O ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA: UMA QUESTÃO
LÍNGUOCULTURAL 1
José Washington Vieira Silva 2 - Palmeira dos Índios/UAB/UFAL
Maria José Almeida de Souza3 - Palmeira dos Índios/UAB/UFAL
Eliane da Silva Nicácio 4 - Palmeira dos Índios/UAB/UFAL
Grupo de Trabalho - Cultura, Currículo e Saberes
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho consiste em destacar a importância de aprender a língua espanhola em um
estudo simultâneo entre a cultura hispano falante e acultura da língua nativa, através de um
enfoque comparativo-linguístico-comportamental com ênfase não na cultura óbvia, visível,
concreta; mas na cultura composta dos fenômenos subjetivos, linguísticos e comportamentais .
Assim, o enfoque é comparativo porque apresenta, como um recurso motivacional, para o
ensino-aprendizagem, a comparação entre as culturas em estudo; Linguístico porque apresenta
como ponto central as relações comunicativas entre os falantes de duas línguas: espanhola e
brasileira. Comportamental por tratar da cultura representada pelos valores, moralidade,
crenças, comportamento, uso da linguagem, ou seja, os fenômenos extralinguísticos presentes
numa realidade de conversação de determinada sociedade. Essa estratégia do ensino da língua
espanhola atrelado à comparação entre as culturas, além de facilitar a assimilação das quatro
habilidades (oralidade, audição, leitura e escrita), instiga o aluno a comparar as peculiaridades
culturais através do idioma, aprender a estrutura linguística da língua espanhola e desenvolver
uma visão crítica de mundo. Isso o leva a compreender a necessidade de conhecer certos
fenômenos comportamentais para evitar conflitos de sentido durante a comunicação com
falantes da língua-alvo. Ademais, o estudo das questões culturais carece de atenção redobrada,
tendo em vista a fronteira geográfica do Brasil com países de língua espanhola e o surgimento
do MERCOSUL. Para melhor esclarecer seus objetivos, o texto estará embasado em
estudiosos que apresentam a cultura no sentido necessário à fundamentação teórica deste
1
Texto sob orientação da Profa. Ms. Madileide de Oliveira Duarte. E-mail: [email protected].
Estudante do 5º período, Curso de Letras/Espanhol-UAB/UFAL – Polo Palmeira dos Índios. Graduando
Letras/Inglês pela UNEAL. Professor de língua inglesa, Escola Estadual Humberto Mendes – Palmeira dos
Índios/AL. E-mail: [email protected]
3
Estudante do 5º período, Curso de Letras/Espanhol-UAB/UFAL – Polo Palmeira dos Índios. Graduada em
Administração pela UNEAL e em Matemática pela UFRN. Pós-graduada em Metodologia de Ensino. Professora
de Matemática e Química, Escola Estadual Humberto Mendes – Palmeira dos Índios/AL.E-mail:
[email protected]
4
Estudante do 5º período, Curso de Letras/Espanhol-UAB/UFAL – Polo Palmeira dos Índios. Graduada
Letras/Inglês pela UNEAL e Pós-Graduada em Letras/Inglês pela FACE. Professora de língua inglesa, Escola de
Ensino Fundamental Turma da Mônica – Palmeira dos Índios/AL. Técnica em infraestrutura escolar e meio
ambiente – Pró-funcionário. E-mail: [email protected]
2
ISSN 2176-1396
4956
artigo; apresentará a relação língua-cultura; destacará as principais dificuldades encontradas
pelo docente para trabalhar o ensino da língua alvo segundo as expectativas aqui
apresentadas; e a importância do estudo comparativo como recurso para o
ensino/aprendizagem de Língua Espanhola.
Palavras chaves: Língua Espanhola. Cultura. Ensino-aprendizagem.
Introdução
O papel da cultura no ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira, como será
abordado no primeiro tópico deste artigo, vem sendo discutido nos meios linguísticos e tem
provocado certas controvérsias entre os estudiosos no assunto. Entretanto, a maioria dos
pesquisadores aqui citados trata não apenas da cultura óbvia, visível, concreta. Eles
perpassam esse sentido quando a apresentam como a composição dos fenômenos subjetivos,
linguísticos e comportamentais. O objeto de estudo deste artigo estará embasado nesse sentido
de cultura para comprovar a importância da comparação entre a cultura da língua nativa e a
cultura da língua-alvo visando à promoção do ensino-aprendizagem de Língua Espanhola.
Assim, neste artigo serão abordadas algumas de nossas preocupações com relação à
ampla utilização de aspectos culturais em sala de aula, uma vez que na condição de
professores em formação de língua espanhola percebemos que a aprendizagem, envolvendo
tais aspectos, torna-se mais significativa entre a língua-fonte e a língua-alvo. Observamos
também que o livro didático não aborda o conteúdo cultural de maneira suficiente. Dito isso, a
comunicação em tela tratará: 1) dos conceitos que abrangem a palavra cultura, passando por
concepções antropológicas às concepções linguísticas; 2) o diálogo entre língua e cultura; 3)
as dificuldades do ensino da língua estrangeira por meio da comparação entre culturas; 4) E
da importância do ensino comparativo entre culturas como recurso para o ensino e
aprendizagem da língua espanhola.
A fundamentação teórica toma como base autores como: Hall (1961), Lado (1957),
Banks, Banks e McGree (1989), Hofstede (1984), Damen (1987), Brown (1994), Meyer
(2008), Robinson (1985), Tomalin e Sternpleski (1996), Schumann(1978) entre outros.
Vale salientar que a preocupação com esta comunicação sobre cultura, não é sobrepor
uma língua sobre a outra, mas encontrar, num estudo comparado entre as culturas subjetivas,
maneiras de aprendizagem significativa para as quatro habilidades em língua espanhola
(oralidade, audição, leitura e escrita), através dos estudos culturais dos países nos quais o
espanhol é falado como língua materna.
4957
Cultura: diferentes concepções
É difícil definir o termo cultura, em um mundo em que tudo vai se tornando mais
internacional com o passar do tempo, sendo assim a definição de cultura torna-se ainda mais
complexa. Embora o termo tenha sido antropologicamente determinado há mais de um século,
mais precisamente em 1871, conforme afirma Hall (1961), ainda permanece o enigma. O
próprio Hall (1961) compreende cultura como uma forma de autoconhecimento. De acordo
com ele, para que o indivíduo possa conhecer a si mesmo é necessário que conheça outras
culturas.
Lado (1957) descreve cultura em termos gerais “the ways of a people”. De acordo com
o autor a teoria parte de definições ideológicas, que cada grupo social é formado por
componentes os quais partilham das mesmas crenças e ideologias, desta maneira essa
definição incorpora aspecto material e imaterial. Sendo o primeiro facilmente observado,
como as vestimentas, comidas, costumes físicos em geral; e o segundo não tão visível, pois se
trata da forma de agir culturalmente, o comportamento individual ou em grupo o qual é
imperceptível.
Já Bennett (1998 apud MEYER, 2008, p. 3-4) distingue e diferencia dois tipos de
cultura:
Enquanto a cultura objetiva consiste das manifestações visíveis de uma dada
sociedade – arte, literatura, música, ciência, religião, política, língua -, ou seja, o que
se pode chamar de produtos concretos de uma sociedade, a cultura subjetiva pode
ser encontrada nas suas manifestações invisíveis – valores, moralidade, crenças,
comportamento, uso da linguagem, ou seja, os conteúdos abstratos dessa sociedade.
Banks, Banks e McGree (1989, p. 8, tradução nossa) afirmam que muitos cientistas
têm cultura como sendo algo formado por aspectos simbólicos e intocáveis da sociedade
humana o que vale dizer que as essências da cultura não são entendidas e interpretadas
suficientemente pelos membros desta cultura:
4958
A maioria dos cientistas sociais hoje vê a cultura como sendo constituída
principalmente dos aspectos simbólicos, ideológicos, e intangíveis das sociedades
humanas. A essência de uma cultura não são seus artefatos, ferramentas ou até
outros elementos culturais tangíveis, mas como os membros do grupo interpretam o
uso e percebem. São os valores, símbolos, interpretações e perspectivas que
distinguem um povo de outro nas sociedades moderna; não são objetos materiais e
outros aspectos tangíveis de sociedades humanas. As pessoas dentro de uma cultura
geralmente interpretam o significado dos símbolos, artefatos e comportamentos na
mesma forma ou em formas semelhantes.5
Segundo Hofstede (1984), cultura nada mais é que uma organização mental que
permite as pessoas diferenciarem uma categoria social de outra. Já Damen (1987) por sua vez
estabelece cultura como um mecanismo de adaptação humana.
Gorodetskaya (1996) explana que a cultura em seu sentido amplo é como uma forma
de existência ou um contexto dentro do qual nós estamos ligados a sentimentos e nos
relacionamos uns com os outros. No sentido específico, a autora sugere que cultura é um préprojeto a um sistema de censura social, porém delimita a uma restrição comportamental do
indivíduo a qual pode ser verbal ou não-verbal, levando em consideração as diversas
manifestações e contextos usuais da língua.
Brown (1994) usa uma linguagem metafórica para conceituar cultura como uma
“cola” que une o grupo e determina a identidade coletiva. Por sua vez Adaskou, Britten e
Fahsi (1990) apresentam cultura de forma mais específica levando em consideração quatro
aspectos diferentes. Estético do qual fazem parte música, literatura, cinema e a mídia;
sociológico, que incorpora as relações interpessoais, costumes, condições materiais, a
natureza organizacional da família etc.; semântico que abrange os processos de pensamento e
compreensão de perspectivas e, enfim, pragmático ou sociolinguístico que lida com
experiências práticas com o código linguístico necessário para uma comunicação eficaz.
Além dessas concepções, cultura pode ser definida ainda levando em consideração
alguns contextos nos quais ela está inserida. Kramasch (1996) traz cultura em um contexto
diacrônico do tempo; no contexto sincrônico do espaço e também no contexto metafórico da
imaginação.
Entretanto, Tomalin e Sternpleski (1996) fazem distinção do termo cultura a partir da
grafia; cultura com C maiúsculo conhecida como feito histórico refere-se a uma civilização de
5
Tradução livre: “Most social scientists today view culture as consisting primarily of the symbolic, ideational,
and intangible aspects of human societies. The essence of a culture is not its artifacts, tools, or other tangible
cultural elements but how the members of the group interpret, use, and perceive them. It is the values, symbols,
interpretations, and perspectives that distinguish one people from another in modernized societies; it is not
material objects and other tangible aspects of human societies. People within a culture usually interpret
themeaning of symbols, artifacts, and behaviors in the same or in similar ways”.
4959
um povo e inclui sua história, geografia, arte, literatura, música e etc.; cultura com o c
minúsculo; normalmente nomeada de cultura do comportamento tem a ver com as crenças e
percepções de um povo.
Gráfico 1- Cultura na concepção de Tomalin e Sternpleski.
Fonte: Abad e Bandín (2000, p. 3).
Percebe-se que a maioria dos pesquisadores aqui citados trata não apenas da cultura
óbvia, visível, concreta; mas, principalmente, da cultura que Bennett (1997) chama de
subjetiva; Adaskou, Britten e Fahsi (1990) de semântica, pragmática ou sociolinguística;
Tomalin e Sternpleski (1996) classificam como cultura com c minúsculo; pois todos esses
estudiosos a apresentam como a composição dos fenômenos linguísticos, extralinguísticos e
comportamentais, objeto de nosso estudo.
Diálogo entre língua e cultura
A relação entre língua e cultura acontece de maneira complexa. Há divergências e
controvérsias no meio linguístico e no campo de ensino aprendizagem de Língua Espanhola,
no que se refere a tal relação dialógica.
Muitos estudiosos acreditam que há uma relação entre língua e cultura, mesmo não
sendo tão forte e homogênea como parece. Seguindo esse raciocínio, os autores Apple e
Muysken (1987), Hyde (1994) e Scovel (1980) afirmam que o vínculo entre código
linguístico e cultura é de certa forma arbitrária, uma vez que, não há nada no código
linguístico que interligue língua e cultura.
4960
Outros estudiosos como Robinson (1985), Tomalin e Sternpleski (1996), Bennett
(1997 apud MEYER, 2008), que atuam no campo referente à linguagem e que acreditam que
língua e cultura são intrinsecamente ligadas, ressaltam o fato do ponto de vista cultural em
que o sujeito é constituído por linguagem. Isso diz respeito ao ensinamento de Língua
Estrangeira (LE) atrelada à cultura.
Essa relação entre língua e cultura só aconteceu após esses estudiosos observarem que
havia uma divergência entre a língua que estava sendo aprendida e os aspectos culturais da
língua materna. Percebe-se, portanto, que ensinar uma LE não se resume somente em traduzir
palavras e aplicar regras de uma língua para outra. Para evitar isso, necessário se faz a
compreensão das dimensões culturais de uma determinada língua, neste caso a língua
espanhola. Enfatizando que, além de instrumento de comunicação, a língua é um aparato de
representação do nosso pensamento. Enfim, ensinar uma língua é, especialmente, ensinar sua
realidade de uso.
Tomando como base que quando se aprende a língua materna não se contrai ao mesmo
tempo o conhecimento sistêmico e esquemático da língua, proporcionalmente esta situação
acontece na aquisição de uma língua estrangeira. Segundo estudos de Bennett (apud LIMA,
2009), tanto os estudantes quanto os professores de língua estrangeira veem a língua somente
como instrumento de comunicação, esquecendo-se de que ela é um sistema de percepção e
representação de juízo, ou seja, o ensino de LE não pode se restringir apenas ao ensino da
gramática e às traduções.
As normas inter-relacionais supracitadas sobre o ensino-aprendizagem de língua
estrangeira e cultura demonstram que os estudantes só serão capazes de dominar a língua-alvo
(L2) se dominar antes o contexto cultural em que essa língua é exercida, já que por meio de
estudos culturais os estudantes adquirem várias maneiras de interpretar o mundo. Essa
conclusão também serve como base para o ensino da Língua Espanhola.
Subsequentemente, o aprendiz de língua estrangeira (LE) vai interpretando a línguaalvo (L2) tomando por base a cultura da língua materna(L1). Assim, a língua espanhola não
deve ser ensinada apenas como sistema codificado, com enfoque apenas nos aspectos
gramaticais, o ensino de espanhol deve dar ênfase ao estudo simultâneo das funções culturais.
Embasados na definição de cultura como padrões compartilhados de comportamento e
interação, compreensão afetiva, conhecimento cognitivo que são obtidos pelo processo de
socialização, percebe-se que esses padrões contribuem para identificação de membros de
grupos social específicos, ao mesmo tempo, vai distinguindo um grupo dos outros, como
4961
Banks, Banks e McGree (1989 p. 93) esclarecem que cultura “são as interpretações e
perspectivas que distinguem um povo de outro”.
As dificuldades do ensino da língua estrangeira por meio da comparação entre culturas
Galloway (1985) salienta que são muitos os problemas encontrados por professores de
língua estrangeira para ensinar cultura de uma língua-alvo sistematizada. Isso porque o ensino
de cultura requer planejamento, a partir de estudos científicos sobre o assunto, bem como
convivência com nativos da língua em estudo.
Segundo conhecimento adquirido por nós como alunos-pesquisadores e estagiários do
curso de Letras/Espanhol, muitos professores têm conteúdo gramatical a ser cumprido e
esperam por uma oportunidade de aplicarem nas aulas de língua espanhola aspectos culturais
dessa língua. Outros professores sentem certa resistência em lidar com problemas culturais,
por falta de segurança no conteúdo aplicado ou a falta de vivência com a cultura estrangeira.
Dessa maneira, nota-se que há uma concepção equivocada acerca do ensinamento de
cultura, já que o principal objetivo do professor é preparar os alunos para que se tornem
hábeis para analisar e entender o genuíno sentido das questões culturais-linguísticascomportamentais.
Após pesquisa com professores de língua inglesa, Robinson (1985), na dimensão de
educação intercultural, reporta que todas as vezes que perguntamos aos professores de língua
estrangeira o que eles entendem por cultura, temos como resposta as categorias:
comportamento, produto e ideias. O autor nos mostra que essas categorias se sobrepõem. Do
‘produto’ fazem parte a literatura, o folclore, arte, música, artesanato e etc. Compõem a
categoria de ‘ideias’ as crenças, valores e instituições. Finalmente, a categoria
‘comportamento’ é formada por costumes e hábitos. Ainda, de acordo com esse autor, o
estudo de cultura com C maiúsculo sempre fez parte do currículo escolar. Já cultura com c
minúsculo tem sido levada como assunto periférico, enquanto não totalmente ignorado.
É perceptível que as razões, a respeito das dificuldades para ensinar cultura,
acontecem porque o ensino cultural envolve sentimentos, crenças, valores, atitudes e conduta,
o que muitas vezes provoca pavor, pois nem todos estão preparados, abertos à mudança de
paradigmas para o estudo das diferenças culturais.
Isso acontece principalmente quando algo difere da cultura que serve como alicerce,
visto que as reações são as mais variadas possíveis, de modo que os professores ficam
4962
inseguros e decidem não lidar com essa questão. Porém, esclarece Assis (2014, p. 230,
tradução nossa):
[...] não se trata de colocar alunos hispano falantes de diferentes países na mesma
sala, sem trazer as diferentes culturas hispânicas para o ensino de espanhol e
relacioná-las às culturas brasileiras presentes nesse ambiente. Isso permitirá ao
estudante brasileiro um novo olhar sobre sua própria cultura a partir do contato com
outras […].6
Assim, não é correto ensinar língua estrangeira sem ao menos propiciar aos alunos
uma visão cultural da língua. Ensinar a língua sem ensinar a cultura pela qual a língua opera é
estar ensinando símbolos sem significados, ou símbolos ligados a significados incorretos.
Outra dificuldade do ensino da língua espanhola, por meio da comparação das
culturas, é retratada na maioria dos livros didáticos. Por exemplo, a cultura dos países de
língua espanhola não aparece abordada de forma suficientemente necessária nesse recurso
didático. Mesmo quando isso acontece, dá-se certo prestígio a algumas tendências culturais de
países hegemônicos como: Espanha, Argentina e México apesar de o ensino da cultura
espanhola ser extremamente importante, o ensino dessa língua no Brasil é baseado, quase
exclusivamente, em seus aspectos linguísticos e não culturais.
Nesse contexto de educação, acredita-se que há uma falha na formação do docente,
pois, o fato de os professores não se sentirem a vontade com temas culturais reflete uma
formação deficiente. Além disso, há, no contexto escolar, uma realidade de ensino que
apresenta ao professor pouco tempo para trabalhar temas que vislumbram a compreensão de
aspectos culturais de outras sociedades e seus fatores históricos:
Deve-se considerar também o fato de que as condições na sala de aula da maioria
das escolas brasileiras (carga horária reduzida, classes superlotadas, pouco domínio
das habilidades orais por parte da maioria dos professores, material didático
reduzido ao giz e livro didático etc.) podem inviabilizar o ensino das quatro
habilidades comunicativas (BRASIL, 1998, p. 20).
A importância do ensino comparativo entre culturas como recurso para o ensino e
aprendizagem da língua espanhola
Apesar de haver divergências no ensino de língua espanhola, ou no ensino de qualquer
língua estrangeira em geral, com relação aos aspectos culturais, a comparação entre a cultura
6
Tradução livre: “[...] no se trata de poner en la misma aula alumnos de diferentes países hispanohablantes,
sino traer las diferentes culturas hispánicas para la clase de español y relacionarlas a las culturas brasileñas
presentes en ese ambiente. Eso permitirá al estudiante brasileño una nueva mirada hacia su propia cultura a
partir del contacto con otras […]”.
4963
nativa e a da segunda língua é de fundamental importância para a melhor compreensão e
aceitação de outras culturas.
A importância dessa relação do ensino/aprendizagem com a cultura é estabelecida nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) para o Terceiro e Quarto Ciclos do
Ensino Fundamental de Línguas Estrangeiras quando, em seus objetivos, os parâmetros estão
baseados no princípio da transversalidade, destacando o contexto maior em que deve estar
inserido o ensino das línguas estrangeiras e incorporando questões como a relação entre a
escola e a juventude, a diversidade cultural e os movimentos sociais, realidade social e
ideologia.
Já no que se refere às Diretrizes Curriculares do Curso de Letras (BRASIL, 2001,
p.30), destaca-se:
[...] visando à formação de profissionais que demandem o domínio da língua
estudada e suas culturas para atuar como professores, pesquisadores, [...] o curso de
Letras deve contribuir para o desenvolvimento das seguintes competências e
habilidades:

Domínio do uso da língua portuguesa ou de uma língua estrangeira, nas suas
manifestações oral e escrita, em termos de recepção e produção de textos;

Reflexão analítica e crítica sobre a linguagem como fenômeno psicológico,
educacional, social, histórico, cultural, político e ideológico;

Visão crítica das perspectivas teóricas adotadas nas investigações linguísticas e
literárias, que fundamentam sua formação profissional;

Preparação profissional atualizada, de acordo com a dinâmica do mercado de
trabalho;

Percepção de diferentes contextos interculturais;

Utilização dos recursos da informática;

Domínio dos conteúdos básicos que são objeto dos processos de ensino e
aprendizagem no ensino fundamental e médio;

Domínio dos métodos e técnicas pedagógicas que permitam a transposição dos
conhecimentos para os diferentes níveis de ensino.
Banks e Banks (1993 apud MOTTA, 2004, p. 44) apresenta essa visão composta dos
seguintes campos de atuação e objetivo:
a) Integração de conteúdo – estimular a inserção de conteúdos e materiais didáticos
que utilizem discursos contextualizados na diversidade cultural;
b) Construção do conhecimento – ajudar o aluno a entender, investigar e analisar as
formas como as disciplinas escolares têm sido orientadas dentro de pressupostos
teóricos, esquemas referenciais, perspectivas e vieses que fazem parte de
determinadas tradições culturais que determinam a construção do conhecimento;
c) Pedagogia da equidade – modificar os padrões de ensino, de observação e
avaliação do processo escolar no sentido de facilitar a aprendizagem de estudantes
provenientes de grupos subalternizados socialmente;
d) Empoderamento da cultura escolar – promover a equidade educacional,
redimensionando a distribuição do poder na estrutura organizacional da escola,
incluindo a participação efetiva de todos os membros da comunidade escolar.
4964
A questão supracitada se adapta ao conceito de cultura com c minúsculo uma vez que
aborda a crença e percepções culturais proferidas por meio da língua e que interfere na forma
de aceitação das pessoas dentro de uma determinada comunidade. Isso implica dizer que, na
pluralidade cultural, o indivíduo faz parte de diversas culturas distintas entre si, reafirmando o
conceito de cultura como uma interação essencialmente diversificada.
A partir disso, o ensino-aprendizagem passa a ter como objetivo principal o
desenvolvimento das competências comunicativas da língua-alvo interligadas ao seu
desenvolvimento intercultural comunicativo. Para explicar essa argumentação, pode-se tomar
como embasamento a teoria da Aculturação.
Essa teoria, proposta por Schumann (1978), baseia-se em estudos de observação de
seis aprendizes na aquisição da língua inglesa: duas crianças, dois adolescentes, dois adultos.
O pesquisador coletou informações por meio de questionários e acompanhou os aprendizes
em situações de conversas espontâneas durante um período de dez meses. Schumann
certificou-se que quem aprendeu menos foi “quem estava mais distante, socialmente e
psicologicamente do grupo da língua- alvo” (SCHUMANN, 1978, p. 34).
Após observação desse pesquisador, ele deixa claro que os aprendizes de língua
estrangeira (inglês) ressaltaram certa admiração pela cultura do país estudado, sendo
perceptível que a aquisição da segunda língua resultaria da aculturação que é definida pelo
autor sendo “a integração social e psicológica do aprendiz com a língua-alvo do grupo”
(SCHUMANN, 1978, p. 29).
Dessa forma, a teoria da aculturação pode auxiliar na explicação da aquisição de outra
língua estrangeira independendo de qual seja ela.
Para exemplificar essa teoria,
complementam Larsen-Freeman e Long (1994), que tal fato fez com que Schumann buscasse
explicar o porquê do processo de aquisição de L2 (segunda língua) de Alberto7que por sertão
limitado levou-o a postular a Teoria da Aculturação. Schumann observou que Alberto não
apresentava limitações cognitivas quanto à idade uma vez que havia aprendizes mais velhos
que apresentavam um desempenho linguístico superior. Por isso, ele tentou explicar o que
acontecia com Alberto em termos de distância social e psicológica. Por sua vez, eles
7
Alberto, um dos adultos da pesquisa de Schumann, era membro de um grupo social (trabalhadores imigrantes
latinos) que o tornava subordinado e, consequentemente, distante socialmente, politicamente, culturalmente,
tecnicamente do grupo falante da língua alvo.
4965
perceberam que a interlíngua que desenvolviam nesses estágios iniciais era muito parecida
com pidgins 8.
Assim, segundo o modelo de aculturação argumentado por Schumann, os aprendizes
serão bem mais sucedidos na aquisição da segunda língua se as distâncias sociais e
psicológicas diminuírem entre eles e os falantes da língua. É necessário esclarecer que estes
estudos ocorreram nos Estados Unidos, muito embora esse modelo possa ser bem adaptado à
realidade do ensino de qualquer língua estrangeira que seja alvo de aprendizagem.
Ainda para destacar a importância do ensino comparativo entre culturas como recurso
para o ensino e aprendizagem da língua espanhola, vamos destacar um trecho do texto The
communication process: it is not possible not to communicate, retirado do livro Perception
and identity in intercultural communication: a perceptual approach de Marshall Singer
(1998, p.142):
Se eu quero que alguém compreenda a minha mensagem, eu simplesmente preciso
traduzi-la para uma linguagem cultural que a outra pessoa compreenda e aceite.
Independentemente da mensagem que se quer enviar, se nós quisermos que ela seja
recebida favoravelmente, é melhor que nós conheçamos os valores culturais das
pessoas com as quais nós queremos nos comunicar e a forma de codificar a
mensagem em termos que elas possam compreender. E isso significa chegar a
realmente conhecê-los.
Enfim, com isso, é perceptível que além de ensinar o código, a forma, a estrutura de
uma língua, ou seja, a Gramática; é de extrema necessidade também contextualizar a língua
em situações de comunicação por meio de trabalhos que simulem as realidades culturais entre
os falantes das línguas envolvidas, neste caso: os brasileiros e os hispano falantes. Mas, para
isso, é muito importante explicitar para o aluno os padrões culturais que identificam o
comportamento social de cada povo, ou de cada grupo social que compõe certa sociedade.
Isso pode ser explicitado, por exemplo, comparando o comportamento de um falante
brasileiro numa realidade de comunicação com o comportamento de um hispano falante. Nós,
brasileiros somos mais afetivos, temos uma licença maior para o contato físico, para a
demonstração de emoção, para a informalidade, comumente, ao falarmos gesticulamos
bastante. Já os hispano falantes são mais formais. O aluno brasileiro precisa diferenciar essas
características, visto que numa situação de comunicação isso geraria uma situação de conflito.
Meyer (2008, p. 13) faz a seguinte colocação:
8
Pidgin- uma língua que se desenvolve como uma língua de contato quando grupos de pessoas que falam
línguas diferentes tentam se comunicar umas com as outras. Por exemplo, quando negociantes estrangeiros
tentam se comunicar com populações locais ou grupos de trabalhadores com background linguístico diferente do
seu (RICHARDS et al., 1995).
4966
Bousada (2008), na dissertação de mestrado em que comparou os rituais de abertura
e fechamento de conversa telefônica entre brasileiros e falantes de espanhol
aprendizes de PL2E, constatou que os rituais são muito mais formais e recheados de
léxico de polidez entre os segundos do que entre os primeiros. A conversa em
português demonstrou-se mais rápida, ágil, informal, levando os hispânicos muitas
vezes a considerar os brasileiros apressados, bruscos, indelicados. E os brasileiros,
por sua vez, acham os falantes de espanhol, quando falando português, enrolados,
como quem fica esticando a conversa indefinidamente, com medo de se despedir.
Para facilitar o trabalho do professor, os PCN de língua estrangeira salientam que
ensinar uma língua estrangeira implica na produção de habilidades linguísticas: compreensão
de competências gramaticais, competências comunicativas e proficiência na língua, e de certa
forma uma mudança de comportamento e de postura com relação à própria cultura e as
culturas alheias.
Como meio de responder à necessidade dessa nova visão no ensino/aprendizagem de
uma L2, destacando a Língua Espanhola, faz-se de extrema importância o professor adotar
como método comparações culturais produtivas contrastando a cultura do aprendiz com a
cultura da língua alvo, produzindo assim um conhecimento amplo e diversificado tanto da
língua propriamente dita quanto das várias culturas envolvidas, porquanto Mirian Jorge
(2009) afirma que não existe língua neutra, pois as línguas estão envolvidas com as questões
culturais e ideológicas, o aprendiz e o educador não podem separá-las.
Além do que, essa estratégia do ensino da língua espanhola atrelado à comparação
entre as culturas, leva o aluno à assimilação das quatro habilidades (oralidade, audição, leitura
e escrita), instiga-o a comparar as peculiaridades culturais através do idioma, a aprender a
estrutura linguística da língua espanhola, desenvolvendo uma visão crítica de mundo; e a
compreender certos fenômenos comportamentais para evitar conflitos de sentido durante a
comunicação com falantes da língua-alvo.
Ademais, o estudo das questões culturais carece de atenção redobrada, tendo em vista
a fronteira geográfica do Brasil com países de língua espanhola e o surgimento do
MERCOSUL, que não se pode negar a importância que esse episódio histórico teve nas
relações políticas e culturais entre países da América do Sul.
Considerações Finais
Num mundo globalizado, onde a informação e a comunicação acontecem em tempo
hábil e entre vários povos, essa estratégia do ensino da língua espanhola atrelado à
comparação entre as culturas, além de facilitar, como foi visto, a assimilação das quatro
4967
habilidades (oralidade, audição, leitura e escrita), instiga o aluno a comparar as peculiaridades
culturais através do idioma; facilita a aprendizagem da estrutura linguística espanhola por
meio do conhecimento de fenômenos extralinguísticos e comportamentais, evitando conflitos
semânticos durante qualquer interação comunicativa com falantes da língua-alvo. Isso porque
existe, significativamente, uma fronteira geográfica do Brasil com países de língua
espanhola9. Além disso, as redes sociais e o surgimento do MERCOSUL estreitaram ainda
mais as relações entre a nossa língua e a língua espanhola.
Acreditamos que as reflexões tratadas nesta comunicação oral transmitiram nossa
inquietação no que se refere à importância de aprender a língua espanhola, em um estudo
comparativo entre as questões línguoculturais, que refletem os fatos extralinguísticos, já que,
como foi visto, a maioria dos professores não se sente à vontade com temas culturais.
Portanto, faz-se necessário a conscientização tanto de nós profissionais que
precisamos considerar a cultura como algo presente na vida das pessoas, em relação umas
com as outras; tanto das instituições de ensino que precisam formar profissionais aptos a
trabalhar com a interação cultural em todos os aspectos, pois cabe a todos que compõem a
comunidade escolar buscar integração da cultura ao ensino sistemático de língua espanhola. É
preciso ensinar língua estrangeira proporcionando ao aluno uma visão cultural da língua, ou
seja, ensinar língua relacionando os símbolos linguoculturais aos seus significados.
REFERÊNCIAS
ABAD, M.; BANDÍN, F. Furstenberg and Levet’s the cultura project: el componente
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O Brasil, geograficamente se interliga a sete países fronteiriços, com o espanhol como língua oficial: Uruguai,
Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela. No geral, além desses sete países, há mais quatorze
que tem como língua oficial o espanhol, ou seja: Chile,
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O ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA: UMA QUESTÃO