8º UNICULT
VITIMA DA BORBOLETA
Autor(es)
RAFAEL GONZAGA DE MACEDO
Desenvolvimento
Estava sentado bêbado, com a cabeça para trás, observando toda a cena da rua entre goles de uma droga qualquer, tudo passava de
cabeça para baixo. Era um boteco sujo, em que as pessoas dessa cidadezinha chamada Jacuzí se dirigiam nos fins de semana, quando
no relógio e no calendário estava marcado que era hora de se divertir. Estava na calçada, próximo da rua. Os ônibus passavam
exalando fumaça, enquanto os transeuntes circulavam em fila através de mim.
A rua estava bem interessante, como sempre. Havia uma praça no outro lado da calçada, ela era escura, revestida por paralelepípedos,
nos quais, muitos jaziam fora de seu leito formando pequeninos montes de pedras sincréticas com mato e merda de vira-lata. A praça
era um hotel para mendigos. Eu podia sentir o cheiro exuberante de merda ressecada com urina concentrada que vinha de lá. O cheiro
era um verd adeiro tapa na cara de todo mundo, que, no entanto, fingia estar tudo bem. Para mim, ela me lembrava à vida. No centro
da praça também havia uma velha construção, um antigo banheiro publico abandonado. Alguns sentavam numa mureta próxima, ou
ficavam de cócoras e passavam horas conversando, bebendo cachaça e fumando pedra.
Na rua, alguns imbecis bem vestidos passeavam exibindo seus corpos milimetricamente malhados e enfeitados com tatuagens
“modernas”, na maioria das vezes ao lado de algumas desinteressantes-que-dão-tesão, quero dizer, mulheres que brilhavam com seus
vestidos coloridos e alternativos, mas exalavam tédio quando abriam a boca pra falar qualquer coisa.
Minha visão foi bloqueada quando Guaracy simplesmente curvou-se diante da minha cara, ocupando todo o meu campo de visão, e
embora, ela nem se quer olhava na minha cara nos momentos ordinários, estranhamento, ali ela me tratava como se eu fosse seu
melhor amigo. – Oi! Você aqui! – Disse ela, enquanto me abraçava. Achei estranho, mas não consegui esboçar nenhuma reação.
Concordei com aquela encenação encenando também, e convidei-a para sentar à mesa.
Tudo aquilo era uma encenação da parte dela - e da minha -, mas sempre fui indiferente a falsidades e não me incomodei. Quando ela
ficou de frente para mim na mesa e pude ver o decote da sua blusa, que era cortada por um grande colar de metal, nesse
momento,nada mais importava. Os fios de prata do colar passavam entre seus seios dando a sensação de que eles eram maiores. Ela
vestia um vestido florido, mas da posição em que estávamos eu não conseguia ver nada, só imaginava suas coxas brancas, tratadas por
todos os cremes do mundo e sua xoxotinha rosada por baixa daquela saia florida. Eu olhava descaradamente para seus peitos e quando
ela falava alguma coisa eu ia dos peitos aos olhos dela e vice versa – assim: eu escutava olhando seus olhos e respondia olhando seus
peitos, tenho certeza que ela percebia o meu tesão.
O pior de tudo é que nos outros dias, quando não estávamos no horário de lazer, ela nem se quer dirigia o olhar para mim, mas agora e
aqui, estava ela, toda simpática. Havia a conhecido na casa de uns camaradas, ela era intima de um deles, digo, ela dava para um deles
ou para vários deles, mas agora não sei mais o que ela fazia, nem me importava. Ela parecia estar afim de mim, meu pau ficou duro.
Mas, estava completamente contrariado. A vontade que eu tinha era de mandá-la dar o fora da minha mesa. Eu queria simplesmente
beber sozinho. Queria voltar pra casa bêbado, metido em meus pensamentos e nas minhas viagens. Eu já queria dar o fora dali.
Até as 19 horas o lugar era tragável, mas depois disso, começavam a chegar os alternativos com suas calças xadrez, sandálias de couro
e boinas, todos iguais, todos queriam ser diferentes... Suas roupas eram novas, mas tinham uma aparência matematicamente velha.
Todos eram artistas, poetas e intelectuais. Ou todos eram exatamente aquilo que as prateleiras das lojas sugeriam serem, roupas
adequadas aos artistas, poetas e intelectuais; bens produzidos e consumidos em massa, postados em série nos cabides como novidades
– “seja diferente comprando igual todo mundo”, dizia o cartaz na loja. Um sujeito queria ser um poeta? Bastava ele ir à loja com o
cartão de crédito do papai e perguntar ao vendedor: “quero ser poeta”, e o próprio vendedor montava o “set” desejado. Não precisava
nem saber ler – a maioria deles não abria um livro se quer -, mas o que me deixava mais puto eram as garotas. Olhando de longe todas
elas pareciam apetitosas, mas bastava abrir a boca para eu ficar irritado, o pior é que todas elas queriam encontrar um artista, poeta ou
intelectual, elas mesmas queriam parecer com eles e torravam a farta grana do papai para alcançar esses objetivos. Eu mesmo era um
deles. Merda.
Guaracy ainda estava lá, mas as vezes eu tinha a impressão de que ela olhava mais ao redor, para as outras mesas, do que para mim,
seu rosto era um enigma. Ela já estava com um copo na mão trazida pelo garçom, bebia da minha garrafa, como se eu houvesse
consentido. Eu não queria dividir nada com ela, mas sua pele, aqueles peitos... Tudo aquilo me deixava fora de controle. No fundo,
era como se eu visse uma cena no fim do túnel, e esta cena era a Guaracy pelada implorando para eu come-la. Isso me animava, quem
não se sente animado com essas coisas? Mas cada vez que ela olhava ao redor, eu tinha a sensação de que ela só estava sentada ali
para passar o tempo, enquanto outras companhias não apareciam. Talvez, ela quisesse alguém que vestisse um estereótipo melhor e
mais na moda do que o meu.
As vezes, vinha a certeza que jamais teria uma chance com ela, nessas horas eu queria xingá-la, no entanto, um “se” não saia da
minha cabeça. E “se” eu estivesse viajando quanto a ela ficar olhando ao redor e estivesse realmente interessada em mim? E “se” por
um milagre, ou por efeito de algum antidepressivo, ela havia percebido o quanto sou mais autêntico que essa escória? E “se” eu
oferecesse abertamente a bebida em troca de sexo, será que ela aceitaria? Isso, na verdade, só me fodia, pra ser sincero, esse “se” me
moveu a vida inteira. O “se” me causava uma sensação angustiante de impotência, tipo, “vou ou não vou?” Como se algo me
dissesse: “não faz porra nenhuma que ainda tudo vai dar certo”, isso me impedia de mandá-la para a puta que o pariu, pois, com essa
merda toda na cabeça eu só pensava com a cabeça de baixo.
Lembrei naquela hora de um quadro estranho, no qual um cara tinha uma borboleta no lugar do pau e muitas mulheres no lugar da
cabeça, o quadro se chamava Vitima da Borboleta, era isso que eu era: vitima da borboleta. Em lapsos de esperança, acreditava que
ela estava afim de mim, havia uma ínfima possibilidade dela estar ali, não por intere sse, mas porque havia percebido o quanto eu era
o mais gostosão. Foi por isso que não a deixei pedir uma garrafa, mas fiz questão de avisar o garçom para trazer mais uma e à ela de
que eu pagaria a sua conta.
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