UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO
FACULDADE DE DIREITO
Anna Paula Trento Gautério
Aplicação do princípio da ne reformatio in pejus indireta no
Tribunal do Júri em face da soberania dos veredictos
Passo Fundo
2012
Anna Paula Trento Gautério
Aplicação do princípio da ne reformatio in pejus indireta no
Tribunal do Júri em face da soberania dos veredictos
Monografia jurídica apresentada ao curso de Direito,
da Faculdade de Direito da Universidade de Passo
Fundo, como requisito parcial para a obtenção de grau
de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, sob
orientação do professor Ms. Juarez Mercante.
Passo Fundo
2012
À minha mãe, Neida, pelo incentivo prestado, pela
compreensão da ausência, pelo esforço
empreendido para a minha formação e pelo
exemplo de perseverança.
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, Neida, por não medir esforços e
por abdicar, muitas vezes, de seus objetivos, a
fim de possibilitar a concretização dos meus.
Ao meu namorado, Sérgio Covatti Crespi, pela
tolerância, pela companhia e pelos
ensinamentos e momentos compartilhados.
Ao professor orientador, Ms. Juarez Mercante,
pelo auxílio prestado para a concretização
deste trabalho.
Aos colegas, pelo incentivo, pela ajuda, pela
amizade construída, por fazerem desses cinco
anos de faculdade momentos inesquecíveis e
por colaborarem para o meu crescimento
pessoal e profissional, com as inúmeras
discussões jurídicas.
À amiga, Ângela Hackbart Conde, pela
colaboração prestada, pelos inúmeros
conselhos e pelas constantes discussões
jurídicas.
Aos demais amigos, pelo apoio, pela
paciência, pelos conselhos e por serem
ouvintes incansáveis.
A todos que, de alguma forma, contribuíram
para a realização da presente pesquisa.
RESUMO
A Constituição Federal atribui ao tribunal do júri a garantia de soberania de seus veredictos, o
que significa que a decisão por ele proferida não pode ser modificada. A legislação
infraconstitucional, por sua vez, faz previsão do princípio da ne reformatio in pejus indireta,
vedando que a segunda sentença, proferida em substituição à decisão original anulada, piore a
situação do réu, desde que esse seja o único recorrente. Assim, cria-se o impasse entre a
prevalência, na segunda decisão, da soberania dos votos dos jurados ou do direito do
recorrente de não ter sua situação piorada. Nesse contexto, o trabalho busca responder se há
possibilidade de, em face do princípio da ne reformatio in pejus indireta, agravar a pena do
réu no Tribunal do Júri, em contraposição ao princípio da soberania dos veredictos. Para
explicar o problema apresentado e as possíveis soluções utiliza-se o método descritivo, e, para
a abordagem do tema, o método dedutivo, sendo analisados diferentes posicionamentos,
doutrinários e jurisprudenciais, quanto a possível reforma da decisão para pior, em sede de
apelação da decisão do júri, quando o recurso é exclusivo da defesa. A pesquisa conclui que
ambos os princípios, da soberania dos veredictos e do duplo grau de jurisdição (com a
aplicação da ne reformatio in pejus indireta), devem ser aplicados no caso concreto,
permitindo aos jurados decidir como bem lhes aprouver, cabendo ao juiz-presidente observar
a vedação da reformatio in pejus indireta ao aplicar o quantum da pena, devendo ficar adstrito
ao máximo da penalidade imposta no primeiro julgamento.
Palavras-chave: Duplo grau de jurisdição. Reformatio in pejus indireta. Soberania dos
veredictos. Tribunal do Júri.
LISTA DE ABREVIATURAS
CF: Constituição Federal
CPP: Código de Processo Penal
STF: Supremo Tribunal Federal
STJ: Superior Tribunal de Justiça
TJRS: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7
1 TRIBUNAL DO JÚRI E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL E DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS .................................... 10
1.1 Considerações acerca do Tribunal do Júri ................................................................... 11
1.2 Princípio do Devido Processo Legal: contraditório, ampla defesa e duplo grau de
jurisdição .......................................................................................................................... 20
1.3 O recurso de apelação e o princípio da soberania dos veredictos no Tribunal do Júri ... 25
2 O SANEAMENTO DAS NULIDADES PROCESSUAIS E A REFORMATIO IN
PEJUS NO PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI ............................................ 30
2.1 Nulidades processuais relativas e absolutas: espécies e momento de arguição da
nulidade............................................................................................................................ 31
2.2 Princípios norteadores das nulidades e saneamento dos vícios no Tribunal do Júri ...... 40
2.3 Proibição da reformatio in pejus: reformatio in pejus indireta e reformatio in mellius . 48
3 REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA NO TRIBUNAL DO JÚRI E A
RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS.............. 56
3.1 Conflito entre o princípio da soberania dos veredictos e o duplo grau de jurisdição no
Tribunal do Júri ................................................................................................................ 57
3.2 Reformatio in pejus indireta no Tribunal do Júri e a interpretação dos Tribunais ......... 65
3.3 Aplicação do princípio da ne reformatio in pejus indireta no Tribunal do Júri ............. 73
CONCLUSÃO .................................................................................................................... 83
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 87
7
INTRODUÇÃO
A organização dos homens em sociedade impôs a necessária observância a regras, de
maneira a permitir um convívio pacífico. Quando surgem conflitos não passíveis de solução
amigável, o Estado é “chamado” a intervir, com o fim de pôr fim à lide. O sistema processual
brasileiro permite ao litigante que, sentindo-se prejudicado e inconformado com a sentença
proferida pelo juízo, interponha recurso para que a decisão seja revista por tribunal superior.
O duplo grau de jurisdição é, portanto, uma maneira de amparar o inconformismo que
permeia as emoções humanas, por essa razão se sustenta que a sua previsão atende a direito
fundamental.
No Tribunal do Júri as hipóteses de apelação são restritas, limitando-se às situações
dispostas no inciso III do artigo 593 do Código de Processo Penal. Assim, ainda que haja
limitação ao duplo grau de jurisdição, esse não é vedado devido à importância que possui para
o ser humano. O sistema processual penal também prevê a ne reformatio in pejus, vedando,
quando há recurso somente da defesa, a modificação da decisão do juízo a quo de maneira a
piorar a situação do recorrente. Em contrapartida, o princípio da soberania dos veredictos, que
possui status constitucional, garante supremacia às decisões proferidas pelos jurados, não
cabendo a modificação dos votos por eles proferidos.
Nesse contexto, surge a questão da possibilidade ou não de agravar a pena do réu no
Tribunal do Júri, quando somente a defesa recorre e a decisão do juízo a quo é anulada,
impondo a necessidade de novo júri, frente ao princípio de ne reformatio in pejus indireta e do
princípio da soberania dos veredictos.
Assim, a presente pesquisa procura responder se, em virtude do princípio da soberania
dos veredictos, há a possibilidade de agravamento da pena do réu no Tribunal do Júri,
violando o princípio da ne reformatio in pejus indireta. Especificamente, busca estudar o
surgimento, a composição e o procedimento do Tribunal do Júri, bem como alguns princípios
constitucionais que o regem; analisar as nulidades processuais penais, a reformatio in pejus, a
refomatio in pejus indireta e a reformatio in mellius no Tribunal do Júri; discutir sobre o
conflito entre o princípio da soberania dos veredictos e o direito ao duplo grau de jurisdição
no tribunal popular; e, finalmente, comparar os diferentes posicionamentos doutrinários e
jurisprudenciais existentes sobre a aplicação da reformatio in pejus indireta em sede de
recurso de decisão proferida pelos jurados.
8
O tema foi escolhido em razão da discussão entre a possibilidade ou não de aplicar o
princípio da ne reformatio in pejus indireta nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, em
contraposição ao princípio constitucional da soberania dos veredictos, e pela possibilidade de
insegurança jurídica que o conflito possa causar. Nesse contexto, portanto, é importante para a
sociedade que se esclareça o embate jurídico, a fim de evitar insegurança jurídica e descrença
no Poder Judiciário, elucidando se, no caso concreto, sendo anulada uma decisão em sede de
tribunal popular, prevalece o princípio da soberania dos veredictos, ainda que a nova decisão
seja pior para o recorrente, ou se prevalece o princípio da ne reformatio in pejus indireta.
Na seara jurídica a discussão é importante para avaliar se, no conflito entre a soberania
dos veredictos e o duplo grau de jurisdição, deve prevalecer algum dos princípios ou se deve
haver ponderação entre os dois, resguardando-se a supremacia dos veredictos dos jurados e o
direito à ampla defesa e ao duplo grau de jurisdição do recorrente. Isso em decorrência de que
o judiciário deve primar pela segurança jurídica, elucidando ao jurisdicionado se o recurso por
ele interposto tem o condão ou não de modificar seu julgamento para pior, a fim de lhe
permitir escolher qual atitude adotar no caso concreto.
Para a pesquisa utilizar-se-á a metodologia procedimental de consulta em sites com
conteúdo jurídico e doutrinas, especialmente da área criminal, encontradas na biblioteca da
Universidade de Passo Fundo, bem como os adquiridos com recursos próprios da
pesquisadora.
Realizar-se-á uma breve análise histórica, a fim de explicar o surgimento do Tribunal
do Júri, sua composição e seu procedimento atuais e uma exposição das nulidades processuais
penais e da ne reformatio in pejus indireta no tribunal popular em conflito com a soberania
dos veredictos. Para tanto, se utilizará o método descritivo, com o intuito de explicar o
problema apresentado e as possíveis soluções.
Considerando que a pesquisa abordará a possibilidade de aplicação do princípio da ne
reformatio in pejus indireta no Tribunal do Júri em conflito com o princípio constitucional da
soberania dos veredictos, o método mais adequado para a abordagem do trabalho é o
dedutivo, uma vez que serão analisados diferentes posicionamentos quanto a possível reforma
da decisão para pior, em sede de apelação da decisão do júri, quando o recurso é exclusivo da
defesa.
O trabalho apresenta-se estruturado em três capítulos. No primeiro capítulo são tecidas
considerações acerca do Tribunal do Júri, como o seu surgimento, a sua origem nas
9
constituições brasileiras, a sua composição e o seu funcionamento atuais. Além disso, analisase o emprego do princípio do duplo grau de jurisdição e seus “derivados”, como o
contraditório, a ampla defesa e o duplo grau de jurisdição, e analisa-se o recurso de apelação
em sede do tribunal popular em face da soberania dos vereditos.
No segundo capítulo serão abordadas as nulidades processuais penais, os momentos de
arguição e as maneiras de saneá-las. Como os vícios podem ocasionar a nulidade de uma
decisão e a imposição de uma nova sentença, examina-se, também, o princípio da reformatio
in pejus, da reformato in pejus indireta e da reformatio in mellius.
Por fim, no terceiro capítulo, procura-se demonstrar as posições doutrinárias e
jurisprudenciais a respeito do tema da ne reformatio in pejus indireta no tribunal do júri em
conflito com o princípio da soberania dos veredictos, buscando uma solução capaz de
ponderar uma adequada aplicação de ambos.
10
1 TRIBUNAL DO JÚRI E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL E DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS
Uma sociedade que tem por escopo a democracia e que impõe aos seus cidadãos
normas de conduta a serem observadas de forma congente, não admite, via de regra, a
autotutela como solução de conflitos. Quando estes ocorrem, devem ser resolvidos pelo
próprio Estado, por meio de um aparato especialmente criado para tanto, no qual se incluem o
Judiciário, o Ministério Público, a advocacia (pública e privada) e a polícia judiciária.
Há bens da vida que, se lesionados, prejudicam sobremaneira a convivência em
sociedade. Dessa forma, recebem tutela do Estado, o qual prevê sanções a serem aplicadas ao
infrator, inclusive penais. Tais sanções somente podem ser impostas pelo próprio Estado, por
ser o detentor do poder punitivo. Por essa razão, quando o litígio envolve conduta típica
penal, apenas o Órgão Estatal pode dirimir o conflito, não sendo isto admitido entre os
particulares por meio da autotutela.1
A composição dos litígios opera-se por meio do processo, que é o instrumento
destinado a esse fim. Cada processo pode ter um procedimento diverso, o qual nada mais é do
que uma sequência de atos previstos em lei, que buscam, ao final, uma declaração do
Judiciário sobre quem tem o direito material na lide submetida à sua apreciação, se o acusado
ou o acusador.2 A observação do procedimento fixado em lei atende ao princípio do devido
processo legal, que tem por objetivo garantir ao cidadão o justo desenvolvimento do processo,
com todas as garantias a ele inerentes.
No ordenamento jurídico brasileiro, o Código de Processo Penal é o diploma legal que
regula como devem ser julgadas pelo Estado as infrações penais, prevendo os procedimentos
que devem ser adotados para cada conduta típica, com o objetivo de solucionar a lide. 3 Assim,
o Código organiza os procedimentos em comum e especial.
O procedimento especial, previsto no Código de Processo Penal, engloba os processos
sobre crimes de falência, crimes contra a honra, crimes contra a propriedade imaterial e
1
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, vol. 1. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 3.
BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Mattos. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. São Paulo: Saraiva,
2008, p.04.
3
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo : Saraiva, 2011, p. 56.
2
11
crimes de responsabilidade de funcionário público. Por sua vez, o procedimento comum
aplica-se a todos os demais processos.4
Embora o Tribunal do Júri esteja incluído no Título do Código de Processo Penal que
trata do procedimento comum, é um rito especial, conforme a própria norma ressalva, no
artigo 394, parágrafo 3º, do referido diploma.
O Tribunal do Júri tem previsão constitucional. Nos termos da Magna Carta, artigo 5º,
inciso XXXVIII, são a ele assegurados “a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a
soberania dos veredictos e a competência para os crimes dolosos contra a vida”. 5
1.1 Considerações acerca do Tribunal do Júri
As primeiras notícias que se têm sobre o Tribunal do Júri remontam aos judices jurati
dos romanos, dikastas dos gregos e centeni comites dos germanos. Aponta-se, ainda, que o
instituto teria suas origens no Código de Alarico, do ano 506. O certo, porém, é que a doutrina
dominante entende que o surgimento do Tribunal do Júri ocorreu na época em que o Concílio
de Latrão aboliu os ordalia ou Juízos de Deus.6 Os ordálios eram tipos de provas “divinas”,
baseados na crença de que, se o acusado fosse inocente, Deus o socorreria. Explica Rangel:
Na Inglaterra, o júri aparece através de um conjunto de medidas destinadas a lutar
contra os ordálios (no direito germânico antigo, dizia-se do juízo ou do julgamento
de Deus. Era qualquer tipo de prova, da mais variada sorte baseada na crença de que
Deus não deixaria de socorrer o inocente, o qual sairia incólume delas) durante o
governo do Rei Henrique II (1154-1189) em que, em 1166, instituiu o Writ (ordem,
mandado, intimação) chamado novel disseisin (novo esbulho possessório) pelo qual
encarregava o sheriff de reunir doze homens da vizinhança para dizerem se o
detentor de uma terra desapossou, efetivamente, o queixoso, eliminando, assim, um
possível duelo judiciário praticado até aí.
Nesse conjunto de medidas, a acusação pública, que até então era feita por um
funcionário, espécie de Ministério Público, passou a ser feita pela comunidade local,
quando se tratava de crimes graves (homicídios, roubos etc.), surgindo assim o júri
[...].7
4
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 10 abr. 2012.
5
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.html>. Acesso em: 10 abr. 2012.
6
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2009, p.361.
7
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 585-586.
12
Com a Revolução Francesa (final do século XVIII), o Tribunal do Júri teria chegado
à França, de onde se espalhou para a Europa, ganhando os atuais contornos, pelos quais um
Juiz togado decide se o fato deve ou não ser submetido ao julgamento do Conselho de
Sentença, que, então, julgará o mérito da questão.8
No Brasil, o Júri surgiu no ano de 1822, antes mesmo da primeira Constituição
brasileira (que foi promulgada no ano de 1824), mas era exclusivo para os crimes de
imprensa. A Constituição de 1824 estendeu-o às causas cíveis e criminais. Posteriormente, no
ano de 1832, com o Código de Processo Criminal do Império, o Júri passou a ter a atribuição
de julgar quase todas as infrações.9 O Júri do império era inspirado no modelo inglês, com um
grande júri, que decidia se o acusado deveria ser submetido ao julgamento do pequeno júri, o
qual era responsável por decidir pela condenação ou não do infrator, ambos sendo compostos
por cidadãos comuns. Como expõe Paulo Rangel:
O júri do império era a cópia aproximada do júri inglês pela própria história que
antes contamos, ou seja, havia o grande júri e o pequeno júri. O primeiro, com
debates entre os jurados, decidia se procedia a acusação contra o réu. Se os jurados
respondessem afirmativamente, o réu seria submetido a julgamento perante o
pequeno júri. Do contrário, o juiz julgava improcedente a denúncia ou queixa (cf.
arts. 248 a 253 do CPCI).10
No ano de 1841 houve uma reforma processual, introduzida pela Lei nº 261, que
acabou com o grande júri, delegando a função da acusação às autoridades policiais e aos
juízes municipais, suprimindo, assim, parte da competência dos cidadãos. No ano de 1871,
houve uma nova reforma, que extingue a atribuição dos chefes de polícia e delegados para
pronunciar os acusados nos crimes comuns, passando a ser competentes para tal atribuição os
juízes de direito.11 Nesta reforma já se vislumbrava o modelo de júri que atualmente é adotado
pelo Brasil: um juiz togado decidindo pela pronúncia ou não do acusado, para, somente após,
ser submetido ao julgamento do conselho de sentença, que decidirá acerca da condenação.
Após a proclamação da República, no ano de 1889, o júri passou a ser composto por
doze membros e as decisões tomadas por maioria de votos. A Constituição de 1937 (Estado
8
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 362.
Ibidem, p. 362
10
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 590.
11
Ibidem, p. 595-596.
9
13
Novo) não previu a instituição do júri. Isso durou pouco, já que no ano seguinte, em 1938, foi
promulgado o Decreto-Lei nº 167, que regulamentou o Tribunal do Júri. A nova Constituição
previa que o veredicto dos jurados não era soberano e de suas decisões passou-se a admitir
apelação, desde que houvesse injustiça ou completa divergência da decisão com as provas
existentes nos autos ou com as produzidas em plenário, podendo o Tribunal de Apelação
modificar a sentença. Além disso, o conselho de sentença passou a ser composto por sete
jurados e foi proibida a comunicação entre eles, não podendo mais a causa ser discutida na
sala secreta. Nessa época, a competência do júri limitava-se a crimes de homicídio, de
atentado contra a vida de uma pessoa por envenenamento, de infanticídio, de suicídio, de
morte ou lesão corporal seguida de morte por duelo, de latrocínio e de tentativa de roubo.12
A quarta Constituição da República brasileira (ano de 1946) manteve a instituição do
júri, determinando sua competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Além
disso, conferiu-lhe as garantias do sigilo das votações, da plenitude de defesa e da soberania
dos veredictos. Sendo soberana a decisão, não mais podia ser reformada pelo Tribunal de
Apelação, mas somente revista pelo próprio corpo de jurados. 13
Já em 1967, período em que o Brasil passava pela ditadura militar, foi editada nova
Constituição, que, apesar de manter o Tribunal do Júri, não lhe conferiu as garantias da
plenitude de defesa e do sigilo das votações.14
Somente com o fim da ditadura militar e com a reinstauração da democracia, que
culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988, é que o Tribunal do Júri
ganhou novos contornos, muito semelhantes aos conferidos pela Constituição de 1946.
Conforme dispõe o artigo 5º da Constituição referida:
XXXVIII- é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:
a)
b)
c)
d)
12
a plenitude de defesa;
o sigilo das votações;
a soberania dos veredictos;
a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.15
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 597-605.
Ibidem, p. 597-605.
14
RANGEL, ob. cit., p. 606-608.
15
BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 12 abr. 2012.
13
14
Vê-se, pois, que a instituição do júri trilhou um longo caminho até ganhar os atuais
contornos, com as garantias que lhe são inerentes, entre elas, a de resguardar o direito de o
acusado de praticar ato doloso contra a vida ser julgado por pessoas do povo. Para tanto, o
Código de Processo Penal prevê um procedimento especial que deve ser observado.
O procedimento que rege o Tribunal do Júri está previsto no Livro II (Dos Processos
em Espécie), Título I (Do Processo Comum) do Código de Processo Penal. Entretanto, apesar
de não estar inserido no título referente ao processo especial, pela leitura dos artigos
correspondentes, é cediço que o Júri se configura como procedimento especial.
O procedimento do Júri é bifásico. Isso significa dizer que, para fins de julgamento do
acusado, há duas fases. Na primeira delas, denominada de “instrução preliminar”, um juiz
togado, chamado de Juiz-Presidente, conduz o julgamento. Na segunda, o Conselho de
Sentença, composto por sete jurados, pessoas do povo, escolhidas por meio de sorteio, é quem
o faz.16
A primeira fase é reservada para definir a competência do Tribunal do Júri, na qual se
constata a provável ou possível existência de um crime doloso contra a vida. Isso porque,
nesse momento, o juiz apenas emite um juízo de probabilidade, cabendo ao Júri a decisão
final sobre a existência ou não do crime. 17
Essa primeira fase tem início com o recebimento da denúncia pelo juiz. Uma vez
recebida, o acusado é citado para, dentro de dez dias, oferecer resposta. Essa defesa é
obrigatória e, caso não ofertada, o juiz designa defensor dativo para fazê-la, sob pena de
serem nulos os atos seguintes.18 Posteriormente, é dada vista à acusação. Após, é realizada
audiência para a oitiva de testemunhas arroladas pela acusação e defesa, devendo ser ouvidas
nesta ordem. Em seguida, após apresentadas as alegações finais, é prolatada a sentença,
momento em que o juiz poderá: a) pronunciar o acusado, caso em que ele será submetido ao
julgamento pelo Conselho de Sentença; b) impronunciá-lo; c) absolvê-lo sumariamente; ou, d)
desclassificar o delito.
Quando o juiz entender estar provada a inexistência do fato ou não ser o réu o autor ou
o partícipe do delito, não constituir o fato infração penal ou estar demonstrada causa de
isenção da pena ou exclusão do crime, com exceção dos casos de inimputabilidade para os
16
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p.712.
Ibidem, p.712.
18
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, vol. II. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 278.
17
15
quais seja cabível a aplicação da medida de segurança, poderá absolver sumariamente o
acusado.19
Se entender não ser caso de absolvição sumária, mas também não estiver convencido
de que há elementos suficientes indicativos de autoria ou materialidade do fato para
pronunciar o réu, proferirá o magistrado decisão de impronúncia. Essa hipótese representa
uma sentença sem resolução de mérito, podendo o processo ser reaberto a qualquer tempo, se
surgirem novas provas, desde que antes da extinção da punibilidade do agente.
O problema reside assim na possibilidade, prevista no parágrafo único, de o
processo ser reaberto a qualquer tempo, enquanto não estiver extinta a punibilidade,
se surgirem novas provas. A impronúncia não resolve nada. Gera um angustiante e
ilegal estado de “pendência”, pois o réu não está nem absolvido, nem condenado. E
o que é pior, pode voltar a ser processado pelo mesmo fato a qualquer momento.20
Resta patente que a decisão de impronúncia sofre críticas da doutrina, porquanto não
absolve o acusado, não o submete ao julgamento pelo Conselho de Sentença, nem o condena,
deixando-o em uma em uma espécie de “limbo”, uma vez que pode ver-se novamente
processado (continuidade do processo) pelo mesmo fato, desde que surjam novas provas.
A desclassificação do delito pode ser própria ou imprópria. A primeira consiste em
uma decisão pela qual o juiz reconhece a existência de crime diverso dos crimes dolosos
contra a vida.21 Desse modo, em vez de ser o acusado submetido ao julgamento do Conselho
de Sentença, os autos são remetidos ao juiz competente. Já na imprópria, o magistrado não
concorda com a classificação jurídica atribuída pela acusação ao delito, enquadrando-o em um
tipo penal diverso, mas que permanece sendo de competência do Júri, devido ser classificado
como crime doloso contra a vida. “Nesse caso opera-se uma desclassificação para outro crime
que continua sendo de competência do júri, de modo que o juiz desclassifica, mas
pronuncia”. 22
Por fim, a decisão de pronúncia é aquela que submete o acusado ao julgamento pelo
Tribunal do Júri. Somente será proferida se o juiz se convencer da suposta autoria do fato e se
19
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal, art. 415. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 1º mai. 2012.
20
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, vol. II. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 292.
21
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p.712.
22
LOPES JUNIOR, op. cit., p. 299.
16
verificar a provável existência de um crime doloso contra a vida. Na sentença, portanto, o juiz
se limita a indicar a existência do delito e de indícios suficientes de autoria, sem afirmá-las.
Trata-se de um juízo de verossimilhança. Eugênio Pacelli de Oliveira explica que:
A pronúncia, portanto, é a delimitação quase integral da matéria a ser submetida ao
julgamento em plenário. Dela deverá constar, assim, a narração do fato delituoso, tal
como ali reconhecido, incluindo as circunstâncias qualificadoras e as causas de
aumento (art. 413, § 1º, CPP). As causas de privilégio e de diminuição de pena, bem
como as atenuantes e agravantes, poderão ser reconhecidas ainda que não constantes
da pronúncia.23
A par disso, importa registrar que a decisão da primeira fase delimita os contornos da
acusação a ser deduzida em plenário. Um processo que tem por objeto um crime doloso
contra a vida está apto, portanto, a ser julgado pelo Conselho de Sentença, após o juiz togado
pronunciar o réu, momento em que se encerra a primeira fase.
No instante em que preclusa a via recursal para impugnar a pronúncia, inicia-se a
segunda fase, sendo os autos encaminhados ao Juiz-Presidente do Tribunal do Júri. Este, por
sua vez, intimará as partes para que apresentem o rol de testemunhas que serão ouvidas em
plenário e indiquem as provas que pretendem produzir. Após, o juiz procede ao saneamento
do feito, solucionando eventuais irregularidades e determinando as providências necessárias. 24
Superado esse momento, elabora um relatório em que descreve todos os atos realizados até
então e inclui o processo em pauta para julgamento pelo Tribunal do Júri.
O júri é composto por um juiz togado (denominado de Juiz-Presidente) e por 25 (vinte
e cinco) jurados, dentre os quais são sorteados 7 (sete) para compor o Conselho de Sentença,
sendo estes os responsáveis pelo julgamento. No entanto, para que seja possível fazer o
sorteio, é necessário que na data da sessão compareçam, no mínimo, 15 (quinze) jurados,
instante em que o Juiz-Presidente declara instalados os trabalhos e anuncia o processo a ser
submetido a julgamento. Caso não completado esse número mínimo de jurados, realiza-se um
sorteio de suplentes, tantos quantos necessários, e designa-se nova data para a sessão do júri. 25
Aos jurados também se aplicam as regras de imparcialidade e de suspeição aplicáveis
aos juízes togados. Dessa forma, se verificados tais vícios, devem ser reconhecidos de ofício
23
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p.724.
Ibidem, p.727.
25
OLIVEIRA, op. cit., p. 731.
24
17
pelos jurados. Caso não o sejam, as partes podem fazê-lo oralmente, de forma motivada,
devendo o presidente do Tribunal do Júri decidir de plano. Podem acusação e defesa, ainda,
recusar imotivadamente até 3 (três) jurados cada uma. 26
O artigo 436 do Código de Processo Penal dispõe que o serviço do júri é obrigatório,
não podendo nenhum cidadão ser excluído dos trabalhos ou deixar de ser alistado em razão de
cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de
instrução. Prevê, além disso, multa para recusa injustificada ao serviço do júri.
Em contrapartida, os artigos 437 e 426, parágrafo 4º, do mesmo diploma preveem
casos de isenção dessa obrigatoriedade e caso em que o jurado está proibido de compor o
Conselho de Sentença, respectivamente, mitigando essa obrigatoriedade prevista no artigo
anteriormente referido (artigo 426, § 4º, do Código de Processo Penal).
Seguem os casos de isenção do serviço do júri:
Art. 437. Estão isentos do serviço do júri:
I – o Presidente da República e os Ministros de Estado;
II – os Governadores e seus respectivos Secretários;
III – os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das
Câmaras Distrital e Municipais;
IV – os Prefeitos Municipais;
V – os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública;
VI – os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria
Pública;
VII – as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública;
VIII – os militares em serviço ativo;
IX – os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram sua dispensa;
X – aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento.27
A proibição, por sua vez, restringe que um mesmo cidadão componha, em período
menor do que 12 (doze) meses, a lista geral do Conselho de Sentença. Esse veto é decorrente
da ideia de evitar que o indivíduo se torne um jurado “profissional”, desvirtuando um dos
ideais da instituição do júri, que é a do julgamento do acusado por seu semelhante, alguém
leigo, sem os vícios do judiciário, como melhor explica Aury Lopes Júnior:
26
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012, p. 731.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 1º mai. 2012.
27
18
Quanto ao alistamento dos jurados, será feito nos termos dos arts. 425 e 426,
destacando-se a proibição de que o cidadão que tenha integrado o conselho de
sentença nos últimos 12 meses (ou seja, na lista anterior) seja incluído na lista geral.
A função de tal proibição é ventilar o conselho de sentença e evitar a figura do
“jurado profissional”, que ano após ano participe dos julgamentos, pois isso vai de
encontro com o próprio fundamento legitimante do júri: que pessoas do povo, sem
os vícios e cacoetes do ritual judiciário, integrem o júri. O leigo que
sistematicamente participa dos júris acaba constituindo a pior figura de jurado, pois
ele continua não sabendo nada de direito penal e processo penal, mas, pelas
sucessivas participações, pensa que sabe algo... Também visa diminuir a
contaminação pelas constantes presenças nos julgamentos e a proximidade que isso
possa trazer em relação ao promotor e advogados que lá costumam atuar.28
Escolhidos os sete jurados e prestados os compromissos, é iniciada a instrução
plenária. Nessa fase, toma-se o depoimento, se possível, do ofendido, o depoimento das
testemunhas, primeiramente as da acusação e em seguida as da defesa, procede-se à oitiva dos
peritos, em havendo, às acareações, ao reconhecimento de pessoas ou coisas e, ao final,
procede-se ao interrogatório do acusado.29
Encerrada a instrução, é concedida a palavra por uma hora e meia ao Ministério
Público, que fará a acusação nos limites da pronúncia, podendo, entretanto, sustentar a
existência de circunstância agravante. Após, é dada a palavra à defesa, por igual tempo.
Poderá haver réplica e tréplica, por uma hora, cada.30
É matéria vedada nos debates orais a referência a termos da pronúncia, salvo quando
relativo à questão de direito (como por exemplo, a inexistência de qualificadora), e o silêncio
ou ausência do acusado em plenário. Além disso, os jurados não podem manifestar sua
opinião sobre o caso nem entre si e nem com terceiros, em razão da regra da
incomunicabilidade. 31 Essa regra, como referido anteriormente, foi introduzida no Júri
brasileiro no ano de 1938, na época do Estado Novo e perdura até os dias atuais.
Concluídos os debates, o juiz presidente indaga se os jurados estão habilitados a julgar
ou se necessitam de maiores esclarecimentos. Estando habilitados, procede-se à quesitação. O
presidente lê os quesitos e explica o respectivo conteúdo e finalidade. 32
28
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, vol. II. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 304.
29
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal, artigos 473 e 475. Rio de Janeiro, 1941. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 05 mai. 2012.
30
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal, artigos 476 e 477. Rio de Janeiro, 1941. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 05 mai. 2012.
31
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012, p.739.
32
Ibidem, p. 740.
19
Os quesitos seguem a uma ordem de interrogação, qual seja:
a) sobre a materialidade do fato: isto é, sobre a existência do fato, nos limites
em que imputado ao acusado. A indagação deverá abranger, sobretudo, o
resultado, ou seja, a efetiva lesão ao bem jurídico. [...] b) sobre a autoria e a
participação: aqui será preciso atentar à modalidade descrita na acusação e
reconhecida na pronúncia. [...] c)se o acusado deve ser absolvido [...] d) se
existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa. [...] e) se existe
circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na
pronúncia ou em decisões a ela posteriores [...].33
A resposta negativa por maioria (mais de três jurados) a qualquer dos quesitos, implica
na absolvição do acusado e o consequente encerramento da votação. Se respondidos
afirmativamente os quesitos referentes à materialidade e à autoria do fato, questiona-se se os
jurados absolvem o acusado. Respondendo a maioria negativamente, continua-se a quesitação,
indagando sobre as causas de aumento e diminuição de pena e existência de qualificadoras.
Se o juiz verificar que há contradição insuperável entre as respostas, deve repetir a
operação, esclarecendo aos jurados os pontos de contradição.
Respondidos os quesitos, o Juiz-Presidente lavra a sentença, a qual poderá ser de
condenação ou de absolvição do réu, de acordo com as respostas dos jurados à quesitação. Se
da decisão dos jurados resultar a desclassificação do crime para outro que não seja da
competência do Júri, o Juiz-Presidente será o legitimado a proferir a sentença. A decisão,
após, é lida em plenário pelo juiz, antes de encerrada a sessão de instrução e julgamento.34
Da decisão proferida no Tribunal do Júri, cabe o recurso de apelação, quando ocorrer
nulidade posterior à pronúncia, for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à
decisão dos jurados, houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de
segurança ou for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.35
Do contrário, a decisão proferida é soberana, não cabendo aos Tribunais a sua
modificação. Portanto, há uma delimitação expressa à matéria que pode ser hipótese de
recurso, limitando o princípio do duplo grau de jurisdição e, ao mesmo tempo, assegurando o
princípio da soberania dos veredictos.
33
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012, p. 736.
Ibidem, p. 740.
35
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal, artigo 593, inciso III. Rio de Janeiro, 1941.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 1º mai. 2012.
34
20
1.2 Princípio do Devido Processo Legal: contraditório, ampla defesa e duplo grau de
jurisdição
A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LIV, garante que ninguém será privado de
seus bens ou de sua liberdade sem o devido processo legal. Isso significa que, para cada tipo
de litígio, a lei vai apresentar uma forma de composição jurisdicional, a qual deverá ser
observada pelos sujeitos processuais, de maneira a garantir o correto desenvolvimento do
processo.
A origem desse princípio remonta à Carta Magna inglesa do ano de 1215, a qual
garantia que somente poderia ser aplicada sanção de acordo com a lei da terra (by the law of
the land). Em 1355, a expressão passou de “lei da terra” para a atual “devido processo legal”,
pois o rei inglês Eduardo III foi obrigado pelo parlamento a aceitar um Estatuto que dispunha
sobre o devido processo legal (due process of law). Essa garantia passou às colônias
americanas e, posteriormente, foi incorporada pelo próprio sistema constitucional federal dos
Estados Unidos da América, no ano de 1791.36
Para efeito de registro histórico, esse princípio tem sua origem na Magna Carta
inglesa, de 1215, na qual apresentava redação que costuma ser assim traduzida:
“nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou
colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não
procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento
regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país”.37
Foi a Inglaterra, portanto, a pioneira na criação e aplicação do princípio do devido
processo legal, o qual, hoje, encontra-se inserido em diferentes legislações de diversos países.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 incorporou o devido processo legal,
inovando em relação às Cartas anteriores, pois fez previsão expressa a esse princípio.38
Em um Estado Democrático de Direito, como o Brasil, o princípio se consubstancia
em uma garantia processual do indivíduo. Assim, todo processo, seja administrativo ou
judicial, deve respeitar o trâmite, com as suas devidas formalidades, previsto em lei, para
36
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 29.
VICENTE, Paulo; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2009, p. 162.
38
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2009, p.106.
37
21
privar alguém de seus bens ou de sua liberdade, sob pena de não ser válido o ato processual,
como explica Rangel:
O princípio significa dizer que se devem respeitar todas as formalidades previstas
em lei para que haja cerceamento da liberdade (seja ela qual for) ou para que alguém
seja privado de seus bens. Assim, para que Tício, por exemplo, perca sua liberdade
de locomoção, mister se faz o respeito à regra do art. 302 do CPP ou à ordem
judicial (cf. art. 5º, LXI, da CRFB).
A tramitação regular e legal de um processo é a garantia dada ao cidadão de que
seus direitos serão respeitados, não sendo admissível nenhuma restrição aos mesmos
que não prevista em lei.39
O devido processo legal, portanto, representa uma dupla proteção ao sujeito, pois atua
tanto no âmbito material de proteção ao seu direito de liberdade, quanto no formal, ao garantir
paridade de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa, que se materializa no
direito à publicidade do processo, ao duplo grau de jurisdição, à defesa técnica, à produção de
provas, à garantia de ser julgado pelo juiz competente e natural da causa e à produção de
provas, por exemplo.40
No Tribunal do Júri, esse princípio se concretiza quando o rito previsto na Lei é
observado, garantindo, assim, ao acusado o julgamento pelo juiz competente da causa, qual
seja, o Conselho de Sentença, respeitando a ordem de inquirição das testemunhas, devendo
ser ouvidas primeiro as arroladas pela acusação, após as pela defesa; quando o réu tem
respeitado seu direito ao silêncio, sem que isso lhe traga prejuízos; ou, ainda, por exemplo,
quando o interrogatório do réu é a última fase da instrução probatória.
Desse princípio constitucional, por corolário, decorrem outros, como o do
contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. Esses dois primeiros princípios
também têm previsão expressa na Magna Carta. Conforme estabelece o artigo 5º, inciso LV,
“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. 41
Contraditório é o direito que o indivíduo tem de tomar conhecimento de todos os atos
do processo e de contraditar tudo o que a parte adversa alega ou prova nos autos. Assim, esse
princípio constitucional impõe a condução dialética do processo, pois todo ato produzido pela
39
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 04.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2009, p.106.
41
BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 mai. 2012.
40
22
acusação outorga igual direito à defesa de se opor a ele, “de apresentar suas contra-razões
(sic), de levar ao juiz do feito uma versão ou uma interpretação diversa daquela apontada
inicialmente pelo autor”.42 Por essa razão, o contraditório também assegura a paridade das
partes no processo, pois iguala o direito de defesa com o de acusação, conforme ensina
Mirabete:
Corolário do princípio da igualdade perante a lei, a isonomia processual obriga que
a parte contrária seja também ouvida, em igualdade de condições (audiatur et altera
pars). A ciência bilateral dos atos e termos do processo e a possibilidade de
contrariá-los são os limites impostos pelo contraditório a fim de que se conceda às
partes ocasião e possibilidade de intervirem no processo, apresentando provas,
oferecendo alegações, recorrendo das decisões etc.
Do princípio do contraditório decorre a igualdade processual, ou seja, a igualdade
de direitos entre as partes acusadora e acusada, que se encontram num mesmo plano,
e a liberdade processual, que consiste na faculdade que tem o acusado de nomear o
advogado que bem entender, de apresentar as provas que lhe convenham etc.43
Nessa senda, é essencial que o acusado tenha um defensor técnico, a fim de garantir o
equilíbrio da relação jurídica processual, mantendo a harmonia entre os bens jurídicos que se
contrapõem, quais sejam, “o direito do Estado de punir e a proteção dos direitos e das
garantias do acusado”.44 Tanto é assim, que o Código de Processo Penal prevê que se o réu
não for encontrado ou se citado não nomear advogado, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz,
para proceder à sua defesa processual, resguardando seu direito a uma defesa adequada.45
Tamanha é a importância desse princípio que sua não observância pode ocasionar uma
nulidade processual absoluta quando em prejuízo da defesa. Já quando violado em relação à
acusação é necessária a arguição expressa da irregularidade nas razões de recurso, sob pena de
preclusão, ainda que seja absoluta a nulidade. 46
A ampla defesa, por sua vez, assegura ao réu condições para trazer ao processo tudo
quanto possa ser usado para exercitar sua defesa, até mesmo o direito de omitir-se ou calar-se
quando entender necessário.47
42
VICENTE, Paulo; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2009, p. 166.
43
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 46-47.
44
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 18.
45
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal, artigo 261. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 10 mai. 2012.
46
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p.43.
47
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2009, p.106.
23
Dessa forma, a ampla defesa se exterioriza no processo quando é resguardada a defesa
adequada ao réu (defesa técnica) e a sua autodefesa, manifestada na fase do interrogatório,
seja ela positiva, quando o acusado expressa os motivos e justificativas ou negativas de
autoria e materialidade, seja ela negativa, quando se nega a prestar declarações, exercendo seu
direito ao silêncio; quando são assegurados todos os meios de provas hábeis a provar a sua
inocência; ou, quando lhe é garantido o direito ao duplo grau de jurisdição, a fim de ter o
reexame de decisão com a qual não concorda.48
Junto ao princípio do contraditório, portanto, a ampla defesa é essencial ao processo,
pois se configura como a garantia do cidadão de ter um julgamento justo e equitativo, diante
do aparato persecutório penal.
Já o princípio do duplo grau de jurisdição tem íntima ligação com o princípio da ampla
defesa, pois garante ao acusado a revisão de decisão que seja contrária aos seus interesses,
implicando no direito de obter novo julgamento em substituição ao primeiro. Representa,
portanto, “importante garantia para o indivíduo que seja parte em um dado processo, pois
assegura que a sua lide será apreciada, no mínimo, por dois juízos diferentes, por duas
instâncias distintas”.49
Esse princípio tem previsão constitucional, apesar de não constar de forma expressa,
decorrendo da fixação da competência dos tribunais para julgar em grau de recurso
determinadas causas.50 Além disso, desde 1992, quando o Brasil ratificou a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, o princípio do duplo grau passou a integrar o direito
positivo brasileiro em nível supralegal, uma vez que tal Convenção assegura, no artigo 8, n. 2h, ao acusado o direito de recorrer de decisão para juiz ou tribunal superior. Convém expor
que os dispositivos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos “colocam-se no
mesmo nível das regras constitucionais, por força do disposto no art. 5º, § 2.º CF”.51
Assim, devem existir, ao menos, duas instâncias diversas para julgar o processo, bem
como deve ser disponibilizado às partes recurso cabível de modo a devolver à segunda
instância a matéria apreciada e decidida no primeiro grau, para que novamente a aprecie e a
48
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, vol. II. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 199-209.
49
VICENTE, Paulo; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2009, p. 169.
50
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 53.
51
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 24.
24
decida. 52 Desse modo, o princípio do duplo grau de jurisdição significa que a revisão da
decisão é feita por órgão hierarquicamente superior ao que a proferiu, não podendo se falar,
por exemplo, em duplo grau quando ocorre o juízo de retratação, que é a revisão decorrente
da interposição de recursos como o de agravo de execução ou do recurso em sentido estrito,
ou na revisão operada em decorrência dos embargos declaratórios, quando o próprio juiz que
proferiu a decisão procede à sua revisão. 53
A revisão de uma decisão por outro órgão fundamenta-se na inconformidade do
vencido e na subjetividade do ser humano, que, ao julgar, pode proferir decisão injusta ou
incorreta. Podem ser incluídos, também, como fundamentos jurídicos, a obrigação psíquica a
que fica submetido o juiz de primeiro grau em bem julgar, quando ciente de que passível de
revisão seu julgamento; e, a experiência dos julgadores de instância superior, uma vez que a
composição dos tribunais decorre de promoções por merecimento e antiguidade.
54
Nada garante, porém, que a decisão do tribunal será melhor do que a proferida em
primeiro grau, porque, em geral, é o juiz recorrido quem teve contato com as partes e as
provas. Devido a isso, há uma tendência no processo contemporâneo de reservar ao duplo
grau de jurisdição a apreciação de questões de direito, não devolvendo ao tribunal a
apreciação das questões de fato, a menos que toda prova seja novamente reproduzida em
segundo grau.55
O princípio não se restringe às sentenças que põem fim ao processo, estendendo-se,
excepcionalmente, a algumas decisões interlocutórias, as quais são decididas pelo juiz no
curso do processo, sem pôr fim a esse. Como ensina Grinover:
Diversamente do que ocorre para o processo civil, em que as decisões interlocutórias
são impugnáveis pelo agravo (art. 522 CPC), no processo penal a regra para as
decisões proferidas no curso do processo é sua irrecorribilidade, com as exceções do
art. 581 CPP e outras expressamente previstas em leis especiais.56
52
VICENTE, Paulo; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2009, p. 169.
53
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p.854.
54
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 21-22.
55
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 22.
56
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 26.
25
Apesar de não haver previsão de recurso para algumas decisões interlocutórias, essas
podem ser impugnadas por meio de ações autônomas, como habeas corpus, mandado de
segurança e correição parcial, podendo, ainda, o conteúdo ser reexaminado como preliminar
de apelação, pois não serão atingidas pela preclusão.57
No caso do Tribunal do Júri, o duplo grau de jurisdição encontra limites no princípio
constitucional da soberania dos veredictos, uma vez que o recurso que reexamina a decisão
proferida pelo Júri é cabível somente em hipóteses taxativas.
1.3 O recurso de apelação e o princípio da soberania dos veredictos no Tribunal do Júri
O Constituinte, ao instituir o Tribunal do Júri como um órgão do Poder Judiciário que
julga crimes dolosos contra a vida, imprimiu à instituição a característica do julgamento dos
delitos por cidadãos, pessoas não togadas e sem formação jurídica. Nessa senda, também foi
agregada a característica da soberania dos veredictos, a fim de garantir que o julgamento
atribuído pela vontade popular não seja modificado, propagando a ideia de irrecorribilidade da
decisão.
A soberania dos veredictos tem previsão constitucional no artigo 5º, inciso XXXVIII,
alínea ‘c’.58 Apesar de estabelecer a ideia de irrecorribilidade das decisões do Júri, em
hipóteses taxativas (artigo 593 do Código de Processo Penal), prevê o legislador a
possibilidade de recurso da sentença proferida. Entretanto, o mérito da decisão não é revisto
pela instância superior, e, sempre que necessário novo julgamento, este será proferido pelo
próprio Tribunal do Júri, o que “denota uma intenção definida e expressa do constituinte de
tornar soberana, a última instância de julgamento, o Tribunal do Júri no Brasil.”.59
57
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 26.
58
BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 28 mai. 2012.
59
NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 85.
26
Nesse senda, é a lição de Moraes:
A possibilidade de recurso de apelação, prevista no Código de Processo Penal,
quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos, não
afeta a soberania dos veredictos, uma vez que a nova decisão também será dada pelo
Tribunal do Júri.
Assim entende o Supremo Tribunal Federal, que declarou que a garantia
constitucional da soberania do veredicto do júri não exclui a recorribilidade de suas
decisões. Assegura-se tal soberania com o retorno dos autos ao Tribunal do Júri para
novo julgamento.60
O recurso de apelação interposto das decisões do Tribunal do Júri tem caráter restrito,
pois à instância superior não é devolvido o conhecimento pleno da causa criminal, “ficando o
julgamento adstrito exclusivamente aos fundamentos e motivos invocados pelo recorrente
para interpô-lo.”.61 O Supremo Tribunal Federal editou a súmula 713, a qual dispõe que “o
efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos da sua
interposição.”.62 Esta orientação denota o caráter restrito do recurso interposto das decisões
proferidas pelos jurados, pois está em clara contraposição ao que ocorre nas apelações das
demais decisões criminais que, quando interpostos pela defesa, devolvem ao Tribunal toda a
matéria decidida para apreciação, ainda que não recorrida expressamente.
Evidencia-se, portanto, que o Tribunal Superior não pode designar novo julgamento
quando da interposição de uma apelação, senão pelo fato de os jurados terem decidido
contrariamente à prova coligida aos autos ou em face de alguma nulidade. Assim, é defeso à
instância superior anular a decisão do júri por entender que esta está em desconformidade
com a doutrina ou jurisprudência dominante, pois os jurados não têm obrigação de conhecer
ou julgar conforme tais posicionamentos. Tanto é assim que a Constituição Federal de 1988
garantiu ao Tribunal do Júri o julgamento por íntima convicção, não sendo necessária a
motivação dos seus votos, presumindo-se que o Conselho de Sentença seria integrado por
pessoas leigas, sem conhecimento técnico em relação ao Direito.
Dessa forma, se o órgão ad quem julgar nula uma decisão dos jurados por estar em
desconformidade com orientação jurisprudencial dominante ou doutrina majoritária,
60
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2009, p. 89-90.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 694.
62
BRASIL.
Supremo
Tribunal
Federal.
Súmula
713.
Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=713.NUME. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas.
Acesso em: 29 mai. 2012.
61
27
designando novo júri, estará ofendendo ao princípio da soberania dos veredictos, pois
desconsiderará a decisão proferida, tentando amoldar os votos a um entendimento
predominante, destituindo-os da soberania que lhes é inerente, como bem explica Nucci:
(...) fere a soberania dos veredictos a decisão superior que determina novo
julgamento, fundamentada no art. 593, III, d, do CPP, quando não se trata de decisão
manifestamente contrária à prova dos autos e sim veredicto afrontoso à tese ou
posição, doutrinária ou jurisprudencial, majoritária. Não cabe à Câmara julgadora
amoldar a decisão do tribunal popular ao seu pensamento a respeito do caso e sim
analisar se os jurados optaram por uma das versões que se pode extrair da prova dos
autos.63
Outro ponto que merece destaque é a possibilidade de modificação pelo órgão ad
quem das qualificadoras reconhecidas pelo júri, para o fim de afastá-las, quando em favor do
acusado. É entendimento do Superior Tribunal Federal que tais decisões alteram apenas os
elementos circunstanciais ou acidentais do delito. 64 Grinover entende que os jurados são livres
para reconhecer ou não circunstâncias atenuantes, porém, “se votam negativamente, nada
impede que o Magistrado, ou o Tribunal em apelação, se estiver plenamente evidenciada
alguma atenuante a leve em conta na fixação da pena”. 65 Entretanto, tal entendimento “esbarra
no fato de que se dá nova classificação jurídica ao fato criminoso, o que é vedado ao Juízo ad
quem por violar o princípio agora novamente constitucional de soberania dos veredictos.”. 66
Há de se considerar, no entanto, que a revisão do julgamento do tribunal popular pela
instância superior também se configura em importante garantia ao réu. A decisão dos jurados
é passível de equívoco, não podendo, contudo, ser imputado um erro crasso cometido pelo
Conselho de Sentença ao acusado, impedindo a revisão pelo Tribunal Superior em face da
soberania da votação do tribunal popular. Nessa linha, Nucci defende que não há hierarquia
entre normas constitucionais, devendo haver uma harmonia entre elas, conforme a situação
concreta, ora prevalecendo a soberania dos veredictos, ora se possibilitando a revisão criminal
em favor do réu, afirmando que:
63
NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 100.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 695.
65
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 125.
66
MIRABETE, ob. cit., p. 695.
64
28
(...) não há hierarquia entre normas constitucionais, embora as consideradas
cláusulas pétreas gozem de uma superioridade axiológica sobre as demais, porque
carregam o cuidado especial do constituinte, impedindo que sejam suprimidas pelo
poder constituinte derivado. Mas, se as normas de igual valor – como é o caso de
uma garantia individual contra outra garantia individual – entram em choque, ao
menos aparente, não se pode anular uma em favor de outra. É preciso e possível
harmonizá-las.67
Dessa forma, a soberania dos veredictos representa a impossibilidade de o magistrado
modificar as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, impossibilidade, contudo, mitigada
pelas hipóteses taxativas do artigo 593 do Código de Processo Penal, casos expressos pelos
quais pode haver recurso da decisão do Conselho de Sentença, autorizando ao julgador apenas
determinar novo julgamento pelo próprio tribunal popular, se reconhecidas as hipóteses das
alíneas ‘a’ (ocorrer nulidade posterior à pronúncia) e ‘d’ (for a decisão dos jurados
manifestamente contrária à prova dos autos) do mencionado artigo.
A importância do princípio constitucional é imprimir supremacia ao julgamento
proferido pelo Tribunal do Júri. Se não fosse assim, a previsão da Carta Magna de um tribunal
popular para julgar crimes dolosos contra a vida restaria violada, pois as decisões seriam
substituídas pelas da instância superior na maioria das vezes, visto que o julgamento dos
jurados é imotivado e independente de conhecimento técnico, caso em que tais características
seriam utilizadas como argumento para posterior modificação da sentença pelo colegiado.
Assim, essencial que, devido à importância da instituição do júri, lhe seja atribuída essa
característica capaz de garantir a sua supremacia. Nos dizeres de Nucci:
A soberania dos veredictos foi proclamada em defesa da instituição do júri, pois sem
soberania o tribunal popular torna-se meramente consultivo. Não haveria qualquer
interesse das partes em produzir suas provas diante do colegiado popular que não
tivesse supremacia e independência para julgar.68
A soberania dos veredictos, portanto, não é um princípio absoluto, permitindo a
revisão dos julgados do tribunal popular pela segunda instância. O que não pode ocorrer,
entretanto, sob pena de afronta ao princípio constitucional, é a modificação da decisão dos
jurados por tribunal que não o do Júri. Em suma, significa dizer que, havendo nulidade
posterior à pronúncia ou sendo o julgamento dos jurados manifestamente contrário à prova
67
NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 113.
Ibidem, p. 120.
68
29
dos autos, cabe reforma da decisão, porém, com a ressalva de que esse novo julgamento deve
ser proferido pelo Conselho de Sentença, não cabendo ao Tribunal Superior o julgamento do
mérito.
30
2 O SANEAMENTO DAS NULIDADES PROCESSUAIS E A REFORMATIO IN
PEJUS NO PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI
O processo é composto de uma sequência de atos, os quais devem ser observados
pelas partes, conforme previstos pelo legislador. Não se trata de um apego ao formalismo,
mas de uma garantia processual, porquanto confere segurança jurídica, ao permitir que a parte
possa prever qual ato deve praticar e qual será manejado posteriormente pelos demais
participantes da relação processual.
Dessa forma, somente o ato que for praticado em conformidade com a previsão da
legislação e estiver apto a produzir os efeitos jurídicos desejados é considerado válido; aos
demais, que não atenderem aos requisitos dispostos em lei, são aplicadas ‘sanções’, as quais
variam de acordo com “a maior ou menor intensidade do desvio do tipo legal”. 69
Assim, os atos processuais podem ser divididos em atos inexistentes, irregulares e
nulos. Diz-se inexistente o ato quando falta algum dos elementos exigidos em lei de forma
absoluta. Na realidade, são considerados “não-atos, em relação aos quais não se cogita de
invalidação, pois a inexistência constitui um problema que antecede a qualquer consideração
sobre a validade”.70 Assim, os atos inexistentes não estão aptos a produzir qualquer efeito
jurídico.
Os atos irregulares, por sua vez, são aqueles que atuam em desconformidade com o
previsto no ordenamento jurídico, mas que, apesar disso, não comprometem a finalidade
almejada, atingindo, de uma maneira ou de outra, o fim desejado. Desse modo, o ato irregular
pode ser eficaz, desde que a irregularidade não o descaracterize. O Código de Processo Penal
(CPP) contempla essa categoria de ato no artigo 564, inciso IV. É o que ensina Grinover:
69
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no
processo penal. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 22.
70
Ibidem, p. 22.
31
O CPP também acolhe essa categoria ao prever, no art. 564, IV, a nulidade “por
omissão de formalidade que constitua elemento essencial ao ato”; assim, o legislador
admite que a omissão de formalidades não-essenciais não acarreta consequências,
em relação à validade do ato; pode ocorrer, em alguns casos, que o ato irregular seja
considerado eficaz, recaindo a sanção pela irregularidade no responsável pela
mesma; é o que sucede, por exemplo, com o oferecimento de uma denúncia fora do
prazo legal: o ato é válido, mas o promotor poderá estar sujeito a uma penalidade no
âmbito administrativo pelo atraso.71
Por fim, os atos nulos são imperfeitos porque, na medida em que são praticados em
desacordo com a previsão legal, podem se tornar inaptos a produzir efeitos no mundo jurídico,
tornando ineficaz o próprio ato praticado ou, até mesmo, todo o processo. Essa inaptidão é
decretada judicialmente, pois não há nulidade sem que haja uma apreciação na via judicial.
“A nulidade, portanto, é, sob um aspecto, vício, sob outro, sanção, podendo ser definida como
a inobservância de exigências legais ou uma falha ou imperfeição jurídica que invalida ou
pode invalidar o ato processual ou todo o processo”.72
O ato processual pode ser convalidado ou não, a depender se a nulidade é relativa ou
absoluta. Se a nulidade for relativa, o ato poderá ser convalidado, produzindo efeitos ex tunc,
sendo que o ato não produzirá efeitos até que seja sanado. Em contrapartida, se a nulidade for
absoluta, não produzirá nenhum efeito, pois não há forma de sanear o “defeito” do ato.73
Desse modo, uma vez verificado que o ato é nulo, cabe identificar se a nulidade é
relativa ou absoluta, pois o efeito processual desencadeado depende dessa distinção.
2.1 Nulidades processuais relativas e absolutas: espécies e momento de arguição da
nulidade
A nulidade é a sanção imposta pelo juiz em razão da prática de um ato processual
defeituoso, sendo que, toda vez que o desatendimento a uma norma causar prejuízo a direito
de alguma das partes, será imperativa a sua imposição.74
71
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no
processo penal. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 23.
72
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 642.
73
Ibidem, p. 642.
74
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPODIVM , 2011,
p. 1025.
32
O ordenamento jurídico divide as nulidades em relativas e absolutas. A relativa é a
nulidade que pode ser convalidada, o que significa dizer que o vício é sanado ou não é
arguido no tempo oportuno, de modo que preclui a oportunidade de alegá-lo, impossibilitando
a declaração judicial da nulidade.
O artigo 572, inciso I, do CPP indica que as nulidades do artigo 564, no inciso III,
alíneas ‘d’ (falta de intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação intentada
pela parte ofendida quando se tratar de ação pública), ‘e’ (falta de concessão de prazos
concedidos à acusação e à defesa), ‘g’ (falta de intimação do réu para a sessão de julgamento,
pelo tribunal do júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia) e ‘h’ (falta de
intimação das testemunhas arroladas no libelo e na sua contrariedade, nos termos
estabelecidos pela lei), e no inciso IV (omissão de formalidade que constitua elemento
essencial do ato) são sanadas se não arguidas no tempo oportuno, se praticado o ato de outra
forma este houver atingido o seu fim ou se a parte, ainda que de forma tácita, tiver aceito seus
efeitos, ou seja, preclui o direito de argui-las e são convalidadas, produzindo efeitos
processuais normalmente, como se nenhum vício houvesse. 75
As absolutas, por sua vez, são as nulidades insanáveis, não passíveis de covalidação,
em decorrência do gravame que causam a alguma das partes processuais e ao processo em si.
Assim, podem ser arguidas por qualquer das partes ou declaradas de ofício pelo julgador, em
qualquer momento processual. 76 Infere-se que são nulidades absolutas as elencadas no artigo
564, incisos I, II e III, alíneas a; b; c; d e e, primeira parte; f; i; j; l; m; n; o; e, p, do Código
de Processo Penal, por exclusão, em decorrência do disposto no artigo 572 do CPP, que não
prevê a possibilidade de convalidação em tais casos.
Em resumo, são características das nulidades absolutas: “a) qualquer das partes pode
suscitá-las, independentemente de ter ou não interesse; b) o próprio juiz deve declará-las,
independentemente de provocação; c) são insanáveis; d) delas as partes não podem dispor”. 77
O artigo 564 do Código de Processo Penal estabelece algumas hipóteses de nulidades,
sendo tal rol exemplificativo, ou seja, ainda que não haja previsão no CPP, pode ser um ato
considerado nulo se lhe faltar formalidade que constitua elemento essencial (inciso IV do
artigo acima mencionado) e causar gravame a direito de alguma das partes da relação jurídica.
75
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 652.
Ibidem, p. 652
77
MIRABETE, ob. cit., p. 654.
76
33
Inicia, o supracitado artigo, pontuando que se o juiz for incompetente ou suspeito, ou
se for subornado, haverá nulidade. A incompetência do juízo poderá ser ratione materiae (em
razão da matéria), ratione personae (em razão da pessoa) ou ratione locci (em razão do
local). A incompetência, seja em razão da pessoa, da matéria ou do local, gera nulidade
absoluta, não podendo se falar em convalidação da nulidade. O artigo 567 do Código de
Processo Penal, no entanto, expressa que serão anulados somente os atos decisórios, podendo
ser aproveitados os demais atos quando do recebimento do processo pelo juízo competente.
Essa disposição aplica-se somente aos casos de incompetência relativa, sendo que, se tratando
de incompetência em razão da matéria ou em razão da pessoa, tantos os atos decisórios,
quanto os demais atos, devem ser refeitos pelo juiz competente. Nestor Távora melhor
explica:
É a Constituição do Brasil que garante que ninguém será processado ou julgado
senão pelo juiz competente (art. 5º, LIII, CF/1988). [...]
É assim que a garantia constitucional do juízo competente não pode redundar em
invalidade de todo o processo, mas apenas dos atos decisórios ou dos instrutórios
que restaram comprometidos em virtude do vício de competência.
Portanto, é essencial a indicação de qual competência recai sobre o magistrado. Se
for absoluta, é natural que nenhum ato seja aproveitado, nem os decisórios, nem os
instrutórios, pois todos terão que ser refeitos perante o juízo competente.
Já se a nulidade é decorrente de incompetência relativa, admite-se o aproveitamento
dos atos de prova, sendo nulos os de caráter decisório. 78
As hipóteses de suspeição do juiz, por sua vez, estão elencadas no artigo 254 do CPP,
ocorrendo: quando o juiz for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; seu
cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre
cujo caráter criminoso haja controvérsia; se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou
afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de
ser julgado por qualquer das partes; se tiver aconselhado qualquer das partes; se for credor ou
devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; e, se for sócio, acionista ou administrador
de sociedade interessada no processo.
Ainda que não previstas de forma explícita, por analogia, pode-se acrescer a esse
inciso I do artigo 564 do CPP, as hipóteses de impedimento, estabelecidas no artigo 252, e de
incompatibilidade, do artigo 253, ambos do CPP. 79
78
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPODIVM , 2011,
p. 1056-1057.
34
O inciso II do artigo 564, por sua vez, dispõe que ocorre nulidade por ilegitimidade de
parte. A ilegitimidade referida é tanto a ad causam quanto a ad processum. A primeira
significa dizer que a ação penal deve ser intentada pela vítima ou, na sua falta, por seu
cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (artigo 31 do CPP), nas ações penais privadas; ou
pelo Ministério Público, nas ações penais públicas e nas subsidiárias da pública, e, neste
último caso, desde que haja representação da vítima. Ainda, que tal ação deve ser proposta em
face do ofensor/agente do crime. Já, a legitimidade ad processum se divide em três aspectos:
(1) a capacidade para ser parte: ser pessoa física ou jurídica (para os crimes em que
esta pode ser sujeito ativo);
(2) a capacidade processual para estar em juízo: no caso da pessoa física, ser maior
de 18 anos ou seu representante legal devidamente autorizado legalmente; e,
(3) capacidade postulatória (ser membro do Ministério Público nas ações públicas
ou ser advogado com procuração com poderes especiais nas ações penais
privadas)80.
O inciso III do mesmo artigo estabelece que haverá nulidade se faltar: a denúncia, a
queixa ou a representação (alínea ‘a’); o exame de corpo de delito nos crimes que deixam
vestígios (alínea ‘b’); a nomeação de defensor ao réu presente, que não o tiver, ou ao ausente,
e de curador ao menor de 21 anos (alínea ‘c’), o que, diga-se, não se aplica mais no atual
panorama jurídico, uma vez que, a maioridade dá-se a partir dos 18 anos; a intervenção do
Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte
ofendida, quando se tratar de crime de ação pública (alínea ‘d’); a citação do réu para ver-se
processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa
(alínea ‘e’); a sentença de pronúncia, o libelo e a entrega da respectiva cópia, com o rol de
testemunhas, nos processos perante o Tribunal do Júri (alínea ‘f’); a intimação do réu para a
sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia
(alínea ‘g’); a intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, nos termos
estabelecidos pela lei (alínea ‘h’); a presença pelo menos de 15 jurados para a constituição do
júri (alínea ‘i’); o sorteio dos jurados do conselho de sentença em número legal e sua
incomunicabilidade (alínea ‘j’); os quesitos e as respectivas respostas (alínea ‘k’); a acusação
e a defesa, na sessão de julgamento (alínea ‘l’); a sentença (alínea ‘m’); o recurso de oficio,
nos casos em que a lei o tenha estabelecido (alínea ‘n’); a intimação, nas condições
79
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPODIVM , 2011,
p. 1059.
80
Ibidem, p. 1055.
35
estabelecidas pela lei, para ciência de sentenças e despachos de que caiba recurso (alínea ‘o’);
e, no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Apelação, o quorum legal para o
julgamento (alínea ‘p’). O inciso IV dispõe, ainda, que haverá nulidade por deficiência dos
quesitos ou das suas respostas e se houver contradição entre estas, no rito do Tribunal do
Júri.81
Sem descartar a importância de nenhuma das alíneas supracitadas, algumas merecem
análise pormenorizada no presente trabalho. Conforme a alínea ‘e’, a falta do interrogatório
do réu constitui, em regra, nulidade absoluta. Isso porque, além de um importante ato para o
conhecimento do fato típico e do ofensor, o interrogatório se compõe como direito de defesa
do acusado. Assim, o juiz deve oportunizar ao réu a realização do interrogatório, entretanto,
se esse não comparecer voluntariamente, a ausência deve ser considerada como expressão do
direito de defesa, não ocasionado nulidade. 82 Ademais, a citação do réu é imperativa para que
possa exercer sua defesa e, se não ocorrer, o processo restará eivado de vício. Dessa maneira,
“a ausência ou o defeito da citação pode importar em nulidade superável (se o réu comparecer
oportunamente ainda que tão-somente para suscitá-la) ou em nulidade absoluta (se houver
prolação de sentença condenatória com esse vício)”. 83
Na sequência, a alínea ‘f’ dispõe que ocorre nulidade se faltar a sentença de pronúncia
ou houver nela algum vício. A sentença de pronúncia, como referido anteriormente, é a
decisão do juiz que conduz o ofensor ao julgamento do Tribunal do Júri. Preceitua o parágrafo
primeiro do artigo 413 do CPP que “a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da
materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação,
devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as
circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena”.84 Assim, a sentença de
pronúncia apenas se limita a admitir a acusação, não podendo conter, conforme ensina Nestor
Távora:
81
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal, artigo 564. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 30 jul. 2012.
82
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPODIVM , 2011,
p. 1064.
83
Ibidem, 1064.
84
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 30 jul. 2012.
36
(1)
argumentação que favoreça uma das partes, para não influenciar o ânimo dos
jurados;
(2)
juízo de mérito, indicando condenação ou absolvição do acusado;
(3)
menção a agravantes ou atenuantes;
(4)
ordem para inserção do nome do réu no rol dos culpados; e,
(5)
aplicação de regras de individualização da pena, tal como as de concurso de
crimes, de situação de privilégio ou de continuação delitiva.85
Assim, como se denota, o vício na pronúncia pode comprometer a isenção do
julgamento do júri. Este vício é verificado pela falta de fundamentação da decisão de
pronúncia ou por a fundamentação não se limitar ao disposto no artigo 413 do CPP. Se isto
ocorrer, além de ser inválida a decisão que pronuncia o réu, esta pode vir a invalidar os atos
subsequentes.
Na alínea ‘g’ está disposto que a falta de intimação do réu para o julgamento no
Tribunal do Júri constitui nulidade. Por pressuposto lógico dos princípios do contraditório e
da ampla defesa (abordados no 1º capítulo), é necessário intimar o réu de todos os atos
processuais, para que, querendo, tome a providência cabível. Dessa forma, a simples ausência
do réu solto não ocasiona nulidade do julgamento, desde que tenha sido oportunizado o seu
comparecimento. Entretanto, estando preso e não tendo solicitado a dispensa de
comparecimento ao plenário em petição escrita por ele e por seu advogado, ocorrerá nulidade
absoluta.86
A não presença de pelo menos quinze jurados para a instauração dos trabalhos é causa
de nulidade do Júri, conforme expressa a alínea ‘i’ do artigo 564 do CPP. O Tribunal do Júri,
segundo o artigo 447 do Código de Processo Penal, é composto de um juiz-presidente e de 25
(vinte e cinco) jurados (juízes leigos), dentre os quais serão escolhidos 7 (sete) para compor o
Conselho de Sentença. Entretanto, para ser válido esse Conselho, é necessário que se façam
presentes, na data do sorteio, ao menos 15 (quinze) jurados, sob pena de ser inválido o ato. “A
presunção do prejuízo para o acusado e para a sociedade, na hipótese, é absoluta”. 87
A incomunicabilidade dos jurados, prevista na alínea ‘j’, satisfaz ao princípio da
imparcialidade do voto proferido por cada juiz leigo. Isso porque se busca a lisura da votação,
visando, assim, que o voto seja dado por íntima convicção, conforme preceitua a Magna
Carta, sem que um jurado seja influenciado pela opinião do outro. “Entrementes, gestos que
85
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPODIVM , 2011,
p. 1067.
86
Ibidem, 1068.
87
TÁVORA, ob. cit., p. 1069.
37
acarretam influência de um jurado sobre os demais podem importar nulidade do julgamento, a
exemplo da insistência do jurado em censurar com a cabeça a tese de uma das partes”. 88
Portanto, se houver comunicabilidade entre os jurados, ou destes com terceiros, poderá ser
decretado nulo o Júri.
Em continuidade, a alínea ‘k’, conjugada com o parágrafo único do inciso IV do artigo
564 do CPP, prescreve que, havendo defeito ou contradição na quesitação e nas respectivas
respostas no júri, ou as faltando, haverá nulidade. Por certo que os quesitos dirigidos aos
jurados devem observar a ordem disposta no artigo 483 do CPP. Isso porque o legislador
prevê uma ordem lógica de questionamento, a fim de possibilitar a compreensão, pelos
componentes do Conselho de Sentença, dos fatos. Como explica Távora, “a quesitação do júri
deve guardar uma técnica peculiar. A importância de ser seguida a forma estabelecida pelo
CPP é a de que os jurados devem compreender bem os fatos. Eles são juízes leigos. Não
apreciam matéria estritamente jurídica, mas fática”.89
Nessa senda, os quesitos são orientados pelos princípios da simplicidade e da
objetividade, de maneira a permitir que os jurados respondam monossilabicamente “sim” ou
“não”; sendo inviável a quesitação que permita confusão ou incompreensão,90 sob pena de ser
anulada a votação. Ademais, se houver contradição nas respostas ofertadas, por óbvio, inferese que não foi compreendida pelo jurado a pergunta feita, o que conduz à nulidade e à
realização de novo júri. Outrossim, nos termos da Súmula nº 156 do Supremo Tribunal
Federal (STF),91 se faltar algum quesito obrigatório, será decretada a nulidade absoluta do
julgamento do Conselho de Sentença.
Outro fator gerador de nulidade é a falta ou a irregularidade na defesa ou na acusação
sustentada oralmente em plenário. Nessa senda, a súmula nº 523 do STF preconiza que “no
processo penal a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a deficiência só o anulará se
houver prejuízo para o réu”.92 Assim, para haver nulidade por defesa deficiente, é necessário
que resulte prejuízo ao réu. Outrossim, as partes não podem fazer referências, durante os
debates, “à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação
ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou
88
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPODIVM , 2011,
p. 1076.
89
Ibidem, p. 1077.
90
CONSTANTINO apud TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal.
Salvador: JusPODIVM , 2011, p. 1077.
91
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0156.htm. Acesso em: 30 jul. 2012.
92
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0156.htm. Acesso em: 30 jul. 2012
38
prejudiquem o acusado” e “ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de
requerimento, em seu prejuízo”, nos termos do artigo 478 do CPP93, sob pena de nulidade.
Além disso, o juiz-presidente deve oportunizar igual prazo à defesa e à acusação para
que sustentem suas teses, pelo princípio da igualdade das partes, que guarnece o processo, do
contrário, restará viciado o ato.
Por fim, cabe analisar os vícios na sentença que causam nulidade, conforme dispõe a
alínea ‘m’ do inciso III do artigo 564 do CPP. A sentença deve observar os requisitos do
artigo 381 do Código de Processo Penal. Assim, deve conter: a) os nomes das partes ou,
quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las – nesse caso, se não houver
menção do nome do réu na sentença, ou se houver menção a nome diverso daquele em face de
quem se desenvolveu o processo, haverá nulidade; b) a exposição sucinta da acusação e da
defesa – com esse relatório visa-se verificar se o juiz tomou conhecimento do processo e das
alegações das partes, pois, “a absoluta falta do relatório conduz à nulidade insanável; já a sua
deficiência, por não se referir às teses da defesa ou acusação, pode não gerar nulidade da
sentença, desde que, pelo exame da motivação, seja possível constatar que o juiz delas tomou
conhecimento [...]”;94 c) a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a
decisão – nesse ponto, a motivação é importante porque é o instrumento por meio do qual a
sociedade toma conhecimento da atividade do judiciário e a qual embasa eventual recurso das
partes. Assim, o juiz deve esclarecer quais as normas entende aplicáveis ao caso e quais as
consequências decorrentes dessa escolha e porque fez determinada opção;95 d) a indicação dos
artigos de lei aplicados – a importância desse requisito reside no fato de que o réu deve ter
conhecimento de qual crime ensejou a sua condenação; e) o dispositivo; e, f) a data e a
assinatura do juiz. Faltando-lhe qualquer desses, há nulidade absoluta, “que dispensa
demonstração de prejuízo, eis que a lei já o pressupõe”.96
Superada a análise das nulidades, cabe analisar o momento em que devem ser
arguidas. Em princípio, a parte interessada que tomar conhecimento da nulidade, deve argui-la
no primeiro momento em que lhe couber falar aos autos, demonstrando sua inconformidade
com o ato viciado, sob pena de preclusão e convalidação, somente ocorrendo esse último
efeito se a nulidade for relativa.
93
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 30 jul. 2012.
94
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no
processo penal. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 253.
95
Ibidem, p. 254-258.
96
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPODIVM , 2011,
p. 1079.
39
O artigo 571 do CPP determina em quais momentos devem ser arguidos os vícios
processuais. Desse modo, as nulidades da instrução criminal do júri e aquelas de competência
do juiz singular, devem ser arguidas no momento das alegações finais e, no caso do Tribunal
do Júri, se já proferida a pronúncia, devem ser arguidas logo depois de anunciado o
julgamento e apregoadas as partes. Já, as do processo sumário, em regra, logo após a resposta
à acusação, ou, se verificadas após esse prazo, logo depois de aberta a audiência e apregoadas
as partes. O artigo 571 do CPP, ainda, refere que os vícios ocorridos na instrução criminal dos
processos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Justiça devem ser
arguidos nas alegações finais. Se forem verificados após a decisão de primeira instância,
devem ser suscitados nas razões de recurso ou logo depois de anunciado o julgamento do
recurso e apregoadas as partes. Por fim, os vícios do julgamento em plenário devem ser
alegados em audiência ou em sessão do tribunal, logo depois que ocorrerem.
Em que pese o artigo 571 do CPP indicar momentos para a arguição de vícios
processuais, as nulidades absolutas podem ser alegadas a qualquer momento, bem como
podem ser reconhecidas de ofício pelo julgador.
Nesse sentido, é a lição de Mirabete:
Em regra, só a parte prejudicada pode alegar nulidade. É o princípio do interesse,
adotado pelo artigo 565, em sua parte final. Entretanto, pode ela ser reconhecida de
ofício, pelo juiz, pois a este cabe prover a regularidade do processo (art. 251),
ordenar diligências para sanar qualquer nulidade ou suprir falta que prejudique o
esclarecimento da verdade, no rito ordinário (art. 502) e sanear o processo, no rito
sumário (art. 538). Entretanto, se isso não for feito, se o vício não for alegado pela
parte interessada e se se tratar de nulidade relativa, estará ela sanada.97
A nulidade, portanto, a depender de sua classificação (leia-se, se for relativa), poderá
ser sanada se arguida no momento oportuno. Do contrário, operar-se-á a preclusão,
considerando-a convalidada. De outra banda, se for absoluta, poderá ser arguida em qualquer
momento processual. Porém, além do momento oportuno para a alegação da nulidade, há de
se considerar, também, se convém ou não alegá-la e qual parte tem legitimidade para fazê-lo,
socorrendo-se, para tanto, dos princípios elencados no próprio Código de Processo Penal.
97
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 653.
40
2.2 Princípios norteadores das nulidades e saneamento dos vícios no Tribunal do Júri
Os princípios jurídicos são fontes de direitos e obrigações, além de demonstrarem os
valores que estão imiscuídos em uma determinada sociedade. São, segundo Vecchi, “o
fundamento sobre o qual se ergue o ordenamento jurídico, informando o seu nascimento,
interpretação, integração e controlando o exercício de direitos”. 98
Como referido anteriormente, a nulidade de um ato não se dá automaticamente, sendo
necessário, para tanto, uma decisão judicial que a decrete. No entanto, para esse
reconhecimento judicial do vício não é suficiente a desconformidade do ato com o modelo
jurisdicional, devendo ser observados, também, certos pressupostos, analisados em cada caso
concreto, como melhor explica Grinover:
[...] a invalidade dos atos processuais não decorre automaticamente do texto legal: é
preciso que uma decisão a declare; para tanto, não basta a desconformidade do ato
com o modelo traçado pelo legislador, sendo também indispensável a verificação de
certos pressupostos, que deverão ser analisados pelo juiz em cada caso concreto.99
Grinover prossegue destacando que, hoje, predomina o sistema da instrumentalidade
das formas, pelo qual se dá mais valor à finalidade para a qual o ato foi constituído e ao
prejuízo que eventualmente possa ter causado a alguma das partes da relação jurídica, do que
a um sistema legal das formas, pelo qual se previa, antigamente, de forma taxativa, os casos
de nulidade, sem atentar aos demais pressupostos.100
Isso porque, o processo não é um fim em si próprio e, por isso, não seria lógico que,
havendo outra maneira de alcançar a finalidade, sem que essa influa de modo substancial na
apuração da verdade dos fatos ou na decisão da causa, o ato fosse decretado inválido, pelo
simples fato de não observar o prescrito em lei. 101 É o que se depreende da leitura do texto do
artigo 566 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que não será declarada a nulidade do
ato processual se este não tiver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da
causa.
98
VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional. Passo Fundo: Universidade
de Passo Fundo, 2009, p. 260.
99
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no
processo penal. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 30.
100
Ibidem, p. 31.
101
NASSIF, Aramis.Considerações sobre nulidades no processo penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 30.
41
Na mesma linha, Marques explica que:
[...] se o ato processual deve ser praticado segundo as formas legais, menos certo
não é, por outro lado, que não podem as normas processuais subordinar-se, nesse
caso, aos princípios de um formalismo hipertrofiado e rígido que ponha em segundo
plano o conteúdo e finalidade do ato a ser praticado para dar excessivo realce ao
respectivo modus faciendi.
[...] Complementando a regra da legalidade das formas processuais, surge o
princípio da instrumentalidade: na apreciação da validade do ato processual, a
verificação de ter ele atingido sua finalidade prevalece sobre a simples inobservância
das regras formais. O aspecto ritual do ato cede passo, portanto, ao seu sentido
teleológico; o respectivo modus faciendi à sua causa finalis e sua configuração
procedimental ao objetivo processual.102
Assim, na apreciação das nulidades deve-se atentar ao princípio da instrumentalidade
das formas, adotado pelo ordenamento jurídico penal brasileiro, privilegiando-se a finalidade
do ato em vez de a forma em si mesma, pela qual foi praticado.
O Código de Processo Penal, no título destinado às nulidades, faz previsão de outros
princípios, os quais norteiam o juiz na apreciação dos vícios dos atos processuais penais. O
artigo 563 do CPP expressa que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar
prejuízo para a acusação ou para a defesa”. Infere-se, desse texto, que se o vício que permeia
o ato não resultar em dano a alguma das partes da relação processual, não há que se falar em
nulidade. Rangel defende que:
Há que se ter relação de causalidade entre o ato imperfeito e o prejuízo alegado pelas
partes, pois, se, não obstante o ato for imperfeito, mas não houver prejuízo para as
partes, atingindo o ato, desta forma, seu fim, não se deve declarar nulidade em nome
dos princípios da economia e da celeridade processual.103
O ordenamento jurídico preserva a correta aplicação do direito, com a obediência às
formalidades legais, procurando que a atividade jurisdicional seja prestada observando o
devido processo legal. Entretanto, pode-se concluir, da leitura do artigo supracitado, que, além
da preocupação com o devido processo legal, privilegia-se também a economia e a celeridade
processuais, de maneira que, ainda que haja irregularidade em um ato praticado no decorrer
102
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Millennium Editora, 2009, vol. 2, p.
395.
103
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 855.
42
de um processo, se essa desobediência a ninguém prejudicar e nem modificar a finalidade
para a qual o ato foi instituído, não levará ao reconhecimento da nulidade pelo julgador.
A decretação de nulidade do ato tem como consequência a necessidade de refazê-lo, a
fim de corrigi-lo e dar andamento ao processo. Isso implica, portanto, em demora da prestação
jurisdicional, só devendo, por isso, ser estabelecida a nulidade se um ato efetivamente causar
algum tipo de prejuízo. Para tanto, é necessário que se demonstre o dano ocasionado com a
irregularidade processual. Entretanto, segundo Grinover, isso não significa que em todos os
casos se exija “prova da ocorrência de prejuízo”, por ser possível deduzir, por simples lógica,
“verificando-se se a perda da faculdade processual conferida à parte ou o comprometimento
dos elementos colocados à disposição do juiz no momento da sentença tiveram influência no
resultado final do processo”. 104
E prossegue Grinover, defendendo que as nulidades absolutas não necessitam de
demonstração do prejuízo, pois nelas isso seria evidente, enquanto que o inverso ocorreria nas
relativas:
Já com relação às nulidades relativas, o mesmo não ocorre; aliás, um dos traços
distintivos entre estas e as absolutas consiste exatamente na exigência de
demonstração do prejuízo; nas nulidades absolutas, essa tarefa é desnecessária, pois
a natureza da irregularidade evidencia o dano à parte ou à decisão judicial; nas
chamadas nulidades relativas, o prejuízo não é constatado desde logo, em razão do
que se exige alegação e demonstração do dano pelo interessado no reconhecimento
do vício. 105
Outro, porém, é o posicionamento de Rangel. Este entende que o processo não é um
fim em si mesmo, mas sim um instrumento à disposição das partes para solução de casos
penais por meio do Estado. Desse modo, ainda que a lei disponha que um ato deve ser
praticado de determinada forma e que, se assim não o for, não há maneira de saneá-lo,
devendo ser invalidado, se este ato irregular não causar prejuízo para as partes, não deve o
processo ser declarado nulo a partir dele. Isso porque, segundo o autor, os princípios da
celeridade e da economia processual impedem que o processo seja renovado, sem que tenha
havido prejuízo para os demandantes. Conclui afirmando que:
104
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no
processo penal. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 33.
105
Ibidem, p. 34.
43
[...] não pode a parte alegar que o ato defeituoso que não lhe trouxe prejuízo nenhum
deva ser desconstituído em um apego excessivo ao formalismo. A formalidade na
prática do ato objetiva um determinado fim e, se este é alcançado, sem prejuízo para
as partes, não há que se falar em nulidade. 106
Távora é adapto da mesma ideia de que o princípio do prejuízo vem associado, muitas
vezes, aos princípios da economia processual e da razoável duração do processo, e explica:
[...] não deve ser reconhecida nulidade do julgamento pelo júri popular em virtude
de ter contado com a participação de um jurado impedido, quando se inferir, pelo
resultado das votações, que o julgamento não seria modificado com a
desconsideração de um voto.
Em outras palavras, a nulidade poderá ser afastada se, em julgamento por maioria de
5 votos contra 2 votos (cuja suspensão da votação a partir do voto definidor do
julgamento não tenha sido observada pelo juiz-presidente), for verificada, em
momento ulterior, a participação de um jurado com menos de 18 anos. Isso porque
se suprimirmos um voto do “placar”, seja no sentido da condenação do acusado, seja
no sentido de sua absolvição, o resultado não se alterará (aí também a incidência do
princípio pás de nullité sans grief).107
Portanto, para haver declaração de nulidade pela prática de um ato processual, é
essencial que haja prejuízo para alguma das partes do processo, pois, do contrário, o ato, ainda
que irregular, atinge o fim almejado, sem necessidade de renová-lo, a fim de se evitar uma
demasiada demora na prestação jurisdicional, atendendo aos princípios da celeridade e
economia processual.
Outro princípio que merece análise é o do interesse, com previsão legal no artigo 565
do CPP. Segundo ele, somente se pode invocar a irregularidade de um ato se o sujeito a ele
não deu causa ou se sua observância for importante para o deslinde do feito em relação ao
indivíduo prejudicado, não podendo, assim, arguir nulidade que só à parte contrária interesse.
Grinover explica que “a decretação da invalidade do ato praticado de forma irregular,
com sua conseqüente renovação, segundo o modelo legal, deve estar igualmente sujeita a uma
apreciação sobre as vantagens que a providência possa representar para quem invoca a
106
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 856.
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPODIVM , 2011,
p. 1043.
107
44
irregularidade”.108 Ou seja, para arguição de nulidade do ato praticado irregularmente, é
preciso que o sujeito tenha a possibilidade de obter alguma vantagem com a renovação do ato;
obter alguma consequência útil ao processo, justificando o seu interesse com a decretação da
nulidade.
Além disso, esse princípio está pautado em outro que dispõe que “a ninguém é lícito se
beneficiar da própria torpeza”, o que, em outras palavras, significa dizer que se a
irregularidade do ato se deve ao comportamento da própria parte que alega o defeito, não há
que ser reconhecida, pois o sujeito poderia ter agido de forma diversa, a fim de evitar tal
vício, e, em havendo reconhecimento da nulidade, se estaria beneficiando o próprio indivíduo
que agiu contrário à lei. 109 Para elucidar a questão, Rangel exemplifica dizendo que:
Se Mévio alega, em seu interrogatório, com o intuito de enganar o juízo, que seu
endereço é X não pode, posteriormente, não tendo sido intimado para a oitiva das
testemunhas de acusação e tornando-se revel por causa disso (embora todos os
ofícios de praxe tenham sido expedidos para sua localização) alegar nulidade por
ofensa ao contraditório e a ampla defesa, por residir no local Y. Se o vício ocorreu,
foi exatamente porque Mévio deu causa a ele fornecendo ao estado endereço errado.
Em verdade, Mévio se oculta para não ser encontrado.110
Nassif observa que o Ministério Público sempre tem interesse na arguição da nulidade,
seja por ter a pretensão de alcançar título executivo sem vício precedente, enquanto parte da
relação processual, ou seja atuando como custus legis - por sua função de fiscal da lei. 111
Importante observar que o princípio do interesse somente se aplica às nulidades
relativas, uma vez que as absolutas não dependem de postulação, por se tratar de interesse
público, podendo ser reconhecidas de ofício pelo juiz. Essa é a posição de Nassif
112
e de
Grinover113.
Assim, se o ato foi praticado de forma irregular, dando ensejo à nulidade relativa,
somente a parte que não deu causa a ela pode invocá-la, de modo a obter alguma
consequência útil ao deslinde do feito, devido ao princípio do interesse.
108
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no
processo penal. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 36.
109
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 858.
110
Ibidem, p. 858-859.
111
NASSIF, Aramis. Considerações sobre nulidades no processo penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 32.
112
Ibidem, p. 32.
113
GRINOVER, ob. cit., p. 36-37.
45
O processo, como dito anteriormente, é composto de diversos atos, os quais não têm
existência isolada, mas, sim, uma interdependência, objetivando a preparação da sentença
final. Assim, existe um nexo de causalidade entre os atos processuais.
Em vista disso, o parágrafo 1º do artigo 573 do Código de Processo Penal prevê que a
declaração de nulidade de um ato se estende aos que dele diretamente dependem ou sejam
consequência, cabendo ao juiz determinar qual é essa extensão (§2º do mesmo artigo).
Por conseguinte, declarada a nulidade de um ato, deve-se questionar se toda a cadeia
ou apenas parte dela está contaminada. 114 A doutrina fala, em decorrência dessa extensão, em
nulidade originária, sendo o próprio ato irregular, e em nulidade derivada, sendo este o ato
para o qual é estendido o efeito da nulidade, como expõe Grinover:
Nessa linha de raciocínio, a nulidade da denúncia, do despacho de recebimento, da
citação, interrogatório e defesa prévia contamina necessariamente os atos
posteriores. Já em relação à instrução, não existe, em geral, nexo de dependência
entre os vários atos de aquisição de prova; nestes, o vínculo deve ser encarado sob o
prisma do contraditório, pois não pode haver inversão na ordem da produção da
prova testemunhal da acusação e da defesa, ou no oferecimento das alegações. A
sentença, como ato final do procedimento, será sempre atingida pela invalidade dos
atos que a antecedem, sejam da fase postulatória, sejam instrutórios, a não ser que
estes últimos não tenham exercido qualquer influência na decisão (art. 566 do
CPP).115
Marques menciona o princípio da conservação do ato processual, que nada mais é do
que impedir que o ato nulo atinja a outros que possam ser aproveitados,116 ou seja, é a mesma
interpretação dos parágrafos do artigo 573 do CPP, mas por outro ângulo. É o caso, por
exemplo, do artigo 567 do Código de Processo Penal, o qual preceitua que a incompetência do
juízo anula somente os atos decisórios, não se estendendo a invalidade aos atos instrutórios,
podendo estes, portanto, ser aproveitados pelo juiz competente.
Deve-se observar, por consequência, se há dependência entre o ato nulo e os
posteriores, sendo que alguns, como nulidade na denúncia ou no despacho de recebimento,
por exemplo, anulam todos os ulteriores, pois, em havendo nulidade destes, não há que se
114
NASSIF, Aramis. Considerações sobre nulidades no processo penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 31.
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no
processo penal. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 35-36.
116
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Millennium Editora, 2009, vol. 2, p.
433.
115
46
falar, sequer, em relação processual, enquanto que outros, como os da fase instrutória, podem
ou não estender seu defeito aos atos subsequentes.
Por fim, o princípio da convalidação prevê “remédios”, dispostos em lei, pelos quais
se faz possível aproveitar os efeitos do ato processual, ainda que praticado de forma irregular.
Nesse caso, ao invés de invalidar o ato, torna-se ele válido.
A maneira mais comum de ocorrer o saneamento é por meio da preclusão, ou seja,
sendo a nulidade relativa, se não arguida no momento oportuno ou se, ainda que tacitamente,
aceita pela parte, considerar-se-á convalidada. Grinover melhor explica:
O art. 572 do CPP admite que certas irregularidades estarão sanadas se não argüidas
em tempo oportuno, ou se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos;
o art. 571, por sua vez, estabelece os momentos em que as nulidades devem ser
alegadas; ao contrário do que sucede no processo civil, em que o vício deve ser
apontado na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos (art. 245
do CPC), no processo penal é possível aguardar-se uma das fases mencionadas no
art. 571 (alegações do art. 406, no procedimento do Júri, ou do at. 500, no
procedimento ordinário; defesa prévia, no procedimento sumário etc.) para invocar a
nulidade; todavia, passados esses momentos, a irregularidade estará sanada pela
preclusão.117
A autora aduz, também, que a prolação da sentença constitui causa de convalidação de
algumas irregularidades. Baseia sua alegação no parágrafo 2º do artigo 249 do Código de
Processo Civil, aplicando-o por analogia ao processo penal. Assim, se a decisão de mérito for
favorável ao prejudicado pela prática do ato irregular, o juiz não a pronuncia e nem manda
repetir o ato, pois, entende Grinover, a finalidade da instituição da forma não chega a ser
comprometida. Prossegue, ainda, afirmando que a coisa julgada também é uma maneira de
sanear os vícios, pois torna a sentença imutável. Adverte, entretanto, que essa regra que sana
os vícios formais, somente se aplica à acusação, pois em se tratando da defesa, pode essa se
utilizar do instituto da revisão criminal, que tem força para alterar a sentença, ainda que esta
já tenha transitado em julgado.118
O Código de Processo Penal prevê expressamente outras circunstâncias específicas em
que ocorre a convalidação. É o caso, por exemplo, do artigo 568 do diploma anteriormente
referido, o qual preceitua que a nulidade por ilegitimidade do representante da parte pode ser
117
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no
processo penal. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 38-39.
118
Ibidem, p. 39.
47
a qualquer tempo sanada mediante a ratificação dos atos processuais. A representação da parte
referida nessa norma não é a ad causum (ilegitimidade ativa), pois nessa hipótese a
ilegitimidade leva à nulidade da própria relação processual. O artigo se refere ao caso em que
a parte é legítima, porém não está regularmente representada nos autos, por ter sido irregular a
constituição de seu procurador. Por exemplo, nas ações penais privadas, nas quais a
procuração deve atender aos requisitos do artigo 44 do Código Penal e não atende. Saneado o
vício da procuração, podem vir a ser ratificados os atos já produzidos no processo.119
Nesse diapasão, tem-se a possibilidade de, a todo tempo, antes da sentença final,
serem suprimidas omissões na denúncia, na queixa, na representação, nos processos das
contravenções penais e no auto de prisão em flagrante, conforme expressa o artigo 569 do
Código de Processo Penal. Esse suprimento não é sinônimo de ratificação do ato; significa,
antes, acréscimo a algo preexistente. Deve-se atentar que o legislador, segundo Grinover, quer
se referir, com essa disposição, somente às formalidades não-essenciais das peças, não
abrangendo, a letra da lei, elementos sem os quais não caberia falar em omissões, mas em
inexistência ou invalidade do ato por falta de formalidade essencial. 120
Por fim, o artigo 579 do CPP preceitua que “a falta ou a nulidade da citação, da
intimação ou notificação estará sanada, desde que o interessado compareça, antes de o ato
consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de argüi-la. O juiz ordenará, todavia,
a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar
direito da parte”,121 ou seja, ainda que não atendidos os preceitos que regulamentam a
formalidade da comunicação processual, a cientificação da parte, que é a finalidade do ato, foi
alcançada, sendo demonstrada com o seu comparecimento em juízo.
No Tribunal do Júri o saneamento das nulidades observa, com a ressalva feita a seguir,
a regra geral acima disposta. Há que se observar, entretanto, que por ser um procedimento
binário (com julgamento de pronúncia por um juiz togado para, então, submeter o acusado ao
Conselho de Sentença para julgamento sobre sua condenação ou não), as nulidades relativas
ocorridas até a pronúncia tem somente até o momento do trânsito em julgado dessa decisão
para serem arguidas. Do contrário, ocorre a preclusão e as nulidades relativas são
consideradas sanadas. As nulidades absolutas, por sua vez, por serem de ordem pública,
119
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no
processo penal. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 40.
120
Ibidem, p. 40.
121
GRINOVER, ob. cit., p. 41
48
podem ser alegas a qualquer tempo, inclusive durante o procedimento do Conselho de
Sentença. É o que se deduz da leitura dos artigos 571, inciso V, e 572, inciso I, ambos do
CPP.122
A súmula nº 160 do STF expressa que “é nula decisão do tribunal que acolhe, contra o
réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”.
Desse texto se infere, portanto, que não pode em sede de recurso ser acolhida nulidade que
prejudique o réu, se não for caso de recurso de ofício e se somente o acusado tiver apelado,
devido ao princípio da ne reformatio in pejus, que proíbe que decisão pelo Tribunal piore a
situação do réu, quando somente este apela. Grinover explica que, apesar de esse
entendimento jurisprudencial ter se consolidado com base em apelações contra decisões do
Tribunal do Júri, se aplica a recursos contra decisões de juízes singulares também. 123
Nassif entende que a súmula não fez distinção entre nulidade absoluta e relativa e, por
esse fato, quando somente a defesa recorre, ou seja, sem que a acusação o faça, possibilita a
convalidação das nulidades absolutas, se o seu eventual reconhecimento pelo Tribunal
ocasionar danos para o acusado.124
Assim, o reconhecimento das nulidades em sede de recurso exclusivo da defesa, fica
vedado se resultar em prejuízos para o réu, devido ao princípio da ne reformatio in pejus.
2.3 Proibição da reformatio in pejus: reformatio in pejus indireta e reformatio in mellius
O princípio da “personalidade dos recursos” expressa que não pode ter a situação
agravada aquele que recorre, se não houve recurso da parte contrária, e que o recurso somente
beneficia a parte que o interpôs, não aproveitando a parte que não recorreu. A contrário sensu,
é o princípio do “beneficio comum”, que dispõe que, ainda que sem recorrer, a parte pode ser
beneficiada pelo recurso da outra. Entretanto, esse mesmo princípio possibilita que o próprio
recorrente seja prejudicado pelo recurso que interpôs, em uma espécie de reformatio in pejus,
uma vez que, se a parte contrária é beneficiada por ele, é sinônimo de que o recurso
122
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 07 ago. 2012.
123
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no
processo penal. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 43.
124
NASSIF, Aramis. Considerações sobre nulidades no processo penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 3334.
49
prejudicou o próprio recorrente.125 No ordenamento jurídico penal brasileiro vige o princípio
da personalidade dos recursos, com a ressalva de que, em caso de litisconsorte passivo, se
somente um dos acusados recorre e a decisão é favorável, essa a todos beneficia – artigo 580
do CPP.126
Esse princípio somente tem aplicação em relação ao acusado, por expressa disposição
do artigo 617 do Código de Processo Penal, o qual determina que não pode ser agravada a
pena quando somente o réu apela da sentença. Assim, havendo recurso da defesa e não tendo
recorrido a acusação, não pode a pena ser agravada, pelo princípio da ne reformatio in pejus.
Em outras palavras, não se admite a reforma para pior, entre a decisão recorrida e a decisão do
recurso, nem do ponto de vista quantitativo, nem sob o ângulo qualitativo. Mesmo matéria
que seja cognoscível de ofício pelo julgador, como nulidade absoluta, não pode ser
reconhecida, quando somente o acusado recorre, se vier a prejudicá-lo.127
Oliveira entende que a vedação da reformatio in pejus se coaduna com o princípio
constitucional da ampla defesa, assim dispondo:
Há várias maneiras de se pretender justificar a adoção do princípio. A nosso juízo,
todas elas podem ser resumidas em uma única: a vedação da reformatio in pejus
outra coisa não seria que uma das manifestações da ampla defesa.
Com efeito, a garantia do duplo grau, como conteúdo da ampla defesa, deve
abranger também a garantia da vedação da reformatio in pejus. O risco inerente a
todas as decisões judiciais poderia ter efeitos extremamente graves em relação ao
acusado, no ponto em que atuaria como fator de inibição do exercício do direito ao
questionamento dos julgados.
Aquele que vislumbrasse a possibilidade de piora de sua situação, pela apreciação
do recurso por ele interposto, certamente a tanto não se animaria, tendendo a se
conformar com a sentença condenatória, mesmo quando inocente. 128
A letra da lei proíbe a reformatio in pejus somente em sede de apelação. Entretanto,
como explica Rangel, qualquer que seja o recurso interposto somente pela defesa, com inércia
da acusação, deve observar essa vedação. Assim, “imposição, no julgamento do recurso
exclusivo do réu, de regime inicial de cumprimento de pena mais severo que o imposto na
sentença ou regressão de regime de cumprimento de pena (semi-aberto para fechado) em
125
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 44-45.
126
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 07 ago. 2012.
127
GRINOVER, ob. cit., p.45.
128
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p.861.
50
julgamento de agravo de execução (óbvio, exclusivo do réu)”,129 por exemplo, demonstram
casos em que, ainda que não em sede de apelação, se aplica o princípio da ne reformatio in
pejus. Em outro exemplo demonstra sua afirmação:
[...] se o réu foi denunciado por homicídio e pronunciado no homicídio simples
(julgando-se admissível em parte a acusação), havendo recurso em sentido estrito,
exclusivo, do réu (cf. art. 581, IV), o tribunal, ao negar provimento ao recurso, não
poderá reconhecer a qualificadora, incluindo-a na pronúncia, pois, neste caso, estaria
agravando a situação do acusado recorrente.130
Por corolário da norma supracitada, fica vedada a reformatio in pejus indireta também.
Isso significa que quando somente a defesa recorre e, dentre sua alegações, aduz a nulidade da
sentença, vindo essa a ser reconhecida pelo Tribunal, não pode a nova decisão proferida ser
pior ao réu que a anterior, ou seja, o juiz fica vinculado ao máximo de pena imposta na
primeira sentença.131
Mirabete explica que, em sendo anulada uma decisão devido a recurso exclusivo da
defesa, não é possível, em novo julgamento, agravar a sua situação. “Como o Ministério
Público se conformara com a primeira decisão, não apelando dela, não pode o juiz, após a
anulação daquela, proferir uma decisão mais severa contra o réu”.132
Rangel, no entanto, posiciona-se diferentemente quanto à questão. Entende que, por
não haver texto expresso proibindo o juiz de dar sentença com quantum superior à que foi
dada no primeiro julgamento, pode este majorar a pena quando proferir nova decisão, pois o
que não estaria proibido, estaria permitido, aplicando-se o princípio da legalidade. Continua,
defendendo que, por ter sido anulada a primeira decisão, esta é inválida no mundo jurídico,
não tendo força para vincular qualquer decisão posterior. Argumenta, ainda, que não se pode
emprestar força a uma decisão que desapareceu em detrimento de outra que está em perfeita
harmonia com a ordem jurídica, pois seria o inválido se sobrepondo ao válido, o que, nos seus
dizeres, seria “verdadeira aberração”. Por fim, alega que, se o recurso é voluntário, deve o réu
129
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 874.
Ibidem, p. 874.
131
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p.47.
132
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 713.
130
51
ter consciência das consequências possíveis, devendo carregar o ônus do resultado, que pode
ser provimento, improvimento ou não conhecimento.133
Apesar da divergência, a maioria dos doutrinadores entende que a reformatio in pejus
indireta é vedada quando somente a defesa recorre e o Tribunal acolhe nulidade que viciou a
decisão do juízo ad quem, devendo, assim, este proferir nova decisão, atentando ao máximo
da pena imposta na primeira sentença.
Entretanto, há uma certa pacificidade quando se fala em reformatio in pejus indireta
por incompetência absoluta do julgador. Mirabete entende que, nesse caso, não há proibição
para o agravamento da pena imposta quando for declarado nulo o processo, uma vez que a
decisão foi proferida por órgão desvestido do poder de julgar o processo anulado. 134 No
mesmo sentido, é a opinião de Grinover, a qual afirma que “[...] não há proibição para o
agravamento quando o processo for anulado por incompetência absoluta do julgador e
sobretudo nos casos de incompetência constitucional, que acarreta a inexistência jurídica da
sentença [...]”.135 Rangel, com o mesmo entendimento, declara que:
Neste caso, entende a doutrina que o juiz competente, ao refazer todo o processo,
poderá proferir uma sentença em que a condenação seja superior ao primeiro
julgamento, pois, nessa hipótese, todo o processo desaparece, não sendo caso de se
limitar a atuação do juiz natural da causa. A decisão de juiz absolutamente
incompetente não poderia jamais limitar a atuação do juiz competente. Seria um
contra sensu. Até porque, novas provas (que não foram produzidas na primeira vez),
poderiam ser trazidas para o processo. Portanto, admissível seria uma condenação a
um quantum superior.136
Dessa forma, descabida a reformatio in pejus indireta quando ao mesmo julgador da
decisão anulada em sede de recurso exclusivo da acusação incumbir proferir a segunda
sentença, não se aplicando a vedação, entretanto, quando a nulidade for hipótese de
incompetência absoluta do juízo, tendo o segundo julgador (juiz natural da causa) ampla
discricionariedade para julgar e impor a pena.
133
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 876.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 715.
135
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p.48.
136
RANGEL, ob. cit., p. 877.
134
52
Peculiar é a aplicação desse princípio no Tribunal do Júri. Como referido no capítulo
anterior, as hipóteses de recurso de apelação das decisões dos jurados são taxativas, somente
sendo possível recorrer quando ocorrer nulidade posterior à pronúncia, for a sentença do juizpresidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados, houver erro ou injustiça no
tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança ou for a decisão dos jurados
manifestamente contrária à prova dos autos (artigo 593, inciso III do Código de Processo
Penal).
Assim, havendo apelação da decisão do Conselho de Sentença e reconhecendo o
Tribunal de Justiça alguma nulidade, designar-se-á novo júri, a fim de julgar o caso
novamente. A questão, entretanto, que merece destaque, é a nulidade da decisão em sede de
recurso exclusivo da defesa e a aplicação do princípio da ne reformatio in pejus indireta.
A doutrina divide-se quanto à possibilidade de o juiz-presidente proferir sentença em
um quantum superior ao do primeiro julgamento. Mirabete, defende que o princípio da
vedação da reformatio in pejus nesse caso, viola o princípio constitucional da soberania dos
veredictos. Entretanto, destaca que, se os jurados decidirem da mesma maneira que a anterior,
reconhecendo, por exemplo, as mesmas circunstâncias qualificadoras e causas de diminuição
de pena, não pode o Juiz Presidente aplicar, na segunda decisão, pena maior do que a
primeira. In verbis:
Não pode a lei ordinária impor-lhe limitações que lhe retirem a liberdade de julgar a
procedência ou a improcedência da acusação, bem como a ocorrência, ou não, de
circunstâncias que aumentem ou diminuam a responsabilidade do réu, em virtude de
anulação de veredicto anterior por decisão da Justiça togada. Isso implica dizer que
tem o novo Júri, nos limites da pronúncia e do libelo, a liberdade de responder
diferentemente do anterior aos quesitos que lhe são apresentados, podendo agravar a
situação do réu. Nos termos do artigo 617, somente o Juiz Presidente está proibido
de aumentar a pena se o novo Júri responder da mesma forma que o primeiro quanto
ao crime e às circunstâncias influentes da pena. Não está em jogo, nessa hipótese, a
soberania do Júri, devendo curva-se o Juiz Presidente ao ditado pelo mencionado
dispositivo.137
Oliveira compartilha do mesmo entendimento. Explica que nos processos de
competência do Tribunal do Júri, a soberania dos veredictos constitui obstáculo à vedação da
reformatio in pejus e que, na realização de outro júri, a nova decisão poderia piorar a situação
do réu, havendo reconhecimento de novas agravantes, por exemplo. No entanto, defende que
137
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 713-714.
53
se a decisão do Conselho de Sentença for idêntica à anterior, o juiz-presidente fica adstrito à
dosimetria da primeira decisão.138
Rangel, nessa mesma linha, entende que, uma vez anulada a decisão dos jurados, o
Conselho de Sentença tem plena liberdade para decidir o caso novamente, podendo o juizpresidente proferir sentença com pena maior do que a da primeira decisão, por entender que
sentença cassada já não mais existe no mundo jurídico, e, o que não existe mais, não pode
servir de “fator limitativo para a segunda decisão”. 139 Assim, o que diferencia seu
posicionamento dos anteriores, é que, independentemente de a segunda decisão proferida
pelos jurados ser idêntica ou não à primeira, o juiz-presidente tem plena liberdade para fazer a
dosimetria da pena, podendo a fixar em quantum superior do que a originalmente
determinada.
Em contrapartida, Nucci defende que, no caso em apreço, o júri é livre para decidir, no
segundo julgamento, se incide qualificadora que antes não havia sido reconhecida. Porém,
adverte que, caso o juiz-presidente perceba que, pela incidência dessa causa de aumento, a
nova pena será fixada em patamar maior que a anterior, deve reduzi-la até atingir o patamar
primário, obedecendo, assim, ao princípio da ne reformatio in pejus.140 Para Nucci, portanto,
a vedação da reformatio in pejus é plenamente aplicável no Tribunal do Júri, tendo o
Conselho de Sentença liberdade em reconhecer qualificadoras antes afastadas, porém, o juizpresidente tem o dever de manter a segunda pena em patamar igual ou inferior à primeira.
Diferentemente da polêmica em torno da reformatio in pejus indireta no Tribunal do
Júri em face do princípio da soberania dos veredictos, é a aplicação do princípio da reformatio
in mellius, por meio do qual pode ocorrer a alteração de maneira favorável ao réu em sede de
recurso exclusivo da defesa.141
Tourinho Filho entende que o artigo 617 do Código de Processo Penal apenas proíbe
que, em recurso exclusivo da defesa, se agrave a situação do réu, não coibindo, entretanto,
que em recurso exclusivo da acusação seja o réu beneficiado. Assim, afirma que, em sede de
recurso exclusivo do Ministério Público, “é sempre lícito ao juízo ad quem agravar a situação
do réu ou mitigá-la, suavizá-la. O que não se permite, o que é defeso, repita-se, é a reformatio
in pejus, e não a reformatio in mellius”.142
138
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p. 862.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 879.
140
NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 104.
141
OLIVEIRA, ob. cit., p. 861.
142
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 790.
139
54
Nessa mesma linha, Oliveira defende a aplicação da reformatio in mellius, a qual diz
ser sempre uma reformatio in pejus para a acusação. Refere que sua aplicação não fere o
princípio da ampla defesa da acusação e tampouco os interesses para a persecução penal,
pelas seguintes razões:
Primeiro, porque reduzido a uma principiologia de natureza exclusivamente
infraconstitucional, que não pode ser oposta aos princípios constitucionais aqui
apontados. Segundo, porque o Estado, em uma ordem de Direito, por quaisquer de
seus órgãos, e em qualquer fase ou momento processual, tem o dever da correta
aplicação da lei penal, a partir do convencimento judicial nesse sentido. Terceiro,
porque o próprio ordenamento permitiria a revisão do julgado em favor do acusado,
em sede de habeas corpus de ofício ou até por meio de revisão criminal.143
Rangel, por sua vez, elenca quatro razões pelas quais é viável a reformatio in mellius.
Aduz, em primeiro lugar, que o recurso do Ministério Público, devido a sua função de custus
legis, pela qual tem o dever de fiscalizar a correta aplicação da lei, não pode impedir que se
restabeleça a ordem jurídica, sendo que, se houve injustiça ao réu e este não recorreu, o
recurso da acusação viabiliza a devolução da matéria ao Tribunal para que este reconheça o
erro e o sane, ainda que o recurso do Ministério Público nada tenha referido nesse sentido. Em
segundo lugar, invoca o princípio da legalidade, afirmando que o que não é proibido, é
permitido, sendo que o legislador, no artigo 617 do CPP, apenas proibiu a reforma para pior
quando há recurso exclusivo do réu, e não quando há recurso apenas do Ministério Público,
não havendo que ser feita interpretação extensiva. Em terceiro lugar, declara que o legislador
previu o instituto da coisa julgada material apenas para a acusação no processo penal,
podendo o réu destituir a coisa julgada a qualquer tempo, por meio de habeas corpus e da
revisão criminal. Sendo assim, não teria o porquê não reconhecer em sede de recurso
exclusivo da acusação, circunstância favorável ao réu, se pode, até mesmo, conceder habeas
corpus de ofício. E, por fim, em quarto lugar, assevera que, in verbis: “a regra do art. 617 foi
criada para beneficiar o réu e não para prejudicá-lo, pois, se atendermos, agora, aos princípios
da economia e da celeridade processual, veremos que resultado idêntico alcançaríamos
através do habeas corpus e da revisão criminal”. 144
143
144
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p. 862.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 881.
55
No entender de Mirabete, no entanto, o tribunal ad quem não pode, em recurso
exclusivo da acusação, reformar a decisão de forma a beneficiar o réu, devido ao princípio do
ne eat judex ultra petita partium (“o juiz não pode ir além do pedido das partes”). E explica:
[...] o art. 617, ao se referir aos artigos 383, 386 e 387, não está ditando uma regra
geral de proibição à reformatio in pejus e permitindo implicitamente a reformatio in
mellius, mas apenas procura prever os requisitos das sentenças absolutórias e
condenatórias e traçar os limites quanto às sentenças de desclassificação, proibindo a
aplicação de pena mais grave quando se der ao fato definição jurídica diversa da que
constar da queixa ou denúncia, diferentemente do que se estabelece no artigo 383, ao
qual, apenas nessa parte, lhe faz exceção. Cabe ao condenado, na hipótese, valer-se
da revisão.145
Dessa forma, em que pese a posição contrária de Mirabete, a maioria da doutrina
entende ser possível a reformatio in mellius. Entretanto, havendo recurso exclusivo da defesa,
a reformatio in pejus é vedada, ou seja, a situação do réu não pode ser piorada. A reformatio
in pejus indireta, via de regra, encontra esse mesmo óbice, excetuando-se, ainda que com
posições doutrinárias divergentes, a vedação em sede de Tribunal do Júri, que, devido ao
princípio da soberania dos veredictos, ficaria relativizada.
145
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 714-715.
56
3 REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA NO TRIBUNAL DO JÚRI E A
RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS
O direito ao duplo grau de jurisdição não vem expressamente exposto na Constituição
Federal, mas, sim, decorre da organização do judiciário em órgãos de primeiro grau e em
órgãos superiores. É inerente ao ser humano o inconformismo com o prejuízo que
determinado julgamento possa lhe impor, e, conhecedor de tal característica, o legislador
previu mecanismos de revisão, possibilitando o duplo grau de jurisdição.
Nessa senda, Grinover afirma que “a garantia do duplo grau, embora só
implicitamente assegurada pela Constituição Brasileira, é princípio constitucional autônomo,
decorrente da própria Lei Maior, que estrutura os órgãos da chamada jurisdição superior”.146
Essa revisão do julgado pelo juízo ad quem, entretanto, não tem apenas o condão de
acalentar o ânimo dos prejudicados pelas decisões do juízo a quo, mas também a função de
revisar sentenças injustas ou incorretas por um grupo composto de pessoas que, no geral,
possuem mais tempo de carreira e, por conseguinte, maior experiência para analisar os
conflitos.147
Recorrer de uma decisão, portanto, é direito das partes, e, no geral, não encontra
obstáculos, ficando o recurso condicionado a um juízo de admissibilidade, que se divide em
requisitos objetivos – cabimento, tempestividade, motivação e inexistência de fatos
impeditivos – e a requisitos subjetivos – legitimidade, interesse e sucumbência. 148
No Tribunal do Júri, no entanto, o recurso de apelação possui certas peculiaridades,
ficando submetido às situações específicas do inciso III do artigo 593 do Código de Processo
Penal. Esse óbice é imposto pelo princípio da soberania dos veredictos, previsto no artigo 5º,
inciso XXXVIII, alínea ‘c’, da Carta Magna.
A vedação de reforma das decisões do Conselho de Sentença, portanto, se deve em
respeito a esse princípio constitucional, que foi elevado, pelo constituinte, ao patamar de
direito fundamental do homem, garantindo o julgamento de determinados crimes pelos seus
próprios pares.
146
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p.23.
147
Ibidem, p. 22.
148
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p. 871-880.
57
Assim, se o recurso se enquadrar na hipótese de modificação da decisão proferida pelo
tribunal popular, devido à nulidade que tenha eivado a decisão dos jurados, o juízo ad quem
deve designar novo júri, abstendo-se de realizar juízo de mérito, em respeito ao princípio da
soberania dos veredictos.149 Nesse caso, se houver somente recurso da defesa, há
controvérsias doutrinárias acerca da aplicação do princípio da ne reformatio in pejus no novo
julgamento proferido pelo Conselho de Sentença, em detrimento ao princípio constitucional
da soberania dos veredictos.
3.1 Conflito entre o princípio da soberania dos veredictos e o duplo grau de jurisdição
no Tribunal do Júri
O legislador limitou o princípio do duplo grau de jurisdição no Tribunal do Júri, ao
admitir o recurso de apelação apenas nas hipóteses de nulidade posterior à pronúncia, de
sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados, de erro ou
injustiça na aplicação da pena ou da medida de segurança e de decisão dos jurados
manifestamente contrária à prova dos autos.150
O duplo grau de jurisdição, portanto, subsiste mesmo no âmbito do júri popular, o qual
se rege, dentre outros, pelo princípio constitucional da soberania dos veredictos. Isso se dá,
segundo Alexandrino, em razão da “obrigatoriedade de que exista a possibilidade de uma
causa ser reapreciada por um órgão do judiciário”, pois, “representa importante garantia para
o indivíduo que seja parte em um dado processo”.151
Contudo, em que pese a importância do duplo grau de jurisdição, uma vez que visa
corrigir sentenças incorretas ou injustas, acalentando o inconformismo do ser humano, o
princípio constitucional da soberania dos veredictos obsta a sua plena aplicação.
Assim, a revisão das decisões dos jurados é possível, porém, afora os casos
expressamente previstos no artigo 593, inciso III, do CPP, é vedada a reforma da sentença
proferida pelo juiz-presidente, baseada na decisão do júri. Nesse sentido, é a posição de
Oliveira:
149
NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 103.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1941, art. 593, inc. III. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 27 ago. 2012.
151
VICENTE, Paulo; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2009, p. 168-169.
150
58
Nos procedimentos do Tribunal do Júri, contudo, não se aceitará quaisquer
impugnações. E até por uma razão muito simples: por força de disposição
constitucional expressa (art. 5º, XXXVIII), os crimes dolosos contra a vida devem
ser julgados pelo júri popular, sendo soberanas referidas decisões. Assim, eventuais
impugnações a essas decisões só podem constituir exceções, ligadas às
particularidades daquele tribunal, sobretudo pelo fato de se tratar de jurisdição
popular, integrada, portanto, por leigos, escolhidos entre os representantes do povo.
Por isso, terão fundamentação vinculada às hipóteses legalmente admissíveis para o
apelo.152
Dessa maneira, as apelações do tribunal do júri motivadas por nulidade
posterior à pronúncia, devem ter suas fundamentações limitadas a essa hipótese. Nessa
situação, o Tribunal ad quem anula o julgamento e remete o processo para novo julgamento
pelos jurados.153 Grinover defende que o Tribunal não fica impedido de apreciar nulidade não
arguida pela parte, desde que essa seja absoluta e se trate de recurso do réu. Logo, a soberania
dos veredictos, ainda que “atingida” pela decisão do tribunal superior, não é anulada pelo
duplo grau, uma vez que o processo retorna ao júri para que o julgamento seja refeito. Nucci
afirma que:
[...] interpretando a soberania dos veredictos, podem parecer à primeira vista, um
atestado em favor da possibilidade de se recorrer das decisões dos jurados por
qualquer razão. Não é bem assim, pois o que se quer dizer é que os jurados também
podem errar e, quando se afastam das provas colhidas, precisam rever sua decisão
anterior. Não é o caso de substituir o veredicto do tribunal popular pelo do colegiado
togado, mas de determinar a realização de um novo julgamento. 154
Na hipótese de “a sentença do juiz-presidente ser contrária à lei expressa ou à decisão
dos jurados” cuida-se de erro na sua prolação, e não da decisão dos jurados. Nesse caso, o
próprio tribunal pode corrigir o equívoco, adequando a sentença à decisão do júri ou à letra da
lei.
155
O duplo grau de jurisdição, com a consequente reforma da decisão proferida pelo juiz-
presidente, nessa situação coaduna-se ao princípio da soberania dos veredictos, pois visa a
152
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p. 882.
Ibidem, 2012. p. 883.
154
NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 87.
155
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 121-122.
153
59
preservar a votação dos jurados, corrigindo o erro praticado pelo juiz, que não adequou sua
decisão nos exatos parâmetros da votação do Conselho de Sentença.
A apelação é cabível, ainda, quando há erro ou injustiça na aplicação da pena ou da
medida de segurança. O tribunal, nesse caso, dando provimento à apelação, retifica a
aplicação da pena ou da medida de segurança. Como na situação anterior, trata-se de erro na
sentença do juiz-presidente, não afetando a decisão dos jurados. Sobre isso Rangel explica
que:
O apelo, nesse caso, impugna error in iudicando da sentença do juiz-presidente.
Mais uma vez, cabe à parte impugnar não a decisão dos jurados, mas, sim a sentença
do juiz-presidente, admitindo que o órgão ad quem retifique a pena ou a medida de
segurança imposta (cf. §2º desse art.).
A hipótese, idêntica à letra b vista anteriormente, não ofende a soberania dos
veredictos, pois o que se guerreia é a sentença do juiz-presidente.156
Oliveira, nessa mesma linha, afirma que a hipótese refere-se à revisão do ato do juizpresidente e que, por essa razão, revela-se aceitável a modificação da sentença, não pondo em
risco a soberania dos veredictos dos jurados. 157
Mirabete faz uma abordagem sobre outro ângulo dessa hipótese, e afirma:
Em respeito à soberania dos veredictos o juízo ad quem não poderia, a pretexto de
corrigir injustiça na aplicação da pena, afastar a decisão dos jurados no referente aos
quesitos sobre qualificadoras, causas de aumento ou redução de pena, agravantes e
atenuantes, cabendo na hipótese apenas a anulação do julgamento por ser a decisão
manifestamente contrária à prova dos autos.
[...]
Tal raciocínio, segundo entendemos, ao menos com relação às qualificadoras e
causas de aumento ou diminuição de pena da Parte Especial do Código Penal,
esbarra no fato de que se dá nova classificação jurídica ao fato criminoso, o que é
vedado ao Juízo ad quem por violar o princípio agora novamente constitucional de
soberania dos veredictos.158
Para esse autor, portanto, não pode o julgador afastar qualificadoras, agravantes,
atenuantes, causas de aumento ou de redução de pena a pretexto de corrigir injustiça na
156
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 936.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p. 884.
158
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 695.
157
60
decisão. A análise deve ser restrita ao julgamento do juiz-presidente, sem afastar a deliberação
dos jurados. Assim, ainda que se considere injusta a incidência de determinada qualificadora,
por exemplo, se os jurados a reconheceram em plenário, não há o Tribunal de afastá-la, sob
pena de violar o princípio da soberania dos veredictos.
Rangel coaduna desse entendimento. Refere que o Tribunal não pode, por entender ser
a decisão manifestamente contrária à prova dos autos somente no tocante à qualificadora, por
exemplo, cassar ou reduzir a pena sem mandar o réu a novo júri, alegando ser mero erro ou
injustiça na aplicação da penalidade (artigo 593, inciso III, alínea ‘c’, CPP). Afirma que a
qualificadora é circunstância do crime e não da pena, sendo que, por essa razão, e pela
incidência do princípio da soberania dos veredictos, somente o tribunal do júri tem
competência para decidir sobre a imputação penal, devendo, se for caso de não incidência da
qualificadora, ser alegada a decisão contrária à prova dos autos, e designado novo júri para
proferir um juízo de mérito.159
Observa-se, desse modo, que o recurso na hipótese de correção de erro ou injustiça na
aplicação da pena ou da medida de segurança pelo juiz-presidente não conflita com o
princípio da soberania dos veredictos, ao contrário, vai ao seu encontro, pois a revisão da
decisão pelo tribunal visa a adequar a sentença com a decisão dos jurados, ao passo em que
elimina erros ou injustiças aplicadas pelo juiz-presidente, no âmbito da sentença. Entretanto,
se a revisão do julgado do juízo a quo for além, interferindo na decisão tomada pelos jurados,
agirá em detrimento ao princípio da soberania dos veredictos.
Por fim, a alínea ‘d’ do inciso III do artigo 593 do Código de Processo Penal dispõe
que é possível recorrer da decisão do Tribunal do Júri quando a deliberação dos jurados for
manifestamente contrária à prova dos autos. Nessa conjectura, o tribunal determina novo
julgamento do réu, submetendo-o à nova decisão pelos próprios jurados. Se o tribunal mesmo
rejulgasse o caso, estaria ofendendo ao princípio da soberania dos veredictos, pois anularia a
decisão do conselho de sentença e emitiria juízo de mérito, o qual se sobreporia à deliberação
do júri. 160
Essa hipótese, diferentemente das anteriores, é dirigida à convicção do júri, e não à
sentença do juiz-presidente. Oliveira expressa que o que se questiona é a própria decisão dos
jurados, configurando exceção à regra da soberania dos veredictos. E prossegue, afirmando
que: “Por mais compreensível e louvável que seja a preocupação com o risco de erro ou
159
160
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 940.
Ibidem, p. 937-938.
61
desvio no convencimento judicial do júri popular, o fato é que o aludido dispositivo legal põe
em xeque a rigidez da soberania das decisões do júri”. Finaliza explicando que o dispositivo
deve ser interpretado como regra excepcionalíssima, somente cabível quando não houver, ao
senso comum, material probatório suficiente para sustentar a decisão dos jurados.161
Mirabete corrobora o entendimento acima exposto, declarando que a hipótese trata-se
de error in iudicando, somente podendo ser reconhecida quando a decisão do júri é arbitrária,
dissociada da prova dos autos. Explica ainda que “não é qualquer dissonância entre o
veredicto e os elementos de convicção colhidos na instrução que autorizam a cassação do
julgamento. Unicamente, a decisão dos jurados, que nenhum arrimo encontre na prova dos
autos [...]”. Por fim, afirma que a apelação, no caso da alínea ‘d’ do inciso III do artigo 593
do CPP, é admissível ainda que a flagrante injustiça verse sobre matéria secundária, como,
por exemplo, nos casos de qualificadoras e causas de diminuição ou aumento de pena. 162
Grinover vai além e afirma que, nessa hipótese de apelação, se o Tribunal cassar a
decisão do Conselho de Sentença e designar novo júri, por entender a deliberação não ter sido
embasada em provas dos autos, mas, na realidade, estiver ela amparada no conjunto
probatório do processo, cabe recurso especial ao STJ ou habeas corpus ao STF, a fim de
prevalecer a vontade do Conselho de Sentença e assegurar a soberania dos veredictos, como
melhor explica:
Admite, finalmente, o Código apelação contra a decisão dos jurados que for
manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, d), podendo o Tribunal
determinar novo julgamento (art. 593, § 3.º). Com isso o legislador permitiu, em
casos de decisões destituídas de qualquer apoio na prova produzida, um segundo
julgamento. Prevalecerá, contudo, a decisão popular, para que fique inteiramente
preservada a soberania dos veredictos, quando estiver amparada em uma das versões
resultantes do conjunto probatório. Se o Tribunal de Justiça, apesar de haver
sustentáculo na prova para a tese vencedora, ainda que não seja robusta, determinar
erroneamente novo julgamento, seria até mesmo cabível recurso especial ao STJ ou
habeas corpus ao STF, a fim de que venha a subsistir a vontade do Conselho de
Sentença e ser assegurada a soberania dos veredictos. 163
Dessa maneira, como afirma Nucci, “[...] os veredictos do tribunal popular podem ser
revistos, pois acreditar que o ser humano é perfeito, ou seja, que não pode errar, somente por
161
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p. 884.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 696.
163
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 124.
162
62
estar num colegiado, é patente inverdade. Juízes equivocam-se e podem cometer erros graves
[...]”.164 E prossegue:
Não é crível que as posições devam ser extremadas nesse contexto, sendo salutar um
controle judicial togado sobre as decisões e os processos da competência do júri,
pois se trata de um tribunal pertencente ao Poder Judiciário.
[...]
Em primeiro lugar, entretanto, deve-se destacar que o art. 593, III, do CPP, foi
absorvido pela Constituição de 1988, não ofendendo, por si só, a soberania dos
veredictos. Em verdade, o que fere essa soberania é a incorreta utilização das
legítimas vias processuais recursais para modificar o que é incabível. O constituinte
desejou que o júri fosse soberano, ou seja, a última instância para decidir os crimes
dolosos contra a vida, com supremacia e independência, embora não se tenha
qualquer referência de que sua decisão precisa ser única. Daí por que é
perfeitamente admissível que, cometendo algum erro, o tribunal popular reúna-se
novamente para reavaliar o caso.165
Infere-se, do acima exposto, que o legislador buscou ponderar a aplicação do princípio
da soberania dos veredictos, garantindo a sua conciliação com o princípio do duplo grau de
jurisdição.
O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, em apreciação a casos
concretos que envolvem a questão exposta, vêm decidindo nessa mesma linha, conforme as
decisões abaixo colacionadas:
HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO E ROUBO
CIRCUNSTANCIADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. ALEGADA
NÃO CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA OU GRAVE
AMEAÇA.
DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE FURTO. IMPOSSIBILIDADE.
TRIBUNAL DO JÚRI. SOBERANIA DO VEREDICTO. NECESSIDADE DE
REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA.
IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. AUTORIA E
MATERIALIDADE. COMPROVADA POR ELEMENTOS IDÔNEOS.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. A Carta Magna atribui soberania aos veredictos proferidos pelo Tribunal do
Júri, garantindo que a decisão tomada pelo Conselho de Sentença somente por
outro possa ser modificada, impedindo que a sua competência
constitucionalmente atribuída seja invadida por eventuais reformas feitas por
órgãos do Poder Judiciário.
2. Em respeito ao princípio da soberania dos veredictos, o legislador ordinário
não teve alternativa outra senão restringir o âmbito de recorribilidade das
decisões tomadas pela Corte Popular, permitindo o exercício do duplo grau de
jurisdição apenas nas hipóteses previstas nas alíneas do inciso III do artigo 593
164
165
NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 87.
Ibidem, p. 87.
63
do Código de Processo Penal, ou seja, quando: "a) ocorrer nulidade posterior à
pronúncia; b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à
decisão dos jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena
ou da medida de segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos".
3. Ao órgão recursal se permite apenas a realização de um juízo de constatação
acerca da existência de suporte probatório para a decisão tomada pelos jurados
integrantes da Corte Popular, somente se admitindo a cassação do veredicto
caso este seja flagrantemente desprovido de elementos mínimos de prova
capazes de sustentá-lo.
Caso contrário, deve ser preservado o juízo feito pelos jurados no exercício da
sua função constitucional, dotado de soberania. (grifou-se)
Omissis
(HC 172.892/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
02/08/2011, DJe 29/08/2011)166
EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. JÚRI. CRIME
DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (CP, ART. 121, § 2º, V). PACIENTE
ABSOLVIDO. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO SOB FUNDAMENTO
DE QUE A ABSOLVIÇÃO É MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA
DOS AUTOS. RECURSO PROVIDO PARA DETERMINAR A REALIZAÇÃO
DE NOVO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL POPULAR. RESPEITADA A
SOBERANIA DOS VEREDICTOS. INEXISTÊNCIA DE EXCESSO DE
LINGUAGEM. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio constitucional da
soberania dos veredictos quando a decisão for manifestamente contrária à
prova dos autos não é violado pela determinação de realização de novo
julgamento pelo Tribunal do Júri. (Precedentes: HC 104301/ES, Rel. Ministra
CÁRMEN LÚCIA, PRIMEIRA TURMA, DJe 04/03/2011; HC 76994/RJ, Rel.
Ministro MAURÍCIO CORRÊA, SEGUNDA TURMA, DJ 26/06/1998; HC
102004/ES, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, PRIMEIRA TURMA, DJe
08/02/2011; e HC 94052/PR, Rel. Ministro EROS GRAU, SEGUNDA TURMA,
DJe 14/08/2009). 2. A fundamentação do acórdão com fulcro no art. 93, inc. IX,
da Constituição Federal, não implica o vício de excesso de linguagem. 3. A
doutrina do tema assenta, verbis: “(...) a simples existência de apelação
voltando ao questionamento da decisão dos jurados não constitui, por si só,
ofensa ao princípio constitucional da soberania dos veredictos; ao contrário,
harmonizam-se os princípios, consagrando-se na hipótese o duplo grau de
jurisdição. Além do mais, a Constituição menciona haver soberania dos
veredictos, não querendo dizer que exista um só. A isso, devemos acrescentar
que os jurados, como seres humanos que são, podem errar e nada impede que o
tribunal reveja a decisão, impondo a necessidade de se fazer um novo
julgamento. Isto não significa que o juiz togado substituirá o jurado na tarefa
de dar a última palavra quanto ao crime doloso contra a vida que lhe for
apresentado para julgamento. Por isso, dando provimento ao recurso, por ter o
júri decidido contra a prova dos autos, cabe ao Tribunal Popular proferir uma
outra decisão. Esta, sim, torna-se soberana.” (in Nucci , Guilherme de Souza Manual de Processo Penal e Execução Penal, Revista dos Tribunais, 3ª Edição,
p. 833). 4. In casu, a instância a quo assentou que a anulação se impunha em razão
do julgamento contrário às evidências dos autos, no concernente ao crime de
homicídio consumado, por isso que, não obstante a ausência de provas concludentes
de que o acusado efetivamente disparara arma de fogo contra a vítima, o fato é que o
recorrente, na visão do juízo a quo, organizou e participou de toda a ação criminosa,
devendo responder por todos os delitos perpetuados. 5. Deveras, é cediço na Corte
166
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 172.892/RS. Relator: Jorge Mussi. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br>. Acesso em: 1º set. 2012.
64
que: “1. Ao determinar a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri, o
Tribunal de Justiça procura demonstrar, nos limites do comedimento na apreciação
da prova, não existir nos autos material probatório a corroborar a tese defensiva
acolhida pelos jurados. Dever constitucional de fundamentar todas as decisões
judiciais (art. 93, inc. IX, da Constituição da República). Inexistência de excesso de
linguagem. 2. A determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do
Júri não contraria o princípio constitucional da soberania dos veredictos quando a
decisão for manifestamente contrária à prova dos autos. (grifou-se).
omissis
(HC 103805, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/04/2011,
DJe-092 DIVULG 16-05-2011 PUBLIC 17-05-2011 EMENT VOL-02523-01 PP00048 RTJ VOL-00218- PP-00375) 167
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA.
TRIBUNAL DO JÚRI. SOBERANIA DOS VEREDITOS. DECISÃO
CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS, RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE
SEGUNDO GRAU. ORDEM DENEGADA. 1. A pretensão revisional das
decisões do Tribunal do Júri convive com a regra da soberania dos veredictos
populares (alínea “c” do inciso XXXVIII do art. 5º da Constituição Federal).
Regra compatível com a garantia constitucional que atende pelo nome de duplo
grau de jurisdição. Garantia que tem a sua primeira manifestação na parte
final do inciso LV do art. 5º da CF, a saber: “aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Precedente: HC 94.567,
da minha relatoria. 2. Se a decisão do Tribunal do Júri é manifestamente
contrária à prova dos autos, abre-se ao Tribunal de Segundo Grau a
possibilidade de devolver a causa ao mesmo Tribunal do Júri para novo
julgamento. 3. No presente HC, o acolhimento da pretensão defensiva implicaria o
revolvimento e a revaloração de todo o conjunto fático-probatório da causa,
incompatíveis com a natureza processualmente contida do habeas corpus. 4. Ordem
denegada.(grifou-se).
(HC 104285, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em
19/10/2010, DJe-228 DIVULG 26-11-2010 PUBLIC 29-11-2010 EMENT VOL02440-01 PP-00027)168
Tendo em conta as decisões dos Tribunais Superiores brasileiros, infere-se que o duplo
grau de jurisdição foi limitado pelo legislador ordinário em respeito ao princípio
constitucional da soberania dos veredictos. Porém, isso não significa que a decisão dos
jurados não possa ser revista pelo juízo ad quem, pois, sendo eles seres humanos, estão
passíveis de cometer erros. O que é vedado, no entanto, é o juiz togado substituir a decisão do
Conselho de Sentença. Assim, em situação semelhante (decisão do júri contrária à prova dos
167
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 103805. Relator: Luiz Fux. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 1º set. 2012.
168
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 104285. Relator: Ayres Britto. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 1º set. 2012.
65
autos), o tribunal deve anular a sentença do júri e remeter o processo a novo julgamento pelo
Tribunal Popular.
3.2 Reformatio in pejus indireta no Tribunal do Júri e a interpretação dos Tribunais
É pacífico que o princípio da ne reformatio in pejus impossibilita a modificação do
julgamento para pior quando apenas a defesa recorre. Os vícios em decorrência de nulidade
absoluta impõem que os atos processuais sejam refeitos. Sendo a nulidade anterior à sentença,
é necessária a renovação dos atos, inclusive que nova decisão seja proferida. 169
Em sede de tribunal popular, ocorrendo essa hipótese, há designação de novo júri pelo
juízo ad quem, uma vez que o 2º grau não pode modificar a vontade popular e emitir juízo
sobre o mérito, pois a Magna Carta reservou ao tribunal do júri, unicamente, o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida, consagrando, para tanto, a soberania dos seus veredictos.170
Assim, o processo é submetido à nova votação pelo Conselho de Sentença, a qual,
devido aos jurados decidirem por íntima convicção, poderá ser diversa da primeira
deliberação, e, acobertada pelo princípio da soberania dos veredictos, será a definitiva, ou
seja, não poderá ser reformada por tribunal algum.
O que se questiona, entretanto, é a possibilidade de a segunda decisão proferida pelos
jurados piorar a situação do acusado, em função do princípio da ne reformatio in pejus
indireta, o qual consagra que, quando o tribunal anula a sentença, em sede de recurso
exclusivo da defesa, e remete o processo ao juiz de primeiro grau para que o julgue
novamente, é vedado ao juízo proferir sentença de maneira a piorar a situação do réu.171
Em face dessa situação, há diferentes posições nas decisões proferidas pelo Tribunal
de Justiça Gaúcho, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal nos últimos
quatro anos, as quais serão, brevemente, e de maneira exemplificada, analisadas.
169
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 118-119.
170
Ibidem, p. 118-119.
171
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 875.
66
APELAÇÃO
CRIME.
JÚRI.
HOMICÍDIOS
TRIPLAMENTE
QUALIFICADOS E CRIMES CONEXOS DE CÁRCERE PRIVADO. I DUPLO
HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. TRÊS JULGAMENTOS. TRÊS
PENAS DIFERENTES PARA UM MESMO RÉU. PRIMEIRO JULGAMENTO
RENOVADO EM RAZÃO DE PROTESTO POR NOVO JÚRI. SEGUNDO
JULGAMENTO RENOVADO EM RAZÃO DE NULIDADE DECLARADA DE
OFÍCIO PELO JUIZ PRESIDENTE, QUANDO AS PARTES JÁ HAVIAM
INCLUSIVE APRESENTADO RAZÕES DE APELAÇÃO. A súmula 160 do
Supremo Tribunal Federal determina ser "nula a decisão do tribunal que acolhe,
contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de
recurso de ofício sendo que tal regra se refere a qualquer tipo de nulidade (relativa
ou absoluta) e se estende aos juízes singulares (RCCr 81.117, de 29-4-1975, Diário
da Justiça de 2-6-1975). O impedimento, entretanto, como consta expressamente no
caput do artigo 252 do CPP, priva o juiz de exercer jurisdição no processo, de modo
que seria imperativa a renovação de um julgamento em que participou um jurado
impedido, independentemente de alegação das partes. Ademais, a renovação de um
julgamento, no exato momento em que é declarada a nulidade, não é decisão
prejudicial ao acusado se o veredicto não é absolutório, mormente quando a própria
defesa manifesta em apelação o interesse de ver anulado o julgamento. TERCEIRO
JULGAMENTO QUE RESULTOU NA PENA MAIS GRAVE, DENTRE AS
TRÊS PENAS DIFERENTES IMPOSTAS NOS TRÊS JULGAMENTOS.
REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. OCORRÊNCIA. 1. Embora possam os
jurados proferir decisão mais gravosa que a do julgamento anterior, eis que o
princípio da soberania dos veredictos assim os autorizam, ao juiz presidente é
defeso, independentemente do teor do veredicto, imputar pena mais grave que
a aplicada após o julgamento anulado se, claro, este não houver sido anulado
por pedido da acusação. 2. A apelação ministerial em relação ao julgamento
anulado impede o trânsito em julgado para a acusação das matérias ali contidas.
Entretanto, mesmo que demonstre inconformidade no tocante à pena, o apelo
ministerial não desvincula o magistrado a quo, no julgamento ulterior, do limite
máximo firmado pela pena imposta no julgamento anulado; desvincula, aí sim, o
juízo ad quem, que pode então reapreciar a pena, matéria não preclusa em razão dos
recursos da acusação. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS QUE, EM GRANDE
MAIORIA, NÃO DESFAVORECEM O RÉU. DUAS QUALIFICADORAS
UTILIZADAS COMO AGRAVANTES. CONTINUIDADE DELITIVA
RECONHECIDA, E ACRESCIDA A MAIOR DAS PENAS NA RAZÃO DA
METADE, TENDO EM VISTA NÃO SÓ AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS E
O NÚMERO MÍNIMO DE FATOS (DOIS), MAS TAMBEM A GRAVIDADE DO
DELITO. II DUPLO CÁRCERE PRIVADO. DECISÃO MANIFESTAMENTE
CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. Os veredictos
proferidos pelos jurados do Tribunal do Júri são soberanos por disposição
constitucional, sendo este o motivo pelo qual, em relação ao mérito, apenas quando
a decisão for totalmente desgarrada dos elementos de prova contidos nos autos,
beirando verdadeira arbitrariedade, se torna possível a submissão do réu a novo
julgamento.
PENA.
REDIMENSIONAMENTO.
POSSIBILIDADE.
CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS QUE, EM GRANDE MAIORIA, NÃO
DESFAVORECEM O RÉU. REDUÇÃO DA PENA BASE. CONTINUIDADE
DELITIVA RECONHECIDA, E ACRESCIDA A PENA DE UM DOS CRIMES
EM 1/3, CONSIDERANDO A ANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS.
DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Crime Nº
70030809669, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Marcel Esquivel Hoppe, Julgado em 19/08/2009) (grifou-se).172
172
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Crime n.º 70030809669, da Primeira Câmara Criminal. Relator:
Marcel Esquivel Hoppe. Porto Alegre, 19 de agosto de 2009. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 03 set. 2012.
67
Como se denota, no ano de 2009, a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul defendia que aos jurados era permitido proferir a segunda
decisão de maneira a piorar a situação do réu, devido à previsão constitucional da soberania
dos veredictos.
Entretanto, o juiz-presidente, ao decidir o quantum da pena, deveria ficar adstrito ao
patamar máximo aplicado na decisão anterior (decisão anulada). Ou seja, nas situações de
cassação da sentença por recurso exclusivo da defesa, o princípio da ne reformatio in pejus
seria dirigida ao juiz-presidente do tribunal do júri, que ao fixar a nova pena, deveria adequála de modo a não piorar a situação do acusado, em comparação à sentença recorrida.
Por não ser a matéria pacífica, no entanto, no mesmo ano, o Primeiro Grupo de
Câmaras Criminais decidiu, atento ao princípio da soberania dos veredictos, ser possível a
aplicação de pena mais grave no julgamento posterior, desde que fossem reconhecidas
circunstâncias não recepcionadas pelo tribunal do júri no primeiro julgamento, que
viabilizassem agravar a pena, conforme segue a ementa abaixo transcrita:
EMBARGOS INFRINGENTES. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO.
APELAÇÃO RESPECTIVA. PRETENSÃO DEFENSIVA AO ACOLHIMENTO
DO VOTO MINORITÁRIO. INVOCAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO
DA REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. INOCORRÊNCIA. Na espécie,
considerando-se o princípio da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri,
não há impedimento algum que a pena do segundo julgamento seja superior a
do primeiro, observando-se que a pena só não poderia ser maior que a do
primeiro julgamento na hipótese de serem reconhecidas as mesmas
qualificadoras, atenuantes, enfim as mesmas circunstâncias, o que, na espécie,
não ocorreu, eis que o Conselho de Sentença não recepcionou a atenuante
genérica
anteriormente
aceita.
EMBARGOS
INFRINGENTES
DESACOLHIDOS POR MAIORIA. (Embargos Infringentes Nº 70019290030,
Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laís
Rogéria Alves Barbosa, Julgado em 03/04/2009) (grifou-se).173
No ano seguinte, o mesmo Grupo de Câmaras Criminais proferiu decisão no mesmo
sentindo, entendendo ser possível o agravamento da pena no segundo julgamento, como
corrobora a ementa abaixo:
173
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Embargos Infringentes n.º 70019290030, do Primeiro Grupo de Câmaras
Criminais. Relatora: Laís Rogéria Alves Barbosa. Porto Alegre, 03 de abril de 2009. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>.
Acesso em: 03 set. 2012.
68
EMBARGOS INFRINGENTES. CRIMES DOLOSOS E CULPOSOS CONTRA A
PESSOA. TRIBUNAL DO JÚRI. A preliminar suscitada não se sustenta, pois não
há dúvida quanto ao resultado do julgamento da apelação, no qual apenas o Relator
reduzia a pena do réu para a mesma aplicada em razão do júri anterior. Réu
submetido por duas vezes ao Tribunal do Júri. "Reformatio in pejus" indireta
não configurada. Anulado o primeiro julgamento, a soberania do Tribunal do
Júri permite a aplicação de pena mais grave quando de sua renovação, sem
caracterizar a "reformatio in pejus" indireta, pois não se pode impedir que os
jurados manifestem livremente o veredicto condenatório, ainda que implique
na imposição de pena mais gravosa ao réu. Acusado condenado, no primeiro
júri, como incurso nas sanções do artigo 121-`caput, c/c o artigo 14-II, ambos
do CP (homicídio simples tentado), recebendo uma pena de 04 (quatro) anos e
06 (seis) meses de reclusão. Anulado tal julgamento, o réu foi submetido a novo
júri, no qual restou condenado como infrator ao artigo 121-§ 2º-II, c/c o artigo
14-II, ambos do CP (homicídio qualificado tentado), sendo-lhe aplicada uma
pena de 08 (oito) anos e 08 (oito) meses de reclusão. A pena pode ser fixada em
patamar acima do primeiramente estipulado, pois no segundo júri o réu foi
condenado por homicídio qualificado tentado, enquanto no primeiro sua
condenação deu-se pela prática de homicídio simples tentado. Voto vencido. Já
decidiu o STJ que o reconhecimento de qualificadora apenas no segundo
julgamento permite o agravamento de pena, sem configuração de "reformatio
in pejus" indireta, pela soberania do júri popular (Habeas Corpus nº 78.366/SP).
PRELIMINAR AFASTADA, À UNANIMIDADE. EMBARGOS INFRINGENTES
REJEITADOS, POR MAIORIA. (Embargos Infringentes e de Nulidade Nº
70038215000, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: José Antônio Cidade Pitrez, Julgado em 01/10/2010) (grifou-se).174
Infere-se do julgado acima que, no ano de 2010, o Tribunal de Justiça Gaúcho julgou
no sentido de permitir a aplicação de pena mais gravosa ao réu no segundo julgamento,
consagrando o princípio da soberania dos veredictos em detrimento do princípio da ne
reformatio in pejus indireta.
Defendeu, no caso supracitado, que o princípio da não reformatio in pejus não poderia
impedir que, na renovação do julgamento, os jurados decidissem pelo reconhecimento, por
exemplo, de qualificadora que não havia sido originariamente aplicada, com a consequente
imposição de pena mais severa, pois podem manifestar livremente seu veredicto.
Como já referido, por ser controvertido o assunto, a Primeira Câmara Criminal, no
mesmo ano, julgou de forma diversa, entendendo ser aplicável o princípio da ne reformatio in
pejus, mesmo em sede do tribunal popular, devendo a pena do segundo julgamento ser
limitada pela do primeiro, de maneira a evitar a piora da situação do réu.
174
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Embargos Infringentes e de Nulidade n.º 70038215000, do Primeiro
Grupo de Câmaras Criminais. Relator: José Antônio Cidade Pitrez. Porto Alegre, 1º de outubro de 2010. Disponível em:
<www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 03 set. 2012.
69
APELAÇÃO CRIME. PROCESSO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO
JÚRI. CÓDIGO PENAL. ARTIGO 121, § 2º, INCISOS I E IV. 'REFORMATIO IN
PEJUS' INDIRETA. Anulado o primeiro julgamento, não há como impedir-se o
novo Conselho de Sentença de conhecer de todos os pontos da acusação e da
defesa e de pronunciar-se livremente a respeito de cada um deles, ainda que a
decisão venha a impor apenamento mais severo. Relator vencido, limitando a
pena do segundo julgamento àquele fixado no júri anulado. APELO
DEFENSIVO IMPROVIDO, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR QUANTO
À FIXAÇÃO DA PENA. (Apelação Crime Nº 70033497314, Primeira Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcel Esquivel Hoppe, Julgado em
12/05/2010) (grifou-se). 175
Em que pese a apresentação de ementas contrapostas, a posição predominante dos
últimos julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é a de permitir o
agravamento da pena imposta ao réu no segundo julgado, prevalecendo a soberania dos
veredictos do júri popular em detrimento ao princípio da ne reformatio in pejus, desde que
essa majoração seja fundamentada em reconhecimento de circunstâncias agravantes da pena
não aplicadas na primeira decisão.
O Superior Tribunal de Justiça, nos anos de 2008 e de 2010, decidiu pela possibilidade
de agravamento da pena do réu no segundo julgamento pelo Tribunal do Júri, em decorrência
da anulação do primeiro, por naquele ter sido reconhecida qualificadora afastada neste, devido
ao princípio constitucional da soberania dos veredictos. Assim, esse princípio prevaleceria
sobre o da ne reformatio in pejus indireta, permitindo a piora da situação do acusado, ainda
que o recurso fosse exclusivo da defesa.
Corroboram a afirmação, as jurisprudências abaixo elencadas:
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO
QUALIFICADO EM CONTINUIDADE DELITIVA. RÉU SUBMETIDO POR
DUAS VEZES AO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSOS DE APELAÇÃO DA
PRIMEIRA E DA SEGUNDA SENTENÇA ATACADOS NO PRESENTE WRIT.
DEFENSOR DATIVO INTIMADO POR MEIO DA IMPRENSA OFICIAL NAS
DUAS OCASIÕES. ARGÜIÇÃO DE NULIDADE.
INSURGÊNCIA DEDUZIDA APÓS SEIS ANOS DO TRÂNSITO EM JULGADO
DA
CONDENAÇÃO.
AUSÊNCIA
DE
PREJUÍZO.
EVENTUAL
IRREGULARIDADE
CONVALIDADA.
RECONHECIMENTO
DA
QUALIFICADORA
APENAS
NO
SEGUNDO
JULGAMENTO.
AGRAVAMENTO DA PENA. POSSIBILIDADE. SOBERANIA DO JÚRI
POPULAR. INEXISTÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA.
1. Considera-se convalidada a nulidade, consistente na intimação do Defensor
Dativo, por meio da imprensa oficial, da inclusão em pauta de julgamento dos
apelos interpostos, em razão da inércia da Defesa que tão-somente após o transcurso
175
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação n.º 70033497314. Primeira Câmara Criminal. Relator: Marcel
Esquivel Hoppe. Porto Alegre, 12 de maio de 2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 03 set. 2012.
70
de quase seis anos do trânsito em julgado da condenação, almeja a anulação dos
julgamentos.
2. O silêncio da defesa, em decorrência do citado lapso temporal, torna preclusa a
matéria, mormente porque não foi evidenciado prejuízo real ao Paciente, pois seu
primeiro apelo foi provido para anular julgamento plenário e o Defensor Dativo, não
obstante tenha sido intimado pessoalmente do segundo acórdão, deixou transitar em
julgado a condenação.
3. Não há reformatio in pejus indireta pela imposição de pena mais grave, após
a decretação de nulidade da primeira sentença, em apelo da defesa, quando no
novo julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, reconhece-se a incidência de
qualificadora afastada no primeiro julgamento, eis que, em face da soberania
dos veredictos, de caráter constitucional, pode o Conselho de Sentença proferir
decisão que agrave a situação do réu.
4. Precedentes desta Corte Superior e do Supremo Tribunal Federal.
5. Ordem denegada.
(HC 78.366/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em
28/10/2008, DJe 17/11/2008) (grifou-se).176
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO. JÚRI. VEDAÇÃO
À REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. TRÊS JULGAMENTOS.
VEREDICTOS
DISTINTOS
QUANTO
À
INCIDÊNCIA
DAS
QUALIFICADORAS. PENA IMPOSTA NO TERCEIRO MAIS GRAVOSA.
IMPOSSIBILIDADE.
I - A regra que estabelece que a pena estabelecida, e não impugnada pela
acusação, não pode ser majorada se a sentença vem a ser anulada, em
decorrência de recurso exclusivo da defesa, sob pena de violação do princípio
da vedação da reformatio in pejus indireta, não se aplica em relação as decisões
emanadas do Tribunal do Júri em respeito à soberania dos veredictos
(Precedentes).
II - Desse modo, e neste contexto, tem-se que uma vez realizados três
julgamentos pelo Tribunal popular devido à anulação dos dois primeiros, e
alcançados, nas referidas oportunidades, veredictos distintos, poderá, em tese, a
pena imposta no último ser mais gravosa que a fixada nos anteriores.
III - Contudo, constatado que no último julgamento o recorrente restou condenado
por crime menos grave (homicídio simples) se comparado com o anterior (homicídio
duplamente qualificado), e que neste a pena-base foi aumentada devido, unicamente,
a consideração de uma qualificadora como circunstância judicial desfavorável,
revela-se injustificado o aumento imposto à pena-base, uma vez que, nesta hipótese,
o princípio da vedação da reformatio in pejus indireta alcança o Juiz-Presidente do
Tribunal do Júri.
Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1132728/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado
em 26/08/2010, DJe 04/10/2010) (grifou-se). 177
No corrente ano, entretanto, a posição do STJ foi modificada. Predomina o
entendimento de que o júri possui soberania para manifestar seu voto, preservando-se o
princípio consagrado na Constituição Federal da soberania dos veredictos. Porém, ao juizpresidente é vedado majorar a pena do réu no segundo julgado, quando houver recurso
176
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 78.366/SP. Relatora: Laurita Vaz. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br>. Acesso em: 03 set. 2012.
177
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1132728/RJ. Relator: Felix Fischer. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br>. Acesso em: 03 set. 2012.
71
exclusivo da defesa, imputando-lhe o dever de adequá-la de maneira a não agravar a situação
do réu, conforme se infere das ementas abaixo:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO SIMPLES. TRIBUNAL DO JÚRI. JUIZPRESIDENTE.
VEDAÇÃO À REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. DOIS JULGAMENTOS.
VEREDICTOS DISTINTOS QUANTO À INCIDÊNCIA DA QUALIFICADORA.
CONDENAÇÃO POR HOMICÍDIO QUALIFICADO PELA SURPRESA NO
PRIMEIRO E POR HOMICÍDIO SIMPLES NO SEGUNDO. RECURSO
EXCLUSIVO DA DEFESA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS CONSIDERADAS
TODAS FAVORÁVEIS NO PRIMEIRO JULGAMENTO.
NEGATIVIDADE DAS CONSEQUÊNCIAS DO DELITO NO SEGUNDO.
AGRAVAÇÃO DA PENA-BASE POR ESTE MOTIVO. IMPOSSIBILIDADE.
REFORMA PARA PIOR.
COAÇÃO ILEGAL DEMONSTRADA.
1. Nos termos da jurisprudência firmada por este Superior Tribunal de Justiça,
o princípio da non reformatio in pejus não pode ser aplicado para limitar a
soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, assim, anulado o primeiro
julgamento por recurso exclusivo da defesa, é possível, em tese, caso seja
alcançado um veredito diferente do primeiro, ser agravada a pena imposta ao
condenado.
Precedentes.
2. A regra do art. 617 do CPP vale, contudo, para o Juiz-Presidente,
responsável pela dosagem da sanção penal, a quem está vedado agravar a
situação do réu em um segundo julgamento, ocorrido por força de recurso
exclusiva da defesa. Precedentes.
3. Verificando-se que no primeiro julgamento as circunstâncias judiciais foram
consideradas todas favoráveis ao condenado, não poderia o Juiz-Presidente, com
base na negatividade das consequências do delito, assim não reconhecida
anteriormente, elevar a pena-base, evidenciando a reforma para pior por força de
recurso exclusivo da defesa.
omissis
(HC 174.564/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
21/06/2012, DJe 01/08/2012) (grifou-se).178
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO NO JÚRI
POPULAR.
APELAÇÃO. REDUÇÃO DA REPRIMENDA. NOVO JULGAMENTO.
IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO CORPORAL SUPERIOR. IMPOSSIBILIDADE.
PRINCÍPIO QUE VEDA A REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA.
1. Os princípios da plenitude de defesa e da soberania dos veredictos devem ser
compatibilizados de modo que, em segundo julgamento, os jurados tenham
liberdade de decidir a causa conforme suas convicções, sem que isso venha a
agravar a situação do acusado, quando apenas este recorra.
2. Nesse contexto, ao proceder à dosimetria da pena, o Magistrado fica
impedido de aplicar sanção superior ao primeiro julgamento, se o segundo foi
provocado exclusivamente pela defesa.
3. No caso, em decorrência de protesto por novo júri (recurso à época existente), o
Juiz presidente aplicou pena superior àquela alcançada no primeiro julgamento, o
que contraria o princípio que veda a reformatio in pejus indireta.
178
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 174.564/RS. Relator: Jorge Mussi. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br>. Acesso em: 03 set. 2012.
72
4. Ordem concedida, com o intuito de determinar ao Juízo das execuções que
proceda a novo cálculo de pena, considerando a sanção de 33 (trinta e três) anos, 7
(sete) meses e 6 (seis) dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime
fechado.
(HC 205.616/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em
12/06/2012, DJe 27/06/2012) (grifou-se).179
O Supremo Tribunal Federal, no ano de 2009, em julgamento a um Habeas Corpus,
tendo como relator o Ministro Cezar Peluso, decidiu que a reformatio in pejus não impede a
incidência do princípio constitucional da soberania dos veredictos, podendo o júri decidir por
íntima convicção e como bem lhe aprouver, no segundo julgamento. Entretanto, o juizpresidente, ao fixar a pena, deve ficar adstrito ao máximo de pena imposta na primeira
sentença.
AÇÃO PENAL. Homicídio doloso. Tribunal do Júri. Três julgamentos da mesma
causa. Reconhecimento da legítima defesa, com excesso, no segundo julgamento.
Condenação do réu à pena de 6 (seis) anos de reclusão, em regime semi-aberto.
Interposição de recurso exclusivo da defesa. Provimento para cassar a decisão
anterior. Condenação do réu, por homicídio qualificado, à pena de 12 (doze)
anos de reclusão, em regime integralmente fechado, no terceiro julgamento.
Aplicação de pena mais grave. Inadmissibilidade. Reformatio in peius indireta.
Caracterização. Reconhecimento de outros fatos ou circunstâncias não
ventilados no julgamento anterior. Irrelevância. Violação conseqüente do justo
processo da lei (due process of law), nas cláusulas do contraditório e da ampla
defesa. Proibição compatível com a regra constitucional da soberania relativa
dos veredictos. HC concedido para restabelecer a pena menor. Ofensa ao art.
5º, incs. LIV, LV e LVII, da CF. Inteligência dos arts. 617 e 626 do CPP.
Anulados o julgamento pelo tribunal do júri e a correspondente sentença
condenatória, transitada em julgado para a acusação, não pode o acusado, na
renovação do julgamento, vir a ser condenado a pena maior do que a imposta
na sentença anulada, ainda que com base em circunstância não ventilada no
julgamento anterior.
(HC 89544, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em
14/04/2009, DJe-089 DIVULG 14-05-2009 PUBLIC 15-05-2009 EMENT VOL02360-01 PP-00197 RTJ VOL-00209-02 PP-00640 RT v. 98, n. 886, 2009, p. 487498 LEXSTF v. 31, n. 365, 2009, p. 348-366 RSJADV dez., 2009, p. 46-51) (grifouse).180
Assim, para o STF, se for caso de recurso exclusivo da defesa, ainda que haja o
reconhecimento de circunstância agravante no segundo julgamento que não o foi na decisão
anterior, a fixação da segunda pena tem de observar o patamar máximo imposto à primeira.
179
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 205.616/SP. Relator: Og Fernandes. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br>. Acesso em: 03 set. 2012.
180
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 89544. Relator: Cezar Peluso. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 03 set. 2012.
73
Fundamenta esse posicionamento, o relator Cezar Peluso, nos princípios constitucionais da
ampla defesa e do contraditório. Sustenta que, embora a soberania dos veredictos tenha
previsão na Magna Carta, os princípios da ampla defesa e do contraditório impedem a
reformatio in pejus, não podendo quem recorreu ter a sua pena agravada.
Defende que é necessário haver uma “concordância prática”, espécie de harmonização,
na aplicação dos princípios, de forma a evitar o sacrifício de um em detrimento do outro, mas,
considerando que quem recorreu não pode ter sua pena agravada, entende inconcebível que
novo julgamento, por cassação da primeira sentença, em decorrência de recurso exclusivo da
defesa (o qual, segundo o entendimento do STF, tenderia a só beneficiar o réu), seja piorada a
situação do acusado, devendo o juiz se ater ao máximo da pena imposta na primeira decisão.
Desse modo, a fim de harmonizar a aplicação dos princípios da ampla defesa, da
soberania dos veredictos e da ne reformatio in pejus indireta, o STF entendeu que os jurados
têm liberdade para decidir no segundo julgamento, respeitando-se o princípio da soberania
dos veredictos, porém, o juiz-presidente, ao fixar o quantum da pena, deve observar o patamar
máximo imposto na primeira sentença, devido ao princípio da ne reformatio in pejus indireta,
que obsta que, em sede de recurso exclusivo da defesa, haja a reforma da decisão para pior.
Conforme se depreende do exposto, portanto, muda o posicionamento acerca do tema
de um tribunal para o outro. O TJRS entende viável o prevalecimento do princípio da
soberania dos veredictos em detrimento do da ne reformatio in pejus indireta no Tribunal do
Júri, podendo ser agravada a pena do réu na segunda decisão, desde que o júri reconheça
circunstâncias agravantes da pena não admitidas na primeira sentença. Já o STJ e o STF
defendem que o tribunal popular é soberano para decidir, porém, o juiz-presidente deve
adequar o quantum de pena ao patamar máximo determinado no primeiro julgamento, de
maneira a não agravar a situação do réu, pela aplicação do princípio da ne reformatio in pejus
indireta.
3.3 Aplicação do princípio da ne reformatio in pejus indireta no Tribunal do Júri
O princípio da ne reformatio in pejus veda a possibilidade de modificar a sentença
para pior, na hipótese de ter sido submetida a decisão para análise do juízo ad quem por
74
provocação, apenas, da defesa. Em outras palavras, se somente o réu recorrer, ou o tribunal
reforma a sentença de maneira a beneficiá-lo ou a mantém. 181
Por conseguinte, esse princípio também se aplica às apelações dos julgamentos do
Tribunal do Júri. A peculiaridade, entretanto, ocorre quando se verifica que o fundamento da
apelação da defesa está nas alíneas ‘a’ e ‘d’ do inciso III do artigo 593 do Código de Processo
Penal. Como referido anteriormente, na hipótese de o tribunal ad quem anular a sentença, o
processo deve ser remetido ao tribunal popular para que nova decisão seja proferida,
abstendo-se o tribunal imediatamente superior de proferir juízo de mérito, sob pena de
ofender ao princípio da soberania dos veredictos.182
Nessa senda, o responsável pela “reforma da decisão” é o júri, ao qual foi atribuído,
pela Constituição Federal, a prerrogativa de julgar os crimes dolosos contra a vida,
garantindo-lhe, ademais, a soberania de seus votos. Por esse princípio, pode-se inferir que à
decisão dos jurados não cabem questionamentos, uma vez que decidem por íntima convicção,
devendo ser do Conselho de Sentença a “última palavra”.
Em que pese essa soberania, há o princípio da ne reformatio in pejus indireta, o qual
obstaculizaria que, ao ser remetido o processo para o juízo a quo julgá-lo novamente, devido à
decretação de sua nulidade pelo tribunal ad quem, a nova decisão fosse pior do que a emitida
originalmente.183
Em sede do Tribunal do Júri, portanto, o princípio da ne reformatio in pejus indireta
conflita com o princípio constitucional da soberania dos veredictos. Na doutrina brasileira o
assunto não é pacífico, havendo diferentes posicionamentos.
Entre os doutrinadores que defendem a possibilidade de aplicação do princípio da ne
reformatio in pejus indireta no tribunal do júri, estão Guilherme de Souza Nucci e Luiz Flávio
Gomes.
Segundo Luiz Flávio Gomes, o réu não pode ter sua pena agravada quando somente
ele tiver interposto recurso. Alega que a ne reformatio in pejus indireta é corolário dos
princípios da ampla defesa, do contraditório e do duplo grau de jurisdição, e que se não
houvesse vedação da reforma para pior no caso em apreço, os acusados não poderiam exercer
livremente seu direito de defesa. Em suas palavras:
181
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p.789.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 875.
183
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo : Saraiva, 2011, p. 765.
182
75
O princípio da non reformario in pejus é corolário do princípio da ampla defesa,
contraditório e duplo grau de jurisdição, pois não fosse a vedação da reforma para
pior, os réus não poderiam exercer plenamente seu direito ao recurso (com medo de
ter sua situação piorada pelo tribunal ou pelo novo julgamento).
No júri, o princípio da non reformatio in pejus não limita os jurados, que são
soberanos em suas decisões. O limite existe para o juiz (no momento da fixação da
pena). Fundamental é distinguir as funções de cada um no julgamento do júri: a
função dos jurados e do juiz. Cada um tem sua competência (competência funcional
horizontal distinguida).
No momento do cálculo da pena o juiz (por força do ne reformatio in pejus) está
adstrito ao limite punitivo precedente. Ou seja, ainda que no novo julgamento os
jurados acatem qualificadoras ou causas de aumento de pena que antes não haviam
reconhecido, o juiz Presidente deverá se ater ao limite máximo da pena imposta
anteriormente (não poderá agravar a situação do réu). Se ao juiz fosse permitido
agravar a pena do réu, teria ele prejuízo em razão do seu próprio recurso. A ne
reformatio in pejus indireta proíbe que o juiz, na nova sentença, agrave a pena do
réu quando o julgamento anterior foi anulado em razão de recurso exclusivo dele.
Nenhum réu pode sofrer prejuízo (gravame) em razão de ter imposto recurso
(mesmo porque a ampla defesa é outro princípio constitucional que tem que ser
observado). 184
Para esse doutrinador, portanto, o princípio que veda a reforma para pior da situação
do réu não conflita com o constitucionalmente previsto da soberania dos veredictos. Refere
que os jurados continuam soberanos em suas decisões, sendo o princípio dirigido ao juizpresidente do júri, que no momento da fixação da pena deve ficar adstrito ao limite máximo
imposto na primeira sentença.
Nucci, nessa mesma linha, entende que, havendo recurso apenas da defesa, e vindo a
ser anulada a primeira decisão, com a consequente remessa dos autos ao tribunal popular para
novo julgamento, não pode haver a reforma da sentença para pior, em função do princípio da
ne reformatio in pejus indireta.185
Defende, portanto, que o princípio da ne reformatio in pejus indireta aplica-se ao
tribunal do júri. Porém, explica que não se sobrepõe à soberania dos veredictos, uma vez que
os jurados podem decidir como bem lhes aprouver. O único que deve obediência ao princípio
da ne reformatio in pejus seria o juiz-presidente do tribunal do júri, que ao fixar o quantum da
pena, tem de observar o limite imposto no primeiro julgamento. 186
E essa observância é devida, segundo o autor, porque, do contrário, o réu não restaria
encorajado a recorrer, por ter ciência que ficaria à mercê da sorte, sem saber se o recurso que
interpôs iria atender aos seus anseios ou o prejudicar. Assim, em consagração aos princípios
184
GOMES, Luiz Flávio; RUDGE, Elisa M. Tribunal do Júri e a proibição da “reformatio in peius” indireta. Disponível
em: http://www.lfg.com.br. 29 de abril de 2009. Acesso em: 10 set. 2012.
185
NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 103-104.
186
Ibidem, p. 103-104.
76
da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição, a ne reformatio in pejus indireta deve ser
aplicada às decisões do tribunal popular, como melhor explica:
Em jogo estão dois princípios fundamentais em processo penal: a soberania do júri e
a reformatio in pejus indireta. [...]
A solução indicada para harmonizar as duas disposições, de grande interesse para o
sistema judiciário democrático, é não impedir que o júri decida como bem entender,
incluindo, se quiser, a qualificadora antes afastada. Entretanto, no momento de
aplicar a pena, terminado o processo, o juiz, lembrando que há impossibilidade de
prejudicar o réu, em recurso que foi exclusivo da defesa, reduzirá a reprimenda até
atingir o patamar primário.
[...]
Poder-se-á argumentar que o júri não terá sido soberano, pois decidiu pela aplicação
da qualificadora ao caso concreto e o juiz deixou de considerá-la na aplicação da
pena. Entretanto, postura contrária levaria ao caos do sistema recursal e ofenderia ao
princípio do duplo grau de jurisdição que, salvo hipótese em contrário, prevista na
Constituição, é direito fundamental do homem (art. 5º, §2º, da CF). [...] Ora, que réu
sentir-se-ia encorajado a recorrer, quando considerasse injusta a decisão
condenatória do júri, sabendo que poderia, num segundo julgamento, receber pena
maior? Não teria cabimento, num conflito entre princípios constitucionais
igualmente importantes e consagrados, optar por um deles, sem avaliar as
conseqüências. Daí por que não se vai impedir o júri de decidir, mas o magistrado
será responsável pela aplicação correta da lei, justamente sua função.187
Galvão Rabelo compreende que o princípio da ne reformatio in pejus tem status
constitucional, pois adviria dos princípios da ampla defesa e do devido processo legal.
Defende que o princípio da soberania dos veredictos é um direito do acusado de ser julgado
por seus pares quando comete crime doloso contra a vida, e não um direito dos jurados, e, por
essa razão, esse mesmo princípio não poderia ser utilizado em seu prejuízo. Por conseguinte,
se houver recurso exclusivo da defesa, não pode o segundo julgamento do Conselho de
Sentença piorar a situação do réu, tendo plena aplicação o princípio da ne reformatio in pejus
indireta nas decisões do tribunal popular. Assim, explica:
Portanto, quando houver recurso exclusivo da defesa, a pena do segundo julgamento
não poderá jamais ser mais severa do que a fixada na decisão cassada, mesmo nos
processos de competência do Tribunal do Júri, em virtude da vedação da reformatio
in pejus e da impossibilidade de se invocar o princípio da soberania dos veredictos
em prejuízo do acusado (em razão do caráter garantista deste princípio).188
187
NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 103-104.
RABELO, Galvão. O princípio da Ne reformatio in pejus indireta nas decisões do tribunal do júri. Boletim IBCCRIM:
São Paulo, ano 17, n. 203, out., 2009, p. 18.
188
77
Salvador José Barbosa Júnior e Tatiana Capochin Paes Leme coadunam com o
entendimento de Rabelo. Entendem, dessa maneira, que o princípio da ne reformatio in pejus
é decorrente do princípio do duplo grau de jurisdição e que este, por sua vez, decorre do
princípio constitucional do devido processo legal. Assim, na hipótese de recurso exclusivo da
defesa em sede de tribunal do júri, e designação de novo julgamento, haveria “colisão de duas
normas de mesma estatura e natureza constitucional”, não havendo que se falar em
sobreposição da soberania dos veredictos em detrimento da ne reformatio in pejus.189
Defendem, portanto, a aplicação do princípio da ne reformatio in pejus indireta mesmo
em seara do tribunal popular, pois, segundo eles:
A prevalecer o entendimento segundo o qual o princípio da soberania dos veredictos
sobrepõe-se à proibição da reformatio in pejus no Tribunal do Júri, o direito
fundamental a um processo penal garantista que dê acesso à ordem jurídica justa,
permitindo ao acusado a luta intransigente pela liberdade, está irremediavelmente
violado. [...]
Em rigor, não se cuida de conflito entre norma constitucional e regra estatuída na
legislação ordinária [...]. Mas, sim, de colisão aparente, dentro do sistema processual
penal, entre dois princípios: a soberania dos veredictos e o direito ao duplo grau de
jurisdição no processo penal. E a solução a ser adotada deve se pautar na
interpretação que vise à supremacia dos direitos fundamentais.
[...]
Assim, se a proibição da reformatio in pejus, prevista no art. 617 do Código de
Processo Penal, nada mais é do que a regulação do implícito princípio do duplo grau
de jurisdição, o qual, por sua vez, deriva do princípio maior do devido processo
legal, expressamente assegurado no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, é
forçoso concluir que, no processo penal, seja qual for o procedimento, é
inadmissível agravar a situação do réu num segundo julgamento decorrente de
decisão proferida em recurso exclusivo da defesa. 190
Em contraposição a essa ideia, estão os doutrinadores Tourinho Filho, Eugênio Pacelli,
Fernando Capez, Ada Pellegrini Grinover,191 Julio Fabbrini Mirabete, Paulo Rangel, Damásio
de Jesus e Vicente Greco, os quais defendem que a soberania dos veredictos deve prevalecer
sobre a vedação da reformatio in pejus indireta, no âmbito do tribunal do júri.
Tourinho Filho entende que, se o tribunal ad quem designar novo julgamento pelo
tribunal do júri, em decorrência de recurso exclusivo da defesa, os jurados têm plena
189
BARBOSA JÚNIOR, Salvador José; LEME, Tatiana Capochin Paes. O Princípio da Reformatio in pejus Indireta e o
Direito ao Duplo Grau de Jurisdição no Tribunal do Júri. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. Porto
Alegre: Síntese, v.1, n. 1, abr./maio, 2000, p.11.
190
Ibidem, p. 19-20.
191
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no
processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 48.
78
liberdade para proferir a segunda decisão, podendo, inclusive, agravar a situação do réu, em
comparação com a primeira sentença. Dessa maneira, em face da soberania dos veredictos,
poderia o júri reconhecer qualificadora, por exemplo, não admitida em julgamento anterior,
aumentando o quantum de pena no segundo.192
Adverte, entretanto, que se o Conselho de Sentença decidir da mesma maneira que no
julgamento anterior, nada justifica que o juiz-presidente impute pena mais grave ao réu. Nesse
caso, sim, ressalta , estaria se configurando a reformatio in pejus indireta, pois a soberania dos
veredictos é direcionada aos jurados, e não ao juiz-presidente, que deve ficar, portanto,
adstrito, nessa hipótese, à mesma pena aplicada na primeira sentença. 193
Nessa senda, Pacelli defende que, na hipótese aventada acima, a soberania dos
veredictos constitui obstáculo à vedação da reformatio in pejus, de maneira que havendo novo
julgamento pelo júri, “a nova decisão poderá piorar, validamente, a situação do réu, na
hipótese, por exemplo, de reconhecimento de agravantes, causas de aumento ou mesmo
qualificadoras, não apreciadas ou rejeitadas no julgamento anterior”. 194 Assim como Tourinho
Filho, ressalva que se os jurados decidirem de maneira idêntica ao primeiro júri, não poderá o
juiz-presidente agravar a situação do réu, por ocasião da dosimetria.
Capez coaduna com o entendimento dos doutrinadores supracitados, uma vez que
afirma não ter o princípio da ne reformatio in pejus indireta aplicação no tribunal do júri,
assim explanando:
A regra, porém, não tem aplicação para limitar a soberania dos veredictos [...].
Assim, anulado o Júri, em novo julgamento, os jurados poderão proferir qualquer
decisão, ainda que mais gravosa ao acusado. [...] No entanto, caso a votação do
primeiro julgamento seja repetida [...] o juiz-presidente não pode impor pena maior
do que a do primeiro Júri, pois a ele se aplica a vedação legal.195
Como se deduz do texto acima, da mesma maneira que os já citados autores, se
posiciona Capez, alegando que na hipótese de os jurados proferirem idêntica decisão que a
anterior, deve o juiz-presidente limitar a dosimetria da pena à da primeira sentença.
192
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Saraiva, 1998, p.358.
Ibidem p.358.
194
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 2012. p. 862.
195
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo : Saraiva, 2011, p. 765.
193
79
Mirabete explica que a vedação da reformatio in pejus indireta não tem aplicação
perante o tribunal popular, pois à soberania concedida pela Constituição Federal ao júri não
cabem limitações decorrentes de lei ordinária, retirando a sua liberdade de decidir. 196
Ou seja, para esse autor, os jurados podem decidir de forma diferente do júri anterior,
caso reconheçam, por exemplo, causa de aumento de pena não admitida no primeiro
julgamento, lhes sendo permitido agravar a pena do réu, na hipótese de ser anulada a decisão
por recurso exclusivo da defesa. Ressalva que, caso os jurados decidam de maneira idêntica à
primeira decisão, o juiz-presidente deve se ater ao limite da dosimetria da primeira senteça,
podendo fixar pena menos grave, mas não o contrário.197
Paulo Rangel, por sua vez, elenca quatro razões pelas quais defende essa corrente,
assim argumentando:
A uma, por falta de texto expresso proibindo o juiz de dar uma sentença com
quantum superior à que foi dada no primeiro julgamento, pois o que se proíbe no art.
617 é a reforma para pior pelo tribunal e não pelo juízo a quo. Assim, o que não é
proibido é permitido. Aplica-se o princípio da legalidade.
A duas, porque deve haver diferença entre a decisão recorrida (anulada) e a decisão
proferida no recurso. Ora, como haver diferença entre uma decisão que não mais
existe (anulada) e a do recurso? Não se agrava aquilo a que a ordem jurídica não
mais confere validade. Assim, agravar o nada é um não senso jurídico.
A três, porque estar-se-ia emprestando força a uma decisão que desapareceu em
detrimento de uma que é proferida em perfeita harmonia com a ordem jurídica. Seria
o inválido sobrepondo-se ao válido, em verdadeira aberração.
A quatro, porque o recurso, como vimos , é voluntário, ou seja, o réu recorre se
quiser. Portanto, carrega o ônus do seu recurso com os resultados que lhe são
previsíveis e possíveis: provimento, improvimento ou não cabimento.198
A posição de Damásio de Jesus não destoa da dos demais doutrinadores. Defende,
assim, que a disposição do artigo 617 do Código de Processo Penal, o qual veda a reformatio
in pejus, não se aplica ao tribunal do júri, não estando limitados os jurados de aplicar pena
mais grave no julgamento posterior. Porém, refere que se a decisão for idêntica à anterior, o
mesmo quantum de pena aplicado no primeiro júri deve ser respeitado pelo juiz-presidente.199
196
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2005, p. 713.
Ibidem, p. 713-714.
198
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 876.
199
JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal anotado. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 552. Disponível em:
<http://online.minhabiblioteca.com.br > Acesso em: 12 set. 2012.
197
80
Vicente Greco inclui-se nessa corrente e assim afirma:
Os tribunais têm impedido a chamada reformatio in pejus indireta. Ocorre essa
situação se a sentença condenatória é anulada em virtude de recurso exclusivo do
acusado e, na segunda sentença, vem a ser aplicada pena mais elevada. No júri,
porém, tal limitação não se aplica se o agravamento da sanção decorre do
reconhecimento de circunstância de aumento de pena acolhida pelos jurados na
segunda decisão. A autonomia desta última vem da soberania dos veredictos, que
não pode ficar restringida pela decisão anteriormente proferida.200
Defendem, também, essa corrente Sérgio Pitombo, Walfredo Cunha Campos,
Marco Antonio Marques da Silva e Jayme Walmer de Freitas. O primeiro dos autores exprime
que “a proibição da reformatio in pejus indireta não vigora, ao cuidar-se de sentença proferida
pelo Tribunal do Júri. É preciso notar que, se o novo Conselho de Sentença conservar o
entendimento do anterior, o Juiz Presidente encontra-se forçado a manter o quantum da pena
imposta, na sentença anulada”, pois, segundo ele, a soberania é dos veredictos.201 Assim, para
Sérgio Pitombo, caso a sentença seja anulada, os jurados têm liberdade para decidir, não
vigorando o princípio que veda a reformatio in pejus indireta em sede de júri.
Walfredo Cunha Campos também adere à essa corrente, e assim dispõe:
A vedação à reformatio in pejus indireta não se aplica ao Júri, cuja soberania repele
essa limitação, mas apenas ao juiz presidente. O novo Conselho de Sentença pode
decidir com plena liberdade, reconhecendo, por exemplo, qualificadoras antes não
aceitas, aumentando a pena do acusado. Todavia, se o Júri der o mesmo
enquadramento jurídico anterior, por exemplo, condenado o réu pela prática de um
homicídio com uma qualificadora, o juiz presidente não pode impor pena maior,
porque a ele se aplica a vedação à reformatio in pejus indireta. 202
Por fim, os autores Marco Antonio Marques da Silva e Jayme Walmer de Freitas, na
obra Código de Processo Penal Comentado, expõe que:
200
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 338. Disponível em:
<http://online.minhabiblioteca.com.br/books/9788502136588/page/361>. Acesso em: 12 set. 2012.
201
PITOMBO, Sérgio. Proibição da reformatio in pejus, 1999. Disponível em: <http://www.sergio.pitombo.nom.br/>.
Acesso em: 12 set. 2012.
202
CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do Júri. Org. Clever Rodolfo Carvalho Vasconcelos; Levy Emanuel Magno. São
Paulo: Atlas, 2011, p. 90. Disponível em: <http://online.minhabiblioteca.com.br >. Acesso em: 12 set. 2012.
81
Se anulado o primeiro julgamento, no segundo os jurados decidem agravar a
punição ao acusado dentro da primazia do principio da soberania dos veredictos,
constitucionalmente previsto, este há de preponderar. Com outros jurados, o
segundo julgamento é dissociado do primeiro por inteiro, liberando o juiz do vínculo
legal e permitindo que majore a pena. Já, se houver repetição de votação, o juiz não
poderá se esquivar da pena anterior. Se, por exemplo, os jurados repetem a votação,
no tocante ao tipo fundamental, privilégios e qualificadoras etc., o juiz fica
vinculado a pena antecedente, por força do disposto no art. 617.203
Para eles, então, o juiz-presidente só fica vinculado ao patamar máximo de pena
imposto na primeira sentença, se os jurados decidirem de igual maneira que o primeiro
julgamento. Do contrário, considerando que se formará um novo Conselho de Sentença para
julgar, ou seja, serão diferentes os jurados dos da primeira decisão, deve o conselho ter plena
liberdade para julgar, estando totalmente dissociado da decisão anterior, em decorrência da
soberania dos veredictos que o agasalha.
Conforme se infere, a maioria da doutrina é favorável à prevalência da soberania dos
veredictos em detrimento do princípio da ne reformatio in pejus indireta no tribunal do júri,
alegando que preceito de lei ordinária não pode se sobrepor a princípio constitucional. Por
conseguinte, defendem que os jurados não estão limitados para julgar, de maneira que podem
aplicar pena mais grave no julgamento posterior. Ressalvam, no entanto, que a vedação da
reformatio in pejus indireta é aplicável caso o júri decida de maneira idêntica à votação do
primeiro Conselho de Sentença, ficando, assim, o juiz-presidente adstrito ao quantum de pena
aplicado na primeira sentença, sem poder, nesse caso, piorar a situação do acusado.
Em que pese apenas a minoria da doutrina entender ser aplicável a ne reformatio in
pejus indireta no tribunal do júri, esse é o entendimento mais adequado, visto que concilia os
dois princípios (da soberania dos veredictos e da ne reformatio in pejus indireta). Assim,
como ensinam Luiz Flávio Gomes, Guilherme de Souza Nucci, Galvão Rabelo, Salvador José
Barbosa Júnior e Tatiana Capochin Paes Leme, a vedação da reformatio in pejus indireta é
decorrente do princípio do duplo grau de jurisdição e do devido processo legal, pois visa a
garantir a aplicação desses princípios.
O que ocorre no caso concreto, portanto, é um conflito entre os princípios da soberania
dos veredictos e do duplo grau de jurisdição, de modo que ambos devem ser preservados. Por
conseguinte, a fim de resguardar a soberania dos veredictos dos jurados, estes decidem como
bem lhes aprouver, e, a fim de preservar os princípios da ampla defesa e do duplo grau de
203
SILVA, Marco Antonio Marques da; FREITAS, Jayme Walmer de. Código de Processo Penal comentado. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 889. Disponível em: <http://online.minhabiblioteca.com.br >. Acesso em: 12 set. 2012.
82
jurisdição, o juiz-presidente é quem deve observar a vedação da reformatio in pejus indireta,
de modo que, ao aplicar o quantum da pena, deve ficar adstrito ao máximo da penalidade
imposta no primeiro julgamento, conferindo, com isso, inclusive, segurança jurídica, no
momento em que o recurso guarda a sua função, ou seja, a de beneficiar o recorrente, pois não
seria legítimo prejudicá-lo quando é o único a recorrer.
83
CONCLUSÃO
Há determinados bens da vida que, devido à sua relevância, são protegidos
juridicamente. Por essa razão, são previstas sanções caso ocorra ofensa a algum desses bens.
Quando ocorre um conflito passível de lesá-los, o Estado deve buscar uma solução para o
embate, aplicando a penalidade prevista, por ser o detentor do poder punitivo e por ser vedada
às pessoas, com raras exceções, a autotutela.
É por meio do processo que se opera a composição dos litígios, seguindo o
procedimento fixado em lei. A observação ao procedimento atende ao princípio do devido
processo legal, que tem por objetivo garantir ao cidadão o justo desenvolvimento do processo,
com todas as garantias a ele inerentes.
O Código de Processo Penal é o diploma legal que regula como o Estado deve julgar
as infrações penais, prevendo os procedimentos, os quais se dividem em comum e especial,
que devem ser adotados para cada conduta típica, com o objetivo de solucionar a lide. Ao
tribunal do júri é designado um procedimento especial pelo Código de Processo Penal. A
Constituição Federal, por sua vez, é a responsável por atribuir ao tribunal popular a
competência para julgar os crimes dolosos contra a vida.
O Tribunal do Júri foi instituído no Brasil, pela primeira vez, no ano de 1822, antes
mesmo da primeira constituição, que foi promulgada em 1824, com competência para julgar
exclusivamente crimes de imprensa. Foi com a Constituição de 1946 que a competência do
tribunal popular passou a ser para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
A Constituição Federal de 1988 assegura ao júri a plenitude de defesa, o sigilo das
votações, a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e a soberania dos
seus veredictos. O princípio da soberania dos veredictos determina que a decisão dos jurados,
como um conselho, seja imutável. Assim, ao juiz-presidente do júri somente cabe proferir a
sentença com observância ao que foi determinado pelos jurados, não podendo reconhecer
qualificadoras e causas de diminuição ou de aumento de pena que não tenham sido invocadas
pelos juízes leigos. Em outras palavras, ao juiz-presidente cabe presidir o júri, guiando a
atuação dos jurados, sendo-lhe vedado mudar a decisão do conselho de sentença, que é
soberana por disposição constitucional.
84
A Magna Carta também prevê como direito fundamental do homem o devido processo
legal, o qual determina que a forma de composição de litígio prevista nas normas deve ser
observada pelos sujeitos processuais, a fim de garantir o correto desenvolvimento do processo
e assegurar os direitos das partes. Deste princípio decorrem outros como a ampla defesa, o
contraditório e o duplo grau de jurisdição.
O duplo grau de jurisdição fundamenta-se na inconformidade da parte vencida e na
subjetividade do ser humano, que, ao julgar, pode proferir decisão injusta ou incorreta.
Apesar de não ter previsão constitucional expressa, é decorrência lógica da organização do
Poder Judiciário prevista na Constituição Federal, que fixa a competência dos tribunais
superiores, dentre outras, para reexame de decisões.
Assim, em que pese a previsão da soberania dos veredictos, dando ideia de
irrecorribilidade da decisão do conselho de sentença, a revisão das decisões dos jurados pelo
juízo ad quem tem lugar nas hipóteses preestabelecidas na norma infraconstitucional, ou seja,
é cabível recurso para reexaminar a decisão proferida pelo Júri, mas somente em hipóteses
taxativas, as quais estão previstas no inciso III do artigo 593 do Código de Processo Penal.
Da decisão proferida no Tribunal do Júri cabe, então, o recurso de apelação quando
ocorrer nulidade posterior à pronúncia, for a sentença do juiz-presidente contrária à lei
expressa ou à decisão dos jurados, houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou
da medida de segurança ou for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos
autos. Do contrário, a decisão proferida é soberana, não cabendo aos Tribunais a sua
modificação. Dessa maneira, o legislador conseguiu assegurar a garantia da soberania dos
veredictos e do duplo grau de jurisdição.
O princípio da ne reformatio in pejus indireta tem o intuito de proibir que a segunda
decisão, a qual é proferida em decorrência da anulação da primeira, agrave a situação do réu
quando ele é o único a recorrer. No Tribunal do Júri, o princípio é mormente aplicado nas
hipóteses de reforma da sentença do juízo a quo por nulidade posterior à pronúncia ou pela
determinação pelo juízo ad quem de reforma da decisão dos jurados por ser esta
manifestamente contrária à prova dos autos. Nessas situações, a decisão do primeiro grau é
anulada e o réu é submetido a novo julgamento popular.
Nesse contexto é que surge o conflito entre a prevalência ou da soberania dos
veredictos ou da ne reformatio in pejus indireta no tribunal do júri. O legislador não resolveu
85
tal questão, ficando a cargo dos tribunais e dos doutrinadores a busca de uma conciliação, a
fim de resolver o embate jurídico.
Se a opção for por prevalência da soberania dos veredictos em detrimento do princípio
da ne reformatio in pejus indireta, estar-se-á, ainda que implicitamente, limitando o acesso ao
duplo grau de jurisdição pelo vencido. Não que a soberania impossibilite tal acesso, mas o
fato de o recorrente ter consciência de que o recurso para reexame da decisão, ainda que
exclusivo, possa causar-lhe prejuízos, obsta, de certa maneira, a sua interposição, uma vez que
desestimula a procura pela reforma da decisão. Ou seja, se preponderar somente a soberania
dos veredictos, podendo o conselho de sentença agravar a situação do réu no segundo
julgamento, ainda que o recurso tenha sido interposto somente por ele, será como jogar na
“loteria”, podendo ser uma escolha de sorte ou de azar, conforme o recurso agrave a sua
situação ou não. Não há, nesse contexto, uma razão lógica para a existência do recurso, pois o
que se procura quando se recorre é a reforma favorável da sentença e não a piora da situação.
O recurso, como já referido, é o instrumento criado pelo legislador e colocado à
disposição das partes, para que estas, se inconformadas com a decisão, possam recorrer, a fim
de buscar uma solução mais favorável para si no caso concreto. Se a intenção não fosse
propiciar à parte uma possível reforma favorável da decisão, uma única sentença teria o
condão de pôr fim à lide, independente da inconformidade gerada na parte vencida.
Por outro lado, anular a soberania dos veredictos dos jurados, a fim de predominar o
princípio da ne reformatio in pejus indireta, é uma afronta à Constituição, que atribuiu ao
tribunal popular tal garantia.
Não poderia princípio infraconstitucional restringir a aplicação de princípio elencado
na Constituição Federal. Os jurados, portanto, não podem ter limitado o seu direito de decidir
como bem lhes aprouver, sendo que, se entenderem no segundo julgamento que deve ser
reconhecida qualificadora não admitida no primeiro júri, poderão fazê-lo, em decorrência da
guarida que a Magna Carta lhes confere, quando atribui soberania aos seus veredictos.
Há posição doutrinária e jurisprudencial que defende que a soberania dos veredictos
deve prevalecer no segundo julgamento em detrimento à vedação da reformatio in pejus.
Assim, para essa corrente, a segunda decisão, proferida em decorrência de anulação da
original, pode agravar a situação do réu, mesmo que somente ele tenha recorrido. A ressalva
feita, entretanto, é que somente pode se verificar tal reforma se os jurados reconhecerem, no
segundo julgamento, qualificadora ou causa de aumento de pena não acolhidos quando do
86
primeiro júri. Dessa maneira, se decidirem de forma idêntica à sentença original, impor-se-ia
à observância ao quantum de pena também estabelecido na sentença anulada.
Contudo, deve-se considerar, para a solução do conflito, que o princípio da ne
reformatio in pejus indireta é decorrente do princípio do duplo grau de jurisdição, servindo
para lhe garantir eficácia, pois se for possível agravar a situação do recorrente quando este é o
único a apelar, o duplo grau pode perder o seu escopo. O princípio do duplo grau de
jurisdição, por sua vez, é decorrente do princípio constitucional do devido processo legal.
Desse modo, quando há recurso exclusivo da defesa, a sentença é anulada pelo juízo
ad quem em virtude desse recurso e é designado novo julgamento pelo tribunal popular, não
estão em conflito norma de natureza infraconstitucional e princípio constitucional, mas sim
dois princípios. Quando ocorre, portanto, essa situação, deve-se fazer uma ponderação, a fim
de não restringir nem o duplo grau de jurisdição e nem a soberania dos veredictos.
Portanto, se o tribunal ad quem anular a decisão do tribunal do júri e designar novo
julgamento, o conselho de sentença deve ter liberdade para proferir a sua decisão, sem ter que
atentar para a pena anteriormente imposta. O juiz-presidente, entretanto, é quem deve
observar o princípio da ne reformatio in pejus indireta, ficando, este sim, adstrito, ao aplicar o
quantum de pena, ao patamar máximo da penalidade imposta no primeiro julgamento.
Essa solução confere, inclusive, segurança jurídica, pois garante que o recurso guarde
a sua função, ou seja, a de beneficiar o recorrente, uma vez que não é legítimo prejudicá-lo
quando é o único a recorrer.
87
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