QUESTÃO ERRADA ANULA QUESTÃO CERTA.
A VERDADE E A BOA-FÉ EM JOGO NOS CONCURSOS
PÚBLICOS
Elaborado em 05.2008.
Vitor Vilela Guglinski
Graduado em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais
Vianna Júnior. Especialista em Direito do Consumidor pela Faculdade
de Direito da Universidade Estácio de Sá. Atualmente ocupa o cargo
de Assessor de Juiz da 2a Vara Cível de Juiz de Fora - MG. Integrou o
corpo jurídico do PROCON de Juiz de Fora. Articulista com diversos
trabalhos publicados nos mais importantes meios de comunicação
jurídicos do país.
Como é de reiterado conhecimento dos milhares de candidatos
a cargos e empregos públicos que prestam os respectivos concursos,
existem provas, como aquelas aplicadas pelo Centro de Seleção e de
Promoção de Eventos Universidade de Brasília (CESPE/UNB), onde há
a previsão de que cada questão assinalada erroneamente pelo
candidato
lhe
subtrai
assinalada
de
forma
o
ponto
correta.
conquistado
Tal
critério,
em
uma
segundo
o
questão
próprio
CESPE/UNB, é medida justa para "descartar a possibilidade de acerto
ao acaso. O procedimento é justificável em um processo que visa
selecionar o candidato que sabe analisar, interpretar e responder a
partir do que aprendeu, descartando o "chute". A anulação de um
item correto para cada resposta incorreta é, portanto, uma segurança
a mais de que a classificação no processo se deve ao desempenho
individual
do
candidato
e
não
(http://www.cespe.unb.br/perguntasFrequentes/).
à
sorte"
Contudo, passaremos a tecer algumas considerações acerca do
malfadado critério de avaliação, as quais levarão à conclusão de que
tal se revela totalmente divorciado do Direito, bem como do próprio
conceito de verdade.
Diz o Dicionário Michaelis sobre o vocábulo verdade:
verdade
ver.da.de
sf (lat veritate) 1 Aquilo que é ou existe
iniludivelmente. 2 Conformidade das coisas com o
conceito que a mente forma delas. 3 Concepção clara
de uma realidade. 4 Realidade, exatidão. 5
Sinceridade, boa-fé. 6 Princípio certo e verdadeiro;
axioma. 7 Juízo ou proposição que não se pode negar
racionalmente. 8 Conformidade do que se diz com o
que se sente ou se pensa. 9 Máxima, sentença. 10
Cópia ou imitação fiel. 11 Representação fiel de alguma
coisa existente na natureza. 12 Caráter próprio. Antôn
(acepção 8): mentira. sf pl Princípios fundamentais de
uma doutrina; dogmas de uma religião. Meia verdade:
afirmação parcialmente verdadeira ou parcialmente
urdida, de modo a iludir pessoas ou escapar a críticas.
V. verdade: a verdade primeiro que tudo; diga-se a
verdade, salve-se a verdade. Dizer a verdade nua e
crua: falar sem ambages, sem disfarce, sem rodeios.
Dizer as verdades a alguém: a) expor abertamente o
que se sabe ou se julga de alguém; b) criticar sem
medo; c) manifestar os defeitos ou as faltas de alguém.
Ser a pura verdade: ser a verdade clara e positiva, ser
a verdade incontestável. Ser a verdade em pessoa:
nunca mentir. Tirar a verdade a limpo: averiguá-la.
Valha a verdade: diga-se a verdade. Verdade é que: na
realidade (http://michaelis.uol.com.br).
Estabelecido tal conceito, e agora passando à realidade fática
de uma avaliação, seja em qualquer esfera do conhecimento humano,
seja em um concurso público, que é o nosso foco neste texto, no
momento em que o candidato julga como certa uma assertiva
disposta em uma prova de concurso, e aquela é de fato confirmada
como tal no momento da correção, torna-se, então, no contexto
fático, imutável, conforme os conceitos acima dispostos. Ou seja, no
momento em que uma questão é dada como certa, passa a ser
expressão da realidade, exata, coexiste com a boa-fé, não podendo
ser negada racionalmente...
A partir de tal construção, conclui-se que o critério dispondo
que uma questão errada anula uma questão certa se encontra
totalmente divorciado da própria lógica, pois, no momento em que o
candidato é apenado com a perda do ponto conquistado na marcação
de uma questão certa, simplesmente porque errou no julgamento de
outra assertiva, a organizadora do certame está a mudar uma
verdade, sem qualquer substrato racional e objetivo. Ora, sem
pretender ser redundante, o que é certo é certo, e o que é errado é
errado! É simplesmente bizarra e inaceitável a justificativa no sentido
de que, assim, evita-se o acerto ao acaso.
Qual é o meio hígido de que dispõe a organizadora do concurso
para se certificar de que determinada questão em uma prova objetiva
foi assinalada com plena convicção do candidato ou mediante mero
palpite?!
Retrocedendo ao ano 2000, o então Deputado Alceu Collares
propôs a abolição deste critério de avaliação em concursos públicos,
através do Projeto de Lei nº. 3.719/00, argumentando que:
"por esse critério, um candidato que acerta 50% da
prova e erra os outros 50% tem zero como nota final,
igualando-se à nota daquele que deixou a prova toda
em branco. Vê-se claramente que o resultado final de
provas dessa natureza não corresponde à realidade,
não verificando verdadeiramente os conhecimentos do
candidato". Infelizmente, o Relator do Projeto, à época
Deputado Luiz Antônio Fleury, votou pela rejeição do
mesmo, argumentando singelamente que "a eficácia do
procedimento de se descontar pontos do candidato em
virtude dos erros que o mesmo incorreu é
estatisticamente comprovada. Improcede, portanto, a
interdição
de
tal
critério"
(http://www2.camara.gov.br/proposicoes).
Na mesma esteira de pensamento utilizada pelo Deputado
Alceu Collares, o professor de Direito Constitucional - Vicente Paulo –
faz algumas ponderações, dispensando especial atenção ao concurso
realizado pela Polícia Federal no ano de 2005, discorrendo sobre uma
situação ocorrida de fato, conforme se lê abaixo:
"No concurso de Perito da Polícia Federal, a anulação de
um
número
exagerado
de
questões
mudou
completamente o resultado preliminar do concurso,
anteriormente divulgado pelo Cespe. Para se ter uma
idéia, na prova de Perito – Área Contábil, foram
anuladas 11 questões, o que, em prova do tipo
Cespe/Unb, em que uma questão errada anula uma
certa, implica a atribuição de 22 pontos a todos os
candidatos. Imagine se você, nesse concurso, houvesse
acertado inicialmente as 11 questões, e um outro
candidato, ao contrário, houvesse errado essas 11
questões; com a anulação, vocês seriam igualados, em
razão da atribuição dos pontos das questões anuladas a
todos os candidatos. Em Brasília, conheço candidato
que, com essas anulações, passou da 5ª colocação
(portanto, aprovadíssimo) para a condição de
reprovado...".
“Também é verdade que essas situações são
desestimuladoras numa preparação, desrespeitam,
jogam por água abaixo anos de preparação, dinheiro e
tempo investidos em estudo e mais estudo”
(http://www.pontodosconcursos.com.br/professor.asp?
menu=professores&busca=&prof=3&art=1964&idpag=
12).
Os registros acima respondem à indagação feita linhas acima,
isto é, simplesmente inexiste, em uma avaliação objetiva (não
discursiva), a possibilidade de se saber quais questões foram
assinaladas
pelo
candidato
se
valendo
de
sua
convicção,
ou
simplesmente de um palpite, motivo pelo qual a organizadora atribui
ponto a todos.
É necessário, então, que se promova uma mudança no sistema
utilizado principalmente pela CESPE/UNB na avaliação dos candidatos
a cargos e funções públicas, quando da prestação de provas objetivas
em concursos públicos, pois, como visto, a anulação de uma questão
certa, justificada no erro do candidato na marcação de outra questão,
indubitavelmente resulta em prejuízos àqueles que sacrificam grande
parcela de seu tempo se preparando para concursos, além de atentar
contra a boa-fé e contra a própria Justiça.
Por fim, é imperioso registrar que, já que o Poder Legislativo se
omitiu na mudança desta triste realidade, caberia, então, ao
Ministério Público, na condição de protetor dos direitos coletivos e
difusos, ajuizar a correspondente ação para promover tal alteração,
pois não pairam dúvidas sobre a relevância pública do tema, o que
reclama
a
intercessão
Constituição Federal.
do
órgão
ministerial,
nos
termos
da
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QUESTO ERRADA ANULA QUESTO CERTA