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Principais Causas das Diferenças Internacionais no Financial Reporting: Uma Pesquisa
Empírica em Instituições de Ensino Superior do Nordeste e Centro-Oeste do Brasil
Autoria: Jorge Katsumi Niyama, Patrícia de Souza Costa, Ducineli Régis Botelho de Aquino
RESUMO
A contabilidade, no âmbito mais abrangente de internacionalização, modifica-se de acordo
com o país. Suas diferenças e similaridades fazem com que inúmeras normas, procedimentos
e princípios contábeis sejam adotados e praticados nos demonstrativos contábeis, conflitando
com as informações contábeis de outros países. Sabe-se que a demanda pelo estabelecimento
de normas contábeis internacionais relaciona-se com o próprio crescimento do comércio e das
relações internacionais. O presente trabalho tem como objetivo principal identificar as
principais razões para a existência de diferenças internacionais nos procedimentos utilizados
para preparação e apresentação das demonstrações financeiras das empresas (financial
reporting), bem como avaliar a percepção de docentes de universidades públicas no âmbito
das regiões Centro-Oeste e Nordeste quanto a classificação dos sistemas contábeis brasileiros
como integrante do modelo anglo-saxão ou do modelo da Europa Continental. Os resultados
da pesquisa demonstram que existem divergências entre as principais razões para a existência
de diferenças internacionais nos sistemas contábeis elencadas pela literatura e as razões
apontadas pelos docentes dessas universidades; e que estes consideram os sistemas contábeis
brasileiros como integrantes do modelo da Europa Continental.
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INTRODUÇÃO
A Contabilidade, por ser uma ciência social aplicada, é fortemente influenciada pelo
ambiente em que atua. De uma forma geral, valores culturais, tradição histórica, estrutura
política, econômica e social acabam refletindo nas práticas contábeis de uma nação e,
conseqüentemente, a evolução das mesmas pode estar vinculada ao nível de desenvolvimento
econômico de cada País.
Usualmente, a Contabilidade é considerada a linguagem “dos negócios”, ou seja, é
onde os principais agentes econômicos buscam informações (principalmente de natureza
econômico-financeira) sobre a performance empresarial e avaliação de risco para se realizar
investimentos. Entretanto, essa linguagem não é homogênea em termos internacionais, pois
cada País tem suas práticas contábeis próprias, significando dizer que o lucro de uma empresa
brasileira nem sempre seria o mesmo se adotadas práticas contábeis de outros países. A busca
de critérios consentâneos é o processo de harmonização contábil internacional, visando
proporcionar uma compreensão dessa linguagem e a sua comparabilidade.
Destarte, o objetivo da pesquisa é identificar as principais razões para a existência de
diferenças internacionais nos procedimentos utilizados para preparação e apresentação das
demonstrações financeiras das empresas (financial reporting), bem como avaliar a percepção
de docentes de universidades públicas no âmbito da região Centro-Oeste e Nordeste quanto a
classificação dos sistemas contábeis brasileiros como integrante do modelo anglo-saxão ou do
modelo da Europa Continental.
O tipo de delineamento utilizado para a primeira parte da pesquisa foi através da
bibliografia especializada, ou seja, a investigação da literatura científica e da documentação
para melhor compreensão do assunto estudado. A segunda parte da pesquisa é do tipo
descritiva, realizada por meio de levantamento ou survey, com abordagem qualitativa.
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A estrutura deste trabalho está dividida em quatro partes com a finalidade de atingir o
objetivo proposto. Após esta introdução, a segunda parte versará sobre as principais causas
das diferenças internacionais nos procedimentos utilizados para elaboração e apresentação das
demonstrações contábeis. Em seguida, será analisada uma pesquisa realizada em algumas
instituições de ensino superior do Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Finalmente, a quarta
parte apresentará as considerações finais sobre os principais aspectos que permeiam o assunto
estudado.
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REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Classificação dos sistemas contábeisi
A contabilidade, por ser uma ciência social aplicada, é produto do ambiente em que
atua. Como cada país tem seu próprio ambiente político, social, cultural e econômico
(diferente um do outro), e sendo a contabilidade produto dessa complexa interação, classificar
sistemas contábeis nacionais de uma forma objetiva não é uma tarefa fácil para os
pesquisadores. “O número de tentativas que tem sido feita para classificar sistemas contábeis
nacionais é o mesmo esforço que os biólogos tentam fazer para classificar fauna e flora”,
conforme Nobes e Parker (1995). A afirmação desses autores vem enfatizar a dificuldade e
possivelmente o grau de arbitrariedade que envolve tentativas para classificação de países ou
grupos de países, segundo seus sistemas contábeis.
De uma forma geral, a maioria dos autores destaca dois grandes grupos distintos: o
modelo Anglo-Saxônico e o modelo Continentalii.
O modelo Anglo-Saxônico é composto por paises como Grã-Bretanha (incluindo
Inglaterra, País de Gales, Irlanda e Escócia), Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos da
América, Canadá, Malásia, Índia, África do Sul e Singapura, cujas características
predominantes são: existência de uma profissão contábil forte e atuante; sólido mercado de
capitais, como fonte de captação de recursos; pouca interferência governamental na definição
de práticas contábeis; e as demonstrações financeiras buscam atender, em primeiro lugar, os
investidores.
O Modelo Continental, por sua vez, é composto por países como França, Alemanha,
Itália, Japão, Bélgica, Espanha, países comunistas (Europa Oriental), países da América do
Sul, entre outros e as características predominantes são: profissão contábil fraca e pouco
atuante; forte interferência governamental no estabelecimento de padrões contábeis,
notadamente a de natureza fiscal; as demonstrações financeiras buscam atender
primeiramente os credores e o Governo em vez dos investidores; e importância de bancos e
outras instituições financeiras (inclusive governamentais) em vez de recursos provenientes do
mercado de capitais como fonte de captação pelas empresas.
Sempre citado como um marco inicial em pesquisas que tratam de contabilidade
internacional, está o trabalho desenvolvido por Nobes no início da década de 80, que
apresenta uma classificação hipotética contemplando somente países desenvolvidos. A
classificação feita por Nobes (1983) contempla apenas países desenvolvidos, descartando
países emergentes ou em desenvolvimento. Embora denominados como “MICRO” ou
“MACRO”, correspondem, na realidade, à divisão já mencionada de “modelo anglo-saxão” e
“modelo continental”. Neste trabalho de Nobes (1983), os EUA e UK embora figurem em
duas subclasses distintas e aparentemente diferentes estão muito mais próximas (um do outro)
do que nas subclasses, na visão macro. Por exemplo, a França é baseada em uma estrutura de
Plano Geral de Contas, a França e o Japão em lei e a Suécia em controle econômico
governamental.
Belkaouiiii (2000) apresenta a classificação dos países baseada em 10 (dez) grupos,
adotando quatro elementos de diferenciação: estágio de desenvolvimento econômico;
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complexidade empresarial; economia planificada ou de mercado; e credibilidade na
legislação. Os 10 (dez) grupos são: EUA-Canadá-Holanda; Austrália e Comunidade Britânica
(exceto Canadá); Alemanha-Japão; Europa Continental (exceto Alemanha, Holanda e países
escandinavos); Países escandinavos; Israel-México; América do Sul; África (exceto África do
Sul); Nações desenvolvidas do Oriente Médio; e Países comunistas.
A classificação dos países em 10 grupos, apresentada por Belkaoui (2000), apresenta
similaridade com o estudo desenvolvido por Nobes (1983), principalmente no que concerne
aos países desenvolvidos, ao contemplar nos quatro primeiros grupos, os países que já
integravam os dois modelos anteriormente citados (Anglo-Saxão e Continental), com uma
pequena diferença: a Holanda integrando o mesmo grupo dos Estados Unidos da América e o
Canadá. Além disso, agrupou de forma separada, o Japão e a Alemanha, pela semelhança
histórica da guerra e influência internacional. Manteve outros países da Europa Continental e
a Escandinávia à parte, este último, pela característica própria de economia sob forte
influência governamental com alto índice de desenvolvimento econômico.
Quantos aos demais países e os grupos identificados, Belkaoui (2000) utilizou mais a
questão da localização geográfica e o impacto de suas culturas, peculiares e distintas entre si,
e que por essa razão, não foram contempladas no estudo de Nobes (1983).
Doupnik e Salter (1993) aplicaram testes estatísticos voltados para análise do nível de
evidenciação (disclosure) e dos critérios de mensuração em 50 (cinqüenta) países. Uma
conclusão inicial proporcionada pela investigação revelou que países com critérios mais
conservadores (prudentes) tendem a apresentar baixo nível de evidenciação. Apesar da
defasagem de quase uma década (1990 e 1980) e da quantidade de empresas, o estudo
mostrou que a classificação em dois blocos (micro e macro), já citados, foi também
identificada, dando certo suporte ao estudo anterior de Nobes (1983).
O estudo desenvolvido por Doupnik e Salter (1993) apresenta similaridades com
estudos anteriores, como o grupamento dos países com influência da Grã-Bretanha (alguns
por terem sido colônia), distintos do grupo sob influência dos Estados Unidos da América.
Por outro lado, as pesquisas mais uma vez revelaram que existem dois grandes grupos:
os que têm a influência da escola anglo-saxônico-americana e os que não a seguem, formando
grupo à parte.
Finalmente, retorna-se à questão: é possível comparar e classificar sistemas contábeis
distintos de cada um dos países e agrupá-los? Cada país tem sua estrutura econômico-socialcultural e política própria, e que impactam práticas contábeis, quer promulgados pelo
Governo ou pelos profissionais da área, tem a sua estrutura empresarial e o mercado (ações ou
crédito bancário), multinacional (ou não) etc. Mesmo assim, é possível esse agrupamento?
Acredita-se que sim, mesmo não sendo uma classificação definitiva e incontestável, mas para
que se possa compreender melhor as causas dessas diferenças internacionais em busca de
harmonização.
2.2 Causas das diferenças internacionais
Na literatura mundial, não há uma data exata que defina o início dos estudos sobre
Contabilidade Internacional, mas pode-se traçar uma linha divisória por volta de 1950-1960,
após o término da Segunda Guerra Mundial e o restabelecimento do comércio internacional
mundial. Considerando-se que cada País tem seu conjunto de leis, regras, filosofias,
procedimentos, objetivos que buscam proteger os seus interesses nacionais, é razoável supor
que os sistemas contábeis de cada País venham a ser impactados por tais medidas,
dependendo do seu grau de influência sobre outros.
Os principais estudiosos sobre o assunto apresentam como causas das diferenças
internacionais os seguintes aspectos, a saber. Elliot e Elliot (2002) destacam como razões para
diferenças no financial reporting, os seguintes pontos: características do sistema legal
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nacional; de que maneira as empresas obtém seus recursos financeiros (se mercado acionário,
ou credores bancários); o relacionamento entre o Fisco e a Contabilidade; a influência e o
status da profissão contábil; nível de desenvolvimento da teoria da contabilidade; acidentes de
história (2ª. Guerra Mundial – ocupação de países e sua influência); e linguagem (forma de
comunicação, onde algumas línguas são comparativamente mais conhecidas que outras).
Saudagahran (2004) preconiza que “a contabilidade é produto de uma complexa
interação de fatores sociais, econômicos e institucionais de um país”. Dez fatores são
provavelmente importantes para modelar o desenvolvimento da contabilidade: o tipo de
mercado de capitais; o tipo de regimes ou critérios de estrutura e apresentação de
demonstrações contábeis; o tipo de empresas; o tipo de sistema legal; o nível de exigência; o
nível de inflação; vinculação econômica e política com outros países; status ou
amadurecimento da profissão contábil; existência de um arcabouço teórico e conceitual; e
qualidade da educação contábil.
Radebaugh e Gray (1993), por outro lado, destacam 14 diferentes razões que
provocam diferenças internacionais: estrutura das empresas; fatores internacionais; cultura;
regulamentação da estrutura contábil; sistema legal; inflação; crescimento e desenvolvimento
econômico; ambiente social; nível de atividade empresarial; mercado financeiro e de capitais;
tributação; profissão contábil; educação e pesquisa na área contábil; e sistema político.
Belkaoui (2000), citando Mueller, identificou 4 elementos responsáveis pela
diferenciação: nível de desenvolvimento econômico; nível de complexidade da atividade
empresarial; sistema político (se de controle centralizado ou economia de mercado) vigente
no País; e sistema legal (se common-law ou code-law) vigente no País.
Um dos autores que mais tem abordado o tema é Nobes. Em 1998, ele relacionou 17
razões que, em seu entender, provocam diferenças internacionais no financial reporting. São
eles: natureza da propriedade empresarial e formas de financiamento (ou de que maneira as
empresas captam recursos); herança de ter sido colônia de outro País; invasão; tributação;
inflação; amadurecimento e tamanho da profissão contábil; nível da educação na área
contábil; estágio de desenvolvimento econômico; estrutura e sistema legal; cultura; história;
geografia; linguagem; influência da teoria contábil; sistema político, clima social; religião; e
acidente (de percurso).
Deve-se registrar, entretanto, que o próprio Nobes (1998) acaba sugerindo dois
aspectos que acabam influenciando os demais e se destacam em sua importância, quais sejam:
a) formas ou sistemas de financiamento por intermédio do qual as empresas buscam recursos
- se possuem um mercado de capitais sólidos e preços são estabelecidos num mercado
competitivo ou se é um sistema de crédito, bancário ou governamental, este último, com
forte presença governamental na condução da economia; e
b) conseqüências ou heranças decorrentes de ter sido colonizado por outro País, como por
exemplo, a Inglaterra em relação à Austrália, Nova Zelândia, Singapura que retratam com
fidelidade a força e influência de um País sobre outro(s) em questões culturais e
comerciais.
Comparando as razões das diferenças internacionais no financial reporting,
identificadas pelos principais autores que abordaram o tema, percebe-se algumas semelhanças
entre si, as quais procura-se resumir como segue.
2.2.1 Características, natureza e tipo de sistema legal vigente
É unanimidade entre os autores pesquisados, Elliot e Elliot (2002), Saudagahran
(2004), Radebaugh e Gray (1993), Nobes (1998) e Belkaoui ( 2000), que as características e o
tipo de sistema legal de um País tem destacada influência nas diferenças internacionais,
principalmente no que diz respeito à sua classificação em duas correntes (common-law,
conhecida como não legalística e code-law, legalística).
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Essa estrutura legal (common-law ou code-law) é capaz de influenciar o
comportamento e o direcionamento que um País pode assumir, inclusive quanto à profissão
contábil e ao financial reporting. Aqui, volta-se a discutir novamente a classificação dos
sistemas contábeis, segundo os modelos “anglo-saxônico” ou “continental”:
a) sistema legal de um país baseado em common-law é predominante em países como
Inglaterra, Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, onde não se faz
necessário detalhar as regras a serem aplicadas para todos os casos ou para todas as
situações, e também focando o que deve ser evitado (presume-se que o que não vem a ser
proibido, é aceito, conforme já abordado anteriormente). A Inglaterra que, de certa forma,
influenciou os demais países, exportando esse modelo, Por outro lado, Elliot e Elliot
(2002) lembram que em países onde vigora common-law, a criatividade para interpretar o
“espírito da lei”, que pode ser evasivo, pode também resultar em artifícios para manipular
ou aproveitar as brechas legais; e
b) sistema legal de um país baseado em code-lawiv, predominante em países como
Alemanha, França e Japão, tem resultado em uma estrutura legal, onde é requerido um
elevado grau de detalhamento das regras a serem cumpridas, incluindo procedimentos a
serem observados pelas empresas. Nesse sentido, há muito menos flexibilidade na
preparação e apresentação das demonstrações contábeis. A ênfase maior é na proteção dos
credores da companhia, diferentemente dos países onde predominam o common-law, que
tem a preocupação maior voltada para os acionistas.
2.2.2 Forma de captação de recursos pelas empresas, se vinculadas ao mercado de
capitais ou ao mercado de crédito bancário com fonte governamental
Dentre os autores pesquisados, Walton (2003), Elliot e Elliot (2002), Saudagahran
(2004), Radebaugh e Gray (1993) e Nobes (1998), outro fator de destaque é a existência de
um mercado de capitais sólido e atuante, onde as empresas podem buscar recursos ou de outro
lado, a dependência das empresas junto ao mercado bancário ou fonte governamental, seus
principais provedores de recursos.
Por que a forma de captação de recursos pelas empresas é relevante para a
determinação do tipo de financial reporting ?
Primeiramente, porque quando se refere a financial reporting deve-se ter em mente
que a contabilidade é a linguagem de comunicação empresarial e, tem-se que conhecer um
pouco melhor quem são esses usuários para saber que tipos de informações são necessários. É
aí que reside a questão: as informações requeridas por investidores (em ações) são
significativamente diferentes dos credores por empréstimos (seja crédito bancário ou fonte
governamental)?
Conseqüentemente, se um País tem características voltadas para financiar suas
empresas com recursos oriundos do mercado acionário, tenderá a apresentar suas
demonstrações contábeis contemplando informações que privilegiem seu usuário mais
importante, seus acionistas. Por outro lado, se um País tem características voltadas para
financiar suas empresas com recursos oriundos do crédito bancário ou fonte governamental,
tenderá a privilegiar a apresentar as suas demonstrações contábeis contemplando informações
que privilegiam seu usuário mais importante, qual seja o credor bancário ou governamental.
Saudagahran (2004) por sua vez lembra que o nível de sofisticação do mercado de
capitais, impacta o “financial reporting”, citando como exemplo que países como EUA, em
que constantemente são lançados complexos e inovadores instrumentos financeiros, os
procedimentos para elaboração e apresentação de demonstrações contábeis devem ser
aprimorados de modo a refletir a substância econômica de tais operações. Por outro lado, em
países onde o mercado de capitais e os instrumentos financeiros são simples ou pouco
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complexos, há menos necessidade de uma contabilidade voltada para acompanhar inovações
financeiras.
Neste contexto, pode-se examinar o caso do Brasil e verificar como ele se enquadra
nestas duas categorias: aparentemente não tem um mercado de capitais sólido e atuante que
seja tão importante a ponto de caracterizar como grande provedor de recursos para as
empresas. A Lei 6404/76, com forte influência da escola norte-americana, incorporou
critérios e procedimentos contábeis (reconhecimento, mensuração e evidenciação),
objetivando a apuração do lucro para o acionista, não ao credor ou à autoridade
governamental (entenda-se Fisco). Entretanto, o financial reporting brasileiro também não é
exatamente vinculado a atender Bancos ou Governo.
2.2.3 Nível de influência, credibilidade e status (amadurecimento) da profissão contábil
Qual o nível de influência da profissão contábil na elaboração de normas contábeis e
qual o grau de credibilidade dos contadores e auditores perante a sociedade? A resposta para
essa questão explica também uma das diferenças internacionais, segundo Elliot e Elliot (2002)
e Saudagahran (2004).
Nos países onde o mercado de capitais é sólido e atuante, como Canadá, Estados
Unidos da América, Inglaterra, informações financeiras confiável-relevantes e tempestivas
têm sido requeridas pelos seus usuários (investidores em geral). A profissão contábil nesses
países é “auto-regulamentada” (com pouca interferência do governo) e é responsável pela
promulgação de padrões contábeis e de auditoria. Também é a própria profissão contábil que
estabelece critérios para credenciamento de contadores e auditores, por intermédio de seus
conselhos ou órgãos de classe, seja por meio de exames ou certificações.
O status da profissão contábil acaba influenciando positivamente na qualidade das
demonstrações contábeis elaboradas e os relatórios de auditoria são considerados de uma
forma geral, como mais confiáveis e independentes.
Alguns autores (entre eles NOBES, 1998 e SAUDAGAHRAN, 2004) destacam que o
status da profissão contábil também influencia o seu “tamanho”. Saudagahran e Diga (1997)
apresentam resultado de sua pesquisa que mostra uma comparação entre o tamanho da
profissão (auditores-contadores) e a população de um país. Mesmo entre países
desenvolvidos, há considerável distância, como por exemplo, a Nova Zelândia com 550
auditores para cada 100.000 habitantes e o Japão com apenas 10 auditores. O Brasil está no
último do ranking com 1 auditor para cada 100.000 habitantes.
Analisando-se a situação brasileira, observa-se que a profissão contábil é representada
por dois órgãos: o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e o Instituto Brasileiro de
Contadores (IBRACON), mas nenhum deles é politicamente forte o suficiente para
influenciar órgãos governamentais legalmente autorizados para editar normas contábeis.
O CFC criou Grupo de Trabalho que tem editado regularmente Normas Brasileiras de
Contabilidade (NBC), mas não têm autoridade substantiva para obrigar a sua adoção pelas
empresas brasileiras. E, o credenciamento do auditor independente está concentrado nas mãos
de organismos governamentais e não nos órgãos profissionais de classe.
A profissão ainda é confundida com “guarda-livro” e normalmente lembrada na hora
de apresentar declaração de Imposto de Renda ou no caso dos auditores, por ocasião de
“quebra” ou falência de grandes empresas. Além disso, ainda predomina quantitativamente, o
número de técnicos de contabilidade em relação a contadores.
2.2.4 Vinculação da legislação tributária com a escrituração mercantil (contabilidade
financeira)
Saudagahran (2004), Elliot e Elliot (2002), Walton (2003), Belkaoui (2000), Nobes
(1998) apontam a questão tributária como sendo uma das principais diferenças internacionais
em financial reporting.
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O Fisco tem objetivo específico voltado para tributação do lucro e, conseqüentemente,
estabelece critérios ou percentuais bem definidos para reconhecimento de despesas ou receitas
(como por exemplo, depreciação de ativo permanente), enquanto os usuários de
demonstrações contábeis têm propósitos diferentes do Fisco, como por exemplo, os
investidores (querem avaliar o retorno de seu investimento), os credores (querem conhecer
fluxos de caixa futuros que garantam a devolução dos empréstimos). Dessa forma, critérios de
reconhecimento e mensuração de ativos para propósitos de contabilidade financeira (financial
reporting) podem ser fortemente impactados por regras fiscais.
Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América, por exemplo, existem regras
independentes para propósitos fiscais e para financial reporting, voltadas para usuários
externos. Por outro lado, países como Alemanha, Áustria e França possuem um conjunto
detalhado de procedimentos contábeis que atendem tanto propósitos fiscais como também
usuários externos de demonstrações contábeis. Isso significa que o financial reporting é
fortemente impactado por regras fiscais, já que elas acabam se tornando regras contábeis.
Saudagahran (2004) afirma que “em países com duplo regime e independentes entre si,
é perfeitamente legal as empresas apresentarem demonstrações contábeis extremamente ricas
em informações para os investidores e relatórios “pobres” para atendimento do Fisco, ambas
amparadas no escopo de cada lei”.
O Brasil apresenta uma característica peculiar: embora a legislação societária tenha
criado a figura dos “registros auxiliares” para amparar critérios contábeis diferentes do
prescrito em lei e o Fisco tenha consagrado o Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR),
ainda convive-se com inúmeras situações desconfortáveis de legislações ou regulamentos de
natureza tributária determinando regras de como contabilizar transações (como por exemplo,
o leasing, aqui denominado arrendamento mercantil) ou regras proibindo (ou não admitindo
sua dedutibilidade fiscal como despesa e, conseqüentemente, desincentivando sua
contabilização), ou ainda, regras para classificação (se um adiantamento para fornecedores
por exemplo, é permanente ou realizável a longo prazo).
2.2.5 Nível de qualidade da educação na área contábil
Enquanto Saudagahran (2004) e Elliot e Elliot (2002) destacam a qualidade da
educação na área contábil, Nobes (1998) trata esta questão juntamente com “nível de
educação” e “nível de desenvolvimento econômico”, entendendo que a questão do ensino na
área contábil é afetada pela política educacional de um modo global e pelo nível de
desenvolvimento econômico do País.
Saudagahran (2004) apresenta interessante comparação entre os países que têm longa
tradição na área contábil e que conta com elevado padrão de ensino oferecendo inclusive
alternativas para seus alunos buscarem programas de mestrado-doutorado ou serem treinados
para enfrentar um mercado de trabalho atraente e bem remunerados. Entretanto, em muitos
outros países, onde a qualidade do ensino na área contábil é relativamente fraca, a
contabilidade é confundida com escrituração fiscal e é tratada mais como uma vocação do que
profissão. Além disso, o ensino é limitado a nível secundário, não sendo disponível em curso
superior (nível universitário). Como conseqüência, a profissão contábil sofre os efeitos da
qualidade de ensino, bem como se sente incapaz de atrair melhores alunos para integrarem a
carreira profissional de contadores, pelo pouco prestígio perante a sociedade.
Trazendo a questão no âmbito brasileiro, o ensino da contabilidade caracteriza-se
ainda pela predominância do ensino médio (o número de técnicos em contabilidade é superior
ao de contadores) e pelo pouco interesse (ou dificuldade) dos contadores em prosseguir seus
estudos em nível de pós-graduação (mestrado-doutorado).
Outra questão é que a maioria dos cursos de ciências contábeis no Brasil é oferecido à
noite para aqueles que já trabalham. O corpo docente, na grande maioria das faculdades
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particulares, também é representado por profissionais que atuam no mercado de trabalho
durante o dia e dedicam-se ao ensino como atividade complementar, muitas vezes para
melhorar seu rendimento mensal. Por conseguinte, difícil é o aperfeiçoamento deste corpo
docente mediante afastamento para cursar mestrado ou doutorado, exceto em universidades
públicas.
Finalmente, com base no exposto considera-se que o ensino de contabilidade no Brasil
tem limitada influência no financial reporting das empresas, principalmente por três fatores:
poucos cursos notoriamente de excelente qualidade; poucos docentes com formação
acadêmica e titulação adequados; e regras para o financial reporting estão nas mãos de órgãos
governamentais que editam normas contábeis. A profissão contábil e a academia têm pouca
participação ou capacidade de influir.
2.2.6 Existência de um arcabouço conceitual teórico e o nível de desenvolvimento da
teoria contábil ou estrutura conceitual básica da contabilidade
Embora, apontados por Elliot e Elliot (2002), Saudagahran (2004) e Nobes (1998),
como uma das causas das diferenças internacionais no financial reporting, pode-se deduzir
que se trata mais de uma conseqüência do sistema legal vigente no País (se common-law ou
code-law) já visto na seção 1.2.1, bem como do nível de amadurecimento e status da profissão
contábil (1.2.3), capaz de editar normas contábeis.
Já vimos que, no modelo anglo-saxão vigente em países como Estados Unidos da
América, Grã-Bretanha, Austrália, Canadá, Nova Zelândia, a profissão contábil tem delegação
de poder e competência para formular normas e padrões contábeis, diferentemente de países
que se enquadram o modelo Continental, onde as mesmas são formuladas por lei ou
regulamentos baixados por organismos governamentais.
Aparentemente, a existência de uma estrutura conceitual e do arcabouço teórico da
contabilidade estão associados à existência de uma profissão contábil amadurecida, com
status, e capaz de influenciar a edição de normas contábeis. Além disso, a existência de um
arcabouço teórico sólido significa que os objetivos da Contabilidade e das demonstrações
contábeis têm um alicerce conceitual de padrões e princípios que fundamente uma “boa
contabilidade”, mais independente e mais imune às interferências governamentais,
especialmente, as de natureza tributária.
Por outro lado, torna-se mais difícil a existência de uma estrutura conceitual sólida e
do arcabouço teórico da contabilidade em países como Alemanha, França e Japão, onde a
legislação (ou regulamentação governamental) acaba exercendo forte influência na elaboração
de normas e padrões contábeis. Nesses países, principalmente na Alemanha, o nível de
detalhamento e a influência fiscal não permitem maiores flexibilidades nos critérios de
mensuração contábil. Logo, o ambiente vigente nesses países não proporciona um incentivo
ao desenvolvimento de uma sólida base conceitual em condições de influenciar a legislação.
Destaca-se agora a realidade brasileira em relação ao tema:
a) a disciplina “teoria da contabilidade” tornou-se obrigatória em matéria de elenco de
disciplina exigida pelo Ministério da Educação (MEC) para cursos de graduação em
ciências contábeis somente em 1993. Até então, Teoria da Contabilidade era ministrada
somente em cursos de pós-graduação. Pode-se concluir que, os formandos até aquela data
não tiveram essa disciplina em sua grade curricular, ou possuem limitada formação
teórica;
b) os princípios contábeis foram regulamentados pelo Conselho Federal de Contabilidade,
em 1981 pela primeira vez, mas de forma efetiva, somente em 1993 (Res. 750/774). Até
então, mesmo previsto na legislação societária (Lei 6404-76) como “princípios contábeis
geralmente aceitos”, trouxe pouca influência na prática, já que os próprios contadores
tinham mais preocupação em atender a legislação (fiscal), que os princípios contábeis; e
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c) em 1986, foi editada a “Estrutura Conceitual Básica da Contabilidade” pela USP –
Universidade de São Paulo. Referido documento de forte influência da escola norteamericana de contabilidade foi aprovado pelo IBRACON e referendado pela CVM por
intermédio de Instrução própria. Entretanto, referido documento não conta com integral
apoio do CFC.
2.2.7 Estrutura empresarial e tipo de empresas
Citado por Walton (2003), Saudagahran (2004), Belkaoui (2000) e Nobes (1998),
como uma das causas das diferenças internacionais, pode ser mais uma conseqüência do nível
de desenvolvimento econômico e do tipo de captação de recursos ou de que maneira as
empresas buscam financiar seus ativos.
De uma forma geral, países desenvolvidos e países em desenvolvimento tendem a
apresentar características bem distintas no que diz respeito a estrutura empresarial. Em países
desenvolvidos, a existência de um mercado de capitais sólido propicia o surgimento de
grandes corporações, com Bolsas de Valores atuantes e investidores bastante interessados em
buscar informações econômico-financeiras. Por outro lado, o Japão e a Alemanha, embora
sejam países desenvolvidos e com grandes corporações, com muitas empresas multinacionais,
não têm necessariamente vinculado esse status de país desenvolvido ao seu mercado de
capitais.
Conseqüentemente, a questão do financial reporting e a estrutura empresarial
complexa não parecem necessariamente ser correlacionadas, embora seja razoável supor que
países emergentes apresentam necessidades de financial reporting poucos exigentes em razão
de sua estrutura empresarial ser pouco complexa com poucos usuários tipo investidores e
compatível ao tamanho de seus negócios ou atividades.
2.3 Outras razões
Outras variáveis apontadas como possíveis causas das diferenças internacionais podem
ser consideradas secundárias ou fortemente correlacionadas entre si, como segue:
a) Acidentes de percurso, invasões, localização geográfica, herança de ser colônia,
linguagem etc. - tanto a França como o Japão, tiveram suas culturas fortemente
impactadas em razão da II Guerra Mundial, com invasão de seu território e domínio de
outro País. Wilet, Nishimura e Baydoun (1997) mostram como cada um dos países da
Ásia-Oceania foram fortemente influenciados: Austrália, Nova Zelândia, Hong Kong,
Malásia, Singapura (Inglaterra), Japão (Alemanha e depois EUA), Macau (Portugal),
Camboja (França), Filipinas (EUA), entre outros.
b) Nível de inflação - países desenvolvidos geralmente podem tender a apresentar baixa taxa
de inflação. Países emergentes podem tender a apresentar elevada inflação. O nível de
inflação impacta o financial reporting, na medida em que tradicionais conceitos de custohistórico como base de valor deixam de ter relevância com elevada inflação, caso não
venham a ser objeto de ajustamento monetário. Práticas como reavaliação de ativos são
menos adotados em países desenvolvidos.
3
ESTUDO EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR DO NORDESTE E
CENTRO-OESTE DO BRASIL
A pesquisa é do tipo descritiva, realizada por meio de levantamento ou survey, com
abordagem qualitativa. Assim, foi aplicado um questionário à professores do Departamento de
Ciências Contábeis de quatro universidades federais: Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN) e Universidade de Brasília (UnB). A escolha das quatro universidades está
10
vinculada ao fato de terem uma parceria formal na implementação de um curso de mestrado
em ciências contábeis.
O questionário aplicado aos professores é composto por questões objetivas segregadas
em três partes. O objetivo da primeira parte era identificar o perfil da amostra. Para tal, foi
questionada qual a formação e a área de formação do professor, a qual instituição o professor
está vinculado, quando obteve a última titulação e qual o grau de conhecimento em
contabilidade internacional.
Na segunda parte do questionário foram elencadas 16 razões apresentadas pela
literatura para a existência de diferenças internacionais nos procedimentos utilizados para
preparação e apresentação das demonstrações financeiras das empresas (financial reporting).
Dessas 16 razões os participantes deveriam escolher as principais, numerando-as, segundo o
grau de importância, de 1 a 7. A finalidade desta parte do questionário é avaliar o nível de
aderência das principais causas das diferenças internacionais no financial reporting: entre as
citadas pelos principais autores e a percepção dos docentes.
Na terceira parte do questionário foram apresentadas 18 características dos Modelos
Anglo-Saxão (AS) e da Europa Continental (EC). Os participantes deveriam marcar “sim” ou
“não” nas alternativas, de acordo com o que consideram configurar os sistemas contábeis do
Brasil. A finalidade desta parte do questionário foi avaliar se os docentes enquadram a
contabilidade brasileira como integrante do modelo Anglo-Saxão ou do modelo da Europa
Continental.
As alternativas da segunda e da terceira parte do questionário foram elencadas em
ordem alfabética para não incorrer em possível indução de respostas.
Os questionários foram entregues aos professores pessoalmente ou via e-mail durante
o mês de abril de 2005. Cada questionário foi aplicado e respondido individualmente. Junto a
cada questionário foi anexado um formulário de instruções incluindo informação sobre os
objetivos do trabalho. Não houve identificação dos professores, bem como não houve
distinção na aplicação dos questionários e na e tabulação das respostas entre professores
efetivos e professores substitutos. Não houve repetição da participação de professores.
3.1 Perfil da Amostra
A população de professores dos departamentos de ciências contábeis dessas quatro
universidades soma em 124 (incluindo professores substitutos) e a quantidade total de
questionários respondidos totalizou 68, configurando em, aproximadamente, 55% o índice de
respostas. O quadro 1 apresenta o perfil da amostra das quatro universidades federais.
Observa-se, neste quadro, que o índice de resposta das quatro universidades foi acima de
30%, sendo: 33% - UFPB (9 professores), 34% - UFPE (12 professores), 73% - UFRN (19
professores) e 78% - UnB (28 professores).
Dos participantes da UFPB, 78% possuem o título de mestre e 22% o título de doutor,
concentrados em duas áreas de formação: ciências contábeis (78%) e administração (22%).
Na UFPE, 75% dos professores possuem mestrado ou doutorado, seguida da UnB com um
percentual de 71% e da UFRN com percentual de 43%. As UFPE e a UFRN são as duas
únicas universidades da amostra que possuem professores apenas graduados que responderam
o questionário (8% e 26%, respectivamente).
Em todas as quatro universidades a área de formação concentra-se em ciências
contábeis e, em torno de 60% dos professores obtiveram a última titulação a menos de 5 anos
(QUADRO 1).
Em relação ao nível de conhecimento dos professores sobre contabilidade
internacional, parcela representativa da amostra (44% da UFPB; 33% da UFPE; 32% da
UFRN e 36% da UnB) considera como pouco o conhecimento que possuem sobre este
assunto. Tal fato pode ser preocupante na medida em que a Diretriz Curricular 0289/2003,
11
homologada em 12 de fevereiro de 2004 (BRASIL, 2004, p. 4), exige do formando do curso
de Ciências Contábeis o conhecimento sobre contabilidade internacional na seguinte forma:
os cursos de graduação em Ciências Contábeis, bacharelado, deverão comtemplar,
em seus projetos pedagógicos e em sua organização curricular, conteúdos que
revelem conhecimento do cenário econômico e financeiro, nacional e internacional,
de forma a proporcionar a harmonização das normas e padrões internacionais da
Contabilidade [...]
Perfil da Amostra
UFPB
UFPE
População: Quantidade total de
professores
Amostra: Quantidade de
questionários respondidos
Representatividade da Amostra
Formação:
Graduação
Especialista
Mestre
Doutor
27
UFRN
UnB
26
36
35
19
28
9
12
73%
78%
33%
34%
% Em
% Em
% Em
% Em
relação à
relação à
relação à
relação à
Quant. Amostra Quant. Amostra Quant. Amostra Quant. Amostra
0
0
7
2
0%
0%
78%
22%
1
2
4
5
8%
17%
33%
42%
5
6
6
2
26%
32%
32%
11%
0
8
14
6
0%
29%
50%
21%
2
7
0
0
0
0
0
22%
78%
0%
0%
0%
0%
0%
0
8
2
0
0
0
1
0%
67%
17%
0%
0%
0%
8%
1
17
1
0
0
0
0
5%
89%
5%
0%
0%
0%
0%
2
19
4
1
1
1
0
7%
68%
14%
4%
4%
4%
0%
0
0%
1
8%
0
0%
0
0%
Quando obteve a última titulação:
Há menos de 2 anos
Entre 2 e 5 anos
Entre 5 e 10 anos
Há mais de 10 anos
2
6
0
1
22%
67%
0%
11%
3
6
1
2
25%
50%
8%
17%
7
6
1
5
37%
32%
5%
26%
9
10
4
5
32%
36%
14%
18%
Conhecimento em Contabilidade
Internacional:
Ótimo
Bom
Razoável
Pouco
0
1
4
4
0%
11%
44%
44%
0
2
6
4
0%
17%
50%
33%
0
3
9
6
0%
16%
47%
32%
0
5
12
10
0%
18%
43%
36%
Área de Formação:
Administração
Ciências Contábeis
Economia
Engenharia
Matemática
Ciências Atuariais
Adm. De Educação
Tecnologia e Sistemas de
Informação
Quadro 1 - Perfil da Amostra - UFPB, UFPE, UFRN e UnB
Fonte: Elaboração própria.
A maioria dos professores da amostra considera razoável o nível de conhecimento que
possuem sobre contabilidade internacional. Apenas 18% dos professores da amostra da
Universidade de Brasília considera como bom o nível de conhecimento em contabilidade
internacional, seguido de 17% da UFPE, 16% da UFRN e 11% da UFPB (QUADRO 1).
Importante enfatizar que nenhum manifestou-se como detentor de ótimo conhecimento sobre
o tema.
12
3.2 Principais razões para a existência de diferenças internacionais nos procedimentos
utilizados para preparação e apresentação das demonstrações financeiras das
empresas (financial reporting)
O quadro 2 apresenta o ranking das 7 principais razões para a existência de diferenças
internacionais nos procedimentos utilizados para preparação e apresentação das
demonstrações financeiras das empresas (financial reporting), segundo o ranking apresentado
na literatura (ELLIOT, ELLIOT, 2002; NOBES, 1998; RADEBAUGH; GRAY, 1993;
SAUDAGAHRAN, 2004; WALTON, 2003) e segundo a opinião dos professores dos
departamentos de ciências contábeis da UFPB, UFPE, UFRN e UnB.
Razões
UFPB
Ranking Revisão da
Literatura
Características, natureza e
tipo de sistema legal vigente
(legalista ou não legalista)
Forma de captação de
recursos pelas empresas, se
vinculadas ao mercado de
capitais ou ao mercado de
crédito bancário com fonte
governamental
Vinculação da legislação
tributária com a
escrituração mercantil
(contabilidade financeira)
Nível de influência,
credibilidade e
“status”(amadurecimento)
da profissão contábil
Nível de qualidade da
educação na área contábilç
conceitual teórico e o nível
de desenvolvimento da
teoria contábil ou estrutura
conceitual básica da
contabilidade
Estrutura empresarial e tipo
de empresas
Acidentes de percurso (tais
como: invasões)
UFPE
1º
1º
44%
3º
25%
1º
32%
2º
7º
22%
5º
25%
6º
42%
3º
2º
22%
2º
25%
2º
4º
5º
22%
4º
25%
5º
5º
3º
22%
6º
7º
UnB
% de votos
% de votos
% de votos
% de votos
em relação
em relação
em relação
em relação
Raking à amostra Raking à amostra Raking à amostra Raking à amostra
5º
22%
1º
42%
6º
17%
Crescimento e
desenvolvimento econômico
Herança de ter sido colônia
de outro País
Linguagem de comunicação
(existem línguas mais
conhecidas e outras menos
conhecidas)
Localização geográfica
Nível de inflação
Religião
Sistema político (se
democracia, se controlado
pelo Estado,etc)
Valores culturais atribuídos
pela sociedade
UFRN
3º
22%
6º
17%
2º
11%
25%
6º
11%
33%
3º
21%
4º
21%
3º
33%
1º
29%
4º
50%
5º
18%
7º
25%
6º
11%
13
Quadro 2 - As 7 principais razões para a existência de diferenças internacionais nos procedimentos
utilizados para preparação e apresentação das demonstrações financeiras das empresas
(financial reporting).
Fonte: Elaboração própria.
No quadro 2, as razões foram classificadas segundo o ranking apresentado na revisão da
literatura, porém reitera-se que no questionário estas foram classificadas em ordem alfabética.
Nos casos em que mais de uma razão ocupou a mesma classificação no ranking, foi
considerada a mesma classificação para ambas as razões e foi eliminada a próxima
classificação. Por exemplo: na UFPB dois itens ficaram empatados em 3º lugar, assim não foi
considerada a 4a posição, seguindo para a 5ª colocação (QUADRO 2).
Percebe-se no quadro 2 significativas divergências entre as universidades e entre estas e a
revisão da literatura, quanto a classificação das principais causas da existência de diferenças
internacionais nos procedimentos utilizados para preparação e apresentação das
demonstrações financeiras das empresas.
De forma unânime, a literatura apresentada destaca ‘as características, a natureza e o tipo
de sistema legal vigente (legalista ou não legalista)’ como a razão mais importante para a
existência de divergências internacionais entre os sistemas contábeis. Na pesquisa, os
professores do departamento de ciências contábeis da UFPB e da UFRN concordam com esta
posição, enquanto que os professores da UnB consideram que esta seria a segunda razão mais
importante e da UFPE a terceira. Os professores da UnB e da UFPE consideram a ‘existência
de um arcabouço teórico sólido e o nível de desenvolvimento da teoria da contabilidade como
a principal causa’.
Outro fato a merecer destaque é que a ‘forma de captação de recursos via mercado de
capitais ou ao mercado de crédito bancário’ classificado pela literatura em segundo lugar
dentre as causas das diferenças internacionais, ficou em 5º,6º e 7º lugares respectivamente na
UFPE,UFRN e UFPB. Na UnB sequer entrou no ranking das 7 principais causas.
Apesar das divergências de posição dentro do ranking, três causas apresentadas pela
literatura dentre as mais importantes foram ranqueadas pelos professores das quatro
universidades, são elas: características, natureza e tipo de sistema legal vigente (legalista ou
não legalista); nível de influência, credibilidade e status (amadurecimento) da profissão
contábil; vinculação da legislação tributária com a escrituração mercantil (contabilidade
financeira).
3.3 Classificação dos sistemas contábeis brasileiros como integrante do modelo Anglosaxão ou do modelo da Europa Continental
Os 18 itens que compõem esta parte do questionário foram segregados em 9 itens, que
caracterizam o modelo Anglo-saxão (AS) e 9 itens que caracterizam o modelo da Europa
Continental (EC), apresentados em ordem alfabética. O quadro 3 apresenta os resultados desta
parte do questionário segregados por modelo.
Nesta etapa os participantes deveriam marcar sim ou não em consonância com o que
consideram caracterizar os sistemas contábeis brasileiros, se integrantes do modelo AngloSaxão (AS) ou do modelo da Europa Continental (EC).
Em termos gerais, os professores dos departamentos de ciências contábeis das quatro
universidades federais classificaram os sistemas contábeis brasileiros como integrantes do
modelo da Europa Continental. Divergências surgiram quanto aos seguintes itens:
a) “a Contabilidade é uma ciência” e “a Contabilidade é uma técnica”: alguns participantes
das quatro universidades marcaram as duas opções, considerando a contabilidade como
uma ciência e como uma técnica. Somente para os professores do Departamento de
Ciências Contábeis da UFPB, na realidade brasileira, a contabilidade não é uma ciência
(67%), sendo uma técnica (78%), modelo anglo-saxão. Observa-se divergências nas
respostas dos professores que se declaram com pouco conhecimento em contabilidade
14
internacional: 50% destes da UFPB marcaram que a contabilidade é uma técnica (anglosaxão) e 100% marcaram que o ensino da contabilidade é baseado no débito e crédito
(Europa Continental) e 75% consideram que a forma prevalece sobre a essência (Europa
Continental); 25% desses professores da UFPE marcaram que a contabilidade é uma
técnica, 75% marcaram que o ensino da contabilidade é baseado no débito e crédito e 50%
consideram que a forma prevalece sobre a essência. Na UFRN esses percentuais são de:
33%, 87% e 17%, respectivamente. E, na UnB 80%, 70% e 30%.
b) “Tudo é permitido a menos que esteja explicitamente proibido em lei” (tendência anglosaxônica) e “Tudo é proibido a menos que esteja explicitamente permitido em lei”
(tendência da Europa continental): Exceto a UnB com 54%, todas as universidades
consideram que tudo é permitido na realidade brasileira a menos que esteja explicitamente
proibido em lei, caracterizando o modelo anglo-saxão. Apesar desta posição da UnB, os
professores também não concordam com a afirmativa de que tudo é proibido na realidade
brasileira a menos que esteja explicitamente permitido em lei (75%).
Características
A contabilidade é uma técnica
As demonstrações financeiras buscam atender,
em primeiro lugar, os investidores
Ensino fortemente concentrado nos relatórios
contábeis (enfoque nos usuários)
Existência de uma estrutura conceitual sólida e
um arcabouço teórico da contabilidade
Mercado de capitais como principal fonte de
captação de recursos pelas empresas
Modelos
AS
UFPB
UFPE
UFRN
UnB
Sim Não Sim Não Sim Não Sim Não
78% 22% 50% 50% 42% 58% 68% 32%
AS
11% 89%
67% 33% 21%
79% 11% 89%
AS
11% 89%
50% 50% 37%
63% 37% 63%
AS
22% 78%
25% 75% 47%
53% 43% 57%
AS
11% 89%
18% 82% 26%
74% 14% 86%
AS
11% 89%
9% 91% 21%
79% 29% 71%
Predomínio da essência sobre a forma
Profissão Contábil forte e atuante
Tudo é permitido a menos que esteja
explicitamente proibido em lei
AS
AS
11% 89%
11% 89%
17% 83% 21%
18% 82% 21%
79% 25% 75%
79% 18% 82%
AS
89% 11%
83% 17% 79%
21% 46% 54%
A contabilidade é uma ciência
Conflito de natureza legal entre a lei societária e
a legislação tributária.
Dependência das empresas junto ao mercado
bancário ou fonte governamental
Ensino fortemente concentrado no débito e
crédito (enfoque na técnica de escrituração)
Predomínio da forma sobre a essência
Predomínio do conceito de conservadorismo (ou
prudência) para finalidades de mensuração de
ativos e passivos
EC
33% 67%
75% 25% 74%
26% 79% 21%
EC
78% 22% 100%
0% 95%
5% 86% 14%
EC
89% 11% 100%
0% 84%
16% 79% 21%
67% 33% 84%
83% 17% 84%
16% 75% 25%
16% 79% 21%
92%
22% 74% 26%
Pouca interferência governamental na definição
de práticas contábeis
Qualidade fraca da educação contábil
Tudo é proibido a menos que esteja
explicitamente permitido em lei
Vinculação da legislação tributária com a
escrituração mercantil (contabilidade financeira)
EC
EC
100% 0%
89% 11%
EC
56% 44%
EC
EC
EC
100%
0%
25% 75%
100%
0%
8% 78%
83% 17% 84%
33% 67%
16% 93%
7%
0% 100% 25% 75%
83% 17% 79%
21% 79% 21%
Quadro 3 - Caracterização dos sistemas contábeis brasileiros, se integrantes do modelo anglo-saxão ou do
modelo da Europa Continental.
Fonte:
Elaboração própria.
15
Assim, os professores dos departamentos de ciências contábeis da UFPB, UFPE,
UFRN e UnB classificaram, de forma unânime, os sistemas contábeis brasileiros como
integrantes do modelo da Europa Continental apresentando as seguintes características:
• conflito de natureza legal entre a lei societária e a legislação tributária;
• dependência das empresas junto ao mercado bancário ou fonte governamental;
• ensino fortemente concentrado no débito e crédito (enfoque na técnica de
escrituração);
• predomínio da forma sobre a essência;
• predomínio do conceito de conservadorismo (ou prudência) para finalidades de
mensuração de ativos e passivos;
• qualidade fraca da educação contábil;
• e vinculação da legislação tributária com a escrituração mercantil (contabilidade
financeira).
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para identificar as principais razões para a existência de diferenças internacionais nos
procedimentos utilizados para preparação e apresentação das demonstrações financeiras das
empresas (financial reporting), bem como avaliar a percepção de docentes de universidades
públicas no âmbito das regiões Centro-Oeste e Nordeste quanto a classificação dos sistemas
contábeis brasileiros como integrante do modelo anglo-saxão ou do modelo da Europa
Continental foi utilizado de levantamento ou survey, por meio da aplicação de questionário,
junto aos professores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Universidade
de Brasília (UnB).
Para análise dos resultados, cabe destacar que parcela representativa da amostra (44%
da UFPB; 33% da UFPE; 32% da UFRN e 36% da UnB) considera como pouco o
conhecimento que possuem sobre contabilidade internacional. Tal fato pode ser preocupante
na medida em que a Diretriz Curricular 0289/2003 exige do formando do curso de ciências
contábeis o conhecimento sobre contabilidade internacional e, principalmente porque 68%
dos docentes dessas universidades possuem o título de Mestre ou Doutor.
Existem divergências entre as principais razões para a existência de diferenças
internacionais nos procedimentos utilizados para preparação e apresentação das
demonstrações financeiras das empresas (financial reporting) elencadas pela literatura e as
razões selecionadas pelos docentes. Contrariando os autores apontados na revisão da
literatura, os professores da UnB consideram que as ‘características, natureza e tipo de
sistema legal vigente (legalista ou não legalista)’ é a segunda razão mais importante e da
UFPE a terceira. E, enquanto a teoria classifica em segundo lugar a ‘forma de captação de
recursos via mercado de capitais ou ao mercado de crédito bancário’, os professores
classificaram em 5º,6º e 7º lugares respectivamente na UFPE, UFRN e UFPB. Na Unb sequer
entrou no ranking das 7 principais causas. Apesar dessas divergências de posição dentro do
ranking, três causas apresentadas pela literatura dentre as mais importantes foram ranqueadas
pelos professores das quatro universidades: características, natureza e tipo de sistema legal
vigente (legalista ou não legalista); nível de influência, credibilidade e status
(amadurecimento) da profissão contábil e vinculação da legislação tributária com a
escrituração mercantil (contabilidade financeira).
O professores das quatro universidades federais classificaram os sistemas contábeis
brasileiros como integrantes do modelo da Europa Continental. Porém, ocorreram
divergências em relação ao item “a Contabilidade é uma ciência” e “a Contabilidade é uma
técnica”. Tal fato pode ser decorrente do pouco conhecimento sobre o assunto declarado por
alguns professores (35% da amostra das quatro universidades), o que pode ser observado no
16
confronto de respostas. Por exemplo, dos professores que se declararam com pouco
conhecimento sobre contabilidade internacional, nas quatro universidades, 19% entenderam
que a contabilidade é uma técnica (modelo Anglo-Saxão), e 30% marcaram que o ensino da
contabilidade é baseado no débito e crédito (modelo da Europa Continental).
Diante do desafio enfrentado pela Contabilidade na busca da harmonização das
normas e padrões internacionais de Contabilidade, vale ressaltar a necessidade de
desenvolvimento de pesquisas sobre este assunto, bem como de aperfeiçoamento e
treinamento dos docentes na busca por conhecimentos nesta área.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Ciências Contábeis.
Ministério da Educação e Conselho Nacional da Educação. Diário Oficial da União de 12
fev. 2004, seção 1, p. 14. Disponível em:
http://www.cmconsultoria.com.br/legislacao/pareceres/2003/par_2003_0289_CNE_CES.pdf . Acesso em:
18 abr. 2005.
DOUPNIK, T. S.; SALTER, S. B. An empirical test of a judgmental international
classification of financial reporting practices. Journal of International Business Studies, p.
41-60, 1993.
ELLIOT, B.; ELLIOT, J. Financial accounting and reporting. 2.ed. UK: Prentice Hill
Europe, 1996.
NOBES C.; PARKER R. Comparative international accounting. 4.ed. UK: Prentice Hall
International, 1995.
NOBES C.; PARKER R..Comparative international accounting. 5.ed. UK: Prentice Hall
International, 1998.
NOBES, C. A judgmental international classification of financial reporting practices. Journal
of Business Finance and Accounting, UK, Spring, 1983.
NOBES, C. Towards a general model of reasons for international differences in financial
reporting. ABACUS, Austrália, v. 34, n.2, p.162-187, 1998.
NOBES, C; PARKER R. Comparative international accounting. 7.ed. UK: Pearson
Education Limited, 2002.
RADEBAUGH, L. H.; GRAY, J. S. International accounting and multinational
enterprise. 4.ed. USA: Lehigh Press, 1993.
RADEBAUGH, L. H.; GRAY, J. S. International accounting and multinational
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SAUDAGARAN, S.M.. International accounting: a user perspective. 2.ed. USA: SouthWestern, 2004.
SAUDAGARAN, S. M.; DIGA, J. G. Financial reporting in emerging capital markets:
characteristics and policy issues. Accounting Horizons, USA, v.11, n. 2, p. 41-64, 1997.
WALTON, P.; HALLER, A.; RAFFOURNIER, B.. International accounting. UK:
International Thomson Business Press, 2003.
WILLET, R.; NISHIMURA A.; BAYDOUN, N. Accounting in Asia-Pacific region.
Singapore: John Wiley and Sons, 1997.
17
i
A expressão “sistemas contábeis” é adotada para caracterizar financial reporting, ou seja, como funcionam os
procedimentos para preparação e apresentação das demonstrações financeiras das empresas.
ii
Deve-se registrar um entendimento preliminar de que a Contabilidade teve seu início e desenvolvimento na
Europa.
iii
Baseado em estudo de Mueller (1996).
iv
Também conhecido como Lei Romana, onde tudo tem que estar previsto na lei.
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1 Principais Causas das Diferenças Internacionais no