U m objecto q u a l q u e r A , c o n c r e t o , é definido p s i c o l o g i c a m e n t e p o r u m a r e l a ç ã o
d e t e r m i n a d a e n t r e s e n s a ç õ e s c o n c r e t a s , cousas n o e s p a ç o e n o t e m p o . U m objecto em
geral é definido p o r u m a relação em g e r a l
coordenando estes mesmos elementos, mas
indeterminados.
A s s i m o objecto A é u m a relação fixa,
s u p o n h a m o s , e n t r e o e l e m e n t o côr a, o
som b, e o g o s t o c ; u m objecto q u a l q u e r é
u m a relação qualquer entre cores, sons,
tacto, e t c . ; mais geralmente ainda é u m a
relação qualquer entre sensações quaisquer.
E d i z e m o s a p e n a s «é u m a relação q u a l q u e r » ,
p a s s a m o s a u m a a b s t r a c ç ã o formal, i n d e t e r m i n a d a , m a s q u e s u p õ e implícitos os correl a t o s «sensações q u a i s q u e r » .
Mas os e l e m e n t o s côr, som, tacto, e depois sensação, são p o r seu t u r n o a b s t r a c ç õ e s
baseadas nos elementos comuns das cores,
d o s s o n s , do t a c t o , e d e p o i s , q u a n t o a sens a ç ã o , n o s e l e m e n t o s c o m u n s d a côr, d o
som, do tacto.
A s s i m p a r t i n d o dos elementos dados imediatamente, encontramos
u m a estratificação de g e n e r a l i z a ç õ e s : côr a,
côr b . . . -*• côr -*• s e n s a ç ã o , estratificação
que repousa sobre o dado.
Q u a n d o dizemos q u e o objecto em g e r a l
é u m a relação e n t r e s e n s a ç õ e s , f a z e m o s j á
não somente uma relação indeterminada,
e n t r e os e l e m e n t o s d o d a d o , m a s u m a relaç ã o cujos t e r m o s são a b s t r a c ç õ e s b a s e a d a s
n o m e s m o d a d o . T a l n o ç ã o «objecto q u a l quer» é a c á p s u l a de u m a relação i n d e t e r m i n a d a com u m a a b s t r a c ç ã o ; é u m a relaç ã o q u a l q u e r e n t r e os e l e m e n t o s c o m u n s ,
g e r a i s , do d a d o .
Com e s t e m e c a n i s m o , e m q u a n t o o d a d o
é p e n s a d o i m p l i c i t a m e n t e ser a b s t r a c t o ,
e m q u a n t o êle é s u b - s o m a d o , s u b - e n t e n d i d o
n o p r o c e s s o , a m a r c h a do p e n s a m e n t o é
s e g u r a , e n ã o se a r r i s c a a cair n o v a g o , n o
v a z i o do c o n t e ú d o ; m a s q u a n d o t a l n ã o
s u c e d e , e p e r d e m o s de v i s t a , a d i s t â n c i a , o
d a d o , q u a n d o p a s s a m o s à relação formal
p u r a (o objecto ó u m a relação q u a l q u e r . . . ) ,
s e m p e n s a r m o s i m p l í c i t o s os c o r r e l a t o s ,
t u d o e n t ã o se t o r n a i n d e c i s o e confuso, e
n ã o t r a b a l h a m o s s e n ã o com s í m b o l o s . E
t a i s símbolos p e r d e m a c o n e x ã o , m e s m o
d i s t a n t e , com os c o r r e l a t o s , e s t á c o r t a d a a
ligação e n t r e o p e n s a m e n t o a b s t r a c t o e o
r e a l , e d ' ó r a v a n t e t r a b a l h a n o v a z i o . A ' indeterminação generalizadora sucede-se o
i n c o n d i c i o n a d o , à relação com t e r m o s (emb o r a implícitos) sucede-se a r e l a ç ã o p u r a -
m e n t e formal, a b s t r a c t a : — e i s t o b a s t a ,
nos processos complicados do espírito paja
c r e a r as m a i s e x t r a o r d i n á r i a s c o n t í g u r a ç õ e s ,
e a s m a i s e s t r a n h a s ilusões : o p e n s a m e n t o
v a i e n t ã o a t r á s de p u r a s m i r a g e n s . I s t o é
t a n t o mais assim quanto nos processos
h a b i t u a i s do p e n s a m e n t o e n c o n t r a m o s o
r e c u r s o i n d i s p e n s á v e l da s u b s t i t u i ç ã o d a s
relações c o m p l e x a s ' (conceitos) p o r s í m b o los em q u e j á n ã o são, p o r e c o n o m i a m e n t a l , p e n s a d o s os c o r r e l a t o s , s e j a m e s t a s
relações e n t r e o u t r o s c o r r e l a t o s , s e j a m term o s c o r r e s d o n d e n t e s ao d a d o . S e o símbolo p a s s a a corresponder a uma p u r a rel a ç ã o formal (o objecto é u m a r e l a ç ã o ) ,
e s t a m o s e n t ã o a r r i s c a d o s a viciar p o r completo o p e n s a m e n t o fazendo-o cair n a indeterminação completa e no arbitrário.
E s t e facto, c o m b i n a d o com o u t r o s p r o cessos psicológicos e históricos i n e r e n t e s
à s formas do p e n s a m e n t o , c o n d u z n o s p r e c i s a m e n t e a vícios t a i s como os s e g u i n t e s ,
referidos p o r C a r n a p (1). «Eis p o r exemp l o a p a l a v r a « p r i n c í p i o » , t a l como s e
e m p r e g a e m « p r i n c í p i o do s e r » , e n ã o
«princípio do c o n h e c i m e n t o » . M u i t o s m e tafísicos p õ e m a q u e s t ã o : «qual é o princípio s u p r e m o do m u n d o , d a s coisas, do
ser?» e dão em seguida uma resposta, por
e x e m p l o : a á g u a , o n ú m e r o , a forma, o
m o v i m e n t o , a v i d a , o e s p í r i t o , a ideia, o
i n c o n s c i e n t e , o acto, o bem, e t c . R e s t a - n o s ,
se q u e r e m o s d e s c o b r i r a significação d a
p a l a v r a «princípio» em tal caso, p e d i r a
e s s e s m e t a f í s i c o s que n o s d i g a m em q u e
condições u m a p r o p o s i ç ã o da f o r m a «a? ó
princípio de y» de significar «y d e r i v a d e a » ,
«a e x i s t ê n c i a y r e p o u s a s o b r e a de a?», <s.y
e x i s t e p o r x» ou q u a l q u e r coisa de a n á l o g o .
Mas não é ainda preciso ; o equívoco subsiste
sob t a i s p a l a v r a s . D i z e m o s p o r e x e m p l o d e
u m a coisa ou f e n ó m e n o y q u e êle d e r i v a
de x, q u a n d o o b s e r v a m o s q u e à coisa ou
f e n ó m e n o do g é n e r o x s u c e d e r a m m u i t a s
v e z e s coisas ou f e n ó m e n o s do g é n e r o d e y; ó a
r e l a ç ã o c a u s a l n o s e n t i d o de u m a s u c e s s ã o
r e g u l a r e, d e s t a vez a significação d a s pal a v r a s n ã o se p r e s t a a a m b i g u i d a d e s . Mas
os metafísicos v ã o dizer-nos q u e n ã o ó
disso q u e se t r a t a , n e m de r e l a ç ã o a e s t a belecer e x p e r i m e n t a l m e n t e ; e, com efeito,
se p a s s a d o u t r a m a n e i r a , o s e n u n c i a d o s
metafísicos n ã o s e r i a m s e n ã o p u r o s e n u n -
(1) Cornap, «La Science et la M é t a p h y s i q u e
devant l'analyse logigue du l a n g a g e » .
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Síntese N7, 1940_28