MEDIAR A APRENDIZAGEM
Cristina Almeida Möller 1 - CNSFSC
Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: Colégio Salvatoriano Nossa Senhora de Fátima
Resumo
A noção de educação esteve por um bom tempo ligada à capacidade de reter o maior número
possível de informações, copiar e reproduzir comportamentos. E está ideia não era o ideal de
educação apropriado para a missão Salvatoriana na Educação. Então, houve um esforço
grandioso das escolas para encontrar uma teoria que fosse mais enriquecedora para a sua
caminhada educacional e que levava-se em consideração também a dimensão religiosa da
pessoa. O presente trabalho tem como foco principal a Teoria da Modificabilidade Cognitiva
Estrutural de Reuven Feuerstein e a sua contribuição para Experiência de Aprendizagem
Mediada – EAM e para o processo de ensino no Colégio Salvatoriano Nossa Senhora de
Fátima. A mesma vem contribuindo para que sujeitos mediados se tornem capazes de superar
limites na compreensão e na resolução de problemas, frente às demandas do dia a dia. A
EAM, por meio dos critérios universais de mediação possibilitam a flexibilização para a
mudança. A teoria contém os fundamentos necessários para explicar a importância da
mediação nos processos que permitem desenvolver, nos educandos, a capacidade de
aprender/reaprender competências necessários para o mundo do trabalho e para a formação de
um cidadão capaz. Possibilitando a potencialização dos sujeitos mediados, o desenvolvimento
de modificabilidade estrutural cognitiva. Destacando a Experiência de Aprendizagem
Mediada e o valor da mediação no processo de aprendizagem escolar. O estudo está sendo
realizado no Colégio Salvatoriano Nossa Senhora de Fátima de Florianópolis, Santa Catarina.
Esta instituição educacional tem como base teórica para a sua prática escolar os estudos de
Feuerstein a respeito da mediação.
Palavras-chave: Mediação. Aprendizagem. Autonomia Cognitiva.
Introdução
O meio educacional é rico em teorias, métodos, estratégias, artigos, pesquisas e
bibliografias que indicam algumas alternativas para um processo educativo mais eficiente.
Destaco aqui a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural de Reuven Feuerstein (Meier,
1
Especialista em Educação: Atendimento Educacional Especializado pela UFSM – Santa Maria RS. Pós
Graduada em Administração Escolar –in Company Notre Dame pela UPF –Passo Fundo RS. Coordenadora
Pedagógica do Colégio Salvatoriano Nossa Senhora de Fátima Florianópolis SC. E-mail:
[email protected]
ISSN 2176-1396
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2007, p.75), escolhida pelo Colégio Salvatoriano Nossa Senhora de Fátima para guiar suas
ações educacionais.
A Instituição Salvatoriana buscou uma teoria de aprendizagem que ajudasse na
sistematização e no alcance dos objetivos da missão salvatoriana realizada através da
educação, conforme o compromisso herdado dos Fundadores. Na década de 1990, encontrouse uma teoria que levava em consideração também a dimensão religiosa da pessoa. É a Teoria
da Modificabilidade Cognitiva Estrutural – TMCE. Na medida em que ampliou-se o
conhecimento sobre a vida e os objetivos do autor da TMCE, ficava cada vez mais claro que o
seu projeto vem ao encontro da proposta de Padre Jordan e de Maria dos Apóstolos, no que
diz respeito à sua fé e sua preocupação em resgatar todas as pessoas que precisam ser salvas e
libertas.
Os ideais e a obra de Feuerstein (FEUERSTEIN, 2014, p.79), embora em área e tempo
distintos, são convergentes com os dos fundadores da Família Salvatoriana. Sua postura
inquisitiva e crítica em relação às teorias tradicionais, aliadas à sua visão do caráter central
das potencialidades do ser humano no processo educativo, influenciaram-no a desenvolver,
após muito estudo e prática no âmbito da educação, a TMCE. Uma teoria que pressupõe a
condição equânime de todo o ser humano de desenvolver-se intelectual, emotiva e
socialmente, a despeito de suas restrições ambientais e biológicas, desde que haja a
intervenção, consciente e planejada, de um mediador qualificado intelectual, social e
afetivamente. Feuerstein (MEIER, 2007, p.25), talvez o teórico mais ligado aos princípios
cristãos – embora judeu – transfere à sua Teoria a crença de que todas as pessoas são
modificáveis. Explicitar e compreender a relação da teoria com a prática educacional é a base
deste trabalho que ainda está em processo.
Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural - TMCE
A formação na mediação da aprendizagem, cujos princípios são fruto da Teoria da
Modificabilidade Cognitiva Estrutural (TMCE), contempla todo este universo pedagógico que
a Educação Salvatoriana acredita. Para Feuerstein (FEUERTEIN, 2014, p.61) a aprendizagem
pelas vias da mediação, deve ser compreendida diferentemente da aprendizagem pela
exposição direta do sujeito ao objeto ou estímulo. Dessa forma, há a necessidade da
intervenção de um mediador humano, que para ele é um sujeito cuja ação mediadora é
intencional e não-ingênua. Ele se interpõe entre o sujeito (mediado/aprendiz) e o mundo (no
sentido amplo – conteúdo, estímulo, objeto, etc.), conduzindo a reflexão e interação tendo em
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vista a introdução de pré-requisitos ou recursos cognitivos (da dimensão do pensar) que
potencializarão progressivamente a capacidade de aprendizagem deste sujeito.
A base da TMCE é acreditar na condição humana de modificar as estruturas cognitivas
para adaptar-se às novas situações, independente de idade, classe social ou outros fatores. O
importante é a utilização de uma modalidade apropriada. O mediado reorganiza e sistematiza
essa transformação a partir da intervenção de um mediador que trabalha interagindo com o
aprendiz estimulando suas funções cognitivas, organizando o pensamento e melhorando o seu
processo de aprendizagem.
Para Feuerstein a falta de mediadores intencionais que selecionem e organizem os
significados culturais provoca uma síndrome denominada de “síndrome de privação cultural”
(GOMES, 2002, p.73). Segue assim, a importância dos critérios de intencionalidade e
reciprocidade (intencionalidade por parte do mediador e reciprocidade do mediado para
focagem e satisfação das suas necessidades); transcendência (transcendência da realidade
concreta, “do aqui-e-agora” e da tarefa aprendida, generalizando para posterior aplicação da
compreensão de um fenômeno apreendido em outras situações e contextos); e significado
(construção - incitada pelo mediador - de significados que permitam compreender a
importância da aprendizagem e interpretar os resultados alcançados) são essenciais para uma
efetiva EAM (Experiência de Aprendizagem Mediada). São eles que asseguram a mudança de
natureza estrutural, pois a modificabilidade cognitiva prima por mudanças estruturais, que
alteram o curso e direção do desenvolvimento, em busca de processos cognitivos superiores.
A EAM é a uma interação na qual o mediador se situa entre o mediado e os estímulos
que podem ser os objetos, problemas ou situações de forma a diagnosticá-los, selecioná-los,
ampliá-los ou interpretá-los utilizando estratégias interativas e inovadoras para produzir
significações para o mediado. O mediador leva o mediado a focalizar a sua atenção, não só
para o estímulo selecionado, mas para as relações entre este e outros já adquiridos. Esta
mediação persegue propósitos intencionais e específicos para o mediado. A partir deste
processo, o mediado cria orientações, atitudes e técnicas que modificam a sua estrutura
cognitiva. A EAM é o que determina a flexibilidade que interfere no indivíduo de maneira
significativa produzindo a expansão da inteligência. A EAM pode ser melhor sintetizada pelo
seguinte esquema:
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S= estímulos
H= mediador/humano O =organismo R= reações do organismo/respostas
Fonte: (FONSECA, 1998, p. 61)
O mediador acredita na capacidade de seus educandos e, valendo-se desta crença,
orienta sua interação segundo os critérios de mediação definidos por Reuven Feuerstein
(MEIER, 2007, p.127). Vários critérios ou o tipo de interação são fundamentais para
acontecer uma Experiência de Aprendizagem Mediada. Necessariamente devem permear a
interação os seguintes Critérios Universais de mediação:
Critérios de Mediação
Segundo Feuerstein (MEIER, 2007, p. 127), há critérios de mediação que podemos ter
como referência para perceber o estilo e a qualidade da mediação oferecida pelo mediador.
Alguns são considerados universais, pois devem sempre estar presentes durante a interação
mediador/mediado.
UNIVERSAIS:
1. Intencionalidade e reciprocidade:
A intencionalidade é uma postura geral de querer realmente que o estudante aprenda. Essa
intencionalidade é percebida no mediador pela maneira como ele organiza os estímulos para o
mediado, como estabelece canais comunicativos para transmitir sua intenção ao mediado,
como cria vínculos para garantir a reciprocidade e facilitar a aprendizagem.
A reciprocidade, por outro lado, é uma resposta explícita do mediado a essa posição do
mediador de querer ensinar.
2. Transcendência:
É a intenção que o mediador tem de manter uma interação que não se limite a resolver
problemas imediatos da aula. O mediador deve criar condições para que o mediado generalize
o que foi aprendido para as situações do dia-a-dia e do trabalho e relacione a aprendizagem
atual com suas aprendizagens anteriores e com possíveis situações futuras.
O mediador deve ensinar olhando para o futuro, para outros contextos.
3. Mediação do significado:
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Consiste em despertar no estudante o interesse pela tarefa em si, pela busca do porquê da
tarefa. É necessário que o aluno se aproprie da finalidade das atividades propostas e de sua
aplicabilidade. É importante que as situações de aprendizagem sejam relevantes e
interessantes para o mediado. O significado cria uma nova dimensão para o ato de aprender,
levando a um envolvimento ativo e emocional no desenvolvimento das tarefas.
4. Mediação do sentimento de competência:
É o trabalho que o docente faz no sentido de melhorar a percepção que o estudante tem de si
mesmo. O estudante precisa saber que o sucesso em uma tarefa demonstra em parte sua
própria competência. Por vezes o mediado não reconhece seus méritos. Cabe ao mediador ser
a fonte externa que transmita ao mediado o valor de sua conquista e quanto esforço investiu
para isso.
5. Mediação do comportamento de compartilhar:
É o trabalho que o docente faz no sentido de desenvolver no estudante a capacidade de
cooperar. O mediador deve incentivar o estudante a utilizar técnicas cooperativas para a
realização de atividades, ensinando a importância do respeito mútuo e de se levar em conta as
necessidades e pontos de vista diferentes dos seus. A situação de mediação, inicialmente, é
uma situação de desequilíbrio na relação entre mediador e mediado. Apesar das diferenças
que os separam, ambos têm objetivos e interesses em comum e isso deve ficar claro para o
mediado.
6. Mediação do controle e regulação da conduta:
Consiste em levar o estudante a lidar com a impulsividade e também com seu oposto, ou seja,
quando o estudante demora demais para iniciar qualquer atividade. O mediador deve mostrar
ao estudante a necessidade de adequar seu comportamento. É importante que o estudante
entenda a necessidade de controlar suas emoções perante as diversas situações que enfrentar
no dia a dia.
7. Mediação da Individuação e da diferenciação psicológica:
A mediação da individuação e da diferenciação psicológica permite ao sujeito constituir-se
como indivíduo, separando-se das simbioses construídas pelo comportamento materno ou
paterno. É um processo de trabalho pessoal, de auto-reflexão e autoconhecimento. Entretanto,
ela ocorre por meio dos relacionamentos com outros sujeitos.
8. Mediação da conduta de busca, de planificação e de realização de objetivos:
Feuerstein (MEIER, 2007, p.154) afirma que as crianças que não desenvolvem esse
comportamento de busca, estabelecimento e conquista de objetivos acaba por viver à procura
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da gratificação imediata, sem conseguir controlar sua impulsividade na busca pelo prazer. A
necessidade do indivíduo é a de satisfazer suas necessidades imediatas, portanto, a mediação
deve direcionar-se para o planejamento e a busca de objetivos. Uma vez fixados os objetivos,
está instaurado um desafio que deve ser vencido.
9. Mediação do desafio: busca pelo novo e complexo:
De forma geral, o ser humano não aceita o novo pela necessidade de conforto, segurança e
sobrevivência. Isso implica a falta de mudança. No entanto, há também no ser humano uma
necessidade de se transformar e, para isso, é necessário experimentar alguma coisa nova.
10. Mediação da consciência de modificabilidade humana:
É um dos critérios fundamentais, mesmo não tendo sido incluído entre os universais. Aqui
vale lembrar os pressupostos da teoria de Feuerstein (MEIER, 2007, p.157): “todos os seres
humanos são modificáveis”; “meu mediado específico é modificável”; “eu, o mediador deste
mediado, posso ajudá-lo a se modificar”; “eu, mediador, sou modificável”; “o sistema, o
contexto, o ambiente dentro do qual eu, mediador, estou interagindo é modificável”.
11. Mediação da escolha da alternativa otimista:
A maneira como uma pessoa reage numa situação pode gerar sucesso ou fracasso, define sua
postura otimista ou não. Quando o indivíduo opta pela alternativa otimista percebe melhor
novos caminhos e estratégias para alcançar objetivos e vencer desafios. Essa escolha está
estreitamente ligada ao sentimento de competência desse indivíduo.
12. Mediação do sentimento de pertença:
Se o sentimento de pertença não for trabalhado, o indivíduo pode ficar isolado ou sentir-se
estranho a determinados grupos. Isso pode influenciar a aquisição de pré-requisitos
sócioafetivos necessários ao desenvolvimento cognitivo do mediado.
Mediar a Aprendizagem
É importante para o educador ter uma postura de mediador, pois esta relação não é
imediata. Ser educador não necessariamente significa ser mediador. Para começar a trabalhar
com uma postura mais mediadora, é possível mudar pequenos aspectos na atuação docente
como, por exemplo:
 No início de uma aula ou atividade apresentar o que será feito, como será feito e
porque será feito.
 Ao final de uma aula ou atividade perguntar o que foi aprendido ou realizado. Isso
ajuda a trabalhar a memória do estudante e fazê-lo perceber que pode se modificar.
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 Encorajar os estudantes a resumir os acontecimentos do dia numa sequência para
melhorar a capacidade do estudante de analisar e sintetizar.
 Fazer conexões entre fatos atuais, passados e futuros para ajudar o estudante a
melhorar sua percepção global da realidade.
 Elaborar situações desafiadoras possíveis de serem realizadas, mas não fáceis demais,
para trabalhar o sentimento de competência dos estudantes.
 Pedir aos educandos, antes de resolverem um problema ou iniciar uma atividade, que
coloquem no papel os principais passos que pretendem seguir.
 Propor tarefas variadas e repetidas para fazer com que o educando internalize o que
desenvolveu: conceitos, conhecimentos, habilidades, funções cognitivas que
possibilitam a transcendência.
Para ter uma postura mediadora é acreditar na mudança de sujeito que aprende. É
construir atitudes positivas com relação ao aprendizado.
Considerações Finais
A mediação da aprendizagem é uma postura especializada de interação entre o sujeito
que aprende e o sujeito que ensina. O mediador durante sua interação com o mediado e o
objeto a ser aprendido, promove um maior desenvolvimento da capacidade do educando, com
base na interação especifica dos doze critérios de mediação.
Como observação da prática no Colégio Salvatoriano Nossa Senhora de Fátima é
possível perceber que há educadores eficientes nas suas práticas educacionais e outros que
ainda tem como postura uma prática de transmissão dos saberes.
O grande desafio é continuar a reflexão sobre a teoria e visualizado nas ações
pedagógicas os princípios de desenvolvimento da criatividade e autonomia dos educandos no
processo de construção do conhecimento. É provocar um maior aproveitamento da capacidade
do mediado de interagir com os saberes e tornar-se cada vez mais autônomo nesta caminhada.
Os educadores com postura mediadora têm alguns critérios bem visualizados nas suas práticas
como o de sentimento de pertença, da individualidade e da diferenciação psicológica somados
aos universais. E neste caso é visível o interesse e participação dos educando nas aulas. Os
educadores com mais resistência à teoria observa-se que os critérios de transcendência e da
mediação do significado como algo pouco relevante na sua prática. Já seus educando não se
sentem parte do processo, há uma dificuldade de interesse e reciprocidade por boa parte da
turma.
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A reflexão continua das práticas e dos seus resultados apresentados pelos educandos é
parte fundamental para a estruturação das ações pedagógicas, do currículo e da qualidade
pedagógica. A mediação dá aos educandos a habilidade de se modificar e as ferramentas para
aprender o que permitirá maior aproveitamento da exposição direta ao mundo dos estímulos.
Acreditar na mediação é acreditar na crença da modificabilidade cognitiva e nas bases
estruturadas que cada educando passa a adquirir e utilizar para resolver toda e qualquer
situação. Quanto mais experiências uma pessoa tem com a aprendizagem mediada, mais ela
terá recursos para interagir também com o aprendizado direto. A educação voltada para a
mediação tende a colaborar para uma aprendizagem que atende às demandas atuais, pois
forma sujeitos autônomos capazes de interagir com um mundo de intenso fluxo de
informações.
REFERÊNCIAS
FEUERSTEIN, Reuven. Além da inteligência: aprendizagem mediada e a capacidade de
mudança do cérebro. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
FONSECA, Vitor da. Aprender a aprender: a educabilidade cognitiva. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1998.
GOMES, Cristiano Mauro Assis. Feuerstein e a construção mediada do conhecimento.
Porto Alegre: Artmed, 2002
MEIER, Marcos; GARCIA, Sandra. Mediação da aprendizagem: contribuição de Feuerstein
e de Vygotsky. Curitiba: MSV, 2007.
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