A CADA DIA MAIS MAGRA
Mais uma vez na balança – um quilo a menos. Tia
Augusta estava até feliz, pois quem não gosta de
emagrecer? Só uma coisinha a preocupava: como
emagrecia sem fazer regime? Pensou que podia
estar doente e foi ao médico. Afinal, com 65 anos,
estava na hora. Fez exames e enfrentou filas,
usando todos os serviços a que tinha direito como
aposentada.
- Saúde de menina – disse o médico. Pode ficar
despreocupada.
Foi durante a novela das oito que tia Augusta deu
um grito que assustou tia Celina, a companheira
com quem divide o apartamento.
Já sei. É a aposentadoria.
- O quê???
- Nós não somos aposentadas? Não ganhamos
menos do que os outros? Então é isso. Você
reparou, Celina, como nossa alimentação piorou de
uns tempos para cá?
Menos verduras, menos legumes, menos frutas,
menos vitaminas, menos cálcio, menos gordura.
Menos cinema, menos teatro, menos viagens,
menos compras, menos livros, menos doce, menos
biscoito.
- Será que o sorriso diminuiu também, Celina? –
arrisca tia Augusta, desconfiada. Perder gordura não
importa, mas perder alegria...
Descoberto o problema, o jeito foi tocar a vida. Fila
no dia do pagamento da aposentadoria, fila para o
pagamento da pensão do marido. Pouco dinheiro.
Sempre. Tia Augusta aprendeu até a fazer piada.
Quando alguém reclama que está gordo, que
precisa de um regime, ela aconselha:
- Aposenta.
A irmã Celina, professora, igualmente aposentada,
outro dia foi surpreendida, pois ela primeira vez sua
aposentadoria não acompanhou o aumento do
pessoal da ativa.
- Se os funcionários públicos federais são assim, por
que os estaduais não seriam? – pergunta tia
Augusta com aquele ar de “eu não disse?”. Não falei
que mau exemplo todo mundo segue? Aumentos
diferenciados! Só faltava essa...
Foi quando as duas descobriram que aposentado é
tudo, menos inativo.
- Vai o aposentado ficar parado que ele dança.
Nunca estive tão ativa. Tenho que acompanhar o
noticiário diário das redes de televisão, das
emissoras de rádio e jornal para saber novidades
sobre os aposentados, pegar informações nos
guichês das repartições, esperar horas para ser
atendida, ver a impressa nos chamar de velhinhos...
Se eu não ficar de antena ligada, fico prejudicada –
é o que tia Augusta tem explicado aos preocupados
filhos.
E lá vai ela andar de ônibus, aproveitando que é de
graça, para atravessar a cidade. Vai ao serviço
pegar informações com as colegas, logo depois está
na casa de uma amiga aposentada tomando café
com bolo enquanto criticar o governo e, no mesmo
dia, ainda dá uma passadinha na Associação para
perguntar o de sempre ao advogado:
- E então, vamos ou não entrar na justiça?
Tia Augusta entende de leis e decretos, guarda
todos os números na cabeça e dá mostras de tanta
vitalidade que o antigo chefe a convidou:
- Quer voltar a trabalhar conosco?
Não fosse a dor insuportável no joelho até que ela
aceitava. Mas só de pensar que depois ia passar por
outra aposentadoria, desistiu. Medo de trabalho ela
não tem, pois foi o que fez a vida inteira, ajudando a
mãe, dando duro na escola, cuidando da casa, do
marido e dos três filhos, enfrentando a repartição,
carregando sacolas pesadas, lavando, passando,
cozinhando, tomando conta dos netos...
Foi-se o tempo em que ela sonhava ter uma
aposentadoria banhada de sol pelas manhãs, ela
lendo o jornal na varanda, fazendo blusas de tricô,
conversando com a Celina.
- Inativo! Velhinhos! Pois sim! – ela explode,
enquanto quer saber de uma amiga quem inventou
essas palavras.
Entre uma atividade e outra, tia Augusta aprende a
desconfiar e a se defender. Todos os dias. Não, ela
não quer traficar influências, ganhar em dólar,
superfaturar pagamentos, fraudar a previdência. Ela
quer apenas – e tão somente – parar de emagrecer.
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