Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery
http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377
Curso de Pedagogia - N.7, JUL/DEZ 2009
INTERAÇÕES VIRTUAIS: O REFLEXO DA ORALIDADE NA
ESCRITA E A SUA TRANSPOSIÇÃO
Mariana de Carvalho Halfeld1
RESUMO
O presente trabalho objetiva mostrar como a linguagem oral é transposta para as
interações virtuais da internet em um programa de bate-papo: o MSN. Dessa forma,
mostraremos, valendo-nos de uma pesquisa acadêmica, ferramentas orais de que os
usuários dispõem para construir seus discursos nesse contexto textual, e também, o
reflexo desse ambiente virtual no ambiente escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Escola. Linguagem oral e escrita. Internet. MSN.
ABSTRACT
The research intends to show how the oral language is translated to virtual interactions
in online chat software: MSN. In this way, we will show exploring a scientific study the
oral tools used to construct speeches in this textual context. We are going to see too the
impacts of this virtual experience in classroom.
KEYWORDS: School. Oral and written Language. Internet. MSN.
INTRODUÇÃO
Presencia-se hoje, em uma sociedade em plena fase eletrônica e on-line, uma
explosão de novos gêneros e novas formas de comunicação, verificáveis tanto na
oralidade como na escrita. Entretanto, mesmo em ambientes escritos, a fala continua
permeando essas práticas sociais, até mesmo em ambientes da internet como o MSN.
A escrita é usada em contextos sociais básicos da vida cotidiana, em paralelo
direto com a oralidade, e em um cada desses contextos, as ênfases e objetivos do uso da
escrita são diversos e variados. Por isso o interesse de analisar o comportamento da
escrita em contextos novos, que é atualizada constantemente pela necessidade do seu
usuário.
1
Professora graduada em Letras e pós-graduada, título de especialista, em Ensino de Língua Portuguesa
pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Email: [email protected]
Assim, este artigo objetiva evidenciar como as interações na internet, em
específico, no ambiente virtual de bate-papo – MSN –, podem ser utilizadas, através
do processo de retextualização, como texto base para o aprendizado de Língua
Portuguesa.
A ESCRITA X A ORALIDADE?
Segundo Matencio, em sua obra Leitura, Produção de textos e a escola (1994, p.
43), “o acesso à palavra escrita é cultural e dependente do valor associado às práticas
de leitura e escrita ao longo da socialização dos falantes.” Dessa forma, em uma
comunidade como a nossa, em que a escrita permeia todas as práticas sociais, ela será
muito mais valorizada em relação a uma comunidade ágrafa. Em nossa sociedade, a
escrita é usada em contextos sociais básicos da vida cotidiana em paralelo direto com a
oralidade e em cada desses contextos.
O conflito entre a escrita e a oralidade, existente no domínio escolar, é
fundamentado pela não-consciência, tanto por parte do professor quanto por parte do
aluno, da transição do domínio particular “lar” para o domínio público “sala de aula” e,
consequentemente, da transição de uma cultura predominantemente oral para uma
cultura permeada pela escrita, agravada ainda por uma interação preconceituosa a
serviço das classes privilegiadas, cujos padrões linguísticos são usados e reproduzidos,
estigmatizando a oralidade presente no papel social do aluno. (SOARES, 2006)
Segundo Bagno (2003), Preconceito lingüístico – o que é, como se faz – essa
interação preconceituosa está fundamentada por um mito: “o domínio da norma culta
como um instrumento de ascensão social”. Esse mito tem uma conotação social por estar
ligado aos poderes político e econômico. Afirma ainda, que “não adianta tentar ‘endireitar’
a língua ‘distorcida’ de um falante do português não-padrão” (p. 69); com essa atitude
ataca-se apenas o efeito e não a causa que impede o acesso, desse falante, à norma culta.
A prática da escrita nas escolas brasileiras tem sido dissociada de suas
determinações sociais e sócio-linguísticas, evidenciando, por parte dos alunos, o nãoestabelecimento de interação entre os papéis sociais construídos pelo uso da
linguagem, ou seja, os alunos não reconhecem os gêneros textuais como práticas
sociais, principalmente o gênero redação, acarretando a não-interação entre os
interlocutores (autor/leitor). (MARTENCIO, 1994)
O GÊNERO TEXTUAL
Os gêneros textuais são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida
cultural e social (MARCUSCHI, 2005b). São entidades sócio-discursivas não
estanques e enrijecedoras da ação criativa humana, pelo contrário, são altamente
maleáveis à necessidade sócio-cultural, construindo sempre um mundo novo ao seu
redor.
Este novo gênero textual, MSN, se caracteriza pela troca de mensagens
instantâneas entre os usuários, e é especialmente interessante pela inovação na
linguagem que é produzida – redução das palavras, abreviações, prolongamento das
letras, eliminação dos acentos – à medida que esse gênero se constituiu como uma
estrutura híbrida, com características que o fazem semelhante à fala, embora seja
reproduzido no código escrito.
Alguns estudiosos analisam essa característica como o resultado da atualidade: a
pressão exercida pela simplicidade, velocidade e informalidade desse novo código e a
consequente utilização dele em todas as situações em que o jovem precise se
comunicar por escrito.
Adotando-se a perspectiva de que à escola cabe o papel de lidar com o novo, e
não negá-lo, e de que é sua função respeitar os diversos discursos de seus indivíduos,
ajudando-os a consolidá-los, e também, ajudando-os na compreensão dos ajustes para
a variedade de intenções sociais que eles possam demonstrar, a escola precisa, então,
aprender a lidar com isso. E para isso, propõe-se o trabalho com retextualização,
visando um contínuo entre a escrita e a oralidade.
O HIBRIDISMO ENTRE ESCRITA E FALA: MOSTRANDO O
GÊNERO
A elaboração da conversa no MSN acontece por escrito, por força das
características do meio eletrônico usado (computador), mas os interlocutores sentem-se
numa interação falada, e é esse novo estabelecimento interacional que se torna
profundamente interessante como objeto de estudo, posto que confirma que o texto é
um produto social, que nasce da necessidade comunicativa, tornando cada característica
particular, principalmente o código reduzido. (HILBERT, 2000)
Portanto, a característica observada foi o código reduzido utilizado, pois um dos
aspectos mais essenciais da mídia virtual é a centralidade da escrita, pois a tecnologia
digital depende totalmente da escrita, como já foi mencionado.
Assim, nessa nova era eletrônica, não se pode mais postular como propriedade
típica da escrita a relação assíncrona, caracterizada pela defasagem temporal entre
produção e recepção, pois a interação, no caso no MSN, é síncrona, já que a interação se
dá em um tempo concomitante (HILBERT, 2000). E é devido a essa mudança de
relação tempo-espacial, que o MSN vem estabelecendo novos aspectos textuais: (i) do
ponto de vista dos usos da linguagem, tem-se uma pontuação minimalista, uma
ortografia reduzida, abundância de siglas, abreviaturas não-convencionais, estruturas
frasais pouco ortodoxas e uma escrita semi-alfabética;
A diz:
ki horas +- vc devi ir??
B diz:
7 devo fik ate umas 233
(ii) do ponto de vista da natureza enunciativa dessa linguagem, tem-se a integração de
semioses;
B diz:
S22*
A diz:
Tbm**...vo t espera...bjoooooooooz...
* coração
** tudo bem
e (iii) do ponto de vista da construção textual, tem-se novas formas dêiticas, formação
de diferentes pares adjacentes, referências metalinguísticas.
A diz;
OI NEM Q FALAR COMIGO
B diz;
Oiii
s22
A diz:
tbm....vo t espera...bjoooooooooz....
B diz:
Volteiiii
PROPOSTAS PARA O TRABALHO DESTE GÊNERO TEXTUAL
NA SALA DE AULA
Segundo Matencio (1994), a escola foi constituída como locus de aprendizado da
prática da escrita (letramento), o que faz com que ocorra uma grande valorização desta
em detrimento daquela. Portanto, é essencial que o professor de Língua Portuguesa
oriente os alunos quanto aos usos dos diferentes gêneros textuais e que considere que o
computador já faz parte da sala de aula.
Para tanto, o arcabouço teórico de Marcuschi postulado em sua obra, – Da Fala
para Escrita: Atividades de retextualização (2005a) – permite, com base em seus
estudos e análise, introduzir em sala de aula atividades de reescrita com o intuito de
mostrar aos alunos características típicas de cada gênero e de desenvolver estratégicas
de reescritas no uso cotidiano da linguagem.
O professor atento ao novo gênero textual – MSN – trata-o como um objeto de
estudo e trabalho utilizando-o como texto base para o processo de retextualização e não
como um texto marginalizado. Para isso, compreende-se que no gênero MSN a
modalidade falada e a escrita mantêm certas relações de semelhanças e de diferenças
que não se esgotam no código, indo muito além, mudando a perspectiva da visão que sai
da superfície das formas para a dos processos de construção de discurso.
Diante dessa nova perspectiva de trabalho, o professor tem que avaliar algumas
variáveis relevantes, como, (i) o propósito ou objetivo da retextualização, pois
dependendo da finalidade da transformação, haverá mudanças no nível da linguagem do
texto; (ii) a relação entre o produtor do texto original e o transformador, pois sendo a
mesma pessoa produtora e transformadora, provoca transformações mais drásticas, e
pessoas diferentes, uma produtora e outra transformadora, as mudanças são menores,
ocorrendo uma preservação do conteúdo e uma pequena mudança na forma, porque há
um certo respeito pelo original; (iii) a relação tipológica entre o gênero textual original e
o gênero da retextualização, pois quando se trata do mesmo gênero, ocorrem
modificações menores e quando são gêneros diferentes, as modificações são maiores e
(iv) os processos de formulação típicos de cada modalidade, que são estratégicas de
produção vinculadas a cada modalidade. (MARCUSCHI, 2005a)
Essa prática escolarizada facilita ao professor perceber como se encontra seu aluno
no que se refere à organização textual, ou seja, que habilidades ele apresenta e quais ele
precisa aprender para elaborar adequadamente seu texto. Permite, também, imprimir ao
ensino de língua maior dinamismo e produtividade, uma vez que será levado em conta,
de maneira sistemática, o aspecto textual-discursivo e não apenas as estruturas formais,
como por exemplo: adequação linguística, estabelecimento interacional, intenção
comunicativa, etc. (MARCUSCHI, 2005b)
Outra possível observação se daria no nível de variedade linguística, a variedade
de dialeto e de registro, indicando uma possibilidade para que os alunos possam
compreender as diferenças socioeconômicas envolvidas entre as variantes de mais
prestígio e de menos prestígio, e/ou mais formal e menos formal.
E, finalmente, quando o professor pede para que o aluno reescreva um texto, este
aluno deve avaliar a adequação do vocabulário e toda estrutura gramatical, o que
contribui para que ele se torne revisor do seu próprio texto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atividade de retextualização permite ao professor uma visão mais clara da
dificuldade do aluno na produção textual, à medida que, no processo, evidenciam-se
lacunas entre o texto base e o texto produto, possibilitando exemplificações para um
ensino da língua portuguesa mais dinâmico e produtivo, uma vez que leva em conta, de
maneira sistemática, o aspecto textual-discursivo e não apenas estruturas formais.
A utilização desse processo de retextualização, tendo por base textos do meio
eletrônico – MSN –, em ambiente escolar, provocaria nos alunos uma maior clareza na
distinção dos contextos situacionais (internet/escola), possibilitando um uso adequado
da oralidade e da escrita.
REFERÊNCIAS
HILGERT, J. G. A construção do texto “falado” por escrito na Internet. In: PRETI, D.
(org.). Fala e escrita em questão. São Paulo: Humanitas, 2000.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da Fala para Escrita: Atividades de retextualização.
6ªed. São Paulo: Cortez, 2005ª.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, A.
P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A.(Org.) Gêneros Textuais & Ensino. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2005. B
MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Leitura Produção de Textos e a Escola:
Reflexões sobre o Processo de Letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1994.
SOARES, Magda. Linguagem e Escola: Uma perspectiva social. 17ª ed. São Paulo,
SP: Ática, 2006. (Série Fundamentos).
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