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Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266)
O COMBATE AO RACISMO ATRAVÉS DA BUSCA POR UMA NOVA
IDENTIDADE HISTÓRICA POLITICA E SOCIAL
FARIAS, Livia Maria de Farias 1
FERREIRA, Solange dos Santos ¹
MARIOTO, Michelli Cristina Vilella ¹
VICENTE, Simone Carla ¹
OLIVEIRA, Claudemir Gonçalves de 2
RESUMO
O combate ao racismo deve se iniciar pelo resgate de uma identidade cultural que
há muito tempo foi perdida. Após todo o sofrimento e descaso a que foram
submetidos os negros, principalmente os escravos, a desvalorização etnico-racial
ainda apresenta consequências para os seus descendentes, pois não reconhecem
sua própria identidade e se apropriam de outra, que não faz parte de sua matriz
cultural, e por este motivo, muitas vezes não lutam para que a sua historia seja
respeitada. O Parecer CNE/CP 03/2004, tenta suprir as falhas que ainda existem,
pois é nele que os envolvidos com a educação se fundamentam na busca de novas
práticas para o reconhecimento e revalorização da história e cultura afro-brasileira
em vistas de uma verdadeira identidade afro-descendente.
Palavras-chave: Escravidão; Identidade; Cultura; Negro e Valorização.
ABSTRACT
The combating racism must begin the rescue of a cultural identity that has long been
lost. After all the suffering and indifference that were submitted black people, mostly
slaves, ethno-racial devaluation still has consequences for their descendants,
because they do not recognize their own identity and assume another, which is not
part of their cultural matrix, and for that reason, often do not strive to make your story
be respected. The CNE CP 03/2004, attempts to fill the flaws that still exist, because
that is where those involved in education are based on the search of new practices
for the recognition and revaluing of the history and culture african-Brazilian seen from
a real identity african descent.
Key-words: Slavery, Identity, Culture, Black people and Valuation.
1
Graduandas do Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora
Aparecida – UNIESP Sertãozinho-SP.
2
Mestre em Educação pela UFSCar de São Carlos-SP e professor do Curso de Administração e
Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora Aparecida – UNIESP
Sertãozinho-SP. E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
Vivemos em uma sociedade que busca incessantemente amenizar as
situações que contrariam o todo e que insiste em mascarar os fatos como realmente
ocorreram durante a escravidão que durou de 1530 até 1888.
Na história do Brasil estão presentes essas atitudes, que visam amenizar o
verdadeiro sofrimento e descaso. Isso ocorreu e ocorre com os negros, pois na
maioria das vezes quando se fala em negros só se lembra dos escravos, das
senzalas, das fugas. Sem diminuir a importância desta fase da história para o Brasil,
é preciso considerar que o negro é mais que isso, ele tem sua história, sua
identidade, suas vivências.
Faz-se necessário ultrapassar estereótipos, eliminar os preconceitos e
redefinir os termos e conceitos, buscar uma nova identidade através da história
política e social dos negros.
Um dos componentes da sociedade que pode nos auxiliar para que essa
mudança ocorra de modo consciente é a escola, através da busca pela verdadeira
história política e social, do reconhecimento dessa identidade para a sociedade
negra.
O princípio de educação disposto no parecer CNE/CP nº 03/2004 apresenta a
consciência política e histórica da diversidade, o fortalecimento das identidades e
dos direitos como ações de combate ao racismo e às discriminações, e como uma
das formas possíveis de superar os estereótipos (BRASIL, 2004).
A cultura do negro é rica por suas crenças religiosas, suas manifestações
rítmicas e tudo mais, o que por si só já lhes confere dignidade humana. Assim, não
podem ser tratados como “novos” elementos a serem inseridos na sociedade. Já
fazem parte dela, e precisam ser reconhecidos como tal.
O principal objetivo deste projeto é trazer a reflexão acerca da história política
e social dos negros para a educação, contribuir para que as pessoas consigam
entender que não ter preconceitos é mais do que não criticar as pessoas. A
mudança na educação étnica-racial reflete a mudança da forma como as pessoas se
dirigem umas às outras. É através da história social dos negros que buscaremos
desmitificar esse pensamento.
Quando falamos no termo escravidão o que nos vem à cabeça no primeiro
momento é a escravidão dos negros, porém esse fenômeno está presente na
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história de diversos países, e existem mais civilizações que dependeram do trabalho
escravo.
Fala- se tanto em escravidão e ser escravo, mas o que significa este termo?
Um dos objetivos desse artigo é tentar desmitificar o processo de escravidão
a fim de contribuir, modestamente, para com o processo de construção de uma nova
identidade cultural a partir, e, sobretudo, apesar da escravidão e das condições subhumanas em que ela foi produzida no Brasil, por ocasião do processo colonizador
europeu.
DISCUSSÃO
A matriz identitária do negro, atualmente, no Brasil está intimamente ligada ao
seu papel no sistema de escravidão a que foi submetido historicamente, ou seja,
está estereotipada pelas marcas indeléveis que a escravidão delegou ao negro, no
Brasil. O ser escravo significou, historicamente, alguém submisso e a serviço de
outro.
Conforme relata Albuquerque (2006), a história da escravidão africana não se
inicia no Brasil, mas na própria África, onde era comum, por endividamento ou
guerras internas, uma colônia, povoado ou região ser subjugada e escravizada por
outra. Entretanto, foi com o domínio comercial exercido por Portugal em algumas
regiões da costa africana que se vislumbrou a possibilidade de altos ganhos com a
venda de escravos africanos para outros africanos. Não tardou para que a mesma
atividade se estendesse também para outros países e continentes da dominação
portuguesa, inclusive o Brasil.
Assim, descaracteriza-se o primeiro dos mitos que pretendemos superar da
“história oficial”, a saber, a constatação de que os negros que aqui chegavam, nem
sempre haviam sido “capturados” na África. Muitas vezes haviam sido comprados
em sua terra natal. É aí mesmo que já tem início o vasto repertório de violências
praticadas contra ele.
Os negros trazidos para o Brasil eram submetidos a condições de extrema
precariedade. Já escravizados, eram transportados em condições desumanas nos
navios negreiros, amontoados em pequenos espaços sem qualquer forma de
higiene. Muitos morriam de fome durante as viagens, e se adoecessem eram
jogados ao mar durante a viagem mesmo, para que não contaminassem os demais.
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Chegando ao seu destino - as colônias portuguesas na América, inclusive o
Brasil – a única coisa que possuíam era a própria muda de roupa, já totalmente
esfarrapada, que vestiam.
Dos navios negreiros, as “peças” – assim eram denominadas, uma vez que
não eram considerados humanos, mas apenas peças para o trabalho - eram levadas
diretamente para o mercado.
Os negros africanos eram comercializados como mercadorias, selecionados
por idade e por força física, o que acabava por definir quem sobreviveria ou não.
Mesmo os que trabalhavam já eram muito mal cuidados, e eram tratados como
miseráveis, já os que não tinham força de trabalho eram totalmente excluídos e
deixados a mercê do destino.
O trabalho escravo esteve presente, no Brasil, desde o início da colonização,
porém foi na metade do século XVI, que ele se intensificou. Segundo Silva (2006),
os navios negreiros traziam os escravos para trabalharem nos engenhos de açúcar
do nordeste, onde eram submetidos – novamente – às péssimas condições de
moradia, alimentação e trabalho. Os locais em que ficavam eram úmidos, escuros e
sem nenhuma higiene, eram acorrentados para que não houvesse fugas. Esse lugar
ficou conhecido como senzala, e abrigava muitos negros originários várias regiões
diferentes no mesmo local.
Com a vinda dos escravos para o Brasil, eles foram perdendo aos poucos sua
identidade, pois eram impedidos de praticar suas religiões, suas danças, festas e
rituais e foi lhes imposto seguirem os costumes e religião de um povo desconhecido
e diferente de tudo que eles já haviam vivenciado. Nos navios negreiros vinham
homens e mulheres, os homens para serviços nas lavouras e as mulheres para
serviços domésticos. Muitas escravas foram abusadas sexualmente por seus
senhores, mas não os podiam denunciar, uma vez que não existiam leis que as
defendessem, e esse ato era moralmente permitido pelos costumes locais. Muitas
vezes esses abusos resultavam em filhos que nasciam na fazenda já como
escravos.
Os senhores definiam os castigos que seriam aplicados, as punições eram
duras e muitas vezes acabavam amputando um dedo, ou alguma outra parte do
corpo, porém evitavam aquelas que afetassem sua capacidade de trabalho. As
chibatadas e os ferros nos pés era um hábito comum para a correção e era feito
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perto de todos os outros para que servisse de exemplo para quem não obedecesse.
A fúria dos feitores – outros empregados da fazenda cuja função principal era de
vigilância sobre os negros – não raramente levava os negros à morte devido à
severidade do castigo aplicado.
Os negros não faziam parte da sociedade, não tinham oportunidades nem
direitos, somente tinham deveres, ou seja, eles não tinham domínio nem sobre sua
própria vida. Não tinham escolhas, eram mandados e tinham que obedecer para não
serem punidos. Seu trabalho era realizado sem qualquer forma de remuneração,
trabalhavam em troca do péssimo abrigo na senzala e uma miserável alimentação, e
nem ao menos podiam discordar, eram tratados com toda forma de humilhação
possível.
Apesar das contribuições inestimáveis dos negros na produção agrícola dos
canaviais e cafezais das colônias portuguesas, o trabalho escravo não era
unanimidade entre os intelectuais e ativistas da época. Muitos eram os grupos que
se opunham a ele, buscando diferentes formas de erradicar o trabalho escravo das
lavouras brasileiras.
Contudo, queremos aqui fazer referência a mais um mito do processo
escravocrata brasileiro. À exceção dos negros fugidos para os quilombos, que foram
a marca mais fiel da resistência negra no Brasil, os demais diferentes grupos que
lutavam contra a escravidão, não estavam efetivamente preocupados com a
situação vivenciada pelo negro, tampouco preocupada com a escravidão enquanto
forma de desumanização étnica.
Os positivistas, os abolicionistas e os modernistas eram grupos formados em
sua maioria por intelectuais, filhos de fazendeiros que realizavam seus estudos
superiores nas universidades europeias, entravam em contato com tais ideias, e
quando retornavam ao Brasil, lutavam para implantá-las na política brasileira.
A história “pós-lei Áurea” demonstrou, com a força da evidência, que tais
grupos se colocaram em favor dos negros por terem a escravidão como empecilho
para o desenvolvimento do país, ou seja, almejavam as reformas industriais, a
sociedade moderna de consumo, a exemplo da Europa que vislumbravam dos
bancos das universidades. Mas para isso, a escravidão, e, sobretudo o negro, eram
empecilhos cristalizados, que precisavam ser removidos.
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Segundo Albuquerque (2006), tais grupos tinham muitos interesses em
comum, tais como a substituição da mão de obra negra e escrava, pela mão de obra
europeia e assalariada. Essa aproximação com a civilização europeia tinha, para o
país, o intuito do branqueamento da sociedade e a extinção da “raça" negra.
Aqui, apontamos outro mito que deve ser superado. Os movimentos
abolicionistas, ao buscarem ao assumirem o desejo de “branqueamento”, se
mostraram tão racistas quanto os próprios senhores de escravos.
Diversos foram os movimentos que surgiram ao longo do período da
escravidão para que ocorresse o fim da mesma, mas foi a partir do século XIX que a
resistência se intensificou, principalmente depois que a Inglaterra passou a contestar
a escravidão no Brasil, dificultando o tráfico e a vinda de novos escravos.
Segundo a Lei Bill Aberdeen de 1845, os navios que realizassem essas
práticas, seriam presos. Com essa postura da Inglaterra, ficou muito difícil manter o
comércio de escravos, que também passou a sofrer muita pressão, até que em
1850, sem opção, o Brasil aprovou a lei Eusébio de Queiróz que deu fim ao tráfico
negreiro.
Mais uma vez, um mito se desfaz. Não foram os interesses nacionais que
acabaram com o tráfico negreiro, mas sim os interesses ingleses, ávidos por novos
mercados para os produtos industrializados.
Mas mesmo assim estava longe de terminar a escravidão, pois muitos
senhores, para não ficarem sem mão de obra escrava selecionavam alguns dos
melhores e mais fortes de seus escravos para que pudessem se reproduzir com as
mulheres negras no intuito de reproduzir também a mão de obra. Essa prática se
deu por muito tempo.
Foi somente em 28 de setembro de 1871, com a aprovação da Lei do Ventre
Livre que foi possível dar um fim neste ato de reprodução, pois esta lei dava
liberdade aos filhos dos escravos nascidos a partir daquela data. Mesmo assim,
devido às más condições muitas mães, quando tinham seu filho, os mesmos
continuavam escravos. Para que não se separassem de seus filhos, sua única
opção era criá-los nas fazendas, e consequentemente continuavam a nascer uma
nova geração de escravos.
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Alguns anos depois foi obtida uma nova “vitória” para os escravos, com a Lei
dos sexagenários, promulgada no ano de 1885 e que garantia a liberdade aos
escravos com mais de 60 anos.
Embora pareça algo positivo, poucos usufruíram desta lei, pois em função das
condições de vida que tinham, a maioria dos escravos não chegava a essa idade, e
se atingissem tal idade, sem ter para onde ir, acabavam permanecendo no mesmo
local que eram escravos, ou seja, sem alterar em nada sua situação.
Por outro lado, a Lei dos Sexagenários desobrigou os senhores de prestarem
os cuidados necessários aos negros que já não tinham mais condições, aos
sessenta anos, de trabalhar nas lavouras. Não raramente, esses negros eram
abandonados nos arredores das fazendas.
Os escravos criaram e participaram de diversos movimentos, entre eles a
revolta dos quilombos, e lutaram para mudar suas condições desumanas de vida,
muitos fugiram e confrontaram seus senhores. Alguns fugiram para os quilombos,
locais onde negros se refugiavam para não serem encontrados por seus senhores.
Foram anos de lutas contra escravidão, mas somente em 13 de maio de
1888, ocorreu a promulgação da Lei Áurea que aboliu, de vez, aquela forma de
escravidão.
Com a abolição da escravatura pensou-se que seria o fim do descaso e do
preconceito, mas isso não se verificou na prática. Novos problemas começaram.
Sem estudo, sem moradia, sem condições econômicas e sem nenhuma forma de
apoio, os negros passaram por dificuldades, preconceitos e discriminações raciais e
muitas dessas manifestações se estendem até os dias atuais.
Teve início, partir daí, um pernicioso, violento e crescente processo de
exclusão social, cuja finalidade seria torná-los seres inferiores aos olhos de toda a
sociedade.
Nesse momento, até mesmo os abolicionistas abandonaram o movimento
negro, o que, associado à vinda de imigrantes europeus para o país, tornou a
situação dos negros ainda pior, pois, sem trabalho, sem dinheiro e sem moradia,
passaram de escravos a seres totalmente marginalizados.
Foram anos de descaso com a comunidade negra, mas ao longo desses anos
muitas mudanças ocorreram. Não só no Brasil, mas em todo o mundo, foram
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travadas verdadeiras lutas pela dignidade e reconhecimento do negro como ser
social.
Diante dessas lutas algumas vitórias foram obtidas em uma sociedade que
busca incessantemente amenizar as situações que contrariam o todo e que insiste
em mascarar os fatos como realmente ocorreram durante o período da escravidão.
Devemos nos lembrar de que o negro foi mais que escravo, que eles possuíam sua
própria identidade, suas vivências e sua história.
O preconceito ainda existe devido à falta de conhecimento sobre a história
política e social da etnia negra, principalmente sobre a verdade dessa história, e
este preconceito está presente até mesmo entre pessoas da própria etnia ou
descendência negra.
Atualmente existem políticas públicas que visam amenizar os fatos ocorridos,
reconhecer e reparar o desgaste histórico a que foram submetidos no Brasil, criando
leis que visam garantir certos direitos à população negra, leis essas que nem
sempre são cumpridas.
Embora os cidadãos sejam iguais na perspectiva da Constituição Federal de
1988, não é isso que ocorre de fato. O parecer CNE/CP nº 03/2004, nos apresenta a
consciência política e histórica da diversidade, o fortalecimento das identidades e
dos direitos; ações de combate ao racismo e as discriminações como metas a serem
atingidas de modo urgente, mas não é o que ocorre na sociedade de modo geral e
muito menos nas escolas.
Diante desta perspectiva, a diferença entre os acontecimentos e as leis nos
remete a reflexão sobre “como” e “o que” está sendo feito para que a realidade das
leis esteja na realidade da sociedade.
O parecer assegura o direito à igualdade de condições de vida e de
cidadania, assim como histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do
direito de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos brasileiros, porém
ao vivenciarmos a realidade social das escolas, percebemos que não é isto que
ocorre nem na sociedade em geral e muito menos nas escolas.
As escolas, em sua maioria, são criadoras de estereótipos e de preconceitos
que acabam por reforçar a condição de exclusão do negro. Geralmente isso
acontece pela atuação de professores despreparados que trazem consigo toda
forma de preconceito e o não comprometimento com verdadeiras mudanças.
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O parecer CNE/CP nº 03/2004 busca combater o racismo e a discriminação, e
nesta perspectiva propõe mudanças nas relações étnico-raciais a fim de que os
cidadãos afrodescendentes sejam orgulhosos de seu pertencimento étnico cultural,
contudo, também esclarece que para que seja possível esta condição, se faz
necessário que eles possuam conhecimento de sua própria descendência, de sua
história, de seus valores e de seus próprios costumes.
O Estado visa ressarcir os descendentes africanos negros dos danos
educacionais sofridos sob o regime escravista, essas políticas devem garantir à
população ingresso, permanência e sucesso na educação escolar.
A demanda da comunidade afro brasileira por reconhecimento,
valorização e afirmação de direitos, no qual diz respeito à educação
passou a ser particularmente apoiada com a promulgação da Lei
9394/1996, estabelecendo obrigatoriedade do ensino da história e
cultura afro brasileiro e africano (BRASIL, 2004).
Segundo o parecer, combater o racismo não é função exclusiva da escola
uma vez que as diversas formas de discriminação não têm, na escola, a sua origem,
mas perpassam por ela, e ali são reforçadas.
É preciso ter clareza que o art. 26, acrescido à Lei nº 9.394/1996,
provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos; exige que se
repensem
relações
étnico-raciais,
sociais,
pedagógicas,
procedimentos de ensino, condições oferecidas para aprendizagem,
objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escolas
(CNE, 2004).
Diante dessa visão que a Resolução e o Parecer nos trás, aprendemos que
temos muitas formas para realizar o trabalho de conscientização, são inúmeras as
formas para se trabalhar a cultura afro-brasileira, e uma das formas que
consideramos eficaz é demonstrar, de forma crítica, a verdadeira realidade da luta
negra pela sua sobrevivência e reconhecimento social.
Temos diversos recursos que podem ser utilizados para levar à discussão,
reflexão e conscientização do tema, tais como livros, filmes, documentários e
reportagens pontuais, dentre outros.
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O Parecer nos trás uma direção de como deve ser o ensino da cultura afrobrasileira, mas está nas mãos da comunidade escolar buscar meios para objetivar o
que se estabelece na lei.
Existem ferramentas que podem auxiliar na promoção e valorização de cada
indivíduo na sociedade, porém as ações ainda estão muito distantes de constituir
uma realidade como se apresenta na lei. Elas ainda estão distantes da realidade,
mas com a conscientização de professores, gestores, diretores e a comunidade,
será possível avançar muito mais do que já avançamos contra o preconceito. A
escola e a sociedade devem levar a Etnia negra e todas as demais a valorizarem a
cultura e o conhecimento da mesma. Só assim será possível, através do
conhecimento da história política e social desmitificar a história do negro.
Ensinar essa história para os alunos é uma das maneiras de romper
preconceitos e barreiras. Um dos avanços promovidos pelas mudanças na
legislação foi o fomento dos espaços de discussão. Os debates raciais se tornaram
cada vez mais amplos e atualmente estão presentes em toda a sociedade, porém a
escola ainda é o espaço privilegiado, a ferramenta fundamental para que possa
haver a conscientização de que uma cultura diferente ou uma cor de pele diferente
não são fatores que definem o valor de um grupo ou de um indivíduo, tampouco a
maneira como ele deve ser tratado na sociedade, e sim o que eles realmente são
em sua essência, seres humanos, pessoas.
O amparo legal é, sem dúvida, uma condição fundamental para que estas
mudanças se efetivem, porém, ainda falta um longo caminho a ser percorrido para
que as leis sejam aplicadas de forma adequada.
Ainda hoje, nas escolas, a “consciência negra” é apenas uma data
comemorativa para se falar da escravidão, o único fato que conhecemos da história
do Negro.
Cabe à escola buscar a melhor forma de realizar os princípios que a
legislação estabelece. Cabe aos governos, munir as escolas de condições (físicas,
psicológicas, materiais, políticas e econômicas) para que esse trabalho seja eficaz e
por fim, mas não menos importante, cabe à família assumir, juntamente à escola, o
seu papel na construção do Projeto Político Pedagógico da Escola, na mudança de
pensamento, na conscientização e no orgulho da própria etnia, de própria história de
vida e de seus costumes.
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Em uma sociedade que visa à igualdade social constantemente está na hora
da pessoa ser mais que a cor de sua pele.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto nos trouxe a reflexão de que ainda há muito a ser feito na direção
de um ensino da cultura afro-brasileira, ainda falta muito para que ela seja realizada
de forma clara e objetiva. Embora tenhamos avançados legalmente, a aplicação das
leis ainda se dá lentamente.
Os mitos que envolvem, ainda hoje, a escravidão do Negro no Brasil, têm
como finalidade obscurecer o verdadeiro significado das lutas travadas no campo
cultural e ideológico para impedir o “escurecimento” da história em contraposição ao
“branqueamento” da pele. Contudo, é notório que a reconstrução da matriz
identitária deve superar essa ambiguidade, e reconhecer, historicamente, os
prejuízos causados por ela no processo de desvalorização social da Etnia Negra. As
políticas de reparação ainda caminham timidamente nesse sentido, pois ainda se
ressentem do seu passado, vexatório e explorador.
A escravidão, como aparece na “historia oficial”, é a marca indelével da
superação, supremacia e hegemonia de uma cultura sobre outra, porém, o que tal
historia não revela são as resistências, as lutas efetivas, em todos os campos do
conhecimento, e principalmente as vitórias obtidas para manter os costumes de um
povo, que, embora distante de sua terra natal, conseguiu manter, na sombra das
senzalas, sua identidade e agora luta para fazê-la ser reconhecida.
Muitos mitos ainda existem, que encobrem, camuflam e negam o racismo e o
preconceito presentes em nossa cultura, mas a escola ainda é a maior formadora de
opinião e de conscientização e cabe a ela, legalmente amparada, o papel de
desmitificar a história da Etnia Negra, no Brasil e na sua própria origem.
REFERÊNCIAS
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FARIAS, L. M. de. et al., V. 04, nº 1, p. 90-101, JAN-JUN, 2013.
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Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras
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______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP 3/2004. Diretrizes
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______. Resolução CNE/CP 1/2004. Diretrizes curriculares nacionais para a
educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana. Brasília, 2004b. Disponível em <www.mec.gov.br/cne>
acesso em 26 mar.2012.
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