CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES
CURSO DE PSICOLOGIA
A EXPERIÊNCIA DA ARTE NA PSICOSE: UMA POSSIBILIDADE DE
SAÚDE?
Cristina Pretto
Lajeado, novembro de 2012
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BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu)
Cristina Pretto
A EXPERIÊNCIA DA ARTE NA PSICOSE: UMA POSSIBILIDADE DE
SAÚDE?
Monografia apresentada na disciplina de Trabalho
de Conclusão de Curso II, do Curso de Psicologia,
do Centro Universitário Univates, como parte da
exigência para obtenção do título de Bacharel em
Psicologia.
Orientadora: Prof. Ms. Débora de Moraes Coelho
Lajeado, novembro de 2012
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Cristina Pretto
A EXPERIÊNCIA DA ARTE NA PSICOSE: UMA POSSIBILIDADE DE
SAÚDE?
A banca examinadora abaixo aprova a Monografia apresentada na disciplina
Trabalho de Conclusão de Curso II, na linha de formação específica em Psicologia,
do Centro Universitário Univates, como parte da exigência para a obtenção do grau
de Bacharel em Psicologia:
Prof. Ms. Débora de Moraes Coelho – orientadora
Centro Universitário Univates
Prof. Ms. Bernardete Pretto
Centro Universitário Univates
Prof. Ms. Lisandre Matte
Centro Universitário Univates
Lajeado, novembro de 2012
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AGRADECIMENTOS
Concluo a graduação em Psicologia e, em seguida, estarei dando início à tão
almejada vida profissional. Mais uma etapa encerra-se. Porém, esta nova que se
anuncia, é há tanto esperada que diminui o pesar desse processo de encerramento.
Esta nova etapa vem fortemente carregada de afetos e sensações gratificantes
frente às pessoas e aos acontecimentos que fizeram parte não somente deste curso
de graduação, mas de toda uma trajetória de vida.
É difícil agradecer a todos aqueles que, em momentos de alegria ou
apreensão, se fizeram presentes. São tantos os que fazem parte de mim e que
compõe aquilo que sou atualmente. São tantos os que passaram e que, de alguma
forma, deixaram suas marcas, cada um á sua maneira.
Meus maiores agradecimentos vão à minha família. Família grande e bela.
Amo o exemplo que vocês, amados pais, buscaram transmitir a mim e meus irmãos,
incentivando-nos a sempre sermos pessoas melhores. Aos momentos de
compreensão, nos quais vocês foram aqueles em quem eu mais descontei qualquer
angústia, obrigada por as terem suportado. Aos momentos de incentivo quando o
cansaço e a desesperança permearam algum momento. Esta conquista certamente
não teria o mesmo significado – e talvez nem se fizesse possível –não fosse meu
amor a vocês e, reciprocamente, o amor e dedicação de vocês a mim.
Aos professores e mestres do curso, obrigada por todos ensinamentos.
Certamente, estarão constantemente influenciando minhas formas de ser e pensar,
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tanto subjetiva quanto profissionalmente. O privilégio de alicerçar-me em pessoas
tão competentes e que amam sua profissão faz com que minha paixão pela
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Psicologia cresça ainda mais. Em exclusivo, agradeço à minha orientadora pela
paciência, carinho e apoio, que me foram essenciais durante todo o curso e, em
especial, neste momento.
A meus amigos - os novos, os velhos e os eternos - e colegas, que felicidade
me causa a convivência com vocês. Que bom termos cruzado uns com os outros
pelas andanças da vida. A amizade genuína torna a existência mais leve e mais
bela. Quem tem amigos, nunca está só.
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“Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Ai, Eu quero chegar antes
Prá sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus...
[...]
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?
As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?
[...]
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...”
(CALCANHOTO, texto digital).
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RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso visa problematizar a questão da psicose. Para
tanto, apoia-se em uma compreensão psicanalítica, principalmente winnicottiana,
apresentando a perspectiva de que a psicose surge a partir do fracasso ambiental
nas etapas mais primitivas do bebê, de forma que este somente poderá vir a se
constituir a partir dos cuidados de um ambiente que lhe dê sustentação e facilite os
processos de amadurecimento. Mas e quando este cuidado não acontece, quais
encontros poderiam oferecer uma continência aos sujeitos marcados pela psicose?
Seria a arte? Seria possível que a potência artística permitisse a este sujeito
encontrar diferentes formas de habitar o mundo, em substituição aos impulsos
arcaicos, para que não mais sejam externalizados via ato? Sustenta-se a hipótese
de que a canalização da criatividade do sujeito da psicose pode ser utilizada por ele
como instrumento para reorganizar a mente e a vida interna e, consequentemente,
estreitar os laços com a realidade externa. O percurso do estudo leva a afirmar que
o uso potencial da arte pode servir como auxílio à ressignificação dos conteúdos
terroríficos que assolam sua consciência, o que se firma enquanto um processo de
ampliação das formas de habitar o mundo. Assim, a potência transformadora do uso
da arte pode encontrar-se na produção de saúde e na possibilidade de que o sujeito
da psicose construa para si um território psíquico.
Palavras-chave: Psicose. Arte. Subjetividade. Artista. Criatividade. Produção de
Saúde.
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ABSTRACT
This essay intends to discuss the issue of psychosis. In order to do so, it was found
support in a psychoanalytic understanding, mainly winnicottian, presenting the
perspective that psychosis arise from and environmental failure in the primitive
stages of the baby, in a way that he will only constitute himself from the care of an
environment that gives him sustenance and favors the maturing processes. But when
this care doesn’t happen, which encounters could offer continence to the subjects
market with psychosis? Would art be it? Would be possible that the arts potency
could allow this subject do find different ways to inhabit the world, therefore replacing
the archaic impulses and preventing them to be externalized by action? It is
supported the hypothesis of the psychosis subject creativity channeling being used
by him as an instrument to reorganize the mind and internal life and, consequently,
narrowing the bonds with the external reality. The path leads to claim that the use of
the arts potency as and aid to the resignification of the terrifying contents that harry
the consciousness can consolidate the extension of the means to inhabit the world.
Thereby, the transforming potency of the use of arts may be found in the
development of health and in the psychosis subject possibility to built himself a
psychic territory.
Keywords: Psychosis. Art. Artist subjectivity. Creativity. Health development.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9
2 EXERCÍCIO CARTOGRÁFICO: O ENCONTRO DA PESQUISADORA COM O
CINEMA.....................................................................................................................12
3 AMPLIANDO A COMPREENSÃO SOBRE PSICOSE...........................................16
3.1 A permanência da ansiedade de aniquilamento..................................................17
3.2 A constituição psíquica como proveniente do ambiente facilitador......................21
3.3 A teoria do amadurecimento pessoal e sua importância para a constituição de
si.................................................................................................................................25
3.4 A parte não-psicótica da personalidade e sua potência transformadora.............29
4 A EXPRESSÃO ARTÍSTICA QUE ADVÉM DO CONTATO COM OS
PROCESSOS PRIMITIVOS: O QUE PODE A SUBJETIVIDADE ARTISTA?..........33
4.1 Experienciar a arte e sua potência criativa seria encontrar saúde? Formas
possíveis de tornar um corpo sensível.......................................................................37
5 A ANÁLISE DA PSICOSE A PARTIR DE UMA PESQUISA
CINEMATOGRÁFICA: A POTÊNCIA NARRATIVA PRESENTE NA OBRA...........42
5.1
A infância do personagem do filme: como se dá a construção subjetiva no
ambiente oferecido.....................................................................................................42
5.2
A adolescência e a impossibilidade de continuar a
ser...............................................................................................................................46
5.3
A vida adulta e as possibilidades de ressignificação: a arte ganha
corpo...........................................................................................................................49
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................54
REFERÊNCIAS..........................................................................................................56
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1 INTRODUÇÃO
Seria a psicose uma modalidade de ser desviante a norma, a um modo
estável e seguro de circular pela vida? Uma explicação às diferentes formas de
habitar o mundo? Uma “verdade” acerca do sujeito, criada para classificar e dar
conta de explicar aquilo que é diferente, aquilo que foge do comum? O que é ser
comum, ser normal? Categorizar, categorização. O que sou, afinal? Louco, não
louco, normal, saudável, doente? E quem diz isso? Categorizações engessadas
podem ser arbitrárias, infundadas, auto-explicativas, inventadas. Podem ser reais,
mas, o que o diagnóstico faz com o sujeito que o recebe? Como significar a loucura
enquanto um traço de singularidade?
É através de tal questionamento que o presente trabalho irá se delinear, pois
acredita-se que o diagnóstico de psicose não necessariamente tenha de encerrar o
sujeito em uma condição pré-determinada. Mesmo no caminho crônico, há
possibilidade de se reencontrar a criatividade.
O tema psicose surge a partir do interesse durante o curso em entender o que
houve no caminho da construção subjetiva, quais circunstâncias, experiências e
vivências do percurso de vida do sujeito fizeram com que a psicose fosse um destino
possível/provável. Faz-se necessário, portanto, compreender de forma mais ampla a
psicose, em especial o que houve no caminho da construção subjetiva para que o
sujeito ficasse barrado nesta condição.
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O objetivo do trabalho diz respeito à cartografia do filme “Shine” (1996), que
apresenta, de forma potencialmente sensível, os movimentos que o sujeito da
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psicose pode vir a criar na sua relação com a arte. A escolha pelo filme se deu pela
afetação que o mesmo instiga, já que entra na questão da psicose de forma sensível
e guiando-se a compreender os processos de subjetivação do seu personagem.
Enquanto dispositivo, o filme foi um disparador possível para articular e pensar sobre
a psicose no referido trabalho, já que a experiência da autora dessa monografia e
encontro com a psicose, até a atualidade, só se deu diante de filmes e leituras, o
que garante a utilização de alguma outra fonte de análise, tal como o cinema,
enquanto possível e necessária. O encontro com o filme e seu personagem é
potente no sentido de gerar alegria e vontade de produzir um escrito. Sua
exploração enquanto dispositivo funciona para pensar a questão da psicose que, no
contato com a arte, pode encontrar diferentes saídas nos processos de produção de
saúde.
Buscar-se-á as ilustrações – via análise – do filme como material-clínico para
problematizar o uso que o personagem/artista fará de sua expressividade artística,
com a intenção de discutir o quanto a arte pode servir para produzir mais saúde ou
mais expansão da vida. Representando a relação que o personagem estabelece
com a arte, o filme leva a interrogar seu uso potencial na experiência com a psicose.
O método cartográfico possibilitará utilizar o corpo de pesquisadora de modo
sensível enquanto ferramenta para conexão com o objeto a ser analisado. Esta
sensibilidade do corpo supõe o olhar e a escuta aguçados no estudo a que me
proponho. O trabalho se guiará a partir de pesquisa bibliográfica juntamente à
utilização do método cartográfico na investigação do filme.
A possibilidade de aliar conceitos de campos diferentes, que são a psicanálise
e a filosofia da diferença, é o que permitirá ampliar a concepção sobre a psicose,
bem como a compreensão de um sujeito da psicose que não aquele enquadrado e
restrito em uma descrição psicopatológica. Por isso, a escolha de referir-se a ele
enquanto sujeito da psicose, e não psicótico. De igual forma, ao longo do trabalho há
referência ao artista e ao sujeito da psicose em diferentes momentos, o que não
representa a intenção de dizer que todo psicótico é artista, e, reciprocamente, que
todo artista é psicótico. Como fala-se no uso da arte ao sujeito da psicose, a escolha
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de falar de ambos sem distinção pareceu-nos a mais adequada, já que a escrita
baseia-se no personagem do filme.
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No capítulo 3, apresenta-se, por esta perspectiva, como se dá a constituição
do sujeito psíquico, com enfoque na relação mãe/bebê. Para tal, abre-se a questão
da psicose e discorre-se sobre a constituição psíquica do sujeito. Autores como
Winnicott, Bion, Melanie Klein, Zimerman e Elsa Dias auxiliam a buscar maior
compreensão sobre a constituição de si através da interação das relações iniciais
com o ambiente proporcionado. O capítulo 4 visará discutir a relação do sujeito da
psicose com a arte, explanando o processo de construção da subjetividade do
sujeito da psicose e do artista através da potente direção da subjetividade artista,
conceito advindo da filosofia da diferença. O filme “Shine”, dirigido por Scott Hicks
em 1996, é utilizado no presente trabalho enquanto dispositivo para analisar a
questão da psicose, já que conta a história real do pianista David Helfgott. A história
do personagem do filme será discutida/apresentada no capítulo 5, e, aliando-a à
cartografia, o intento é o de acompanhar o processo do personagem David, que vai
desde a tragicidade da experiência da psicose até a saída criativa que o encontro
com a arte pode proporcionar. Será o próprio David que auxiliará a responder a
questão norteadora do trabalho: de que forma a arte pode contribuir/interferir para a
saúde psíquica do sujeito da psicose?
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2 EXERCÍCIO CARTOGRÁFICO: O ENCONTRO DA PESQUISADORA
COM O CINEMA
“O cinema tem, sem dúvida, como uma de suas vocações,
a reflexão sobre si mesmo,
sobre a imagem,
sobre o sujeito.
Sobre a vida”
(RIVERA, 2011, p. 65).
Tendo como intuito descrever a realidade do filme, o trabalho, antes de ser
uma cartografia, baseia-se em um uma perspectiva qualitativa. Busca-se dar uma
saída potente não somente ao pensamento e ao desejo pela construção do saber,
mas às interrogações e às produções de sentido que irão advir do encontro com a
problemática do trabalho, o que somente se faz possível através de uma pesquisa
que envolva não somente a articulação de saberes, mas, também a pesquisadores.
Aliar a abordagem qualitativa à cartografia parece fazer muito sentido, no
contexto para o qual tal desejo guia o andamento do trabalho. A resposta ao
problema não será descoberta, mas engendrada, o que nasce do exercício de forçar
a percepção para além daquilo que está dado. Para Minayo (2002), a abordagem
qualitativa permite uma maior fidedignidade à construção da realidade pesquisada,
bem como do sujeito – filme – pesquisado. Assim, a autora nos enuncia que “o que
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os estudos qualitativos produzem é uma interpretação que se assume como tal, não
se candidata como ‘a’ verdade, mas como uma ‘versão científica’ da realidade”
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(MINAYO, 2002, p. 206).
Baseada em pesquisas bibliográfica e cinematográfica, a metodologia trata-se
de uma pesquisa qualitativa que vai utilizar a cartografia como método de análise, o
que auxilia a entrar em contato e afetar com a expressividade do artista/personagem
do filme. Perceber as contribuições que a arte oferece ao sujeito da psicose, através
da afetação, somente se faz possível com seu uso. A possibilidade de potencializar
o afeto pelo filme para conseguir contá-lo e pensá-lo são a etapa na qual o uso da
cartografia mais se fará essencial, já que o modo de perceber o filme diz também
respeito à percepção dos pesquisadores, o que se mostra também através da
escolha do filme em específico. Experimentar a afetação que o filme irá gerar no
corpo de pesquisadores significa que não utiliza-se somente a análise dos fatos, isto
porque, o campo dos afetos, acionado pelo cinema, torna-se a maior matéria de
constituição da presente escrita.
Cartografar, conforme aponta a psicanalista Rolnik (2006), é colocar para
funcionar o corpo sensível, o que implica a ativação deste corpo para com os
movimentos e processos que atravessam o cartógrafo. Assim, “a prática de um
cartógrafo diz respeito, fundamentalmente, às estratégias das formações do desejo
no campo social” (ROLNIK, 2006, p. 65). Ao cartógrafo não importa o que ele toma
como objeto, importa somente que ele esteja atento às estratégias do desejo:
Em qualquer fenômeno da existência humana que se propõe a perscrutar:
desde os movimentos sociais, formalizados ou não, as mutações da
sensibilidade coletiva, a violência, a delinquência... até os fantasmas
inconscientes e os quadros clínicos de indivíduos, grupos e massas,
institucionalizados ou não. (ROLNIK, 2006, p. 65)
O método cartográfico é sempre a própria cartografia, o que significa que esta
se constrói sempre no encontro com o objeto a ser investigado. Tudo o que der
vazão aos movimentos do desejo, tudo o que venha a servir como criação de
sentido serve-se de fonte ao cartógrafo, pois “todas as entradas são boas, desde
que as saídas sejam múltiplas. Seus operadores conceituais podem surgir tanto de
um filme quanto de uma conversa ou de um tratado de filosofia” (ROLNIK, 2006, p.
65).
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O que ele busca é “mergulhar na travessia dos afetos e, ao mesmo tempo,
inventar pontes para fazer sua travessia” (ROLNIK, 2006, p. 66). Não há o que por
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ele (e para ele) deva ser revelado nem explicado, o que há são intensidades
buscando expressarem-se.
O que o cartógrafo deixa prevalecer em seu trabalho enquanto marca e
registro, e que diz respeito ao seu perfil, é a sensibilidade que ele deixa prevalecer,
pois “o que ele quer é se colocar, sempre que possível, na adjacência das mutações
das cartografias, posição que lhe permite acolher o caráter finito e ilimitado do
processo de produção de realidade que é o desejo” (ROLNIK, 2006, p. 67). Para tal,
é necessário que o cartógrafo utilize-se de seu:
[...] “composto híbrido”, feito do seu olho molar, é claro, mas também e
simultaneamente, de seu olho molecular, ou melhor, de todo aquele seu
corpo (o vibrátil), pois o que ele quer é apreender o movimento que surge
da tensão fecunda entre fluxo e representação: fluxo de intensidades
escapando do plano de organização de territórios, desorientando suas
cartografias, desestabilizando suas representações e, por sua vez,
representações estancando o fluxo, canalizando as intensidades, dandolhes sentido” (ROLNIK, 2006, p. 67).
O uso híbrido da filosofia da diferença e da psicanálise dá corpo ao trabalho,
pois amplia a compreensão sobre o uso potente da arte na psicose. O sentido que
busca-se na psicanálise pode, assim, ser ampliado ao passo que quer-se fugir da
representatividade, o que é oferecido pela filosofia da diferença.
O encontro com a psicose é conduzido a partir da afetação, enquanto
pesquisadores, pelo filme. Produzir novos sentidos para a psicose pode se dar a
partir da escuta aos afetos experienciados, que, saindo do domínio do corpo, entram
no domínio da linguagem.
A perspectiva de que a análise do filme possa ser tão rica quanto à análise de
um caso de psicose em que se tivesse efetivo contato justifica-se pelo fato de que o
cinema produz e reproduz singularidades da vida cotidiana. Une-se a esse aspecto,
o fato de que não se teve, ainda, por parte da autora desta monografia, a
possibilidade de vivenciar o contato com a psicose em algum espaço de estágio ou
da vida. A utilização de alguma outra fonte de análise, tal como o cinema, se faz,
portanto, além de possível e provável, necessária. O encontro com o filme e o
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personagem, sujeito da psicose, é potente no sentido de gerar alegria e vontade de
produzir um escrito.
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A produção de uma cartografia a partir do contato com o cinema se justifica
na ideia da psicanalista Rivera (2011), de que o contato com o cinema é produtor de
novos agenciamentos1, de imagens que nos guiam à reflexão. Esta reflexão nos
impulsiona a problematizar a realidade e nos lança a um mundo e espaço diferentes
dos nossos: “Brechas entre imagens, espaço irreconhecível, caos pulsante que é a
própria vida” (RIVERA, 2011, p. 8).
Como relata a mesma autora, “a arte, podemos dizer de uma forma geral – e,
portanto, sempre um tanto grosseira -, desperta no homem o que há nele de mais
agudo e essencial, trazendo à tona, numa brecha fulgurante, o que faz dele um
sujeito” (RIVERA, 2011, p. 9).
Por isso é que se pode dizer que o cinema muitas vezes se interessa pela
psicanálise, assim como a psicanálise pode se interessar pelo cinema, pois a ela
interessa o ponto da constituição do sujeito.
O cinema, neste sentido, serve como ilustração, ao passo que a expressão
artística do personagem do filme serve como analisador, pois a criação artística
“detém mais saber sobre o inconsciente do que o psicanalista” (RIVERA, 2011, p. 9).
Vendo desta forma, o cinema parece uma boa fonte para se refletir sobre a realidade
do sujeito da psicose, aproximando-se deste campo e fazendo positivar a prática em
si, tirando do olhar limitado do diagnóstico da cronicidade e guiando a percepção do
sujeito da psicose com olhar de aposta.
1
O agenciamento, descrito por Deleuze (1995), tem relação com o aumento das conexões e com o
desdobramento das linhas em direções variadas. Aproximando-o da referida questão, podemos
pensar o agenciamento enquanto agente produtor de novos sentidos para a psicose.
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3 AMPLIANDO A COMPREENSÃO SOBRE PSICOSE
“Esta espécie de loucura
Que é pouco chamar talento
E que brilha em mim, na escura
Confusão do pensamento,
Não me traz felicidade;
Porque, enfim, sempre haverá
Sol ou sombra na cidade.
Mas em mim não sei o que há”
(PESSOA, texto digital).
Não se pode falar em psicose enquanto uma categoria homogênea, por isso,
o psicanalista Zimerman (1999) adota critérios de base clínica para subdividi-la em
três categorias: psicoses propriamente ditas; estados psicóticos e condições
psicóticas. Cada uma destas categorias pode ser subdividida de acordo com o grau
de cronicidade.
As psicoses propriamente ditas referem a um “processo deteriorativo das
funções do ego, a tal ponto que haja, em graus variáveis, algum sério prejuízo do
contato com a realidade” (ZIMERMAN, 1999, p. 227). Como exemplo, tem-se as
diferentes formas de esquizofrenias crônicas.
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Os estados psicóticos presumem a preservação de áreas do ego que
atendam a duas condições: estes estados permitem certa adaptação ao mundo
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exterior;
como
exemplo
tem-se
os
pacientes
borderline,
personalidades
excessivamente paranóides ou narcisistas, algumas formas de perversão, psicopatia
e neuroses graves. A segunda condição embasa-se no fato de que tais quadros
possibilitem, após o repentino aparecimento do surto, uma recuperação sem
sequelas, por exemplo, reações esquizofrênicas agudas ou episódios de psicose
maníaco-depressiva.
As condições psicóticas dizem respeito a estruturas neuróticas rigidamente
organizadas, cuja função é defender-se da ameaça do surto psicótico. Pacientes que
se enquadram nessa classificação encontram-se bem adaptados socialmente, mas
possuem condições psíquicas que o caracterizam como potencialmente psicótico, já
que possui uma “parte psicótica da personalidade” em saliência, conforme ensina
Zimerman (1999).
O mesmo autor defende que a construção do sujeito psíquico está colocada
na relação mãe/bebê. Para que o tema possa ser aprofundado, trabalha-se com a
ideia de que existe, sim, um fator genético para a psicose, mas, há também um fator
ambiental, que opera mais no estágio inicial da vida do bebê, quando a dependência
ainda é absoluta e o bebê necessita do outro para que o ego sobreviva à ameaça do
aniquilamento pelo instinto de morte.
3.1 A permanência da ansiedade de aniquilamento
A ansiedade de aniquilamento é o processo inicial pelo qual o bebê passa em
sua vida. Para adentrar-se nesta questão, usa-se o auxílio do psicanalista Winnicott
(1983), o qual afirma que o bebê somente adquire “certo” estágio do
desenvolvimento emocional quando, a partir do desenvolvimento e da primazia da
genitalidade e dos estágios do complexo de Édipo, são organizadas algumas
defesas contra a ansiedade de castração, “essas doenças constituem a doença
neurótica, e o grau de doença se reflete no grau de rigidez delas” (WINNICOTT,
1983, p. 119).
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A ansiedade de castração é central na neurose, embora, sua forma dependa
de como as experiências pré-genitais foram introjetadas, pois “quando ocorre
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ansiedade de aniquilamento, e não ansiedade de castração, como um aspecto
importante, então globalmente o psicanalista considerará que o diagnóstico do
paciente não é de neurose, mas de psicose” (WINNICOTT, 1983, p. 119).
O ambiente deve conter as angústias primitivas do bebê e oferecer a ele
estrutura para que exista a construção/integração do self no soma. Se o ambiente
falha, o que predomina é a angústia de aniquilamento:
O termo psicose é usado para indicar que o indivíduo em criança não foi
capaz de atingir um grau de higidez pessoal que faça sentido em termos de
complexo de Édipo, ou de outra forma que a organização da personalidade
tem fraquezas que se revelam quando a tensão máxima do complexo de
Édipo tem de ser suportada (WINNICOTT, 1983, p. 120).
Para a psicanalista Klein (1982), nos primeiros anos da infância esta
ansiedade do bebê é predominantemente sentida como medo de perseguição – por
isso a ansiedade é de aniquilamento -, o que contribui para a utilização de certos
mecanismos de defesa, típicos da posição esquizoparanóide. Para ela, “as
ansiedades psicóticas, mecanismos e defesas do ego, na infância, têm uma
influência profunda sobre o desenvolvimento, em todos os seus aspectos, incluindo
o desenvolvimento do ego, superego e relações objetais” (KLEIN, 1982, p. 314).
Este período da vida da criança, posteriormente, servirá como ponto de
fixação para os distúrbios psicóticos.
A mesma autora registra a ideia de que as relações objetais existem desde o
início da vida, sendo o primeiro objeto o seio – que, a partir dos mecanismos
utilizados nesta fase, é dividido entre seio bom e seio mau, criando uma relação de
amor e ódio. As relações com os primeiros objetos – objetos e situações externas e
internas - envolvem a utilização de mecanismos de defesa mais primitivos, tais quais
a introjeção e a projeção. Assim, “esses processos participam na formação do ego e
superego, preparando o terreno para o estabelecimento do complexo de Édipo na
segunda metade do primeiro ano de vida” (KLEIN, 1982, p. 314).
O impulso agressivo volta-se, desde o início, contra o objeto. As defesas
típicas do ego primitivo são os mecanismos de divisão do objeto (split), idealização,
19
negação da realidade externa e interna e repressão de emoções. Tais fenômenos,
que acontecem essencialmente nos primeiros meses de vida encontram-se,
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posteriormente, no quadro da esquizofrenia.
A posição esquizoparanóide é o período que antecede a posição depressiva2.
No entanto, a entrada na posição depressiva, que significa um avanço no sentido de
implicar progressos vitais na vida emocional e intelectual da criança, pode ser
impedida. Isto acontece quando os medos persecutórios do bebê são tão intensos
que ele não é capaz de abrir caminho para a posição depressiva através da posição
esquizoparanóide, e “esse fracasso poderá acarretar um reforço regressivo dos
medos persecutórios e o fortalecimento dos pontos de fixação para graves psicoses
(ou seja, o grupo das esquizofrenias)” (KLEIN, 1982, p. 315).
Algumas das funções presentes em um ego mais avançado encontram-se no
começo de seu surgimento, na posição esquizoparanóide, tal como a função de
dominar a ansiedade. A ansiedade vem do externo e/ou do biológico – tal como o
trauma do nascimento e a frustração das necessidades corporais, sentidas pelo
bebê como se os objetos as estivessem causando -, e no bebê ela nasce da
atividade do instinto de morte dentro do organismo, que é sentida como medo de
aniquilação (morte) e assume a forma de medo de perseguição. Nesse sentido, “o
medo do impulso destrutivo parece ligar-se imediatamente a um objeto – ou, melhor,
é sentido como o medo de um incontrolável e precedente objeto” (KLEIN, 1982, p.
318). Os mecanismos de defesa surgem aqui como forma de o ego primitivo
enfrentar e conter a ansiedade. O impulso destrutivo é parcialmente projetado no
exterior, vinculando-se ao primeiro objeto, no caso, o seio da mãe.
A divisão que o ego primitivo faz do objeto pode implicar na divisão do próprio
ego. Por isto, entende-se que:
Quanto mais sadismo prevalecer no processo de incorporação do objeto e
quanto mais se sentir que o objeto está em pedaços, tanto mais o ego
estará em perigo de ser dividido em relação com os fragmentos do objeto
internalizado (KLEIN, 1982, p. 319).
2
A posição depressiva, definida por Klein (1982) tem um papel fundamental no desenvolvimento
inicial da criança, pois é nesta fase que ocorre a introjeção do objeto como um todo, o que implica na
alteração de suas relações objetais.
20
A natureza do mecanismo de divisão, estimulada pela ansiedade, é a
fantasia, no entanto, o efeito dessa fantasia é sentido como real.
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Tal como o mecanismo de divisão, a introjeção e a projeção também são
mecanismos utilizados para livrar o ego da maldade e do perigo, de forma a desviar
para o exterior o instinto de morte e, assim, combater a ansiedade. Na divisão, a
relação com o objeto – o seio, por exemplo – se dá de duas formas: os sentimentos
de amor se voltam para o seio nos estados de gratificação, enquanto os sentimentos
de ódio se voltam ao seio frustrador nos estados de frustração. Sobre o assunto:
A outra linha de ataque se deriva dos impulsos anais e uretrais e implica a
evacuação de substâncias venenosas (excrementos), que são expelidos do
eu e introduzidos na mãe. Em conjunto com esses excrementos nocivos,
expelidos com ódio, as partes destacadas do ego também são projetadas
na mãe ou, como prefiro dizer, para dentro da mãe. Esses excrementos e
partes más do eu têm o intuito não só de causar dano, mas também de
controlar e tomar posse do objeto (KLEIN, 1982, p. 322).
No entanto, não são somente as partes más do eu que são expelidas e
projetadas, pois as partes boas também podem ser - no caso em que as partes do
ego projetadas para dentro do outro representam coisas boas e/ou partes amorosas
do eu. A projeção de bons sentimentos e boas partes do eu na mãe podem ser de
suma importância para o desenvolvimento da capacidade infantil de estabelecer
relações objetais e, posteriormente, para a integração do o ego.
Nos estados de frustração ou elevada ansiedade, o objeto idealizado interno é
utilizado como recurso para escapar dos perseguidores. Porém, quando o medo
persecutório é forte demais, a fuga para o objeto idealizado se torna muito frequente,
dificultando, desta forma, o desenvolvimento do ego. Este pode vir a sentir-se
totalmente subordinado e dependente do objeto interno.
Os processos de divisão do ego e dos objetos causam um estado de
desintegração. No desenvolvimento normal, a experimentação destes estados é
transitória: “Entre outros fatores, a gratificação pelo bom objeto externo ajuda
repetidamente a abrir caminho através desses estados esquizóides” (KLEIN, 1982,
p. 324). Todavia, se os estados de desintegração ocorrem com muita frequência e
persistem por muito tempo, é possível que estes sintomas sejam encarados como
sinal de doença esquizofrênica na criança. Já nos pacientes adultos, “os estados de
21
despersonalização e de dissociação esquizofrênica parecem constituir uma
regressão a esses estados infantis de desintegração” (KLEIN, 1982, p. 325).
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O empobrecimento do ego se dá, conforme expressa Klein (1982), pela
divisão excessiva e pelo uso da identificação projetiva. Esse ego enfraquecido
também se torna incapaz de compreender seus objetos internos, “o que provoca o
sentimento de ser governado por eles. E sente-se igualmente incapaz de reaver as
partes que projetara no mundo externo” (KLEIN, 1982, p. 326). As perturbações na
interação da projeção e da introjeção, por provocar uma frequente divisão do ego,
têm um efeito nocivo à relação com o mundo interno e externo.
Uma característica típica de relação objetal esquizóide é que a divisão e
projeção excessiva têm como efeito que a pessoa a quem a projeção é dirigida seja
sentida como perseguidor:
Como a parte odiada e destrutiva do eu que é dividida e projetada é sentida
como um perigo para o objeto amado e, portanto, dá origem à culpa, esse
processo de projeção também implica, de algum modo, um desvio da culpa
do eu para a outra pessoa (KLEIN, 1982, p.327).
Ainda assim, o eu não se desliga inteiramente do sentimento de culpa, pois a
culpa projetada no outro passa a ser sentida como responsabilidade pelo outro ser
agora portador de sua parte agressiva.
Acerca do desenvolvimento emocional primitivo, Klein (1982) possibilita a
maior compreensão do que se passa no psiquismo do sujeito da psicose. No
entanto, faz-se necessário um entendimento mais dinâmico sobre ela, que possibilite
entendê-la não somente sobre o prisma do adoecimento. A intensidade pulsional e a
ansiedade de aniquilamento podem encontrar diferentes caminhos quando existe
uma boa capacidade de contenção materna/ambiental.
3.2 A constituição psíquica como proveniente do ambiente facilitador
Levando em conta que a integração do sujeito ocorre de forma total, Winnicott
(1990) especifica a constituição deste sujeito, que se dá tanto física quanto
psicologicamente, ou seja, existe o soma e a psique, o que significa que existe um
inter-relacionamento entre uma e outra e, a partir da organização dessas duas
22
esferas, a constituição da mente3. É, portanto, à saúde psíquica que irá se ater neste
momento. Compreendida por Winnicott (1990), a saúde da psique pode ser avaliada
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em termos de crescimento emocional, o que se constitui em uma questão de
maturidade: “O ser humano saudável é emocionalmente maduro tendo em vista sua
idade no momento, o que garante que o sujeito e o ambiente no qual ele se encontra
estabeleçam uma relação de responsabilidade” (p. 30).
Tudo começa com a integração da psique no soma. A psique, conforme
descreve Winnicott (1990), liga o passado já vivenciado, o presente e a expectativa
de futuro uns aos outros, proporcionando sentido ao sentimento do eu.
Desenvolvendo-se desta forma, a psique assume uma posição na qual é possível de
perceber e relacionar-se com a realidade externa, dando ao sujeito condições de ir
além daquilo que se pode explicar pelas influências ambientais. A psique torna
possível ao sujeito sua adaptação, bem como a capacidade de realizar escolhas.
No desenvolvimento da psique, a cada momento irá haver a possibilidade de
fracasso, e, inferido por Winnicott (1990), é impossível que exista um crescimento
sem que existam distorções advindas de alguma frustração na adaptação ambiental:
“Todo o processo de desenvolvimento tem que ser levado a cabo, qualquer salto ou
falha no processo é uma distorção, e um pulo aqui ou um atraso ali deixam uma
cicatriz” (p. 47).
Com a mente em funcionamento, o desenvolvimento da psique gradualmente
se transforma na consciência de si mesmo, o que significa não apenas uma pessoa
que se relaciona com o ambiente, mas alguém que, cedo ou tarde, se
responsabilizará pela manutenção e recriação desse ambiente.
A psicanalista Dias (2003) registra que sempre haverá uma dificuldade que é
dominante e que está referida a uma tarefa mal resolvida em um determinado
estágio:
No que se refere, em particular, aos estágios iniciais, se o bebê não resolve
a tarefa concernente ao estágio do amadurecimento em que se encontra, o
que ocorre é uma interrupção do processo de amadurecimento pessoal.
Tudo o que se constrói a partir daí fica distorcido na raiz, adquire caráter
defensivo e não tem valor pessoal para o indivíduo (DIAS, 2003, p. 103).
3
“Parte especializada da psique que não está necessariamente ligada ao corpo, embora dependa,
evidentemente, do funcionamento cerebral” (Winnicott, 1990, p. 71).
23
Da mesma forma que se fala em saúde da psique, se faz necessário falar das
doenças da psique. Para elas, não existe uma descrição simples em virtude dos
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diversos fatores que podem levar ao seu surgimento. Quando a saúde física está
garantida ao bebê, é possível classificar as doenças da psique enquanto neuroses e
psicoses. Compreende-se que na neurose, o desenvolvimento emocional da criança
ocorreu dentro dos limites que são esperados nos estágios anteriores do
desenvolvimento. Embora não se atenha à neurose neste momento, é importante
colocar que, tendo entrado na neurose, “a criança é uma pessoa total em meio a
pessoas totais, sujeita a poderosas experiências instintivas baseadas no amor entre
pessoas” (WINNICOTT, 1990, p. 34), o que leva a presumir que a criança, tendo
chegado à neurose, teve um desenvolvimento anterior bem-sucedido - o que
depende de um meio ambiente suficientemente bom. Psicose é a denominação que
se dá aos estados de doença cuja evolução começou antes que a criança se
tornasse uma pessoa total relacionada a pessoas totais.
Uma das hipóteses para a psicose é o fracasso ambiental nas etapas mais
primitivas. Isso acontece porque, embora a preocupação materna primária seja um
estado que aconteça de forma natural, no exercício da maternidade, existem
mulheres que temem e resistem à regressão nela contida. Elas continuam presas a
suas ocupações e não permitem identificarem-se com o seu bebê. Este tipo de mãe
tenderá a cuidar do bebê de forma mental, o que significa que seus atos serão
regidos via intelectualidade, e não via sensações e afetos: “Talvez ela consiga
provê-lo de algumas coisas básicas, mas não será capaz da comunicação profunda
e silenciosa que a intimidade traz” (DIAS, 2003, p. 136). Ela cuidará de seu bebê de
forma impessoal.
Os cuidados suficientemente bons ao bebê, como distingue Dias (2003)
advém de uma mãe suficientemente boa4, que não são arquitetados via pensamento
ou executados maquinalmente. Estes cuidados suficientemente bons referem aos
fornecidos por um ser humano, mãe ou substituta, que seja capaz de pôr-se na pele
do bebê, e, ao mesmo tempo, mesmo que entregue aos cuidados para com ele, é
4
O conceito de mãe suficientemente boa, criado por Winnicott, refere-se, segundo Dias (2003) a mãe
que, devido a sua identificação com o bebê, é capaz de reconhecer e atender suas necessidades. Ela
é suficientemente boa porque atende a medida exata das necessidades do bebê, e não de suas
próprias. Trata-se de uma adaptação da mãe a tais necessidades, e não da satisfação de seus
desejos pessoais.
24
capaz de preservar a si mesma, ou seja, continua a ser ela mesma. A
espontaneidade da mãe, expressada por Dias (2003), é extremamente necessária
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ao bebê: “Ser consistentemente ela mesma é uma das fontes de que o bebê
necessita para a aquisição da confiança” (p. 141).
Quando adequadamente protegida por seu homem, a mãe é poupada das
ocupações e preocupações com o mundo externo, para poder preocupar-se e
ocupar-se inteiramente a seu bebê na fase da dependência absoluta. A presença e
auxílio genuínos do pai do bebê trazem apoio moral à mãe. As crianças são
sensíveis, desde muito cedo, à atmosfera que se cria no lar e à estabilidade que
sentem na relação dos pais, mesmo quando ainda não sabem que os pais existem
como pessoas separadas dela, e, entre si:
Naturalmente, a maneira como a criança usa ou não esse pai é determinada
pelos modos de este ser [...]. Independentemente de o pai haver ou não
substituído a mãe, em algum momento ele aparece, para o bebê, como o
primeiro vislumbre de inteireza e totalidade pessoal e, deste modo, é usado
como padrão de sua própria integração (DIAS, 2003, p. 140).
Quando começa a se apropriar dos impulsos como pertencentes a ela
mesma, Dias (2003) relata que a criança percebe os estragos que sua impulsividade
instintual causou à mãe, passando, então, a contar com a presença, firmeza e
capacidade de impor limites do pai, para que este proteja a mãe de seus próprios
impulsos destrutivos. Se o pai não cumprir este papel que lhe é devido, a criança
poderá perder a espontaneidade e inibirá sua instintualidade.
É importante pensar-se na provisão ambiental necessária ao desenvolvimento
do bebê que, segundo Winnicott (1983), deve satisfazer suas necessidades
fisiológicas ao mesmo tempo em que deve ser consistente, o que significa uma
provisão ambiental que não aconteça de forma mecânica, conforme já mencionado,
pois implica em uma empatia materna. Neste diapasão, os cuidados suficientemente
bons ao bebê podem ser pensados no sentido de dar sustentação e,
invariavelmente, a uma forma de amar o bebê5. É através desta sustentação que a
mãe estará demonstrando seu amor pelo filho e afastando sentimentos de
insegurança e ansiedade.
5
O que se refere ao conceito de holding, desenvolvido por Winnicott.
25
O bebê não possui meios de saber o que está sendo provido adequadamente
em seu desenvolvimento e cuidados externos, mas, ao fato de os cuidados serem
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adequadamente bons, o bebê é impulsionado a continuar a ser, o que é a base para
a força do seu ego. Winnicott (1983) explicita que é somente quando as coisas não
vão bem que o bebê se torna perceptivo dos resultados de uma falha materna e, por
isso, reage. Assim, “o resultado de cada falha no cuidado materno é que a
continuidade de ser é interrompida por reações às conseqüências desta falha, do
que resulta o enfraquecimento do ego” (WINNICOTT, 1983, p. 51).
As bases de saúde mental do indivíduo, no sentido de ausência ou
predisposição a ela, são instaurados por este cuidado materno que, quando vai bem,
dificilmente é percebido, e é uma continuação da sustentação fisiológica. A psicose
ou a predisposição á ela, em idade posterior, se relacionam a uma falha ambiental e
no processo de amadurecimento pessoal.
3.3 A teoria do amadurecimento pessoal e sua importância para a constituição
de si
A observação de bebês psicóticos mostrou, de acordo com Dias (1999), que o
amadurecimento emocional, nos seus estágios primitivos, refere-se exatamente aos
mesmos fenômenos que aparecem no estudo da esquizofrenia adulta e nos estados
esquizóides em geral. Essas dificuldades dizem respeito essencialmente à
constituição de si - mesmo (self) como identidade e ao contato com a realidade
externa. Dessa forma, “nos bebês, elas estão relacionadas à sua extrema
imaturidade; nos psicóticos, porque se perderam em algum ponto da longa jornada
que leva à maturidade” (DIAS, 1999, p. 16).
A mesma autora traz o entendimento sobre a teoria do amadurecimento, de
Winnicott (1983). De acordo com tal teoria, a herança mais importante do ser
humano é de que ele é dotado de uma tendência inata ao amadurecimento e à
integração em uma unidade, o que significa uma tendência ao crescimento, a
relacionar-se com objetos, se integrar e amadurecer. No entanto, esta é uma
tendência, o que não significa uma determinação.
26
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A teoria do amadurecimento pode vir a realizar-se, ou não:
Para que o amadurecimento prossiga, o bebê depende da presença de um
ambiente facilitador que forneça conteúdos suficientemente bons. Quanto
mais cedo o momento que considerarmos, tanto maior a importância dos
cuidados ambientais. No início, a dependência do bebê em relação à mãe é
absoluta e esta deve poder adaptar-se de forma também absoluta às
necessidades do bebê. Trata-se de necessidades de ser. (DIAS, 1999, p.
16).
Como visto anteriormente, nenhum bebê virá a constituir-se como uma
pessoa real, a não ser sob os cuidados de um ambiente que lhe dê sustentação e
facilite os processos de amadurecimento. Para o sujeito, “não só é necessário
chegar ao começo, de modo a dar-se o engate na vida, como também tem de
manter-se vivo pela vida afora” (DIAS, 2003, p. 96). Desde o início, a necessidade
essencial do sujeito consiste em ser e continuar a ser. O esforço é o de chegar a
sentir-se como eu integrado e, então, permanecer.
Para tornar-se uma pessoa real, Dias (1999) considera que os cuidados do
ambiente devem proporcionar ao bebê sustentação e, ao mesmo tempo, facilitar os
processos de amadurecimento. Desta forma, a teoria não diz respeito ao que se
estabelece tanto pulsional, mental
ou biologicamente,
e
sim ao
que
é
especificamente pessoal - o que se refere ao sentimento de ser real e de existir em
um mundo real. Ser e sentir-se vivo não se dá pela concepção ou formação
biológica, pois estar vivo pelo nascimento tem ainda a dimensão de estar vivo e ser
capaz de sentir-se integrado, de estabelecer relações sentidas como reais e de
habitar um mundo real. Por essa razão:
Desde o início absoluto, o problema fundamental do homem consiste em
chegar a existir. Existir não é uma dádiva, mas uma conquista. Essa
conquista, onde radica a problematicidade da vida humana, não é realizada
pelos psicóticos, cujos distúrbios são derivados dos estágios mais precoces
da vida (DIAS, 1999, p. 16).
Sublinhado por Dias (1999), o bebê, nos estágios iniciais do amadurecimento,
que se inicia logo após a concepção, está em estado de não-integração, portanto,
não sabe da existência de si mesmo ou do mundo. Não reconhecendo os objetos,
pode-se pensar que o bebê não habita o corpo. É com a ajuda do ambiente
facilitador que o bebê passa a realizar conquistas que fundamentarão sua
personalidade, tais como: a integração no tempo e no espaço, o alojamento da
psique no corpo e o início do contato com os objetos. O si mesmo vai, paralela e
gradualmente, sendo constituído como identidade.
27
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Nesse sentido:
No entanto, se o ambiente falhar em oferecer condições facilitadoras ao
amadurecimento do bebê, o mesmo fracassa na realização de suas
conquistas iniciais, o que pode levá-lo a interrupção do processo de
amadurecimento pessoal [...]. Nesses casos, ocorre uma cisão da
personalidade e se estabelece uma organização defensiva para evitar o
retorno às experiências vivenciadas no ambiente falho, o que lhe foi
traumático. Esse é o caso das psicoses. O indivíduo continua a crescer,
física e intelectualmente, mas a integração em um cerne pessoal não pode
ser realizada [...]. Pela teoria do amadurecimento, a natureza do distúrbio
refere-se à origem do mesmo, ou seja, ao ponto, na linha do
amadurecimento em que o processo foi interrompido em função de falhas
ambientais traumáticas para o bebê. No caso das psicoses, isto ocorreu nos
estágios iniciais da vida, quando o bebê ainda não era um eu que podia
defender-se da falha ambiental sem aniquilar-se (DIAS, 1999, p. 17).
O processo de amadurecimento pessoal depende, portanto, de dois fatores: a
tendência inata ao amadurecimento e a existência contínua de um ambiente
facilitador. Todo o ser humano, conforme afirma Dias (2003), é dotado de uma
tendência ao amadurecimento, o que significa uma tendência à integração num todo
unitário, o que é a mais importante herança do ser humano. O amadurecimento é o
resultado da tendência à integração.
Uma integração gradual de um si-mesmo
integrado, tanto internamente quanto com o ambiente em que vive.
Na fase inicial, ainda não há um eu constituído, e sim um ser não-integrado
que emerge de um estado de solidão essencial. Ao longo da vida, essa solidão será
parcialmente dissolvida, permanecendo em cada sujeito: “Um processo de
integração bem-sucedido levará à coexistência e ao trânsito, no indivíduo, entre
esses dois extremos: a solidão essencial e a comunicação e o encontro com o outro
e com a realidade externa” (DIAS, 2003, p. 95).
A psicose, apontada pela mesma autora, é resultado dos estágios mais
primitivos da vida e, onde a conquista de tornar-se unificado e real, alcançando a
identidade unitária, não pôde ser realizada.
O processo de amadurecimento inicia-se em algum momento após a
concepção e estende-se por toda a vida do sujeito, o que implica em um sujeito com
possibilidades de crescer, evoluir e se modificar de acordo com suas possibilidades.
Refere-se, desta forma, a um sujeito enquanto potência transformadora, e não
enquanto a um processo estanque, que define e paralisa um sujeito a partir de suas
vivências/diagnósticos. Também não há garantias de que o processo se dê de forma
28
linear, principalmente porque “na concepção winnicottiana, amadurecimento não é
sinônimo de progresso: amadurecer inclui a possibilidade de regredir a cada vez que
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a vida exige descanso, em momentos de sobrecarga e tensão, ou para retomar
pontos perdidos” (DIAS, 2003, p. 101).
Desta forma, as conquistas não são estabelecidas de forma definitiva, não
representam um processo construído que não possa vir a se desconstruir
novamente, exigindo, assim, um novo processo, uma nova construção. É
absolutamente diferente conquistar algo e perdê-lo do que jamais ter alcançado.
Novas tarefas continuam a surgir ao bebê que não alcançou o processo almejado na
fase anterior:
Quando há fracasso na conquista desta ou daquela etapa do
amadurecimento, um distúrbio emocional se estabelece. A natureza do
distúrbio está relacionada com o seu ponto de origem na linha do
amadurecimento, isto é, com a natureza da tarefa com a qual o bebê, ou a
criança, estava envolvido por ocasião do fracasso ambiental (DIAS, 2003, p.
103).
Não se pode negar que, apesar de o processo de amadurecimento não
necessariamente se dar de forma linear, algumas conquistas, no entanto – e
principalmente as primitivas –, só podem ser alcançadas depois de outras, o que
serve como uma condição de possibilidade:
Numa compreensão global, o amadurecimento pode ser descrito como uma
jornada (journey) que parte da dependência absoluta, passa por um período
de dependência relativa, chega às etapas que estão no rumo da
independência, até chegar à independência relativa, que é o estado em que
o indivíduo saudável se mantém regularmente ao longo da vida (DIAS,
2003, p. 98).
Conforme nos diz Dias (2003), as conquistas mais essenciais ao
amadurecimento do bebê ocorrem durante a etapa da dependência absoluta, a mais
primitiva de toda a vida e, durante a qual o bebê vive em um estado de total
dependência – e que depois virá a se tornar uma dependência relativa. É neste
período primitivo que estão sendo construídos os pilares fundamentais da existência
do sujeito, o que representam as bases de sua personalidade e saúde psíquica, e,
por isso, etapa fundamental no amadurecimento:
Isto se dá por meio da resolução de três tarefas com as quais o bebê
encontra-se envolvido: a integração no tempo e no espaço, o alojamento
gradual da psique no corpo e o início das relações objetais, ou seja, do
contato com a realidade (DIAS, 2003, p. 99).
29
É pela contínua repetição de experiências de integração que o bebê vai
constituindo o si-mesmo, o que torna o processo de integração gradualmente
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estável, de forma que o bebê possa integrar-se em uma unidade.
Traz-se novamente o auxílio de Winnicott (1983) para ampliar o conceito de
ambiente facilitador, construindo a ideia de que o ambiente favorável torna possível
o progresso continuado dos processos de maturação, mas, o ambiente não faz a
criança, e sim pode possibilitá-la a concretizar seu potencial. O fato de os pais
conseguirem realizar
a
provisão
ambiental
significa
que
o
processo
de
amadurecimento da criança não fica bloqueado e este irá se tornar parte da criança:
O lactente só pode ter uma apresentação não-confusa da realidade externa
se for cuidado por um ser humano que está devotado ao lactente e a tarefa
de cuidar desse lactente [...]. Todos os processos de uma criatura viva
constituem um vir-a-ser, uma espécie de plano para a existência
(WINNICOTT, 1983, p. 83).
A mãe capaz de ser devota ao seu bebê por um período de tempo - o que é
uma tarefa natural - é capaz de proteger o vir-a-ser do filho. Qualquer irritação ou
falha no processo de adaptação causam uma reação neste bebê, o que pode fazer
com que este processo seja quebrado. Com relativa ausência dessas falhas, as
funções corporais da criança dão uma boa base para a construção de um ego
corporal, o que lhe serve como base para a saúde mental futura.
Para tal, utilizar-se autores e teorias que afirmam que há, no sujeito da
psicose, uma parte que é de natureza neurótica – assim como todo neurótico tem
uma parte que é de natureza psicótica oculta, o que não lhe faz ser confundido com
um psicótico – e que lhe possibilita um maior trânsito com o real.
3.4 A parte não-psicótica da personalidade e sua potência transformadora
Foi a partir de autores como Bion (1994) que a psicose passou a ser
entendida: “muito em relação à patologia das funções do ego, tais como a da
percepção, da comunicação e, principalmente, a do pensamento” (ZIMERMAN,
1999, p. 231).
O psicanalista Bion (1994) nomeia os fenômenos de Parte psicótica e parte
não-psicótica
da
personalidade,
ambas
convivendo
sincronicamente
em
30
personalidades neuróticas e psicóticas. Conforme nos retrata o mesmo autor, o
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paciente psicótico contém:
[...] na parte psíquica da personalidade, resquícios de diversos mecanismos
neuróticos [...] e, junto, uma parte psicótica da personalidade, que
predomina a tal ponto que a parte não-psicótica (com a qual coexiste em
justaposição negativa) fica obscurecida (BION, 1994, p. 59).
A parte psicótica da personalidade refere a um funcionamento cuja cisão e
identificação servem-se de substitutos da repressão. Já a parte não-psicótica da
personalidade recorre à repressão como um meio de eliminar a realidade dolorosa.
Como todos têm uma parte psicótica e uma parte não-psicótica, que são utilizadas
de acordo com os recursos frente a cada situação, é possível pensar que, na
preponderância da parte não-psicótica no psicótico, este tenha mais recursos para
lidar com a realidade externa.
A definição da parte psicótica da personalidade, referida por Roselfeld (1994),
indica que os núcleos primitivos da personalidade se voltam em situações
regressivas. Poderia estar baseada no processo descrito por Freud como cisão
(splitting), tendo em vista que o processo em si não seja sinônimo de psicose, pois
passa anteriormente a ser considerado uma defesa, mesmo que mais primitivo que
outras.
A parte sadia ou não-psicótica da mente, sempre presente em qualquer
sujeito, é capaz de estabelecer maior contato com a realidade e com aquela parte
cindida do ego, já que este contato com a realidade nunca se encontra
completamente perdido, portanto, pode ser restabelecido. A parte psicótica,
composta por forças intensas e sem nome, se constitui enquanto uma via
inacessível. Assim, “a personalidade psicótica não tem a capacidade de formular
perguntas para si mesma; não toma conhecimento do conflito. Expele seu ego e
suas funções perceptivas” (ROSENFELD, 1994, p. 34).
Em preponderância da parte não-psicótica, Rosenfeld (1994) marca que o
sujeito da psicose tem ampliada sua capacidade de verbalização e de utilização de
mecanismos defensivos menos primitivos. A mente fica mais organizada na sua
capacidade de pensar e se comunicar, favorecendo a relação com o outro. Esse
sujeito da psicose, que fazia uma retração narcísica, consegue assim se socializar
melhor.
31
Pode-se pensar que no contato com a arte, esta venha a servir ao sujeito da
psicose como um campo relacional que possibilite transformação. O estudo musical
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requer disciplina, método e constância com o objeto, e, por estabelecer maior
conexão com os processos primitivos e possuir uma veia artística mais aflorada, o
sujeito da psicose pode permitir vazão a seu impulso criativo e fluidez da expressão
artística. O impulso criativo é necessário a um artista para a produção de sua obra
de arte, mas não se trata somente deste aspecto, pois diz respeito também à
experimentação de si na realização de algo. É uma forma de ver, de ser e viver.
Passa por sentir e experimentar a intensidade de forças e sensações para poder
representar, dar forma ao impulso criativo que perpassa o corpo e os sentidos. A
criatividade é, assim, representada pelo artista, mas ela não se restringe ao
movimento da criação, pois continua a existir no contato da criatividade do artista
com o observador através das identificações.
A arte enquanto potência que permite que a parte não-psicótica da
personalidade entre em preponderância e ganhe força, é uma potência criativa e
inventiva, pois cria uma morada e continência para as intensidades.
A possibilidade de transitar entre estas duas partes da mente faz com que o
contato com a realidade, conforme já reiterado, não seja completamente perdido, o
que permite também que o ego não se desintegre em mil pedaços, ou seja, o sujeito
da psicose não necessariamente vá perder a noção de si e do real.
Diferente das neuroses, na psicose os conflitos não estão em níveis
profundos, pois são encontrados numa superfície visível. O conflito é vivido na
atualidade, e não sublimado ou reprimido, como na neurose. A arte enquanto
potência criativa pode permitir o encontro de saídas inventivas e a favor da
expansão da vida, o que difere da defesa que comumente o sujeito da psicose muito
se utiliza, o acting out. Desta forma, a relação com a vida pode ser mais criativa e
aumentar a saúde.
Sendo o acesso a arte e a criação artística a potência inventiva do sujeito da
psicose, esta lhe serve não somente como via de expressão dos conflitos internos,
mas também como forma de vislumbrá-los na concretude de sua criação artística.
Invariavelmente, o acesso à arte serve também como dispositivo terapêutico e de
32
ação clínica, pois pode possibilitar que a mente funcione de forma não-psicótica e
enquanto campo relacional terapêutico de recuperação das funções mentais
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expelidas. Acesso a arte enquanto instrumento de valor terapêutico. Em
preponderância da parte não-psicótica da personalidade, a arte pode vir a servir
como função que dê território psíquico e sustentação ao sujeito da psicose.
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4 A EXPRESSÃO ARTÍSTICA QUE ADVÉM DO CONTATO COM OS
PROCESSOS PRIMITIVOS: O QUE PODE A SUBJETIVIDADE
ARTISTA?
“Só o desejo inquieto, que não passa,
Faz o encanto da coisa desejada...
E terminamos desdenhando a caça
Pela doida aventura da caçada”
(QUINTANA, texto digital).
Para iniciar a discussão sobre a construção da subjetividade, usa-se como
referência a autora Rocha (2010), que se utiliza de conceitos nietzschianos para
compreender o sujeito enquanto portador de uma natureza dinâmica. Seu corpo - no
sentido psíquico-somático -, é “constituído por forças ativas e reativas, produção
incessante, centro da vontade, da luta pela vida, do desejo, dos afetos [...] para
precisar o ser como insistência permanente de criação” (ROCHA, 2010, p. 371).
A noção de que o tempo não simplesmente passa - já que representa a
junção do presente com o passado - constitui um futuro, pois afirma que todo e
qualquer resultado de sujeito a que se possa chegar é provisório. Desta forma, “a
história é concebida como efeito de acasos produtores de sentidos que dominam as
forças múltiplas, apontando devires” (ROCHA, 2010, p. 371). O tempo que se repete
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também se diferencia, produz novos agenciamentos, o que permite o nascimento de
novos arranjos e de uma subjetividade que se transforma e que é sempre outra.
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Em seu próprio processo de construção, a vida traz os momentos de ruptura
aliados àqueles de aparente equilíbrio, o que significa que, enquanto forças em
tensão, o sujeito encontra-se constantemente diferindo-se de si mesmo e produzindo
novas formas de existência.
Reforçando o entendimento de que a subjetividade é incessante produção, se
faz necessário retornar à psicanalista Rolnik (1997), que compreende que
a
constituição do sujeito é plástica e sempre afetada pelas forças do meio em que ele
está inserido. Para tanto, a autora utiliza-se do conceito de “pele” para falar da
construção da subjetividade, que é móvel em seu contato com as forças de
subjetivação. Para ela, “a pele é um tecido vivo e móvel, feito de forças/fluxos que
compõe os meios variáveis que habitam a subjetividade: meio profissional, familiar,
sexual, econômico, político, cultural, informático, turístico, etc” (ROLNIK, 1997, p. 1).
A subjetividade se faz e refaz incessantemente, conforme a referida autora,
por isso, quando encontramos um perfil de subjetividade, este já se transformou, não
é mais o mesmo: “A cada vez que um diagrama se forma, a pele se curva
novamente” (ROLNIK, 1997, p. 2). A cada vez que uma nova forma de existência se
faz possível, o perfil de subjetividade até então se transforma em uma subjetividade
por vir. Na leitura da filosofia da diferença6, utilizada no presente trabalho para
contemplar a complexidade do nosso estudo, a subjetividade, que é plástica, é
também móvel na sua comunicação com o inusitado advindo do encontro com as
forças diferenciais do Fora. É esse encontro que faz o sujeito variar e diferir de si
mesmo. “[...] o dentro detém o Fora e o Fora desmancha o dentro” (ROLNIK, 1997,
p. 2). Dentro e Fora não são espaços dissociáveis que representam um perfil de
subjetividade fixo. São, entretanto, espaços indissociáveis, que interpenetram-se e
se misturam a cada nova dobra7.
6
Filosofia que nasce com Nietzsche e faz uma crítica à filosofia da representação. Autores como
Foucault, Deleuze, Guattari, Suely Rolnik e Peter Pelbart no Brasil.
7
“Duplicação do de Fora, onde as forças se originam, provocando a interioridade [...]. A relação do de
dentro com o de Fora é de coextensão, e a dobra da linha é o processo de produção constante do
sujeito” (Rocha, 2010, p. 376).
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Assim,
O dentro é uma desintensificação do movimento das forças do fora,
cristalizadas temporariamente num determinado diagrama que ganha corpo
numa figura com seu microcosmo; o Fora é uma permanente agitação de
forças que acaba desfazendo a dobra e seu dentro, diluindo a figura atual
da subjetividade até que outra se perfile (ROLNIK, 1997, p. 2).
Logo, a pele, que está em constante desconstrução através da vibratilidade
do Fora, é o delineamento do perfil da subjetividade que separa o dentro e o Fora. O
Fora, portanto, é o devir do dentro. Campo de forças e intensidades.
A cada dobra - ou seja, a cada novo diagrama ou nova forma de existência delineia-se um novo território de existência, um novo dentro, o que também implica
na mudança da pele. A pele concretiza as linhas de tempo, mas em nenhum
momento sua nascente é estancada, pois a nascente de forças do Fora é ilimitada:
Em certas subjetividades o processo de formação e dissolução de figuras
parece fluir mais do que em outras – a subjetividade do artista é um
exemplo disto [...]. É na obra que o artista materializa o diagrama que sente
vibrar em sua pele, sem por isso corporificá-lo necessariamente em uma
nova figura de sua subjetividade, a qual, diga-se de passagem, pode ser
das mais travadas (ROLNIK, 1997, p. 3).
Via construção da obra, com as forças do Fora, o artista materializa na
realidade aquilo que sente vibrar na pele. Dá representação às forças advindas do
contato com o Fora, deixando para a cultura, para o social, a concretude deste
encontro, na figura, por exemplo, da obra de arte. O artista é capaz de se relacionar
com as forças do Fora sem, necessariamente, desestabilizar-se, pois ele dá
passagem a este desassossego. Assim, sua relação com o Fora não delineia um
novo perfil de subjetividade, pois não é corporificada no dentro, mas sim também no
Fora, de forma que as relações de força ganham corpo.
A produção do artista, à disposição do coletivo que se afeta no encontro com
a obra – seja ela um quadro, uma música, uma dança, uma poesia -, servem como
guia que ajuda a circular pelas paisagens vislumbradas por ele. Desta forma, não é
somente um perfil de subjetividade que se delineia no Fora, mas também um perfil
de cultura, que vem dos atravessamentos do artista: “Não há subjetividade sem uma
cartografia cultural que lhe sirva de guia; e, reciprocamente, não há cultura sem um
certo modo de subjetivação que funcione segundo seu perfil” (ROLNIK, 1997, p. 4).
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Envolver-se eticamente com o trágico – entendido como o ilimitado
movimento de forças que é o Fora – é uma experiência de desestabilização.
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Incansavelmente repetida ao longo de cada existência, esta experiência “é efeito de
um processo que nunca para e que faz da subjetividade “um sempre outro”, “um si e
não si ao mesmo tempo” (ROLNIK, 1997, p. 5).
A fluidez da vida e sua afirmação enquanto potência criadora é o que afirma
este movimento – o do encontro com o Fora – enquanto ético, o que depende da
relação que se estabelece com a tragicidade. Envolver-se eticamente com o trágico
é investir na expansão da vida, no constante movimento de esticar a pele e delinear
um novo perfil de subjetividade:
Esta aliança depende – mais do que de qualquer outro tipo de aprendizado
– de estar à escuta do mal-estar mobilizado pela desestabilização em nós
mesmos, da capacidade de suportá-lo e improvisar formas que dêem
sentido e valor àquilo que esta incômoda sensação nos sopra (ROLNIK,
1997, p. 6).
Não se trata, portanto, de idealizar uma subjetividade em constante felicidade,
mas sim de encontrar uma serenidade mínima neste constante devir: trata-se de não
se enrijecer no dentro, com medo da intensidade de forças do Fora, nem de perderse no Fora ilimitado.
No terreno da produção cultural, diversas são as formas de lidar com o
trágico. A composição das forças do Fora, em seu grau quase máximo, é o caminho
da “subjetividade artista”, ao passo que um grau quase zero é próprio do “homem
médio”. Há, pois, uma região fronteiriça no contato com as forças do Fora. Nesta
dobra, o sujeito pode fazer uso do encontro para modificar a pele, bem como para
construir uma produção cultural. Pode, também, esta subjetividade perder-se no
Fora e não mais encontrar caminho para volta. Eis o risco do contato tão intenso
com as linhas de força do Fora: poder-se-à ser tragado, e, de artista levado à
loucura, assim como de homem comum a viver um pensamento louco e/ou ser um
artista.
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4.1 Experienciar a arte e sua potência criativa seria encontrar saúde? Formas
possíveis de tornar um corpo sensível
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A criação artística, explicitado pela revista Infopédia (2003), é um reencontro
com a beleza que existe dentro da mente do artista. Consiste na concepção de
novas relações significativas devido ao distanciamento que o artista faz do real. O
artista “parte da realidade, mas distancia-se, graças á interação entre a razão e a
sensibilidade, para elaborar mentalmente a obra de arte” (A CRIAÇÃO..., 2003).
A expressão artística pode simbolizar os sentimentos mais íntimos do artista,
algo que não pode ser comunicado verbalmente, por isso, expressa-se de forma
mais concreta. Uma forma de compreensão de sentimentos. De igual forma, “[...] na
apreciação da criação artística há uma interação entre a obra de arte e o artista e
entre o espectador e o gozo do objeto. Para se apreciar a obra de arte é necessário
seduzir a obra e deixar-se seduzir por ela” (A CRIAÇÃO..., 2003).
A sensibilidade do artista envolve o contato que este estabelece com o campo
das sensações e dos afetos: “Sensação é a informação que os sentidos recebem do
mundo exterior ao corpo” (TIBURI, 2005, texto digital). Elas são tudo aquilo que
pode-se conhecer através dos sentidos, ou seja, aquilo que se sabe – ou se
reconhece – através do corpo, o que garante à sensibilidade do artista um sentir de
corpo inteiro, com os cinco sentidos e o que além lhe for permitido. Portanto, a arte
de dar vazão ás sensações baseia-se num trabalho de atenção aos sentidos, aos
sentimentos e ao corpo, o que diz respeito, de acordo com Tiburi (2005), ao modo
como se olha, se ouve, se pensa e se experimenta o corpo em contato com essas
intensas forças.
A produção da obra de arte pode ser pensada também com Rocha (2010),
que a percebe como algo que produz novas descobertas a cada vez que é tocada, e
é esta a potência que a arte deixa tanto para o artista que a produz quanto para a
cultura que se deixará afetar com ela, garantindo-lhe enquanto ato de mutação. A
obra, por assim dizer, nem sempre é compreendida ou compreensível, mas é
provocativa e convidativa a um momento sublime composto de intensidades que
clamam por novas virtualidades: “A obra é heterogenética, portadora de diferença e
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também produzida como diferença, no sentido de advir da ruptura dos conjuntos já
estruturados” (ROCHA, 2010, p. 375).
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De tal forma, a criação artística pode ser entendida enquanto produção
constante da organização do mundo, pois os corpos em contato com a obra se
compõe, num movimento de montar e desmontar, estruturar e desestabilizar, de
forma que novas ideias e sensações surgem para dar ordem ao caos. É este o
movimento que permite ao sujeito a construção de outras formas – de si, de ser,
estar, sentir, habitar o mundo, o caos: “A arte é a experiência do pensamento que
intensifica o presente e nos coloca em estado de atenção à vida, vida tensa entre
forças e formas – maquínica interminável produtora da existência” (ROCHA, 2010, p.
376).
A também psicanalista Amaral (2002) reconhece que a obra de arte convida a
compreensão, remetendo a um excesso que surpreende e faz transbordar. Infere um
sentimento de falta, pois lança a um vazio de sentidos, o que pode ser força motriz
para a construção e ampliação das formas de ser e pensar. Mas, como ressignificar
a experiência de desmanchar-se sem perder-se no abismo? Como desfazer-se e
retornar desta experiência? Este movimento implica em um acesso a subjetividade
artista que convoca a lidar com a tragicidade e extrair do contato com o caos uma
obra de arte. Implica também em uma reconstrução singular de si mesmo. Volta-se a
reconstituir de forma representativa. Luta-se para proteger as representações, lugar
que garante referência e estatuto ao sujeito.
A arte, neste momento, lhe é representada de forma concreta. E, por mais
que o movimento tenha se estratificado na concretude da lógica representativa, teria,
este sujeito, se afetado pelas sensações intensas suscitadas pelo artista. Teria
ampliado suas formas de habitar o mundo, diferindo-se de si mesmo, o que
comprova o contato com a arte enquanto um movimento de ampliação da saúde
tanto para o artista quanto para o espectador.
Por possuir uma maior abertura ao contato com os processos primitivos, o
artista permite fluidez ao impulso criativo e à expressão artística. O impulso criativo é
necessário ao artista na produção de sua obra. Mas, antes disso, ele passa por
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sentir e experimentar a intensidade de forças e sensações para poder representar,
dar forma a este impulso que perpassa seu corpo e sentidos.
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Assim, para falar do encontro do artista com a saúde, escolhe-se falar da
criatividade enquanto campo de expressão da subjetividade, já que esta permite que
sua saúde psíquica seja ampliada. A ideia de criatividade não tem, necessariamente,
relação com a ideia de criação de uma obra de arte. Winnicott (1975) descreve que
“a criatividade que me interessa aqui é uma proposição universal. Relaciona-se ao
estar vivo [...]. Relaciona-se com a abordagem do indivíduo à realidade externa” (p.
98). Conforme o autor aponta, tudo o que acontece na vida de uma pessoa ativa é
criativo, exceto quando o sujeito foi prejudicado por fatores ambientais que
sufocaram seus processos inventivos.
O impulso criativo, de acordo com Winnicott (1975), pode ser considerado
como algo necessário a um artista na produção de sua obra de arte, mas,
naturalmente, também se faz presente quando qualquer pessoa se inclina a realizar
algo. Tal impulso está presente no viver, desde a respiração inicial do bebê à
construção de algo na vida adulta. Produzir algo como obra diz respeito a
compartilhar com o coletivo o plano onde a vida se constrói. A deixar um
testemunho. O impulso criativo passa a ganhar forma e, concomitantemente, passa
a dar forma ao mundo. A criação continua a existir, e é ampliada no contato do
observador com a criatividade do artista. Neste sentido, fala-se de arte enquanto
campo de expressão da subjetividade, já que é permitido estudar como os
processos subjetivos se constroem e se reinventam ao longo dos desafios da vida.
Mergulha-se nesse campo da arte, o que se reflete até mesmo na escolha de um
filme para trabalhar as tramas que seu personagem experiencia com a atividade
artística.
Mas, em que consiste a arte? O que é a arte da qual se fala neste trabalho?
Amaral (2002) define que ela é artefato, e não natureza, o que garante à ela – a arte
- ser produto de uma subjetividade. Ampliando esta noção, garante que a arte
também é linguagem, emoção e conhecimento.
A arte é emoção no sentido de estar representando, de forma comunicável,
intensidades que passam pelo campo das sensações e sensibilidades. Também é
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conhecimento, já que, para sua construção, todas as funções lógicas da mente, que,
para a psicanálise, são atributos do ego, participam: atenção, sensopercepção,
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memória, orientação, consciência, pensamento, linguagem, inteligência, afeto. A
grande potência da arte, como lembra Amaral (2002) é a de levar a pensar, portanto,
a transformar. Transformar a própria arte. Transformar quem a faz, quem a vê, a
sociedade.
Junto a tais (in)definições a respeito da arte, o que se busca no presente
trabalho é falar de arte enquanto criação, enquanto sensibilidade e criatividade e,
portanto, enquanto produtora de subjetividade e saúde. O exercício da arte não diz
respeito ao domínio da forma, mas a adaptação da forma a uma significação interior.
Aprendendo a fazer arte, estaria o sujeito da psicose sentindo-se vivo. Nessa vida,
nesse mundo, utilizando-se de recursos menos regressivos, fruto da produção de
significados que advém da potência criativa e inventiva da vida.
A psiquiatra Silveira (1992) levanta a questão de que o terror habitado pelo
sujeito da psicose pode ser despotencializado com o acesso à arte, o que o permite
a criação de novos territórios para si. Se o sujeito que está mergulhado no caos que
é a dissociação da mente consegue dar forma às emoções, representando as
experiências internas que o transtornam em algo real e concreto, tais vivências
serão despotencializadas de suas fortes cargas energéticas, o que serve como
tentativa de reorganização da psique dissociada. O que antes era terrorífico passa a
ser menos perturbador e a ganhar novos significados:
O indivíduo cujo campo do consciente foi evadido por conteúdos
emergentes das camadas mais profundas da psique estará perplexo,
aterrorizado ou fascinado por coisas diferentes de tudo quanto pertencia a
seu mundo cotidiano (SILVEIRA, 1992, p. 2).
A linguagem não dá conta. Mas, a necessidade de expressar-se, que é
inerente à psique, leva o sujeito a configurar o drama do qual se tornou personagem
em formas inúmeras.
Se o sujeito da psicose encontrar um ambiente que lhe propicie um suporte
afetivo, pode vir a dar início a um movimento de forças que se defendem
instintivamente contra correntes poderosas que se movem na direção das funduras
do inconsciente, “em decorrência do avassalamento do consciente pelo inconsciente
o indivíduo perde o contato com a realidade e desadapta-se no meio onde vive”
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(SILVEIRA, 1992, p. 3). O sujeito da psicose, se assim tiver a liberdade de exprimirse livremente e relacionar-se afetivamente com alguém que o aceite e procure
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entendê-lo em sua peculiar forma de se relacionar, poderá abrir-se ao campo
relacional e a aquilo que dele emana.
Potencializando através do impulso criativo:
[...] fragmentos do drama que está vivenciando desordenadamente, o
indivíduo despotencializará figuras ameaçadoras, conseguirá desidentificarse de imagens que o aprisionavam. Estes são fenômenos que poderão
acontecer num processo de autocura (SILVEIRA, 1992, p. 4).
O processo de autocura, descrito por Silveira (1992), consiste nas
sensações/intensidades de forças que vêm de estratos muito profundos do
inconsciente, revestidas de formas arcaicas e estranhas e trazendo junto a si uma
forte carga energética. Estas intensidades somente se aproximarão do consciente
quando passarem por um processo de transformação simbólica. A canalização da
criatividade do sujeito da psicose pode, portanto, ser utilizada por ele como
instrumento para reorganizar a vida interna e, ao mesmo tempo, reconstruir a
realidade. Será preciso que a potência da criatividade permita a este sujeito
encontrar diferentes formas de habitar o mundo em substituição aos impulsos
arcaicos, para que não mãos sejam externalizados via ato.
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5 ANÁLISE DA PSICOSE A PARTIR DE UMA PESQUISA
CINEMATOGRÁFICA: A POTÊNCIA NARRATIVA PRESENTE NA
OBRA
“Eu vos digo: é preciso ter ainda caos dentro de si, para poder
dar à luz uma estrela dançante”
(NIETZSCHE, 1979).
O filme a ser analisado é o “Shine”, um drama australiano de 1996 dirigido por
Scott Hicks, cujo roteiro é baseado na vida do pianista australiano David Helfgott,
retratando-a desde a infância até a idade adulta. Uma das interpretações de David é
feita pelo ator Geoffrey Rush, que, com seu talento e carisma, deixa como marca o
registro da vida, do carisma e do potencial deste ilustre pianista.
5.1 A infância do personagem do filme: como se dá a construção subjetiva no
ambiente oferecido
Desde criança, David recebera as imposições do pai, Peter Helfgott, para que
fosse um ótimo pianista. Este sempre desejou que o filho aprendesse as
composições mais difíceis, para, em suas apresentações, impressionar ao público e
sentir orgulho.
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Peter tem paixão por música e projeta no garoto um fardo muito pesado: o
ideal de ser um virtuoso. Em sua infância não pudera satisfazer seu desejo de tocar
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música, e, como pai, sufoca o filho com o desejo de torná-lo um grande pianista.
Demonstra orgulho pelo filho somente nos momentos em que ele vence. Pensa
estar proporcionando algo bom ao filho, e considera que este tenha sorte ao tê-lo
como pai. Obrigado a repetir as frases paternas, David o faz mesmo desacreditado
nas palavras “eu sou um rapaz sortudo”.
Os ditos do pai, neste sentido, exercem grande influência sobre David, pois
são inscritos em seu psiquismo enquanto lei. Não percebe possibilidade de criar
novas relações, pois o pai lhe passa a mensagem de que não deve confiar em
ninguém e que somente quem sofre na vida é digno. Pelo pai, David não é visto
como realmente é, serve para realizar, narcisicamente, o desejo paterno. E, assim,
devoto em satisfazer o ideal, David toca piano e faz apresentações para ser
admirado e não perder o amor paterno.
O pai tirano propunha uma relação indiferenciada, na qual David existia
simbiotizado a ele. O “delírio” do pai - de enxergar o filho além daquilo que ele é ou
deseja ser - o coloca em um lugar de pai psicótico. Um pai que não lida com a
alteridade, inserido em uma família que lhe permite funcionar de tal maneira. David
não se historiciza ou subjetiva. Não consegue se perceber como sujeito desejante,
pois este lugar não lhe é apresentado/oferecido pelos pais. É um sujeito psíquico
sem espaço para se singularizar.
A mãe, que quase não aparece nesta relação, é subjugada e submissa ao
marido. Não consegue se impor e retirar o menino da teia paterna, agindo de forma
neutra e nula no modo como David é educado pelo pai. Percebe que o que este faz
com David talvez seja um sufocamento e também uma anulação de seus desejos,
mas faltam-lhe força e coragem para reagir, e, assim, continua a permitir que isto
aconteça. Houve a falta de uma mãe que o tirasse dessa relação aliada a presença
de uma mãe perdida e evadida, a qual tem amor para dar, mas não consegue
encontrar saída adequada para que este sentimento seja vivido, demonstrado e
sentido pelo filho.
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Houve falha no processo de dependência absoluta, o que o deixa mais
suscetível a regredir a estágios anteriores. É fundamental que existam adultos para
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que o sujeito passe da dependência absoluta para a dependência relativa. Quando
as funções não são exercidas, a mente despreparada e imatura para lidar com tais
situações se desmantela, fazendo com que o movimento de subjetivação caminhe
no sentido contrário.
David já impressionava a todos desde criança em sua forma de tocar
composições muito difíceis. Aos olhos dos jurados cansados, em sua primeira
apresentação na escola, parecendo ser somente mais uma criança a apresentar-se
no piano, mostra-se uma grande e inesperada surpresa ao professor de piano e
jurado na apresentação, Sr. Rosen. Saindo-se excepcionalmente bem para um
garoto de sua idade, David cumpre com o pacto paterno. Os momentos em que o
pai vibra de orgulho do filho são também compartilhados por David, que tem a
sensação de ter cumprido o dever de satisfazer o ideal do pai – mesmo que vencer
não fosse seu real desejo. As coisas eram sempre mais fáceis em casa – as
relações familiares - quando o pai estava contente, e isso acontecia quando David
saia-se como o pai esperava.
Do contrário, todo o funcionamento familiar era
alterado por seu comportamento.
David segue os passos apressados do pai e, entre os momentos em que este
lhe desvia o olhar, vive lampejos de sua infância. Dá 3 ou 4 pulos na amarelinha
pintada na calçada e segue adiante. É solitário e sem amigos. O pai esforça-se em
manter a família sempre unida, união que para ele é representada pelo fato de todos
os familiares habitarem o mesmo lar, o que não necessariamente representa uma
união genuína, e sim uma falta de escolha, já que o pai não permite a entrada e/ou
aproximação de outras pessoas. O ambiente é sufocante e não permite a
diferenciação.
O ideal do pai de que David seja um vencedor lhe é transmitido como única
saída. Ele é violentado por este ideal, pois qualquer desejo seu é desconhecido e
não ganha passagem. Não há sinal de David ou de desejo em seu jeito de ser ou
viver. É uma responsabilidade inalcançável, um ideal pesado demais para uma
criança, que lhe extirpa a possibilidade de usufruir da infância, vendo-se obrigado a
reprimi-la estudando compositores como Picasso e tendo de praticar horas a fio. Há
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uma criança com um potencial riquíssimo para ser um grande pianista, mas não há
uma mente preparada para lidar com esta realidade. Tampouco há um ambiente que
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facilite ou invoque seus processos de desenvolvimento e amadurecimento
Sr. Rosen, muito encantado com o desempenho de David, procura a família
Helfgott e oferece-se para seu ser professor e ensinar a técnica que lhe falta. O pai
aceita propondo que este ensine David a tocar uma composição de Rachmaninov8, a
qual seria de difícil execução e cuja capacidade autodidata do pai não alcançava tal
potencial para que pudesse ensiná-la ao filho. Mesmo que Peter não se convença
da opinião de Sr. Rosen - de que David não está preparado para tocar tal
composição -, aceita que o filho tenha aulas com o professor, já que, sozinho, não
pode mais ensinar nada ao filho.
O papel de poder que Peter desempenha na vida de David faz com que ele
também se anule frente ao desejo do pai, permitindo que este desejo passe a ser o
seu próprio. Fora, assim, acostumado a não ter ou manifestar opinião alguma. Tal
como David, toda a sua família age da mesma forma, respeitando as imposições do
pai sem contestar.
O pai é absorto pela música e pensa que o mesmo deve acontecer com
David. Que a música é e deve ser a coisa mais importante, ocupando um lugar
acima do brincar na infância. Além de tudo, o pai não reconhece o talento do filho,
pois para este ele sempre pode tocar mais e melhor. Assim tratado, David fica à
mercê do desejo do outro a ponto de não reconhecer o seu próprio.
Tão ditador quanto seu pai provavelmente fora, o pai era cercado de pessoas
submissas: uma mulher que aceitava e, consequentemente, os filhos que não
tinham voz e nenhum poder. Repete com a filha aquilo que seu pai fizera com ele:
reprime o desejo de tocar música, já que ela é uma menina.
A primeira pessoa que bate de frente com Peter é Sr. Rosen, que não aceita
ensinar Rachmaninov a David, mesmo depois de este ser seu aluno já há alguns
anos. “Não ouse impor-lhe o maldito Rachmaninov de modo algum, ele não está
8
Rachmaninov é tido como um dos pianistas mais influentes do Século XX, o qual criou composições
de complexa execução.
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preparado”. Mesmo assim, Peter continuou a comandar a vida do filho como bem
esperava, fazendo, com isso, que as aulas chegassem ao fim.
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Para ele, parâmetro de bondade e conhecimento era o sofrimento que cada
pessoa teria passado na vida. Peter perdera a família na guerra, além de não ter tido
a oportunidade de vivenciar e se experimentar na música, por isso, supõe saber o
que é melhor ou não.
5.2 A adolescência e a impossibilidade de continuar a ser
O convite para que David estude na América traz à família e, principalmente a
David, um grande sofrimento. Com medo do afastamento do filho, o humor do pai
fica ainda mais impositivo e a convivência cada vez mais difícil. Após todo o
investimento de Sr. Rosen, da comunidade no sentido financeiro, das irmãs e do
próprio David - que fazem com que o pai perca todas as desculpas para que David
não vá à América, entre elas, a principal, falta de dinheiro – Peter diz um definitivo
não. Neste momento, David visivelmente tem um rompimento psíquico. A cena em
que está na banheira demonstra o quanto se vê sem rumo e sem norte frente à
impossibilidade de ir à América. Não conseguindo encontrar novas perspectivas,
regride e faz um ataque anal ao pai simbiótico, defecando na banheira e, por isso,
apanhando passivamente.
A mudança de David é visível após este acontecimento, o que irradiou um
funcionamento ainda mais passivo ao que lhe acontece, chegando a um estado
parecido com a catatonia. Aceita tudo que lhe chega e é imposto. Não haver
nenhum resquício de desejo em seu ser. David ficara esvaziado. Fora consumido e
sugado pela perda daquilo que lhe causava tanta alegria e que era sua maior
esperança: a possibilidade de afastar-se do funcionamento simbiótico com o pai e
vivenciar o encontro com a música à sua maneira.
Peter impõe ao filho que a vida é muito dura, muito incerta e muito sofrida.
Nela, ninguém é confiável, somente aqueles que sofreram e tem uma vida difícil,
como ele próprio. Nem mesmo raiva Peter permite que David sinta por ele, fazendoo sentir-se culpado por evitar contato com o pai. Para Peter, a vida era uma questão
de sobrevivência, e não de busca de felicidade ou algo do tipo. O que era por si só
47
contraditório, já que o ideal de vencer não significava em si uma busca por
sobreviver, e sim por satisfação.
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Fazendo David acreditar que não podia confiar em ninguém exceto no próprio
pai, David se vê sem referência alguma quando desconstrói e perde a figura paterna
idealizada. Uma pessoa que já apresentava sinais de estar se perdendo antes,
depois de perder a referência, não tarda a se ver sem rumo.
Após alguns anos, David participa de um concurso no qual seu único
concorrente é o aluno de Sr. Rosen, que já não é mais seu professor há algum
tempo. Não estando preparado para tocar Rachmaninov, David perde o concurso
para um pianista que se supunha não ser tão bom quanto ele. O pai frustra-se e
David também, mas este sentia-se frustrado muito mais por não satisfazer o ideal do
pai do que por não ser o vencedor.
É com o apoio de Katherine, uma famosa escritora que possui muito afeto por
David, que ele cria coragem para enfrentar o pai. O olhar de David, antes mesmo de
dizer ao pai do convite à Real Academia de Música, já anunciava que desta vez o
desfecho se daria de outra forma. Este era um reconhecimento muito grande para
ele, o que lhe é sentido como uma proposta irrecusável. O que mais quis foi aceitar
a bolsa oferecida, mas, ao mesmo tempo, sentia o peso de ter que deixar o pai, a
família, sabendo que se escolher este caminho, ele não mais teria volta para casa.
Uma escolha muito pesada.
Na tentativa de fazer com que o filho mudasse de ideia, Peter faz ameaças de
que tudo perderia caso aceitasse o convite. Desesperado, diz ao filho que ele será
castigado pelo resto da vida. Sua rigidez não permite que o filho saia de casa para
estudar, pois tem a ideia de que tal atitude destruirá a família. Perder David significa
perder a extensão de si que lhe é a mais satisfatória. Mas esta família já estava
destruída, vendo a rigidez do pai não permitir que o talento de David fosse
aprimorado.
Aproveitando a oportunidade que lhe foi concedida, David escolhe romper
com a casa paterna. Sente culpa por deixar a família, a casa, o pai, o que lhe era
tudo até então, mas quer viver o sonho da vida nova na América. A saída da casa
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paterna o deixa livre para buscar novas referências. Será que David conseguirá?
Como será experimentar a música sem o olhar de controle do pai?
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Sr. Parkes, professor da academia a qual a “música exala pelas paredes”, tem
receio em aceitar que David encare a composição de Rachmaninov, a mais difícil
que ele poderia escolher tocar. David persiste e, apostando no seu talento, o
professor aceita o desafio.
Foi longa e árdua a jornada de treinamento de David. Ele se dedicava e
doava por inteiro em dedilhar a música de forma perfeita. E tinha que ser perfeita,
afinal, fora assim que ele aprendeu. Seu grau de exigência era tal que ele praticava
obsessivamente, dia e noite, noite e dia. A perfeição na música passava a ser sua
principal necessidade, ocupando um lugar mais importante que sua própria
alimentação, bem-estar e qualquer tipo de relações externas a isso. O confinamento
obsessivo para treinar a peça, ao mesmo tempo que o mantinha, o absorvia por
completo. Uma cena em específico já anunciava a desestruturação de David, cena
na qual ele desce ao hall do prédio em que mora para pegar a correspondência
somente de blusão, com as partes íntimas à mostra, de forma totalmente ingênua e
despercebida. O modo como é olhado pela vizinha denuncia que algo estava
absolutamente errado, mas, David, em sua ingenuidade, nem sequer percebe o
olhar de espanto da mesma.
Pela imagem introjetada de seu pai, tão ameaçadora e punitiva, David, com
medo de não corresponder - agora que ele era independente e não mais andaria na
sombra do pai -, recua a um estágio muito anterior, onde tal medo ainda não existia
em sua lembrança. Mesmo na ausência do pai, a rigidez e a pressão, que antes
eram incentivadas por ele para que seus concertos fossem perfeitos, se fazem
presentes. E é tal sentimento que levará David a uma completa desestruturação
psíquica, pois não possui maturidade emocional para tocar uma peça tão intensa.
Sua mente não se encontrava preparada para dar conta das sensações intensas
suscitadas pela composição.
Tem dificuldade de continuar a ser, pois fora interrompido. As bases para sua
saúde mental seriam instaurados pelo cuidado materno, que é uma continuação da
sustentação fisiológica. Em David, a psicose ou a predisposição a ela, se relaciona a
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uma falha ambiental e no processo de amadurecimento pessoal. A projeção de seus
temores e ansiedades, principalmente as de aniquilamento, deveriam ter encontrado
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um continente adequado por parte de sua mãe, de forma que ela acolhesse e
devolvesse esses temores devidamente nomeados. Mas tudo leva a crer que isso
não tenha ocorrido.
No concerto para o qual David havia se preparado e, de fato, encontrava-se
tecnicamente pronto para tocar Rachmaninov da forma almejada, deixa a todos
boquiabertos com sua perfeição. Sua mente imatura, não sabendo lidar com esta
intensidade de forças suscitadas, faz com que David tenha um colapso, um episódio
de ausência. Em estado catatônico, cai no chão e nunca mais voltaria a ser o David
que antes fora. Obteve um êxtase tão grande que o esgotou psiquicamente. Ali ele é
ele mesmo, o próprio David Helfott, sem esconder-se atrás do pai. Parece sentir
todo o peso de sua escolha: culpa por abandonar a família; sente-se perdido por não
mais seguir os passos do pai, e sim por ter que criar seu próprio caminho. Talvez por
não saber mais como seguir adiante por si só, David tenha dado passagem de vez à
psicose, o que já vinha se mostrando de algumas formas anteriormente. Talvez o
peso desta liberdade tenha o feito retornar um estado muito anterior, muito primitivo.
Atingindo a perfeição estimada pelo pai, David se vê sem objetivos, sem
perspectivas, sem um futuro. O peso agora é o de assumir suas escolhas, de forma
que tais escolhas afetaram e cortaram seu vínculo com a família. Cria maneiras de
se evadir de suas frustrações ao invés de enfrentá-las. Seu ego defende-se, com a
finalidade de negar a realidade externa e interna, o que o afasta ainda mais da
realidade exterior.
Sofre eletrochoques e, após ter negada a volta para a família, passa a viver
no que parece um manicômio. Encontra-se completamente retrocedido a um
funcionamento infantil.
5.3 A vida adulta e as possibilidades de ressignificação: a arte ganha corpo
Vivendo muitos anos no manicômio por não ter outro local onde ir, David é
reconhecido por uma admiradora dos tempos em que participava de concursos, e,
levado de lá para sua casa. Volta, depois de muitos anos parado, a tocar piano. A
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perfeição na execução é tal que mais parecia nunca ter parado. Em seu
funcionamento atual, percebe a realidade de forma diferente, onde todos são
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afetuosos e acolhem seu próprio afeto. Desta forma nega qualquer possível
imposição, portanto, ela não existe. Nem ela, nem o pai.
É então que muitas outras portas se abrem a David. Ele cria certa
independência e passa a morar sozinho. Seu carisma contribui par que as pessoas
tenham um cuidado para com ele e o auxiliem nos cuidados de si.
Em uma noite chuvosa, na qual vaga freneticamente sem rumo, David tem a
feliz ideia de entrar em um bar, na tentativa de fugir da tempestade. Estava perdido.
Ali, ele é acolhido e recebe cuidados que lhe encantam de uma moça que, daquele
momento em diante, passou a ser uma grande amiga. E é assim que David passa a
criar e a ampliar seu círculo relacional, coisa que antes jamais lhe fora possível. É
uma experiência completamente nova e que muito o agrada. Volta definitivamente a
ser um pianista, o que lhe foi proporcionado pela convivência com as pessoas deste
ambiente.
Agora, David é o pianista do bar. Ganhou um lugar no qual é reconhecido.
Seu carisma e talento trazem diariamente muitas pessoas que desejam assisti-lo.
Separado da relação indiferenciada com o pai, David encontra outra forma de se
relacionar com a arte. Este novo encontro com a arte lhe é intensivo ao corpo.
Invoca-o a sentir e a dar saída a intensidade de forças que habitam seu ser. Tal
encontro é muito potente à subjetividade de David. Refere ao encontro com a arte
como forma de dar saída às forças, mas, também ao encontro genuíno com os
amigos do bar, o que lhe oferece uma saída outra que não a clausura que a psicose
antes oferecia. Uma saída mais saudável e que amplia a vida, as formas de ser e de
estar no mundo.
As novas relações e vínculos de David permitem-lhe modificar as introjeções
criadas na relação com o pai, o que faz com que David interaja, crie novos vínculos
e relações que se mantém. Uma forma de reintrojetar figuras. O novo ambiente no
qual David está inserido lhe serve enquanto um ambiente suficientemente bom, que
vem a ser o substituto daquele ambiente inicial que David deveria ter tido. Apesar da
cronicidade da questão da psicose, via arte, David tem a possibilidade de
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ressignificar suas figuras paternas: uma mãe que não existe e um pai que existe
demais, com toda intensidade e que, por isso, ocupa todo o seu ser.
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Este ambiente suficientemente bom é extremamente terapêutico à David,
aliás, o que o salva foi o encontro com este ambiente facilitador, no qual ele
consegue encontrar a confiança necessária para se re-criar e onde ter esperança lhe
foi permitido. A possibilidade de ter esperanças na vida expande sua saúde, pois
assim poderá dar vazão e reconhecer seu próprio desejo.
Em seu novo círculo relacional, a arte passa a representar um território que
lhe permite saúde. Agora, a arte pode ser vivida e aliada aos afetos, pois David pode
sentir e viver a música que toca, e não mais representá-la com o intuito de vencer.
Ressignifica a expressividade artística e muda o agenciamento. O desejo agora é
pelo prazer de tocar e não mais de boa execução. Em um destes momentos,
conhece uma mulher que muito encanta-se com sua ingenuidade e pureza, e que
permite ser levada pelos encanto que sente por David.
Lembra-se do argumento levantado por Amaral (2002), o qual afirma que “[...]
é no encontro com o outro que nos fundamos como seres humanos e fundamos o
mundo que compartilhamos e que se reassegura na fala deste outro” (p. 62). É neste
encontro que David constrói para si contornos, limites e fronteiras mais visíveis. É
quando passa a ser habitante de um território. A partir de laços de afeto, o sujeito da
psicose pode estar organizando a mente, os modos de funcionar e habitando um
lugar no mundo. Habitar um lugar no mundo não pressupõe que este seja um
território fixo, mas sim um território de reconhecimento de si mesmo, o que se dá
sempre a partir do olhar do outro.
Encontra-se também em Rosenfeld (1994) um argumento que reitera o
quanto a permanência destes novos vínculos podem ser ampliadores e
modificadores das formas de viver, quando diz que:
[...] se o paciente descobre que existe alguém capaz de conter ou tolerar
sentimentos insuportáveis para ele, quando sempre pensou que não existia
ninguém com esta capacidade, isto pode significar o início de uma nova
concepção de vínculo e de relações humanas (ROSENFELD, 1994, p. 43).
David casa-se e, ao lado de sua esposa, vê a possibilidade de compartilhar
seu talento musical com o resto do mundo. Ela, uma pessoa que lhe incentiva e quer
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bem, o ajuda a aceitar fazer uma nova apresentação, no entanto, acompanhado de
muito medo. Vê na platéia muitas pessoas que foram importantes em sua vida
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prestigiando-o e emocionando-se com ele (exceto o pai, que já é falecido). Sente-se
merecedor de aplausos e digno de ser um vencedor.
Suas novas relações permitem-lhe olhar para sua vivência e dar-lhe uma
significação. Este é o instante marcante em que aquilo que antes era desmanchado
ganha corpo, se reorganiza, expande e permanece. Algo se transformara. David
compôs para si um território. Um território para habitar, mas também um território
enquanto contorno singular. Sua volta à realidade se deu pela possibilidade de
estabelecer relacionamentos de confiança com alguém. Um relacionamento que se
amplia naturalmente e que o faz acreditar que há esperança na vida. Há esperança
em si, nas pessoas, no mundo e na potência artística. O encontro com os amigos do
bar e com a esposa lhe possibilitam a construção um novo agenciamento. Encontra
um lugar de sobrevivência, caminho o qual lhe oferece o sentimento de existir com
segurança e confiança para continuar a ser quem realmente é, não mais seguindo o
ideal do pai, o desejo do pai.
Por ter agora ao lado uma figura que o incentiva a seguir adiante, David tem a
possibilidade de ressignificar o trauma não somente da perda do pai, mas de ter
vivido até então á sombra de uma figura internalizada rígida e castradora. O
encontro genuíno com a arte lhe permite a ressiginificação, o que lhe proporciona
vivenciar uma relação que, por mais que não diga respeito a uma sexualidade
genuína, diz de uma relação de companheirismo, apoio, carinho, cuidado e amizade.
Apesar de seu provável diagnóstico de psicose, David apresenta uma imensa
capacidade de se relacionar e estabelecer vínculos, o que lhe confere uma abertura
a utilização de mecanismos não tão regressivos quanto os marcados pela psicose
propriamente dita, e, possivelmente, uma relação com a arte e com o Fora onde ele
não se perca. Teve, em suas vivências, a possibilidade de desenvolver maior
capacidade egóica, o que lhe permite utilizar a arte enquanto grau de potência para
uma reinserção social, vivida enquanto um caminho compartilhado e passível de
significações. Em sua relação com as forças do Fora, David faz um vaivém.
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Cria-se a hipótese de que David tenha sua parte não-psicótica da
personalidade – referenciada no primeiro capítulo - ativa, e, por isso entrega-se às
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forças do Fora somente até o ponto onde consegue encontrar retorno, sem sucumbir
às mesmas. Estabelece um trânsito com o Fora, o que o permite dar saída criativa a
sua subjetividade artista e a criar, com a arte, uma relação de saúde psíquica.
A pergunta que norteia essa pesquisa se torna ainda mais potente: quais os
caminhos que permitem da experiência com a arte uma possibilidade de saúde?
Quais os caminhos de David lhe possibilitaram utilizar a arte de forma potencial?
O pintor e poeta Paul Klee (2001), em sua concepção sobre a arte, elaborou
um pensamento que correlaciona-se perfeitamente a questão norteadora da
pesquisa: “A arte não reproduz o visível, mas torna visível” (p. 43). Pensando junto a
David, a citação faz muito sentido. David transmite, com a música, uma dor sem
contar história, ou seja, conta a sua história com o uso de outras formas que não a
linguagem verbal. Através da arte, deu visibilidade a uma força que se insinuava,
mas que não conseguia antes ganhar saída. A arte, nesse sentido, tem um caráter
inventivo, pois pode ser um encontro criativo, uma saída potente e saudável. Através
dela, David dá visibilidade a algo não dito, não perceptível. Ao fazer isso, produz um
novo sentido, ressignifica uma angústia sem nome. Apesar de habitar a zona da
psicose, David estabelece caminho possível de volta ao mundo real. Eis sua relação
potente com a arte.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O filme em debate mostrou o quanto o sujeito da psicose pôde encontrar na
arte uma forma de expressão da qual extraia saúde na relação com arte, ampliando,
assim, nossa expectativa sobre tal sujeito. O encontro com a arte e seu uso
potencial pode gerar diversos efeitos para a saúde psíquica do sujeito, o que lhe
permite não ficar preso na loucura (discurso delirante/delírio e alucinação), logo,
gera abertura à busca por mais saúde. Enquanto dispositivo de análise para pensar
a questão da psicose, o filme invocou e permitiu a habitar este campo, guiando a
pensar sobre saídas mesmo em situações graves de sofrimento psíquico. Evidenciase, através da história do personagem do filme, a cartografia não somente de um
filme, mas dos efeitos que a arte pode produzir na subjetividade do artista/sujeito da
psicose.
Possibilitou a habitar o campo híbrido entre psicanálise, filosofia da diferença
e cinema, de forma a pensar na constituição psíquica do sujeito da psicose. A
psicanálise ajudou a entender a constituição psíquica e a psicodinâmica do sujeito
em questão e a filosofia da diferença convocou a compreender o quanto singularizase e subjetiva-se a partir das vivências proporcionadas pelo ambiente em que se
vive - o que garante ao sujeito um lugar que não é fixo nem rígido, pois ele está em
constante movimento de transformação e re-construção de si.
A execução das obras por David apontou que, ao acessar a expressividade
artística, o que aconteceu foi a possibilidade de tornar visível o que até então era
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impensável. Poder-se-ía pensar que antes da relação com o instrumento, havia um
movimento que perpassava o corpo e os sentidos, mas que não ganhava visibilidade
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via representação – linguagem –, deixando o afeto vagando sem nome. No contato
com a arte, esta intensidade de forças ganha lugar e saída criativa/potente. No
ambiente familiar, David deveria executar bem o instrumento para então existir para
o pai, o que distanciava o contato com o instrumento artístico enquanto arte, pois era
muito mais próximo de uma lógica reprodutiva e representativa.
O uso do instrumento em um ambiente acolhedor e no qual ter esperança é
possível, desempenhou uma função continente, o que permitiu ao personagem ser
aquilo que é, e, mesmo assim, continuar a ser amado. Sobre os laços do afeto, a
mente desorganizada permitiu maior comunicação e trânsito com a realidade. O bom
encontro com o instrumento artístico extraiu prazer e leveza. O ambiente ofereceu a
vivência da arte e tudo aquilo que dela advém.
O que também é interessante no caso analisado é que se percebe claramente
que as sensações suscitadas pela obra do artista não produzem novos sentidos
apenas em quem a produziu, pois reverberam e ecoam enquanto intensidades no
espectador. Reverberam enquanto fragmentos que vem a transformar as formas de
ser e estar no mundo daquele que se impacta e vibra com o artista. Os fragmentos
da subjetividade artista e suas intensidades afetam e interferem o outro através da
sensibilidade e abertura à obra.
Com David, viu-se que a arte pode propiciar ao artista um saber sensível
sobre si, e, muito possivelmente, um território para existir e escoar a intensidade de
forças que perpassam sua consciência de forma mais saudável. Uma realidade que
antes era experienciada de forma angustiante e terrorífica, ganha, via arte, uma
tonalidade menos assustadora. Despotencializa o terror e coloca a ideia de saúde
como criatividade, no sentido de não fechar o olhar e a esperança para diagnósticos
psiquiátricos.
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