A ARTE DA COMPARAÇÃO DE CUSTOS DE OBRAS PÚBLICAS
Aldo Dórea Mattos*
Notícias de sobrepreço em licitações de obras públicas e acusações de
malversação de recursos nos órgãos que contratam serviços de engenharia
são comuns nos meios de comunicação, criando a impressão de que o mundo
da construção reúne o que há de pior em termos de empresários e gestores
públicos. Dada a frequência de tais notícias, deve-se fazer uma reflexão sobre
o que realmente constitui um preço abusivo.
A constatação de que uma proposta de preços tem valor alto depende de um
parâmetro que permita a comparação. Na engenharia, essa referência são os
custos padrão dos bancos de dados oficiais. Então, se o preço apresentado por
uma construtora for mais elevado do que o orçado pela Administração Pública,
só pode haver três motivos para essa discrepância: a ganância do construtor,
que embute no preço uma alta lucratividade; a utilização de custos referenciais
incompatíveis com o serviço que será executado; e preços defasados no banco
de dados oficial.
Se a ganância do construtor for a fonte do desvio entre o preço-base estimado
pelo órgão licitante e o preço ofertado, não há muito o que se dizer. Cada
proponente é livre para decidir qual margem de lucro deseja obter e assume
nessa ação o risco de não ganhar a concorrência. Como a Lei das Licitações
prevê mecanismos de desqualificação de propostas com valor absurdo, uma
construtora que saia vencedora do certame não pode ser acusada de ter
conquistado um contrato por um montante despropositado.
Muito comum é que, ao orçar obras, os órgãos públicos se deparem com
serviços que não são propriamente iguais aos que constam de seus bancos de
dados. Nessa hora, os orçamentistas do governo adotam algum serviço de
descrição aproximada ― mas obviamente não equivalente ―, ou fazem
alguma composição de custos ad hoc.
A adoção de serviços similares, ainda que seja o recurso mais acessível para o
agente público que orça a obra, gera distorções bárbaras. Por mais que um
metro cúbico de concreto tenha seus insumos identificáveis e quantificáveis, é
de se notar que fazer esse concreto numa obra de ferrovia em Goiás não
equivale a fazer o mesmo metro cúbico numa refinaria em Pernambuco. Há
que se levar em conta as produtividades, o tipo de peça que se está moldando,
e que uma obra pode ter farta disponibilidade de brita e a outra precisar
importar esse insumo de uma pedreira a 50 km.
Esses casos são comuns e sua repetição confere contornos sérios ao
problema. Se os funcionários da Administração são forçados pela Lei a se valer
de seus bancos de composição de custos, não têm como proceder senão
agindo dessa maneira.
Simplificar, para fins de orçamento padrão, um serviço como escavação de
rocha, por exemplo, é querer reduzir todo e qualquer material rochoso,
equipamento de perfuração e tipo de explosivo àqueles usados na confecção
do custo referencial. Ao simplificar demasiado a amplitude de seus preçosbase, a Administração Pública pode sacrificar a proposta feita por uma
construtora seguindo a boa técnica orçamentária e conduzida com rigor e
destreza. Ao comparar banana com laranja, foge-se a um dos princípios
basilares da Lei das Licitações: a do julgamento objetivo.
Se os bancos de dados referenciais não podem pretender se antecipar aos
avanços tecnológicos da construção, é preciso que se crie um mecanismo ágil
e confiável de que as novas técnicas construtivas sejam avaliadas para integrar
os cadernos de preços mais rapidamente.
Quando pensamos em pré-sal, Copa, Olimpíadas, construções sustentáveis e
tantas novidades, talvez seja a hora de montar comitês multissetoriais
compostos pela cadeia produtiva e por entidades públicas para dar à luz uma
metodologia que permita ao governo saber qual o preço justo dentro de
parâmetros que permitam comparar banana com banana – evitando assim
colocar no mesmo patamar o complicado exoesqueleto de um estádio da Copa
com o feijão-com-arroz da estrutura metálica de um galpão industrial.
Aldo Dórea Mattos, engenheiro civil e advogado, é presidente da seção brasileira da
Associação para o Desenvolvimento da Engenharia de Custos (AACE) e autor dos livros
“Como Preparar Orçamentos de Obras”, “Planejamento e Controle de Obras”
“Patrimônio de Afetação na Incorporação Imobiliária”. [email protected]
Download

o que é uma obra superfaturada ou a arte de