A Grande
Depressão
fez 80 anos
Ideias
A recente crise financeira global teve
semelhanças com a da década de 30,
quando a produção industrial despencou
José Maria Pereira
H
Fila de desempregados
à espera dos jantares de
graça que eram servidos
aos famintos na época da
Grande Depressão nos
Estados Unidos
xx | zz e zz de mês de 2011 mix
egel, o grande filósofo alemão, teria dito
que os fatos e grandes personagens importantes na história ocorrem duas vezes.
Karl Marx, em O Dezoito Brumário, acrescentou: “a primeira vez como tragédia, a
segunda como farsa”. A frase se aplica na comparação entre a recente crise financeira global e
a Grande Depressão (GD) da década de 30, que
completou 80 anos em outubro de 2010.
Ambas as crises carregam o mesmo código genético. No princípio, um choque exógeno
conduz a um boom de desenvolvimento e a um
aumento da demanda por bens ou ativos financeiros. Segue-se um aumento dos preços desses
bens ou ativos, formando uma “bolha especulativa”. O comportamento do mercado é dominado
pela euforia e o preço das ações dispara. Nessa
ocasião, o mercado torna-se instável e os investidores reduzem a aversão ao risco. Como as suas
expectativas são frágeis, uma fagulha é capaz de
provocar um incêndio. Alguma informação pessimista sobre a economia, por exemplo, pode
provocar o pânico. Nessa fase, o comportamento dos investidores se inverte. Há uma corrida
para vender as ações antes que os preços caiam.
A “bolha especulativa” estoura e os preços dos
ativos retomam aos patamares que refletem as
condições da economia real.
Na década de 20, após o final da Primeira
Guerra Mundial, os Estados Unidos e a maior
parte do mundo ocidental viveram um ciclo de
otimismo e prosperidade. A euforia conduziu, a
partir de 1923, a um período de seis anos de impressionante valorização das ações na Bolsa norte-americana. Precisamente em 24 de outubro de
1929, uma quinta-feira, o movimento se inverteu.
Os investidores perderam a confiança de que o
mercado seguiria em alta e iniciaram a venda de
ações. Nesse dia, o índice Dow Jones, que mede
a valorização das ações mais negociadas na Bolsa
de Nova Iorque, caiu 11%. Após um dia de trégua
na sexta-feira, quando os bancos inutilmente tentaram segurar os preços de suas ações, o pânico
tomou conta do mercado. Na segunda-feira, o índice recuava mais 13% e, na terça-feira (dia 29 de
outubro, marco histórico da Grande Depressão),
sofria uma queda de mais 12%. Esse movimento
de venda de ações prosseguiria, de forma irracional, levando a uma perda de 89% de seu valor até
1932, dando origem a uma depressão econômica
que se prolongaria durante os anos 30.
Entre 1929 e 1932, a produção industrial caiu
quase 50% nos Estados Unidos, 40% na Alemanha e 30% na França e 10% na Inglaterra (cujo
declínio já havia começado antes da GD) – as
maiores nações industrializadas da época. A taxa
de desemprego nos Estados Unidos subiu de
4,5% para 25% no período, enquanto os preços
apresentaram, durante toda a década de 30, uma
deflação média de 10%.
A GD desafiou a teoria econômica dominante
(seguidores da escola clássica), que sustentava que as forças de mercado evitariam um desemprego involuntário em grandes proporções
como ocorreu na década de 30. Deu lugar as
ideias de John Maynard Keynes (1883-1946), a
respeito de que um choque econômico de grandes proporções não pode ser corrigido sozinho
pelo mercado porque alguns preços não são tão
flexíveis (sobretudo os salários nominais) e não
se ajustam rapidamente a uma nova situação de
equilíbrio. Cabe então ao Estado, através do aumento dos gastos públicos, dar “uma mãozinha”
ao setor privado para compensar a insuficiência
de demanda efetiva.
As causas da
crise nos EUA
Uma das causas apontadas para a longa duração da depressão nos EUA foi a política monetária contracionista (corte no crédito e redução
da liquidez) praticada na época – conforme demonstrado por Milton Friedman e Ana Schwartz
no seu clássico A Monetary History of United
States 1867-1960 –, ao contrário do que aconteceu durante a crise atual, quando o governo norte-americano injetou mais de um trilhão de dólares na economia para salvar bancos e grandes
corporações da falência.
Até pouco antes da recente crise financeira
global, economistas acadêmicos respeitados iam
dormir e sonhavam com uma “nova economia”
em que o mercado derramava leite e mel. Para
eles, a tendência dominante na economia, ou
mainstream como costumavam dizer, era acreditar que, num ambiente de “expectativas racionais”, era inútil a intervenção do Estado na
economia. Lorde Keynes, definitivamente, estava
morto e enterrado.
“Ainda não foi desta vez”, deve ter pensando o
espírito de Keynes em seu túmulo. Como sempre,
“ri melhor quem ri por último”.
Doutor em Economia, professor aposentado da
UFSM e atual professor do Curso de Ciências Econômicas da Unifra
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