao fato de que as mulheres têm dupla (e em alguns casos,
tripla) jornada de trabalho, tendo um papel central na matriz familiar local. E continua:
“quanto aos negros, é difícil achar um com boa formação”, deixando explícita a idéia de que
há critérios de igualdade no ingresso na NORTEC desde que os candidatos apresentem
educação compatível com as exigências da empresa, uma perspectiva meritocrática que parte
da igualdade legal prevista na Constituição Federal brasileira no que se refere à educação. Na
prática, como a maior parte dos negros é oriunda de escolas públicas, sua formação
educacional é a mais prejudicada, o que interfere na inserção profissional. No caso específico
12
da NORTEC, os problemas na formação são usados como mote para a não-contratação de
negros, o que reforça estereótipos. O fragmento discursivo (23) tematiza explicitamente a
discriminação contra homossexuais, mediante a invocação explícita do termo “gazela” como
referência a um empregado homossexual que trabalha na empresa. Como esperar efetividade
na implementação de políticas de não-discriminação quando um diretor da empresa emite este
tipo de discurso, altamente ofensivo e discriminatório com relação às minorias?
Reflexões Finais
O objetivo neste artigo foi analisar até que ponto as organizações conseguem
implementar efetivamente as políticas de estímulo à diversidade no ambiente empresarial.
Para tanto, tomou-se para estudo a multinacional NORTEC, que adotou na década de 1990
uma política mundial de não-discriminação. Com base em uma metodologia qualitativa,
foram pesquisados documentos oficiais e entrevistados empregados representantes de
minorias e de não-minorias, dados tratados por meio da análise do discurso.
Os principais resultados da análise dos documentos e das entrevistas mostram que os
discursos empresariais, embora se apresentem formalmente estruturados na forma de políticas
organizacionais claras, encontram dificuldades de serem praticadas efetivamente devido a
processos arraigados de preconceito por parte dos próprios empregados, de certo nível de
permissividade gerencial, e pela ausência de senso coletivo de diversidade.
De fato, minorias e não-minorias demonstraram preconceito e atitudes
discriminatórias entre si, do que se depreende a dificuldade de implementação de políticas de
estímulo à diversidade e inclusão a partir da própria ótica dos empregados, que não respeitam
as diferenças uns dos outros. No caso dos gerentes, apesar de as políticas deixarem claro que
eles possuem objetivos específicos nesse sentido, há manifestações de preconceito, explícitas
ou veladas, o que mina a percepção dos empregados sobre a efetividade de tais políticas. A
diversidade, assim, existe nos discursos e não nas práticas empresariais, o que corrobora
outros estudos sobre discursos empresariais, como o de Saraiva et al. (2004).
A invisibilidade de que se queixam algumas minorias pode ser um reflexo da
interiorização do estigma. Os segmentos “invisíveis” podem ter sido alvo de um nível tal de
preconceito que preferem se esconder para preservar seus vínculos empregatícios com a
empresa, recorrendo a estratégias de silenciamento sobre discriminações sofridas e de autoexclusão de temas que podem ressaltar as diferenças.
Apesar de formalmente terem direitos reconhecidos, as minorias na NORTEC nos
escritórios do Rio de Janeiro e de São Paulo não os exercem conforme as políticas mundiais
vigentes. Isso pode ocorrer por medo de represália, pela desarticulação política, pela ausência
de exemplos bem sucedidos, e outros aspectos que só ressaltam a distância entre a
formalidade e a valorização da política de diversidade e inclusão pela matriz em detrimento
das filiais estudadas.
A forma como se deu a implementação da política mundial de estímulo à diversidade e
inclusão abre espaço para questionamentos sobre o quanto tal política respondeu a pressões
institucionais e políticas, mais do que efetivamente sociais.
Efetivamente, o discurso formal da empresa associa tais políticas a resultados
empresariais que espera obter a partir de delas, o que joga por terra a idéia de genuíno
interesse na redução da desigualdade social. Talvez por isso, em países como o Brasil,
empresas como a analisada não sejam tão pressionadas a cumprir suas políticas, que
funcionam, desta forma, mais como princípios orientadores no nível discursivo do que como
práticas empresariais socialmente comprometidas com a localidade e seu desenvolvimento.
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