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Pathos e Saúde à luz das soluções singulares: Uma pesquisa sobre a ruptura entre
psicanálise e psiquiatria. (Apoio: FAPERJ. FOPESQ/UFF).
Autor: Cláudia Henschel de Lima.
1. Quando a loucura se torna ausência de pensamento
No vasto campo da experiência da loucura, alguns sujeitos se destacam: Holderlin, Van Gogh,
Sade, Nietzsche, Lima Barreto. No entanto, a despeito de eternizarem seus nomes na história
da literatura e da filosofia, eles não superaram a marca da segregação que sustentou a
percepção da loucura do século XVII aos nossos dias. De fato, a loucura ganha, do século
XVII aos nossos dias, o estatuto de dejeto da civilização: confundida com a doença da moral
típica da miséria, a loucura ganha no século XIX o estatuto de produto da degenerescência até
assumir, na passagem do século XX o estatuto de patologia ligada ao déficit do
funcionamento neural.
O século XVII é o marco da percepção da loucura como ausência de pensamento: a
formulação do cogito cartesiano reservara para a loucura o estatuto de extimidade em relação
a razão. Ela virá à se manifestar muito pontualmente no personagem Dom Quixote, da obra de
Cervantes. No século XVIII, a loucura emerge na tessitura dos escritos de Sade sobre o mal
radical. E, no século XIX, no quadro da teoria moreliana sobre a degenerescência, Van Gogh,
Mallarmé e Nietzsche terão a função de elevar a loucura à categoria de obra de arte e
pensamento.
O higienismo brasileiro do século XIX não reservara estatuto diferente para a loucura.
Movido pela urgência de criar em condições de higiene um asilo específico e destinado à cura
da loucura, seja aquela que resultava da demência, seja aquela mais próxima do
arrebatamento, do desatino e do furor, e que se encarnava em figuras que perambulavam pelas
ruas do Rio de Janeiro. O Largo do Paço, atual Praça XV, era o paradigma da mistura entre
escravos, marinheiros, mercadores brancos, capoeiristas e mendigos de todos os tipos. Para o
médico higienista da Academia Imperial de Medicina, a experiência da loucura se reduzia à
uma patologia que, encerrada no hospício, poderia conhecer a cura. Suas palavras impressas
nos documentos endereçados à Dom Pedro II, demonstravam o confronto entre uma
experiência trágica e a consciência crítica da loucura. E, nesse confronto a experiência trágica
se reduziu à uma manifestação patológica: (...) todos sabem que para obter-se bons resultados
de curativo é circunstância muito favorável o isolamento e a separação dos idiotas, dos
furiosos, dos melancólicos, dos convulsionários1.
1
Sigaud, X.(1822/2005). Reflexões sobre o trânsito livre dos doidos pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro,
Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, VIII. Septiembre-Sin mes, p.559-562.
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Foi preciso a formulação do conceito de inconsciente e das grandes forças da vida e da morte,
da libido e da vontade de destruição (Freud, 1930[1929]/1976)2, para que uma brecha se
abrisse na história do pensamento e a loucura recuperasse seu valor de experiência trágica e
singular. É neste ponto que situo o modo como Lacan desenvolve a interrogação feita por ele
mesmo: Joyce era louco?
2. O que acontece na loucura?
A fórmula de Lacan, para as psicoses, é precisa: trata-se da recusa do significante primordial,
ordenador do funcionamento psíquico, para fora do campo simbólico (Lacan, 19551956/1992)3. Onde a recusa se instala, o fora-de-si tem seu valor central precisamente porque
toma forma de um enigma (Laia, 2001)4. Essa recusa é denominada de foraclusão do Nomedo-Pai e se distingue do processo de recalcamento em que o eu pode negar alguma coisa
porque a afirmação do Nome-do-Pai já permite que se tome como símbolo, como
significação, como metáfora. O negado, aqui, caracteriza o fora-de-si inconsciente. O
significante do Nome-do-Pai não designa o pai da realidade, mas a intervenção simbólica do
Nome que Antecipa, ordena e perpetua a existência do sujeito por meio de uma linhagem, de
uma série geracional. O furo ocorre quando o Nome encontra-se foracluído. A experiência
trágica da loucura emerge no ponto de foraclusão evidenciado nos fenômenos elementares das
psicoses graves e no enigma e perplexidade das psicoses compensadas.
3. Em ruptura com a patologia e na direção do sinthome.
O primeiro encontro entre Jacques Lacan e James Joyce ocorreu em 1928. Lacan tinha 17
anos e Joyce, 46 anos e o encontro se restringiu à um singelo aperto de mãos na Livraria de
Adrienne Monnier, testemunhado pelo próprio psicanalista em uma conferência no ano de
1975: Saindo de um meio bastante sórdido,do colégio Stanislas, para dizer seu nome, (...)
aconteceu de, aos 17 anos, eu ter me encontrado com Joyce, graças ao fato de frequentar a
livraria de Adrienne Monnier. (Lacan, 1979, p.22)5.
O segundo encontro se dá depois de 29 anos e migra do espaço da livraria para o texto do
Escrito. Seu testemunho está em O seminário sobre ‘A carta roubada’ (1957/1998)6, no
momento em que Lacan relê a descoberta freudiana do inconsciente à luz do logicismo do
significante. Lacan retoma a homofonia de duas palavras utilizadas por Joyce: letter e litter –
carta, letra e lixo. Essa homofonia ensina o deslizamento entre carta, letra e lixo (a carta
2
Freud, (1930[1929]/1976). O mal-estar na civilização. E.S.B. Rio de Janeiro:Imago.v. XXI.
Lacan, J (1955-1956/1992). O Seminário, livro III: As psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
4
Laia, S. (2001). Os escritos fora de si: Joyce, Lacan e a loucura. Belo Horizonte: Autêntica / FUMEC.
5
Lacan, J. (1975/2005). Joyce le Symtôme. In: Livre XXIII, Le sinthome. (pp.161-169). Paris: Seuil.
6
Lacan, J. (1957/1998). Seminário sobre A carta roubada", in Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p.13-66
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3
reduzida à um simples pedaço de papel rabiscado) e explica a o duplo estatuto da carta no
conto de E.A. Poe: o de endereçamento de uma mensagem, um texto, e de objeto que pode até
ser jogado fora. O segundo encontro é, então orientado pelo trabalho epistemológico de
releitura do conceito freudiano de inconsciente a partir da referência às contra-ciências
humanas e às ciências conjecturais. É nesse quadro que a palavra letter é entendida como
significante que condensa uma verdade inconsciente que pode transgredir o funcionamento da
consciência.
O terceiro encontro entre Joyce e Lacan radicaliza o espaço da escrita: o psicanalista francês
dedica o seminário 23 Lacan (1975-1976/2005)
7
à Joyce sendo o marco de uma outra
perspectiva sobre o inconsciente para além do significante e afinado com o real. A leitura
epistemológica do próprio ensino de Lacan, conduzida por Jacques-Alain Miller (2003) 8,
permite destacar uma orientação na definição do inconsciente, que vai do inconsciente como
verdade ao inconsciente-real. No campo radical da escrita, o encontro entre Lacan e Joyce
delimita os extremos do ensino de Lacan sobre o inconsciente. O primeiro ensino de Lacan,
representado pelo seminário sobre ‘A carta roubada’ (1957/1998), em que o autor relê o
conceito freudiano de inconsciente à luz da lógica do significante, acentuando sua dimensão
de verdade, e em resposta direta à redução do inconsciente ao patológico pela consolidação do
modelo biológico e da prescrição psicofarmacológica como diretrizes para a abordagem do
funcionamento psíquico. O último ensino, representado pelo seminário 23 (Lacan, 19751976/2005), onde o Outro como tesouro de significantes é portador da inexistência de um
significante privilegiado (o Nome-do-Pai) que faria a função de regulador das pulsões, o
inconsciente ganha o estatuto de real, e o sintoma recebe a grafia com th: o sinthoma é uma
reparação que se produz nos pontos onde ocorrem acidentes na transmissão do Nome-do-Pai.
No seminário 23, o encontro entre Lacan e Joyce não se dá pela equivocação significante, pela
fórmula de que o significante é o que representa um sujeito para outro significante, e sim pela
materialidade do inconsciente - essa base que fixa a pulsão, a localiza,a circunscreve e a
partir da qual se constrói um edifício de elucubração (Miller, 2003). Assim, nos dois extremos
do ensino de Lacan, a presença de Joyce, traz a relevância do testemunho da experiência
trágica, pela literatura - como para reintroduzir na consideração do funcionamento subjetivo o
que a ciência suprimiu: a ocorrência de acidentes na transmissão do Nome-do-Pai e o modo
como cada sujeito constrói soluções para esses acidentes.
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8
Lacan, J. (1975-1976/2005). Livre XXIII, Le sinthome. Paris: Seuil.
Miller, J.A. (2003). O último ensino de Lacan. Opção Lacaniana, v. 35, pp.6-24.
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4. Um Retrato do artista quando jovem
James Augustine Aloysius Joyce nasceu em 2 de fevereiro de 1882 no subúrbio de Dublin
Rathgar. Seus pais eram John Stanislaus Joyce e Jane Mary Murray. Joyce era o mais velho
de uma linhagem de dez crianças sobreviventes: dois de seus irmãos morreram de febre
tifóide.
O livro Um Retrato do artista quando jovem inicia com a materialidade de frases escutadas
na infância de Stephen Daedalus e cujo ritmo e composição evocam a lalação, os balbucios de
uma criança: Era uma vez e uma vez muito boa mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando
pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho
engrachadinho chamado bebê tico-taco9.
Tais sons tomam corpo na voz de Mr. Dedalus, o pai do bebê-Stephen. Tais frases insistem
nesse livro, evidenciando a dimensão parasitária que a palavra ganha e se explica pelo fato do
próprio John Stanislau Joyce (o pai de Joyce) lhe contar essa história na infância, de Joyce ter
sido carinhosamente chamado de bebê tico-taco. Ela também se insere na tessitura das
palavras impostas por se encadear e se repetir ao longo de uma tradição familiar: o avô
contara a história ao pai de Joyce – a história passara de pai para filho. Através, então, da
materialidade desses sons, uma pequena história compõe a materialidade do inconsciente de
Stephen. De fato, o procedimento de Joyce foi amplificar essa história ao longo de Um
Retrato do artista quando jovem:
Seu pai lhe contava aquela história; seu pai olhava para ele através dos óculos; ele tinha um
rosto peludo. Ele era um bebê tico-taco. A vaquinha-mu vinha pela estrada onde Betty Byrne
morava: ela vendia bala de limão10.
A palavra tuckoo (tico-taco), que compõe a lalação do pai de Joyce, e se apresenta em sua
designação bebê tuckoo, reaparece ao longo de todo o livro. De fato, ele se impõe em cuckoo
que significa tolo, maluco, idiota. Dessa forma, no laço com os colegas, Stephen é um menino
tolo, que não bate bem da cabeça, da cuca. Um diálogo entre ele e alguns colegas apresenta a
dimensão precisa do tolo:
(...) Wells se aproximou de Stephen e disse:- Diga-nos, Dedalus, você beija sua mãe antes de
ir para a cama? Stephen respondeu: - Beijo. Wells se virou para os outros companheiros e
disse:- Ora,veja, aqui está um camarada que diz que beija sua mãe toda noite antes de ir
para a cama. Os outros colegas pararam o jogo e se voltaram, rindo. Stephen corou, sob seus
olhares e disse:-Eu não beijo.Wells disse:- Ora, veja, aqui está um camarada que diz que não
9
Joyce, J. (1914/2006). Um retrato do artista quando jovem. Rio de Janeiro: Objetiva. p. 15.
Ibid, p. 15.
10
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beija sua mãe antes de ir para a cama.Todos riram novamente. Stephen tentou rir com eles.
Sentiu todo o seu corpo ficar imediatamente confuso e quente. Qual era a resposta certa para
a pergunta?11
No entanto, retomando as considerações de Lacan ao longo do seminário 23, essa posição de
quem não bate bem da cuca ganha outra dimensão. Conforme, já foi afirmado anteriormente,
se o acidente na transmissão do Nome-do-Pai está na base do funcionamento subjetivo,
precisamente porque inexiste o significante que regularia a pulsão, qualquer tentativa de
solucioná-lo estaria intimamente articulada à uma debilidade do mental para todos. Nessa
nova perspectiva, que se abre a partir do último ensino, o inconsciente seria a produção no
mental de uma resposta frente a inexistência desse significante. Então, o bebê tuckoo, que se
impõe como cuckoo (tolo, maluco, idiota) ao mesmo tempo em que fixa a lalação do pai de
Joyce, já aponta para a especificidade de sua experiência trágica, na forma da ocorrência da
perplexidade e do enigma (Sentiu todo o seu corpo ficar imediatamente confuso e quente.
Qual era a resposta certa para a pergunta?) e da estabilização encontrada pela escrita.
Lacan localiza em Joyce o acidente da transmissão do Nome-do-Pai, na juntura entre o real e
o simbólico. Esse acidente não se produz por acaso: (...)o que a psicanálise nos ensina é que
uma falha jamais se produz por acaso.12
Levando em conta o que foi dito anteriormente, de que um pai é um artefato da linguagem
sempre em defasagem com relação a sua função reguladora da pulsão, uma ficção, uma
narrativa que se transmite geracionalmente para escamotear a inexistência da referência e que,
por isso, acidentes em sua transmissão podem ocorrer, é possível localizar no pai de Joyce
uma posição esclarecedora da tragicidade que abate Joyce.
Referindo-se à biografia sobre John Stanislaus Joyce, escrita por Jackson e Costelo, Sérgio
Laia (2001) afirma que nas profundezas da mente de seu pai, Joyce teria usurpado o berço de
seu irmão morto oito dias após o nascimento. A morte do primogênito inscreve-se como uma
falha na vida de John Stanislaus: ao não impedir a morte do filho mais velho, que perseveraria
a série dos ancestrais encabeçada sempre pelo primogênito, ele havia falhado em perpetuar
geracionalmente o que seu pai, seu avô e o avô de seu pai fizeram. A morte do primogênito
interrompera a sequência convertendo John Stanislaus em o último de sua orgulhosa e
incomum linhagem familiar de sucessão de primogênitos homens.13 Essa ruptura teria se
verificado na declaração de que sua vida fora enterrada junto com o filho morto e, embora
11
Ibid, p. 22.
Lacan, J. (1975-1976/2005). Livre XXIII, Le sinthome. Paris: Seuil.p.144.
13
Jacson, Costelo. In Laia, S. (2001). Os escritos fora de si: Joyce, Lacan e a loucura. Belo Horizonte:
Autêntica / FUMEC.p. 123.
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John Stanislaus tenha elegido Joyce como substituto, a ruptura na linhagem familiar e sua
incidência trágica nas finanças da família seria irreversível: na segunda gravidez de sua
esposa, Jane Mary Murray, John Stanislaus hipotecou a primeira de uma série de 11
propriedades herdadas e, após o nascimento de 10 filhos, ele perdera tudo o que herdara
restando-lhe os filhos e um montante crescente de dívidas.
Laia (2001) ainda acrescenta que, sob o fundo da perda do primogênito, John Stanislaus
pretendia transformar Joyce no mais digno de receber as histórias da família. A despeito de ter
sido o genitor de uma prole numerosa e dilapidador da herança de família com a crescente
dívida acumulada paralelamente ao nascimento dos filhos, John Stanislaus passou a lidar com
o filho sobrevivente como se este fosse um filho único amando-o com uma intensidade que
jamais fora encontrada na linhagem da relação de seus antepassados com os filhos únicos.
Esse é o marco da infância de Joyce: dominada, parasitariamente, pelo pai. É o que aparece
nas primeiras páginas de Um Retrato do artista quando jovem, quando o autor evoca a
história da vaquinha-mu, contada por Mr. Simon Dedalus ao bebê-Stephen. E é o que aparece
também em uma passagem do livro, em que já adolescente, em uma viagem à Cork com seu
pai (onde este vivera) ouve o seguinte testemunho para o qual reagiu com exaustão, tristeza e
com uma estranheza que se abateu sobre a cadeia associativa de pensamento:
Não acredito em desempenhar o papel de pai severo. Nãoacredito que um filho deva temer
seu pai. Não, eu o trato como seu avô me tratava quando eu era mocinho. Éramos mais como
irmãos do que como pai e filho. Nunca esquecerei o primeiro dia em que ele me pegou
fumando. Eu estava um dia em pé com alguns rapazolas como eu no final de South Terrace e
com toda a certeza nos julgávamos o máximo porque tínhamos cachimbos enfiados nos
cantos de nossas bocas. Subitamente, o meu velho passou. Ele não disse uma palavra ou
sequer parou. Mas, no dia seguinte, um domingo, saímos juntos para um passeio a pé e
quando estávamos voltando para casa ele tirou do bolso seu estojo de charutos e disse: ‘A
propósito, Simon, eu não sabia que você fumava’ ou alguma coisa do gênero. Naturalmente
procurei enfrentar a situação da melhor maneira possível. ‘Se você quiser dar uma boa
fumarada’, disse ele, ‘experimente um destes charutos. Um capitão americano os deu de
presente para mim ontem à noite em Queenstown.
(...) Ele ouviu o soluço descendo com barulho pela garganta do pai e abriu os olhos com um
impulso nervoso. Seu próprio cérebro estava doente e impotente. Ele mal podia interpretar as
letras dos letreiros das lojas. (...)Mal podia reconhecer os próprios pensamentos como seus,e
repetia lentamente para si mesmo:
7
-Eu sou Stephen Dedalus. Estou andando ao lado do meu pai cujo nome é Simon Dedalus.
Estamos em Cork, na Irlanda. Cork é uma cidade. Nosso quarto fica no hotel Victoria.
Victoria e Stephen e Simon. Simon e Stephen e Victoria. Nomes.14
Essa passagem belíssima evoca o acidente da transmissão do Nome-do-Pai, na juntura entre o
real e o simbólico. e os efeitos disso no pensamento de Stephen. Esse acidente específico em
Joyce se manifesta:
1. No parasitismo da palavra na formada lalação paterna - um parasita que, em Joyce
domina centenas de páginas e vários personagens de seus livros 15 - até a experiência
mais radical de sua decomposição radical testemunhada em Finnegans Wake16.
2. Na relação com o imaginário: este se solta. A surra, testemunhada em Um Retrato do
artista quando jovem, na discussão entre Stephen Dedalus, Nash, Boland e Heron,
sobre poetas como Byron e Tennnyson que resultou na surra de Stephen:
Finalmente depois de um furor de arremetidas ele conseguiu se livrar deles. Seus
atormentadores partiram em direção a Jone’s Road, rindo e zombando dele, enquanto ele,
rasgado e afogueado e arquejante, tropeçava atrás deles semicego pelas lágrimas, cerrando
loucamente os punhos e soluçando. (...) enquanto as cenas daquele episódio maligno
passeavam ainda viva e rapidamente diante de sua mente, ele se perguntava por que agora
não guardava rancor contra aqueles que o haviam atormentado. Não esquecera nem um
pouquinho a covardia e a crueldade deles, mas a lembrança daquilo não lhe despertava
nenhuma raiva. (...) Mesmo naquela noite enquanto tropeçava pela Jone’s Road em direção a
sua casa sentia que alguma força o estava despojando daquela raiva subitamente tecida tão
facilmente quanto um fruto é despojado de sua casca madura e macia.17
Essa relação específica com o imaginário – em que a surra não produz o ódio e o
ressentimento dos colegas, mas o efeito de um despojamento da raiva tal como o fruto é
despojado de sua casca madura e macia – tem sua relação íntima com o acidente entre o real
e o simbólico assegurada pela dissolução progressiva das palavras ao longo de sua obra.
5.Do retrato ao ego
O que o encontro com Joyce pôde ensinar à Lacan? Foram três encontros, cujo ponto de
partida fora na Livraria de Adrienne Monnier . Ali Lacan encontrara o Nome James Joyce e
14
Joyce, J. (1914/2006). Um retrato do artista quando jovem. Rio de Janeiro: Objetiva. p.102-103.
Carta de James Joyce a Harriet Shaw Weaver (17 jan-1932). In Laia, S. (2001). Os escritos fora de si: Joyce,
Lacan e a loucura. Belo Horizonte: Autêntica / FUMEC.
16
Lacan, J. (1975-1976/2005). Livre XXIII, Le sinthome. Paris: Seuil. p.17: É difícil não ver que uma certa
relação com a palavra lhe é cada vez mais imposta, ao ponto de ele acabar por quebrar, dissolver, a própria
linguagem,decompô-la, posto que não há mais identidade fonatória.
17
Joyce, J. (1914/2006). Um retrato do artista quando jovem. Rio de Janeiro: Objetiva. p.92-93.
15
8
do qual pôde dar testemunho da efetividade Lacan ao longo do seminário 23, marco do
terceiro encontro. A invenção de um nome próprio evidencia em Joyce o ponto onde ocorre o
acidente da transmissão do Nome-do-Pai. E à pergunta que Lacan faz acerca do estatuto da
palavra imposta em Joyce - será que se trata de se libertar do parasita falador ou se deixar
invadir pelas propriedades fonêmicas, pela polifonia da palavra
18
– ele responde com a
pregnância do primeiro encontro: a construção de um ego que faz sinthoma.
18
Lacan, J. (1975-1976/2005). Livre XXIII, Le sinthome. Paris: Seuil.p.17.
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Uma pesquisa sobre a ruptura entre psicanálise e psiquiatria.