Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 964.978 - SP (2007/0149368-9) (f)
RECORRENTE
RECORRIDO
ADVOGADO
: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
: GERALDO SEGATELLI
: AILTON VICENTE DE OLIVEIRA
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE SÃO PAULO contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça local, com
fulcro no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal.
Informam os autos que o Recorrido, GERALDO SEGATELLI, ajuizou revisão
criminal com o propósito de desconstituir acórdão proferido pelo Tribunal de origem que, por
unanimidade, negou provimento à sua apelação criminal e manteve a sentença prolatada pelo
Tribunal do Júri da Comarca de Palmital, que o condenou à pena de 13 anos de reclusão, em
regime integralmente fechado, pela prática do crime previsto no art. 121, § 2.º, incisos I e II,
do Código Penal.
Na ação de revisão criminal, o Requerente alegou, em síntese, ausência de
comprovação da sua participação no homicídio e que não poderia ser condenado apenas por
ser o pai do outro denunciado, Sidney Segatelli. Requereu, na ocasião, a desconstituição desse
julgado e a sua absolvição, bem como, alternativamente, a adequação ao regime progressivo
de cumprimento de pena.
O Tribunal a quo, por sua vez, acolheu o pedido revisional e absolveu o
Recorrido, nos termos do art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, porquanto, ainda
que inexistente nova prova, o quadro probatório sustenta apenas uma presunção de que o
Recorrido participou do homicídio, sem a existência de certeza absoluta da prática do crime.
Opostos embargos de declaração, o Tribunal de origem os acolheu apenas para
evidenciar que a soberania do Júri não é absoluta, podendo, assim, ser desconstituída a
respectiva sentença condenatória por meio de revisão criminal, quando desrespeitada a
liberdade do Réu.
Nas razões do recurso especial, o Parquet alega afronta aos arts. 619 e 621,
inciso III, do Código de Processo Penal e dissenso pretoriano.
Aponta nulidade no julgamento dos embargos de declaração pela Corte a quo,
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sob a alegação de que não foi sanada omissão relacionada ao prequestionamento explícito dos
dispositivos legais tidos por malferidos.
Assevera que a revisão criminal não se presta à mera reapreciação de provas já
examinadas pelas instâncias ordinárias.
Sustenta que o Tribunal a quo, ao entender que as provas colhidas não
autorizavam a condenação do Recorrido, deveria ter determinado a realização de novo
julgamento perante o Tribunal do Júri, em atenção à inteligência do art. 593, § 3.º, do Código
de Processo Penal.
Aduz que, em sede de revisão criminal, a Corte de origem não poderia
reconhecer que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos, sem
submeter o Requerente a novo julgamento, sob pena de usurpar a soberania do Tribunal do
Júri.
Requer, portanto, a nulidade do julgamento dos embargos de declaração ou,
alternativamente, a cassação do julgamento da revisão criminal ou, ainda, que seja cassado o
acórdão recorrido para submeter o Réu a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.
Não foram apresentadas as contrarrazões (fl. 153).
O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 162/163, opinando pelo
provimento do recurso.
É o relatório.
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RECURSO ESPECIAL Nº 964.978 - SP (2007/0149368-9) (f)
VOTO VENCIDO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
De início, verifica-se a tempestividade do especial, o cabimento de sua
interposição com amparo no permissivo constitucional, o interesse recursal, a legitimidade, a
exposição da suposta contrariedade a dispositivo legal, o prequestionamento e os
pressupostos dos arts. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255, §§ 1.º e 2.º,
do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
Nesse aspecto, ressalto não prosperar a alegada afronta ao art. 619 do Código
de Processo Penal, pois pacífico nesta Corte Superior de Justiça que, para viabilizar o
cumprimento do necessário prequestionamento, basta o debate da matéria abordada no
recurso especial pelo Tribunal de origem.
Ilustrativamente, segue o seguinte julgado:
"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REPARAÇÃO DE DANOS.
EMPRESAS DE EXTRAÇÃO DE AREIA E SEIXO IMPACTADAS POR
CONSTRUÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA. ATIVIDADE ILÍCITA.
INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
[...]
3. A falta do prequestionamento explícito não prejudica o exame do
recurso especial, uma vez que a jurisprudência desta Corte é uníssona em
admitir o prequestionamento implícito. Precedentes.
[...]
6. Recurso especial provido. " (REsp 1.188.683/TO, 4.ª Turma, Rel.
Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 22/03/2011.)
Em relação à alegação de improcedência da ação revisional, por ser incabível
sua utilização para reexaminar as provas que embasaram a sentença condenatória, transcrevo,
para melhor esclarecimento da situação, trecho do acórdão hostilizado a respeito, in verbis :
"[...]
Com efeito, sem apontar prova nova, alega que a decisão do Júri
não lhe fez Justiça, eis que não ficou comprovada a sua participação no
homicídio perpetrado contra a vítima.
A sua pretensão, no entanto, é de ser conhecida, posto que na
conceituação de prova nova, a jurisprudência dá maior elastério, nela
compreendendo aquelas já existentes nos autos e que circunstancialmente,
não mereceram devida valoração pelo julgado hostilizado.
Em verdade, a contextura probatória não permite o vislumbre da
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co-autoria, estreme de dúvida, no crime que lhe foi atribuído .
Com efeito, o peticionário sempre negou a sua participação no evento
delituoso (Vide fls. 39/39 verso, 133/134 e 476/476 verso).
A sua versão, ademais, ficou fortalecida pela do co-réu e seu filho
SIDNEY SEGATELLI (Vide fls. 238).
As testemunhas ouvidas, por outro lado, não presenciaram os fatos e
também não fazem referências à particularidade de o revisionando ter
mandado que seu filho desse cabo da vida de ZEFERINO TOMÁS DE
AQUINO.
Há confirmações a propósito das ameaças de morte feitas em público,
ante a convicção, por parte do revisionando, de que a vítima era responsável
pela sua cassação. Ora, como ponderado pelo digno revisor, 'tais ameaças de
morte por si só, não se prestam à condenação, que reclama prova robusta,
isenta de dúvidas; nem autorizam concluir pela participação no crime, meros
comentários' e de que 'os autores (do crime) eram Geraldo e Sidney, ou
boatos 'de que Sidney saiu com uma arma da casa de Geraldo, sendo por este
acompanhado até o seu veículo Pampa'.
O churrasco a que aludem as provas colhidas, no dizer o eminente
revisor 'igualmente constitui mera presunção' de que tenha sido realizado
para dissimular a co-autoria ou servir como álibi, eis que foi organizado em
decorrência da aposentadoria de Geraldo (fls. 81/81 verso).
Em suma, elas, quando muito, levam à 'presunção' de que o
revisionando tenha sido partícipe do homicídio. Todavia, essa presunção não
conduz à certeza absoluta autorizadora do desate condenatório que,
circunstancialmente, se apresenta temerário.
É de rigor, portanto, admitir que a decisão revidenda foi proferida
contra a evidência ali contida e não pode subsistir, apesar de confirmada em
grau de apelação ." (fls. 47/48; sem grifos no original.)
Atenta à viabilidade do pedido revisional que tem como objeto julgamento
realizado pelo Tribunal do Júri, entendo ser cabível pleito rescisório dessa natureza, pois, a
despeito de não ser absoluta a soberania dos veredictos, imprescindível preservar o direito à
liberdade do réu, postura que tenho em sintonia com a posição majoritária atualmente adotada
pela doutrina e jurisprudência.
Ilustrativamente, colaciono os seguintes julgados do Pretório Excelso:
"DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS
CORPUS. APELAÇÃO. SOBERANIA DOS VEREDICTOS DO TRIBUNAL DO
JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS.
IMPROVIMENTO.
1. A questão central, neste recurso ordinário, diz respeito à possível
violação à garantia da soberania dos veredictos do tribunal do júri no
julgamento do recurso de apelação da acusação, nos termos do art. 593, III, b,
do Código de Processo Penal.
2. A soberania dos veredictos do tribunal do júri não é absoluta,
submetendo-se ao controle do juízo ad quem, tal como disciplina o art. 593,
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III, d, do Código de Processo Penal. O fundamento do voto do relator da
apelação foi exatamente o de que o julgamento pelo corpo dos jurados se
realizou de modo arbitrário, sem obedecer parâmetros respaldados nos
elementos de prova constantes dos autos.
3. Caso os jurados alcancem uma conclusão manifestamente
contrária à prova produzida durante a instrução criminal e, que portanto,
consta dos autos, o error in procedendo deverá ser corrigido pelo Tribunal de
Justiça.
4. Esta Corte tem considerado não haver afronta à norma
constitucional que assegura a soberania dos veredictos do tribunal do júri no
julgamento pelo tribunal ad quem que anula a decisão do júri sob o
fundamento de que ela se deu de modo contrário à prova dos autos (HC
73.721/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 14.11.96; HC 74.562/SP, rel. Min.
Ilmar Galvão, DJ 06.12.96; HC 82.050/MS, rel. Min. Maurício Correa, DJ
21.03.03).
5. O sistema recursal relativo às decisões tomadas pelo tribunal do
júri é perfeitamente compatível com a norma constitucional que assegura a
soberania dos veredictos (HC 66.954/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJ
05.05.89; HC 68.658/SP, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 139:891, entre
outros).
6. O juízo de cassação da decisão do tribunal do júri, de competência
do órgão de 2º grau do Poder Judiciário (da justiça federal ou das justiças
estaduais), representa importante medida que visa impedir o arbítrio,
harmonizando-se com a natureza essencialmente democrática da própria
instituição do júri.
7. O habeas corpus não pode ser utilizado, em regra, como sucedâneo
de revisão criminal.
8. Recurso ordinário improvido. " (RHC 93.248/SP, 2.ª Turma, Rel.
Min. ELLEN GRACIE, DJe de 21/08/2008; sem grifos no original.)
"'HABEAS CORPUS' - JÚRI - GARANTIA CONSTITUCIONAL DA
SOBERANIA DO VEREDICTO DO CONSELHO DE SENTENÇA - RECURSO
DE APELAÇÃO (CPP, ART. 593, III, 'D') - DECISÃO DO JÚRI
CONSIDERADA MANIFESTAMENTE INCOMPATÍVEL COM A PROVA
DOS AUTOS - PROVIMENTO DA APELAÇÃO CRIMINAL - SUJEIÇÃO RÉU
A NOVO JULGAMENTO - POSSIBILIDADE- AUSÊNCIA, EM TAL
HIPÓTESE, DE OFENSA À SOBERANIA DO VEREDICTO DO JÚRI RECEPÇÃO, PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988, DO ART. 593, III, 'D', DO
CPP - ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO
DA PERSECUÇÃO PENAL - PROVA DA MATERIALIDADE DO CRIME E
DE EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS IDÔNEOS DA AUTORIA DO FATO
DELITUOSO - EXAME APROFUNDADO DAS PROVAS - INVIABILIDADE
NA VIA SUMARÍSSIMA DO 'HABEAS CORPUS' - EXISTÊNCIA DE EXAME
DE CORPO DE DELITO DIRETO - ALEGAÇÃO DE IMPRESTABILIDADE
DO LAUDO PERICIAL - INOCORRÊNCIA - EXAME TÉCNICO
ELABORADO POR PROFISSIONAIS MÉDICOS - RECONHECIMENTO DE
OCORRÊNCIA DE VESTÍGIOS MATERIAIS PECULIARES À PRÁTICA DO
CRIME DE ABORTO - PEDIDO INDEFERIDO.
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A SOBERANIA DO JÚRI E O RECURSO DE APELAÇÃO
FUNDADO NO ART. 593, III, 'D', DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
- A soberania dos veredictos do Júri - não obstante a sua extração
constitucional - ostenta valor meramente relativo, pois as decisões emanadas
do Conselho de Sentença não se revestem de intangibilidade
jurídico-processual.
A competência do Tribunal do Júri, embora definida no texto da Lei
Fundamental da República, não confere, a esse órgão especial da Justiça
comum, o exercício de um poder incontrastável e ilimitado. As decisões que
dele emanam expõem-se, em conseqüência, ao controle recursal do próprio
Poder Judiciário, a cujos Tribunais compete pronunciar-se sobre a
regularidade dos veredictos.
A apelabilidade das decisões emanadas do Júri, nas hipóteses de
conflito evidente com a prova dos autos, não ofende o postulado constitucional
que assegura a soberania dos veredictos do Tribunal Popular.
- A mera possibilidade jurídico-processual de o Tribunal de Justiça
invalidar, em sede recursal (CPP, art. 593, III, 'd'), a decisão emanada do
Conselho de Sentença, quando esta se achar em evidente conflito com a prova
dos autos, não ofende a cláusula constitucional que assegura a soberania do
veredicto do Júri. É que, em tal hipótese, o provimento da apelação, pelo
Tribunal de Justiça, não importará em resolução do litígio penal, cuja
apreciação remanescerá na esfera do Júri. Precedentes. Doutrina.
- Inexiste, entre o art. 593, III, 'd', do CPP e o texto da promulgada
em 1988 (CF, art. 5º, XXXVIII, 'c'), qualquer relação de incompatibilidade
vertical. Conseqüente recepção, pelo vigente ordenamento constitucional, da
norma processual em referência.
A VIA SUMARÍSSIMA DO 'HABEAS CORPUS' É INCOMPATÍVEL
COM O EXAME APROFUNDADO DA PROVA PENAL.
- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem acentuado que o
exame aprofundado das provas não encontra sede juridicamente adequada no
processo de 'habeas corpus'. A postulação que objetive ingressar na análise,
discussão e valoração da prova será plenamente admissível na via recursal
ordinária, de espectro mais amplo, ou, ainda, na via revisional. A condenação
penal definitiva imposta pelo Júri é passível, também ela, de desconstituição
mediante revisão criminal, não lhe sendo oponível a cláusula constitucional
da soberania do veredicto do Conselho de Sentença. Precedentes.
O caráter sumaríssimo de que se reveste a via processual do 'habeas
corpus' não permite que, no âmbito estreito do 'writ' constitucional,
discutam-se questões de natureza essencialmente probatória, tais como
aquelas pertinentes à materialidade do delito ou à configuração de sua
autoria. Precedentes.
EXAME DE CORPO DE DELITO - CRIME DE ABORTO PRESSUPOSTO ESSENCIAL: A EXISTÊNCIA DO ESTADO DE GRAVIDEZ CONSTATAÇÃO PERICIAL, NO CASO, FUNDADA EM LAUDO
SUBSCRITO POR DOIS PROFISSIONAIS MÉDICOS - NULIDADE
PROCESSUAL INOCORRENTE - A QUESTÃO DO EXAME DE CORPO DE
DELITO INDIRETO NO CRIME DE ABORTO - PRECEDENTES. " (STF, HC
70.193/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 06.11.2006; sem grifos
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no original.)
Na hipótese, da leitura do acórdão impugnado, constata-se que a Corte de
origem acolheu o pedido revisional e absolveu o Requerente com base na insuficiência de
provas para sua condenação, mormente em relação à sua participação no delito. Para tanto,
consignou que no conceito de prova nova estão compreendias "aquelas já existentes nos
autos e que circunstancialmente, não mereceram devida valoração pelo julgado hostilizado ",
bem como salientou que a decisão dos jurados teria sido manifestamente contrária às
evidências dos autos.
No entanto, entendendo o Tribunal de origem que a condenação estava
completamente dissociada das provas dos autos, deveria ter submetido o Réu a novo
julgamento perante o Conselho de Sentença, e não ter acolhido a revisão criminal para
proferir um juízo absolutório, em observância ao princípio constitucional da soberania dos
veredictos, previsto no art. 5.º, inciso XXXVIII, alínea c, da Constituição da República.
Com efeito, sem embargo da existência de posicionamento em sentido
contrário, que conta, inclusive, com julgados do Supremo Tribunal Federal, tenho
acompanhado julgados desta Quinta Turma no sentido da impossibilidade de a Corte de
origem proceder à absolvição do condenado pelo Tribunal do Júri, nos autos de revisão
criminal.
Nesse sentido, vejam-se os seguintes julgados:
"PROCESSO PENAL. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA.
CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. REVISÃO CRIMINAL
JULGADA PROCEDENTE PARA ABSOLVER O RÉU. FUNDAMENTO
LEGAL. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO
ESPECIAL PROVIDO PARA DETERMINAR NOVO JULGAMENTO PELO
TRIBUNAL POPULAR.
1. O ordenamento jurídico assegura ao condenado, por qualquer
espécie de delito, a possibilidade de ajuizar revisão criminal, nas hipóteses
previstas no art. 621, do Código de Processo Penal.
2. In casu, com fundamento na fragilidade do conjunto probatório,
foi a revisão criminal julgada procedente para absolver o réu do crime de
homicídio .
3. No entanto, tal fundamento não autoriza o Tribunal revisor a
proferir juízo absolutório, pois, de um lado, esta situação não está
contemplada no art. 621, I, do Código de Processo Penal, de outro lado, a
valoração das provas de forma distinta daquela realizada pelo Tribunal do
Júri, não autoriza a ação rescisória pela manifesta contrariedade às provas
dos autos, principalmente, levando-se em consideração a soberania dos
veredictos na apreciação e valoração dos referidos elementos processuais,
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pois conforme expressa previsão constitucional, cabe ao Conselho de
Sentença, o exame do conjunto fático/probatório .
4. Agravo regimental a que se nega provimento. " (AgRg no REsp
1.021.468/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 10/08/2011; sem
grifos no original.)
"RECURSO ESPECIAL. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA.
CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. RETIFICAÇÃO DE
DEPOIMENTO
TESTEMUNHAL.
REVISÃO CRIMINAL
JULGADA
PROCEDENTE. DETERMINAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO PELO
TRIBUNAL POPULAR. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
1. Ao Tribunal do Júri, conforme expressa previsão constitucional,
cabe o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sendo-lhe assegurada a
soberania dos seus veredictos.
2. Por outro lado, o ordenamento jurídico assegura ao condenado,
por qualquer espécie de delito, a possibilidade de ajuizar revisão criminal,
nas hipóteses previstas no art. 621, do Código de Processo Penal.
3. In casu, o recorrente foi condenado pelo delito de homicídio
qualificado, tendo transitado em julgado a sentença. Com base na retificação
de depoimento testemunhal, foi apresentada revisão criminal, em que se
pleiteava a absolvição do requerente, por ausência de provas.
4. Considerando-se que o Tribunal de Justiça julgou procedente a
revisão criminal para determinar a realização de novo julgamento popular,
com fundamento na soberania dos veredictos, não merece reparo o aresto
objurgado por estar em consonância com julgado desta Corte Superior .
5. Recurso desprovido. " (REsp 1.172.278/GO, 5.ª Turma, Rel. Min.
JORGE MUSSI, DJe de 13/09/2010; sem grifo no original.)
"PROCESSO PENAL – REVISÃO CRIMINAL – TENTATIVA DE
HOMICÍDIO – TRIBUNAL DO JÚRI – DECISÃO MANIFESTAMENTE
CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS – MÉRITO DA ACUSAÇÃO – RÉU
QUE DEVE SER SUBMETIDO A NOVO JÚRI – MANUTENÇÃO DE SUA
CONSTRIÇÃO CAUTELAR.
- Como se sabe, as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri não
podem ser alteradas, relativamente ao mérito, pela instância ad quem,
podendo, tão-somente, dentro das hipóteses previstas no art. 593, do Código
de Processo Penal, ser cassadas para que novo julgamento seja efetuado
pelo Conselho de Sentença, sob pena de usurpar a soberania do Júri. Na
verdade, o veredicto não pode ser retificado ou reparado, mas sim, anulado .
- O cerne da questão, no presente pedido, situa-se no fato de que a
decisão do Júri foi reformada, em seu mérito, em sede revisional que,
diferentemente da apelação, cuja natureza é recursal, trata-se de verdadeira
ação que é ajuizada sob o manto do trânsito em julgado .
- A meu sentir, seguindo a exegese da melhor doutrina, o
reconhecimento pelo Tribunal a quo, de que a decisão do Júri foi
manifestamente contrária à prova dos autos, ainda que em sede revisional,
não tem o condão de transferir àquela Corte, a competência meritória
constitucionalmente prevista como sendo do Tribunal do Júri. Portanto,
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entendo que cabe ao Tribunal, mesmo em sede de revisão criminal, somente
a determinação de que o paciente seja submetido a novo julgamento .
- No que tange à possibilidade do paciente aguardar ao novo
julgamento em liberdade, não assiste razão ao impetrante. Com efeito,
depreende-se dos autos que o réu foi preso em flagrante delito e nessa
condição permaneceu durante toda a instrução e por ocasião da pronúncia.
Desconstituída a r. sentença que o condenou e mantidas as condições que
demonstravam a necessidade de sua prisão cautelar esta deve ser mantida, em
decorrência do restabelecimento da sentença de pronúncia, não se exigindo
nova e ampla fundamentação.
- Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem, para anular o v.
acórdão objurgado, determinando a realização de novo julgamento pelo
Tribunal do Júri mantendo-se a constrição do acusado. " (HC 19.419/DF, 5.ª
Turma, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ de 18/11/2002; sem grifo no
original.)
No mesmo sentido, confira-se o escólio de Guilherme de Souza Nucci, in
verbis :
"Por isso, entendendo-se ter sido o réu indevidamente condenado,
poderá ocorrer o ajuizamento de revisão criminal, mas apenas para que o
tribunal togado proceda ao juízo rescindente, devolvendo ao júri o juízo
rescisório. Cabe ao Tribunal Popular a decisão de mérito, avaliando se houve
ou não o mencionado erro judiciário.
A análise das provas do processo é sempre relativa e ninguém pode
garantir que o tribunal togado seja o único habilitado a procedê-la com
sucesso. Diante disso, para compatibilizar a revisão criminal e a soberania
dos veredictos, sem que uma garantia supere a outra, pois estabeleceria a
indevida hierarquia entre normas constitucionais, é preciso encaminhar o
julgamento da revisão criminal ao Tribunal Popular.
O argumento de que a soberania dos veredictos não pode afrontar a
ampla defesa é frágil, pois o condenado terá direito a um novo julgamento , a
ser feito por seus pares, como determina a Constituição. Logo, há ampla
defesa, aliás, deve existir plenitude de defesa.
Quanto ao fundamento de que a soberania do júri não pode
assentar-se sobre a condenação de um inocente também se pode contrapor
que, havendo erro judiciário, leva-se o caso a novo julgamento pelo tribunal
competente, isto é, o júri. Dessa forma, decidir se o sentenciado é, realmente,
inocente cabe aos jurados e não ao magistrado togado.
Dizer que a soberania acompanha o júri somente até o trânsito em
julgado da sentença é negar vigência à Constituição Federal, pois nenhum
preceito, em absoluto, assegura tal entendimento. Fosse assim, poder-se-ia
dizer que também a ampla defesa acompanha o réu somente até a condenação
com trânsito em julgado, afastando-se tal garantia durante a execução da
pena, o que seria ilógico.
Finalmente, quanto ao argumento de que há apelação e protesto por
novo júri [hoje, o protesto por novo júri foi extinto, mas servia como
argumento para os que sustentavam a viabilidade da revisão criminal contra a
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decisão do júri] para questionar as decisões do júri, deve-se salientar que tais
recursos remetem o caso a novo julgamento pelo próprio Tribunal Popular,
razão pela qual não existe subtração de competência e a soberania é
assegurada.
Enfim, a revisão criminal jamais poderia rever, quanto ao mérito, a
decisão final do Tribunal do Júri, pois isso significa, em verdade, ofensa ao
preceito constitucional da soberania dos veredictos. A harmonia dos
dispositivos constitucionais é o melhor caminho. Deve-se realizar o juízo
rescindente, quando for o caso, pelo tribunal togado (revisão criminal) para,
depois, encaminhar o feito ao juízo rescisório a ser feito pelo Tribunal do Júri
(soberania dos veredictos).
Convém, ainda, mencionar o alerta feito por ANTONIO SCARANCE
FERNANDES no sentido de que, apesar de firme a orientação na doutrina e
na jurisprudência de que o Tribunal togado pode, em sede de revisão criminal,
absolver o réu condenado pelo Tribunal do Júri, sob a argumentação de que
se trata de revisão de uma garantia implícita da Constituição em favor do réu,
é difícil 'afastar a ofensa à soberania, sobrepondo o Tribunal de Justiça a sua
vontade àquela manifestada pelos jurados. Por outro lado, é possível garantir
a soberania dos veredictos e a revisão criminal. Se há prova nova, ainda não
apreciada pelos jurados e que pode, por meio de um juízo prévio de
probabilidade, alterar o quadro condenatório, o correto seria cassar a
decisão e encaminhar o réu a novo julgamento. O mesmo aconteceria se
ficasse demonstrado que uma prova dos autos era falsa. Estaria respeitada a
soberania dos jurados e não ficaria o réu impossibilitado de reverter a
solução formada. Mas, de qualquer forma, a orientação prevalente é a que, no
sistema do Código, de forma mais rápida garante o acusado e faz prevalecer a
proteção à liberdade' (Processo penal constitucional, p. 166-167). Acolhendo,
igualmente, a posição de que a revisão criminal pode ferir a soberania do
Tribunal do Júri: BADARÓ, Direito processual penal, t. II, p. 21-22.
[...]
Em condenações advindas do Tribunal do Júri, parece-nos cabível,
como já expusemos, apenas a anulação do processo, para que seja refeito, a
modificação da pena, se o erro for do juiz togado, a alteração da classificação
do delito, se, igualmente, o erro provier do magistrado, mas jamais a
absolvição do réu, decisão concernente à soberania do Tribunal Popular. "
(TRIBUNAL DO JÚRI, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.
453-460).
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial para,
reformando o acórdão proferido na revisão criminal, determinar que o Réu seja submetido a
novo julgamento pelo Conselho de Sentença.
É o voto.
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