Pesquisas em Educação: a produção do Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU) Carmen Lúcia de Mattos Luís Paulo Cruz Borges Paula Almeida de Castro Tatiana Bezerra Fagundes (Organizadores) 2015 Comitê Científico Dra. CARMEN LUCIA GUIMARÃES DE MATTOS (UERJ) Dr. JAMIL AHMAD (UNIV. PAQUISTÃO) Dr. LUIZ ANTONIO GOMES SENNA (UERJ) Dra. PAULA ALMEIDA DE CASTRO (UEPB) Dra. PRISCILA ANDRADE M. RODRIGUES (UFRJ) Dr. SAMUEL LUÍS VELÁSQUEZ CASTELLANOS (UFMA) Dra. SANDRA CORDEIRO DE MELO (UFRJ) Dra. SANDRA MACIEL DE ALMEIDA (UERJ) Dra. VALENTINA GRION (UNIV. PÁDOVA) Dra. WALCÉA BARRETO ALVES (UFF) Sumário Prefácio Valentina Grion -­‐ Università di Padova, Italia O NetEDU e as pesquisas em Educação Carmen Lúcia de Mattos Luís Paulo Cruz Borges Paula Almeida de Castro Tatiana Bezerra Fagundes (Organizadores) Parte I – Conceitos, teorias e abordagens 1. A cadeia fônica saussuriana e a compreensão de escritas possíveis na contemporaneidade Tatiana Bezerra Fagundes Luiz Antonio Gomes Senna 2. Pobreza e educação: uma análise conceitual. Antonia Valbênia Aurélio Rosa 3. Reflexões e perspectivas sobre a educação de jovens e adultos no Brasil Beatriz Calazans Dounis 4. Um olhar acadêmico das cotas no ensino universitário como forma de ação afirmativa no Brasil Maythe de Bríbean San Martin Pulici 5. Adolescentes em Conflito com a Lei: relato histórico sobre institucionalização e escolarização Aline Menezes de Barros 6. A abordagem de pesquisa etnográfica nos estudos sobre educação Sandra Cordeiro de Melo Parte II – Aspectos metodológicos 7. Entrevista como instrumento de pesquisa nos estudos sobre o fracasso escolar Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Paula Almeida de Castro 8. O orientador educacional como pesquisador participante: quando o campo de pesquisa torna-­‐
se local de trabalho. Edson S. Gomes 9. Um estudo etnográfico sobre as ordenações e relações de gênero no ensino fundamental: analisando conselhos de classe Daiane de Macedo Costa Carmen Lúcia Guimarães de Mattos 10. Relevância do “objeto” nos estudos sobre tecnologia digital e pesquisa etnográfica: análise de conteúdo Thainá Pereira Barros Carmen Lucia Guimarães de Mattos 11. Diálogo entre escola e universidade: um estudo sobre a pesquisa em colaboração Flávia Mesquita Bernardo da Silva Riselda Maria França de Oliveira Parte III – Vozes da pesquisa 12. Espaços, tempos, sujeitos: uma análise etnográfica dos saberes produzidos em sala de aula Paula Almeida de Castro Carmen Lúcia Guimarães de Mattos 13. As crenças e as atitudes no ato de ler e sua influência na formação leitora de alunos(as) e professores(as) no Maranhão. Samuel Luís Velásquez Castellanos 14. Escola, representações sociais e representação do eu: investigando o cotidiano Walcéa Barreto Alves 15. Repetência: um estudo etnográfico. Suziane de Santana Vasconcellos 16. A situação educacional das mulheres privadas de liberdade: contingencia e ruptura com a escola Sandra Maciel de Almeida 17. A escola como ambiente de (re) produção do conhecimento: olhares e vozes discentes do curso de Pedagogia da UERJ Nathália Masson Bastos Luís Paulo Cruz Borges 18. Computador e educação: percepção e experiências de alunos(as) do curso de Pedagogia da UERJ Juliana Linhares Sobre os autores O NETEDU E AS PESQUISAS EM EDUCAÇÃO Carmen Lúcia de Mattos Luís Paulo Cruz Borges Paula Almeida de Castro Tatiana Bezerra Fagundes (Organizadores) A consolidação das pesquisas em Educação, com suas diferentes abordagens e metodologias, tem sido acompanhada por um intenso e profícuo processo de formação de novos pesquisadores no campo. Os incentivos a esta formação, começados na graduação com as diferentes modalidades de bolsas (monitoria, iniciação cientifica, iniciação à docência, estágio interno complementar, inovação tecnológica etc.) e continuados na pós-­‐graduação nos programas de formação de mestres e doutores, resultam numa quantidade significativa de pesquisas que trazem contribuições inovadoras e relevantes para os debates que envolvem os princípios, os fins e os meandros do processo educacional. Dentre essas pesquisas, destacam-­‐se aquelas cujos objetivos estão em trazer para o contexto acadêmico e de formação de professores e pesquisadores perspectivas, representações, impressões e reflexões dos sujeitos escolares sobre sua própria escolarização, sobretudo, os que têm sido vítimas de variados processos de exclusão/inclusão. Com isto, estas pesquisas buscam contribuir para ampliar as possibilidades de desenvolvimento de uma prática educativa que seja coerente com as necessidades dos alunos/as e seus professores/as em sala de aula e fora dela. A ideia da formação do grupo que dá origem ao Núcleo de Etnografia em Educação – NetEDU remete ao final da década de 1980 quando, sob a orientação do professor Paulo Freire, a professora Carmen de Mattos desenvolveu estudos sobre a identidade de alunos e alunas da zona rural no interior do Estado do Rio de Janeiro (MATTOS, 1984). A partir de tais estudos, de contatos desenvolvidos após o doutorado nos Estados Unidos, e dos cursos ministrados em Universidades do Brasil e do Exterior sobre Etnografia e Educação observou-­‐se o interesse de alunos/as e pesquisadores/as sobre o tema. A implementação do NetEDU, então, ocorreu no ano de 2004 sediado pelo ProPEd – Programa de Pós-­‐graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ. Portanto, é importante que se estabeleça um espaço-­‐tempo que assegure a pesquisadores/as e alunos/as um acesso mais fácil e uma oportunidade de intercâmbio no que diz respeito a discussão de tais estudos. O NetEDU – tem como principal objetivo ser um centro de estudos e projetos etnográficos em Educação. Dessa forma, pretende-­‐se que o núcleo resgate, reúna, sistematize e divulgue pesquisas que utilizam a abordagem etnográfica de investigação em suas diversas dimensões teórico-­‐epistemológico-­‐metodológica como: observação participante, entrevistas, narrativas, observação da ação cotidiana, histórias de vida, e outras. Estamos comprometidos com o conceito de etnografia educacional sob a perspectiva “bottom up” (MATTOS, 1992), levando-­‐se em consideração as demandas que emanam da base para o topo, na dimensão de baixo para cima. Por meio de recursos etnográficos estuda-­‐se os problemas socioeducacionais contemporâneos a partir do ponto de vista de pessoas comuns e de grupos sociais pouco ou não usualmente pesquisados. O NetEDU tem, ainda como objetivo apoiar e incentivar pesquisas de natureza etnográfica na área educacional; divulgar as pesquisas em andamento promovendo o intercâmbio desses estudos e dos resultados das investigações; sistematizar e catalogar pesquisas realizadas sob a ótica da etnografia educacional por pesquisadores no país e no exterior, dando ênfase ao período a partir dos anos 2000; promover, incentivar e publicar trabalhos dos grupos de pesquisa associados. Em que pesem os esforços na tentativa de fomentar uma educação pública que alcance os sujeitos em seu processo de formação, os resultados das pesquisas realizadas pelo NetEdu têm apontado para a manutenção da exclusão em diferentes matizes. Exclusão relacionada às políticas públicas compensatórias para superação do fracasso escolar e correção da defasagem idade-­‐série; às relações estabelecidas na escola, muitas vezes, invisíveis aos seus atores; exclusão como alienação do direito a uma educação com condições mínimas para ocorrer. A partir desses resultados, um conjunto de textos derivados dos estudos de pesquisadores vinculados ao Grupo de Pesquisa Etnografia e Exclusão em Educação (GRPq, 2002) foi compilado para compor o presente livro, “Pesquisa em Educação: a produção do Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU)”. Seu principal objetivo é problematizar relações, perspectivas, políticas e práticas intraescolares e extraescolares que concorrem para permanência de um “estado de exclusão” que tem sido parte da trajetória de muitos sujeitos no país. Com esta obra, esperamos contribuir para provocar uma atitude reflexiva crítica por parte das diferentes instâncias envolvidas na educação com vistas a auxiliar na promoção de políticas e práticas, democráticas, cidadãs e diversas no e para o contexto escolar. Os textos compilados para fazer parte desta obra são originários de pesquisas associadas ao NetEDU ao longo de sua existência. Eles trazem em seu corpo dados, resultados e reflexões que parecem pertinentes para se compreender os fatores externos e internos que acarretam a manutenção da exclusão. Alunos de graduação e pós-­‐graduação envolvidos com a área educacional e que pretendem atuar nela. Professores e pesquisadores dos mais diferentes níveis de atuação do ensino e interessados nas pesquisas qualitativas de abordagem etnográfica. Gestores escolares e dos sistemas educacionais. Neste contexto, este livro foi pensado em um formato virtual, eBook, com três temas centrais: o primeiro voltado para definições de conceitos, discussões teóricas e abordagens em pesquisa e ensino-­‐aprendizagem. O segundo abrange aspectos metodológicos em pesquisas qualitativas. Por fim, o terceiro, e último bloco temático, trata da inclusão das vozes dos participantes como sujeitos da pesquisa. Assim, esperamos que este livro possa contribuir para ampliar o acervo do campo educacional, em especial dos processos de ensino e aprendizagem de alunos e alunas da Educação Básica. Foreword Valentina Grion University of Padua (IT) In times in which research seems to be one of the most effective tools for innovation and the prosperity of nations, and therefore a necessary means for the welfare of citizens and of the entire society (European Commission, 2014; Momery, 2004), the training and formation of young scholars starting to undertake careers in research represents a central aim of education policies, especially of formation organisms, such as Universities and Doctoral schools and post-­‐doc envinroments (Åkerlind, 2005; Levine, 2007; Young, 2001). This is one of the main purposes of the NetEDU – Nucleo de Etnografia em Educação -­‐, founded and coordinated by Carmen De Mattos and which the authors of this book are part of. NetEDU represents for the educational area of Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), not only a precious development space for qualitative research in education and in particular with regard to ethonographic research. It is also a space where professors, researchers, intenrational academics find opportunities and initiatives aimed at discussing and sharing materials, articles and research projects. In addition it represents a fertile terrain for the formation of young scholars towards research. The laboratory is a place where students can take part in meetings and collaborative research projects from the start of their University years, initially with secondary roles and then gradually taking on roles with greater levels of autonomy and centrality, while carrying out independent studies with the support and/or under the supervision of senior researchers. Besides the usual physical meetings spaces, used by students and by the staff of Programa de Pós-­‐Graduação em Educação (ProPEd), which NetEDU is part of, the laboratory is structured as a virtual space within a website. Here, research materials are shared and available, in particular with regard to ethnographic work, in order to stimulate the sharing and exchange of knowledge, of research results and of reflections developed both at a national and international level. The products of this lively “research laboratory”-­‐ which was founded in 2004 and which since then offers weekly meetings besides seminars and both national and international conferences-­‐ make up the scheleton of this monograph. More specifically, this work is made up of a series of contributions by researchers with different levels of experience, some who have only just started to enter the field and others who are considered experts. These contributions have been designed and planned according to two main aims, which in education research are considered strongly intertwined and necessary one for the other. The first aim is related to scientific research: the idea of providing a systematic picture of a set of investigations carried out during the years of NedEDU, with the double aim of preserving the memory of the development of ethnographic research within the laboratory and of reflecting on this kind of path, with a particular view towards those who are just starting to do ethnographic research. The second aim relates to teaching and learning practices: it aims at contributing towards the formation of future and current teachers, by means of a thorough investigation of themes which are particularly important in the context of Brazilian schools, such as those of inclusion/exclusion, of gender differences, of violence, of failure and of school dropout rates. Besides these themes there are also other topics which are at the centre of interest in international research, such as the positioning of children within the research processes which investigate children (i.e. Cook-­‐Sather, 2014; Fine et al., 2007; Grion, 2015; Groundwather-­‐Smit. Dockett, Bottrell, 2015) and the role of technologies as engines of innovation-­‐ or as a way of preserving a traditional education model?-­‐ in education contexts (Cecchinato, Aimi, Papa, 2014; Grion, De Mattos, 2013; Morgado, Manjón, Gütl, 2015). However, what I believe is the greatest potential of NetEDU, and of this monograph, is the ability of keeping the ties between objects and research methods in education research and the needs and problems of these contexts of everyday life alive, in particular with regard to Brazilian schooling. In line with Young (2001, p. 3) according to whom in the field of education research it is the broad context «in which we conduct education inquiry presents its own demands», the authors offer not only a reflection on “what”, “how” and “with who” ethnographic research should be carried out, accompanied by ample methodological suggestions. They also discuss which kinds of knowledge ethnographic research should be oriented towards in this specific and particular context, so that it can take the form of a meaningful investigation. As a matter of fact, education is a research area which provides results which affect our everyday lives, society and our policies. In this sense, institutions which deal with the formation of researchers in the field of education studies have the duty to prepare beginners towards forms of research aimed at improving education and educational opportunities in real and concrete life contexts. This seems to be the final aim of the monograph edited by Carmen De Mattos, Luís Paulo Borges, Paula de Castro and Tatiana Fagundes: to develop research and formation towards research in order to achieve improvements in both social and school life, in particular with regard to “the last ones of society”, the “oprimido” (Freire, 1970) in Brazil, thanks to their participation in the pursuit of such improvements. References Åkerlind G.S. (2005). Postdoctoral researchers: roles, functions and career prospects. Higher Education Research & Development, 24,1, p.21-­‐40. Cecchinato G., Aimi B., Papa R. (2014). Flipped classroom: intervento in un liceo della provincia di Parma, Qwerty, 9, 2, p. 15-­‐29. Commissione Europea (2014). Le politiche dell’Unione europea: Ricerca e innovazione, Lussemburgo: Unione Europea. Cook-­‐Sather A. (2014). The trajectory of student voice in educational research. New Zealand Journal of Educational Studies, 49, 2, 131-­‐148. Fine M., Torre M. E., Burns A., and Payne, Y. (2007). Youth research/participatory methods for reform. In D. Thiessen & A. Cook-­‐Sather (Eds.), International handbook of student experience in elementary and secondary school (pp. 805-­‐828). Dordrecht, The Netherlands: Springer. Freire P. (1970), Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Grion V. (2015). Fare ricerca in ottica Student Voice, in Gemma C., Grion V. (a cura di) Student Voice. Pratiche di partecipazione degli studenti e nuove implicazioni educative (pp. 263 269). Barletta: Cafagna. Grion V., De Mattos C. (2013). Technolgy, research and education. Qwerty, 8,2, p. 5-­‐16. Groundwater-­‐Smith S., Dockett S., Bottrell D. (2015), Participatory Research with Children and Young People, Sage, Los Angeles. Levine A. (2007). Educating Researchers. Washington: The Education Schools Project. Momery D. (2004). Universities in National Innovation Systems. Proceedings of the the First Globelics Academy, Ph.D. School on National Systems of Innovation and Economic Development, Lisbon, Portugal 25 May -­‐ 4 June 2004 [Reperibile in: http://hdl.handle.net/1853/43173, 8.06.2015] Morgado L., Manjón B. F., Gütl C. (2015). Guest Editorial: Overcoming the Technological Hurdles Facing Virtual Worlds in Education: The Road to Widespread Deployment. Educational Technology & Society, 18 (1), p. 1-­‐2. Young L. J. (2001). Border Crossings and Other Journeys: Re-­‐Envisioning the Doctoral Preparation of Education Researchers. Educational Researcher, 30, 5, p. 3-­‐5. Parte I – Conceitos, Teorias e Abordagens A CADEIA FÔNICA SAUSSURIANA E A COMPREENSÃO DE ESCRITAS POSSÍVEIS NA CONTEMPORANEIDADE Tatiana Bezerra Fagundes Luiz Antonio Gomes Senna Nos últimos tempos, diria que desde o momento em que a escola se abriu para atender a maioria da população alijada do direito de frequentá-­‐la, tem-­‐se observado uma série de dificuldades na tentativa de levar determinados sujeitos sociais a utilizar a leitura e a escrita conforme a norma padrão impõe. Nos casos em que a barreira da leitura é superada, percebe-­‐se um obstáculo considerável para fazer a escrita ceder a norma. Isso parece estar acontecendo porque, na realidade, a suposição de que há um entidade chamada escrita, tomada quase como algo natural, concernente aos cidadãos que a compartilham em uma sociedade letrada, é posta imediatamente em questão quando o que se tem visto são escritas que tem fluído de acordo com as convicções dos usuários a seu respeito. Considerar essas escritas como algo possível, no entanto, ainda é algo incomum no âmbito acadêmico e social, mais incomum ainda nos espaços destinados a ensinar a escrita normativa (SENNA, 2007a). As escritas têm sido, no mais das vezes, tomadas como erro, como algo antinatural, reveladora de algum equívoco por parte daqueles que a manifestam. Nesse sentido, o que se tem acompanhado é uma flagrante desconsideração de qualquer tipo de registro escrito que se afaste da norma. Neste trabalho, por outro lado, questiona-­‐se se haveria nessas escritas alguma motivação a partir da qual se pudesse compreendê-­‐las em outros termos. Nos estudos de Saussure, um dos maiores defensores do estudo da língua a partir do lugar legítimo de sua manifestação, a fala, parece que encontramos indícios de que as escritas que se tem observado nos dias atuais são legítimas. Encontrar legitimidade em escritas a partir de Saussure, parece, no mínimo, contraditório, mas, como se tentará demonstrar ao longo do texto, assim como não é contraditória sua distinção entre língua e fala, mutabilidade e imutabilidade da língua, não parece haver contradição entre os estudos saussurianos e as possibilidades de sustentação através deles das escritas manifestas atualmente. Este trabalho busca, portanto, compreender a natureza das escritas que tem se percebido na contemporaneidade, à luz do Curso de Linguística Geral de Saussure (2012). Para isso, no primeiro momento, apresenta os princípios considerados fundamentais para se entender os elementos presentes na obra de Saussure, que versam sobre a definição da língua como objeto de estudo e, a partir desta, a defesa da Linguística como ciência que tem prerrogativa sobre os estudos da língua. Aprofunda-­‐se, em seguida, a discussão sobre a língua e os elementos que a constituem para se chegar ao signo linguístico e sua existência dual, onde significado e significante se fundem para formar uma só entidade de ordem psíquica que dá o sentido para a língua em si. Esta unidade, no entanto, em Saussure, é mais um conceito sendo definido do que propriamente uma ideia fechada, como se pode supor. A partir dela é que se consegue discutir, no último tópico, a cadeia fônica saussuriana e as escritas possíveis, através do entendimento que se deriva de sua construção. Antes disso, porém, apresenta-­‐se, ainda, de modo sucinto, a percepção de Saussure a respeito da escrita e desenvolve-­‐se as argumentações que tornam possível a exposição que encerra o trabalho. Dos princípios de Saussure e da construção do objeto de estudo da linguística Saussure, em seu Curso de Linguística Geral, teve como principal objetivo construir e estabelecer a Linguística como ciência com prerrogativa sobre os estudos da linguagem (p.34) buscando, assim, diferenciá-­‐la de outras ciências que também faziam algum uso da linguagem em seus estudos, como a Etnografia, a Pré-­‐História, a Sociologia, entre outras (p. 38). Para que pudesse fazê-­‐lo, preocupou-­‐se com dois aspectos, tomados por ele como fundamentais na construção de uma área de conhecimento científico: a determinação da natureza de seu objeto de estudo e, a partir deste, um método que fosse capaz de estudar este objeto. Suas considerações iniciais, consistem em delimitar a matéria de interesse da Linguística, que diz respeito a todas as manifestações da linguagem humana, em todas as suas formas de expressão, nos diferentes momentos históricos por que passou a humanidade (p.37). A partir dessa delimitação, Saussure, num claro esforço de reflexão e crítica, buscando manter a coerência interna e externa da teoria que começava a delinear, passa a construir o objeto de estudo da Linguística, qual seja, a língua. Esta é, segundo ele, o principal sistema de signos que exprime ideias (2012, p.47; p.108) As principais características da língua podem ser assim delineadas: o fato de ser constituída por um sistema que evolui na massa social e no tempo, composta por signos linguísticos que possuem uma natureza dual, localizado no ponto em que uma imagem acústica associa-­‐se a um conceito; sua exterioridade em relação ao indivíduo, que não pode criá-­‐la ou modificá-­‐la num ato particular; sua natureza homogênea, isto é, ela só existe na união do sentido com a imagem acústica onde ambas as partes são igualmente psíquicas. A língua é, finalmente, um objeto concreto, fato que permite, portanto, a realização de estudos a seu respeito (p.46). Trata-­‐se de um tesouro depositado pela prática da fala por todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros de um conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo (p.45). Não se deve confundir, no entanto, língua e fala. Embora estejam intimamente relacionadas – para que a fala seja inteligível é fundamental a língua e, para que a língua se estabeleça, não se pode prescindir da fala, que é produto e instrumento dela – elas são, para Saussure, absolutamente distintas. A língua existe na coletividade, sendo igualmente partícipe do cérebro de cada indivíduo de uma comunidade, podendo ser representada pela seguinte fórmula: 1 + 1 + 1 + 1 . . . = I (padrão coletivo). A fala, por sua vez, depende da vontade do falante e suas manifestações, entre outras coisas, são individuais e momentâneas. Sob a seguinte fórmula Saussure representa a fala (1 + 1’ + 1’’+ 1’’’ ...) (2012, pp.51-­‐52). Esta distinção é importante nos estudos saussurianos porque, a partir dela, o autor define a língua como o objeto próprio dos estudos da Linguística e lança a possibilidade de existir uma Linguística paralela que se dedicasse aos estudos da fala, isto é, a Linguística da Fala, que teria como objeto a fala em si considerando-­‐a como a soma do que as pessoas dizem e compreendem (p.52). Uma vez tendo definido o objeto de estudo da Linguística, fato que já a colocaria no campo de estudos científicos, Saussure tratou de delinear o método de estudos que possibilitasse sua compreensão. Tornou-­‐se necessário, então, levantar algumas hipóteses sobre princípios que dessem conta de, minimamente, explicar a natureza do signo linguístico, unidade primordial na construção da língua, bem como seu caráter imutável, que não exclui sua imanente mutabilidade. O signo linguístico, nos estudos saussurianos, como se afirmou acima, é uma entidade psíquica de duas faces, que se estabelece na união de um conceito (significado) com uma imagem acústica (significante). Esta imagem acústica, é importante que se ressalte, não é o som material puramente físico. Trata-­‐se, antes, da representação desse som na psique humana, ou, nas palavras de Saussure “a impressão psíquica desse som”(p.106). Segundo o exemplo dado pelo autor, esse caráter psíquico da imagem acústica, doravante chamada de significante, pode ser percebido no simples exercício de recitação mental de um poema, ou pelo fato de podermos falar conosco, sem que para isso seja necessário mover lábios e língua. A união do significante com o significado, por sua vez, é arbitrária e, além disso, o significante possui um caráter linear, isto é, contínuo. Sobre a arbitrariedade do signo, Saussure explica: “a ideia de mar não está ligada por relação alguma interior à sequencia de sons m-­‐a-­‐r que lhe serve de significante” (p.108). Tal significante poderia ser substituído, arbitrariamente, por quaisquer outras sequencias. Isso não quer dizer, no entanto, que o significado dependa da livre escolha do falante, pois, como enfatiza Saussure, ele faz parte de um grupo linguístico no âmbito do qual é partícipe, quer dizer, apenas, que o significante “não tem nenhum laço natural com a realidade” (p.109). Em vez de mar poder-­‐se-­‐ia dizer verde. A linearidade do significante reside no fato de que ele se desenvolve com características que toma do tempo, representando uma extensão que é mensurável em uma única dimensão: a linha. “[...] os significantes acústicos dispõem apenas da linha do tempo; seus elementos se apresentam um após o outro; formam uma cadeia” (110). A arbitrariedade do signo e a linearidade do significante, são dois princípios saussurianos que regem o signo linguístico e a partir dos quais se derivou o entendimento sobre sua natureza mutável e imutável. Para Saussure, a imutabilidade do signo pode ser descrita a partir de quatro pontos. O primeiro ponto é que a própria arbitrariedade do signo assegura a língua sua imutabilidade, uma vez que não há possiblidade de a massa social discuti-­‐la, pois, para que algo seja posto em xeque, faz-­‐se necessário a existência de uma norma razoável, mais ou menos definida. No caso da língua, a norma é não ter norma, no sentido de que não há razão para se utilizar a sequencia b-­‐o-­‐i para designar o tipo de animal a que chamamos boi. É a arbitrariedade do signo que leva a essa construção. O segundo ponto destacado por Saussure é a necessidade de inumeráveis signos para constituição de uma língua que, de modo distinto da escrita, não são compostos, como no caso da escrita conhecida como fonética, por uma variação de 20 a 40 letras que podem ser substituídas por outras. O terceiro ponto sustenta que a língua, como sistema complexo, só pode ser compreendida mediante um processo de reflexão que não faz parte do interesse dos seus usuários comuns. Estes a usam cotidianamente, sem que para isso haja necessidade de refletir sobre ela. A língua é manejada e difundida por toda a gente e não se pode, a despeito dessa gente, revolucioná-­‐la. Esse é o quarto ponto destacado por Saussure, a impossibilidade de haver uma revolução linguística. Contrária a outras instituições sociais, não se pode supor a língua como um sistema cujas prescrições seguem um código, como, por exemplo, nos ritos de determinadas religiões ou nos sinais marítimos que podem ocupar certo número de indivíduos por um tempo e ser modificado por eles. A língua sofre a todo o momento a influência de todos, ela “forma um todo com a vida da massa social e esta, sendo naturalmente inerte, aparece antes de tudo como fator de conservação” (p.114). A língua, portanto, não se transforma de maneira geral e repentina. É nessa argumentação que se apoia a ideia de que a língua não é passível de uma revolução, nisso reside seu caráter imutável. Todavia, não significa, por outro lado, que ao longo do tempo não vá existir mudanças na língua. “O tempo, que assegura a continuidade da língua, tem um outro efeito, em aparência contraditório com o primeiro: o de alterar mais ou menos rapidamente os signos linguísticos”(p.115). A alteração do signo leva sempre a um deslocamento da relação entre o significante e o significado (p.116, grifo do autor). Saussure dá um exemplo, entre outros: o latim necãre, que significa “matar”, resultou na palavra francesa noyer que quer dizer “afogar”. Percebe-­‐se aí uma modificação tanto no significado (conceito) quanto no significante (imagem acústica), onde é possível verificar que o vínculo entre significante e significado alargou-­‐se e que houve um deslocamento na relação entre ambos. Dos aspectos imutáveis e mutáveis da língua, resulta sua evolução na massa e no tempo: [...] situada, simultaneamente, na massa social e no tempo, ninguém lhe pode alterar nada e, de outro modo, a arbitrariedade de seus signos implica, teoricamente, a liberdade de estabelecer não importa que relação entre a matéria fônica e as ideias (p.116). Nesta citação encontra-­‐se a observação necessária para se compreender que a Linguística, para entender seu objeto de estudo, a língua, deve considerar, portanto, seu aspecto sincrônico e diacrônico e não apenas um ou outro, embora cada um desses aspectos devam ser observados por uma ótica diferente1. Eis o método de estudo da língua defendido por Saussure. A Linguística sincrônica deve se dedicar as relações psicológicas e lógicas que unem termos coexistentes e que formam sistemas comuns a consciência coletiva. A Linguística diacrônica, por outro lado, deve se ocupar das relações que unem termos sucessivos imperceptíveis a uma mesma consciência coletiva e que se substituem uns aos outros (p.142). A observação desses fenômenos se dá quando um fato da fala transforma-­‐se em um fato da língua que só passa a existir a partir do momento em que a comunidade de falantes os acolhe (p.141). Um fato de fala pode ser compreendido quando um grupo de indivíduos acolhe determinado modo de falar uma palavra, expressão, de maneira diferente daquela que comumente é utilizada pelos falantes de determinada comunidade, sem que isso provoque alteração na forma como todos os indivíduos dentro dessa mesma comunidade se comunicam. Todavia, a partir do momento em que o fato de fala é frequentemente repetido e aceito pela comunidade de falantes em sua coletividade, torna-­‐se um fato da língua e isso é o que interessa aos estudos linguísticos. Um exemplo de fato da fala que tornou-­‐se fato da língua no Brasil é a expressão vossa mercê, um pronome de tratamento real em Portugal que, aqui se fez vossamecê, vossancê, vosmicê e, finalmente, você de uso corrente no país, que se transformou em algumas regiões para adquirir a forma ocê e, mais atualmente, cê cujo significado assemelha-­‐se a tu, já em desuso. 1 A dimensão diacrônica é o tipo de estudo que leva em consideração as transformações ocorridas nos objetos ao longo de sua história no tempo, buscando-­‐se, deste modo, analisar as dinâmicas que provocam mudanças no sistema; opõe-­‐se a sincronia que estuda o sistema dentro de um só recorte no tempo, estaticamente, sem se preocupar com sua perspectiva evolutiva. Saussure, no entanto, buscava compreender, considerando a dimensão diacrônica da língua, como ele se encontrava em determinado momento na sincronia. Em Saussure, a sincronicidade não exclui a mutabilidade (SENNA, 1994). Esta observação sobre os fatos supracitados, revelam que o lugar, por excelência, de manifestação da língua é, pois, a fala, ou, como diz Saussure, a massa de falantes. A partir da massa, a língua constitui-­‐se com seu signo arbitrário, cujos significantes formam uma cadeia sonora, ou, dito de outra maneira, se estabelecem num continuum. Este continuum interessa particularmente a este trabalho, porque permite compreender, a partir de Saussure, o custo de delimitação da fronteira de palavras que tem feito parte do que temos vivenciado nos espaços de comunicação, sobretudo escrito. Para melhor compreender este custo, é importante tentar aprofundar um pouco mais a percepção de Saussure a respeito da relação entre significado e significante no signo linguístico, pois, nesta relação encontra-­‐se indícios da motivação de construções escritas que, no contexto norma padrão, são tomadas como desvios. A cadeia fônica contínua e a unidade linguística saussuriana: uma observação A Linguística é a ciência que se ocupa dos signos que compõem uma língua e de suas relações. O signo, entidade linguística, como o designa Saussure (p.148), só existe na relação que se estabelece entre significante e significado. Fora dessa relação, não há signo linguístico (p.147). Para compreendê-­‐lo, todavia, assumir a relação simbiótica entre significado e significante não é suficiente, faz-­‐se necessário ir além e, segundo os estudos saussurianos, delimitar a entidade linguística. “A entidade linguística não está completamente determinada enquanto não está completamente delimitada, separada de tudo o que a rodeia na cadeia fônica” (p.148, grifo no Curso). São estas entidades que, uma vez delimitadas, correspondem as unidades de estudo da linguística. Esta delimitação, no entanto, não diz respeito aos limites de sílabas ou de palavras na cadeia fônica. Diferentemente de objetos como signos visuais que podem coexistir sem que se confundam entre si e sem que haja nenhuma operação do espírito, não se pode discriminar a unidade linguística a priori (p.148). A delimitação do signo linguístico é muito mais complexa, porque se dá no âmbito da cadeia fônica, que não possui partes significativas em si, ela é, na realidade, “uma tira contínua, na qual o ouvido não percebe nenhuma divisão suficiente e precisa, para isso, cumpre apelar para as significações”(p.148) A língua, portanto, “[...] não se apresenta como um conjunto de signos delimitados de antemão, dos quais bastasse estudar as significações e a disposição; é uma massa indistinta na qual só a atenção e o hábito nos podem fazer encontrar os elementos particulares. A unidade não tem nenhum caráter fônico especial, e a única definição que se pode dar a ela é a seguinte: uma porção de sonoridade que, com exclusão do que precede e do que se segue na cadeia falada, é significante de um certo conceito” (p.148) Esta constatação de Saussure se coloca em harmonia com o que é possível observar no processo de significação que é feito por diferentes sujeitos falantes de uma mesma língua e o que isso provoca em termos dos estados de escrita2 que estes sujeitos apresentam (LOPES, 2010), bem como a possibilidade de desenvolver uma compreensão mais ampla a respeito do porquê isso acontece. Embora Saussure admita que a delimitação das unidades é um problema tão delicado a ponto de ele mesmo questionar se elas existem (p.152), fato é que, na cadeia falada e também escrita, é possível observar uma porção de sonoridade significante de um certo conceito. Esta porção, no entanto, parece possuir, dentro de um mesmo grupo linguístico, configurações diversas que dão ao conceito de língua saussuriano, talvez, uma complexidade ainda maior do que aquela que ele pôde alcançar em seu Curso. Contudo, as pistas iniciais que Saussure apontou para o entendimento da construção das unidades concretas, são, de fato, um elemento que tem um potencial de contribuição para o entendimento dos processos de escrita como discutiremos no próximo tópico. Cumpre ressaltar que, para além da delimitação do objeto de estudo da linguística e do método de estudo que deveria ser empregado em sua compreensão, fato que conferiu a Linguística o status de ciência, com objeto e método próprio, Saussure abriu a possibilidade de que os estudos da língua deixassem o campo puramente comparativo, onde o que se buscava eram relações genealógicas entre as várias línguas, encaradas como um somatório de elementos isolados a partir das quais se buscava uma origem comum, e se dedicassem a compreensão da língua em si. Esta que só acontece a partir da massa de falantes. 2 Estados de escrita, em Lopes (2010), são compreendidos como o estado em que a escrita de determinado sujeito social se apresenta a partir do uso do código alfabético. Não se trata, nesse caso, de hipóteses de escrita que, teoricamente, partiriam de X para se chegar a XY, mas de modos de escrita que se denvolvem na intenção comunicativa dos sujeitos, de acordo com sua perpeção, enraizada na fala, a respeito dela. O predomínio da escrita: o que pensa Saussure a seu respeito e outros aspectos que a envolvem atualmente A escrita, desde a perspectiva de Saussure, não tem condições de significar a língua e, paradoxalmente, tenta impor-­‐lhe normas de funcionamento mediante tentativa de dominar e aprisionar a fala. Segundo ele “A língua tem, pois, uma tradição oral independente da escrita e bem diversamente fixa; todavia, o prestígio da forma escrita nos impede de vê-­‐lo” (p.59). Este prestígio da escrita tem se sobreposto à fala e às tentativas de compreendê-­‐la de acordo com os modos como seus usuários a utilizam. Tal fato pode ser verificado ainda nos dias atuais, que exigem que a fala acompanhe a normatividade da escrita em determinadas situações. Saussure destacou, na época de seu curso, a predominância de estudos no campo da Linguística que insistiam em eleger a escrita como objeto, devido a sua natureza imóvel, o que os impediam de compreender a língua em si (p.59). O subjugamento da fala, não ocorreu somente no período em que Saussure apresentou seus estudos e no tempo que o antecedeu, ele continua não só perceptível, mas causando toda sorte de pressuposições a respeito da oralidade. Se as teorias formuladas nos tempos saussurianos faziam ascender a escrita em detrimento da fala, no campo da Linguística, os estudos pós-­‐saussurianos elegeram a língua com o mesmo fim. Todavia, esta língua, foi tendo seu entendimento alargado por convicções para além da originalidade percebida em Saussure para ser assumida como língua para si. Daí que, em vez de a massa de falantes ser levada em conta como locus de manifestação inerente à língua, deu-­‐se que a fala foi relegada a um segundo plano porque, a partir da “língua” seria possível derivar verdades mais objetivas e menos provisórias. Conforme Senna (2002): El aprecio por la langue o otros conceptos que reporten a una idealización de la lengua y su estructura contribuirían para aseverar la hegemonía de la verdad científica, negando la existencia de otros modelos mentales de control de la gramática propios de las culturas orales. Jamás se discutió, por ejemplo, si las categorías gramaticales dichas universales – en su mayoría oriundas de la tradición clásica – tendrían otros contrapuntos o otras formas de control no semejantes a los de la cultura científico cartesiana. (p. 414) Da predominância da escrita, da língua para si e do apreço pelas categorias gramaticais tomadas como universais, regulando o uso da língua, que, em grande medida, passaram a ser derivadas da escrita após a perda do domínio grego e da tentativa de resgatar uma fala clássica mediante estudo da escrita (SENNA, 2002, p.413) deriva a ideia corrente de que possa existir uma fala correta, isto é, uma fala semelhante à escrita com todas as suas imposições. Por conseguinte, existiriam falas erradas, ou seja, falas que se afastam da escrita. Esta percepção a respeito da escrita e da fala provoca o que comumente se conhece como preconceito linguístico cujas manifestações se apresentam em diferentes contextos no campo sociocultural (BAGNO, 2013). Saussure chama a atenção para o predomínio, ou prestígio em suas palavras, da escrita e explica que este prestígio ocorre porque a imagem das palavras impressiona, pois apresenta um objeto permanente e sólido para constituir a unidade da língua através dos tempos, mas, em contrapartida, cria “uma unidade puramente factícia” (p.59). As impressões visuais, continua ele, são mais nítidas e duradouras que as acústicas e a imagem gráfica acaba por se impor ao som. Some-­‐se a isso o fato de que a língua literária aumenta a importância da escrita porque possui toda uma regulamentação que a submete ao uso rigoroso da ortografia (p.59). A cadeia fônica saussuriana e a construção de escritas possíveis Embora saibamos que fala e escrita possuem diferentes naturezas e motivações, sabemos também que a escrita, nos dias atuais, tem se apresentado segundo as convicções que os usuários, alheios as suas regras, tem construído a seu respeito a partir da aproximação com a cultura escrita (SENNA, 2007b; LOPES, 2010), sobretudo via espaço escolar. Em Saussure, observa-­‐se o destaque à existência da língua em si, produto social depositado no cérebro de cada um (p.57) e da língua falada, manifestação legítima da língua. A escrita é, por outro lado, apenas uma representação da língua e a ela não se deve dar nenhuma prerrogativa nos estudos linguísticos. Há, no entanto, um elemento nas considerações de Saussure a respeito da cadeia fônica que nos permite compreender, na contemporaneidade, determinados tipos de escritas, e isso nos interessa. Nesse caso, admite-­‐se nesse trabalho que não se trata de uma escrita única e imutável alvo das críticas saussurianas. Trata-­‐se, isso sim, de escritas que tem emergido porque tentam representar a língua falada a despeito de normatizações e regras ortográficas. São escritas que colocam em evidência no âmbito das discussões teórico-­‐
práticas a coerência da ideia saussuriana de cadeia fônica. Neste trabalho não se pretende aprofundar alguma definição das unidades saussurianas via cadeia fônica, apenas sugerir que, no âmbito dessa cadeia, as unidades não são fixas, elas parecem flutuar e o limite da unidade parece, por sua vez, ser estabelecido por essa flutuação. Tal flutuação permite que o signo linguístico seja delimitado na cadeia fônica em diferentes momentos sem que haja comprometimento do seu significado no âmbito da fala e, na escrita, cria diferentes possibilidades de construção cuja motivação é possível verificar. Na escrita, há que se ressaltar algum comprometimento na compreensão do que se quer comunicar em alguns casos, talvez muito mais pela normatização que temos em nossa mente a seu respeito do que propriamente por um impedimento causado por algum desvio de comunicação. Grosso modo, pode-­‐se dizer que o corte na cadeia do significante é feito segundo a percepção que cada indivíduo deriva da fala, mas que não compromete a percepção do signo linguístico dentro do grupo linguístico do qual faz parte. Esta consideração pode ser percebida a partir de diferentes contextos e, nesse estudo, elegeu-­‐se alguns casos. Um jovem formado no Ensino Médio, mas cuja experiência de mundo fora marcada por uma cultura que privilegia a oralidade como princípio de ensinamento e credibilidade, passou pela escola para adquirir o diploma e um trabalho sem se interessar pelo aprendizado da escrita normativa padrão, tirando da escola, apenas, aquilo que julgou necessário para o alcance de seus objetivos profissionais. Trabalha em um local no qual designa seu superior como “o senhor”. Ao se referir ao “senhor” durante muito tempo, nada de oblíquo apareceu na comunicação entre ambos. Contudo, a necessidade que eles tiveram de escrever um para o outro, revelou a seguinte construção da parte do jovem “ossenhor”, em todos os momentos em que a comunicação se estabelecia por via da escrita. Esta construção, no entanto, assim como na fala, não comprometeu a comunicação escrita entre “ossenhor” e o jovem. Ela pode ser indicativa de que, a flutuação da unidade saussuriana, aliada à cadeia fônica, permitiu tal construção, sem prejuízo do significado e sem prejuízo, sobretudo, da comunicação entre ambos. É para isso que nos serve a língua, para nos fazer comunicar. Continua a não haver, portanto, nada de oblíquo na escrita do jovem que possa desacreditá-­‐lo ou ser indício de que há um problema de comunicação de sua parte. Pode-­‐se dizer, por outro lado, que esta escrita não se enquadra na norma padrão, mas, nem por isso, deixa de ser escrita comunicativa3. Semelhante coisa pode ser percebida através da leitura dos poemas de um proeminente poeta nordestino. Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, foi um poeta sertanejo, nascido no sul do Ceará, em Assaré. Durante sua vida publicou algumas obras de reconhecida importância para a literatura e para os estudos da língua dentro e fora do Brasil, entre elas o livro de poesia “Cante lá que eu Canto Cá” organizado pelo Centro de Documentação, Estudos e Pesquisas (Cendep). Nele, respeitou-­‐se a escrita de Patativa, sem que houvesse uma intervenção ortográfica que pudesse comprometer a originalidade da obra. A partir do livro supracitado, elencou-­‐se duas estrofes de diferentes poesias que são representativas do que se está sustentando nesse trabalho: o enunciado de Saussure sobre a cadeia de significante de um certo conceito. Na primeira poesia, “Mãe Preta”, Patativa conta em versos sua relação com uma senhora, desde a mais tenra infância, que o cuidava e a quem muito queria. Em uma das estrofes dessa poesia, relatando os momentos de doença que antecederam a morte de Mãe Preta, Patativa escreve: Quando ela pra mim oiava, Como quem sente desgosto, A minha mão apertava E o pranto banhava o rosto. Divido este sofrimento, Naquele seu aposento, No quarto onde ela vivia, Me improibiro de entrá, Promode não magoá As dô que a pobe sintia. A segunda poesia “Maria de todo jeito” é uma das quais Patativa descreve a situação de um sertanejo que sonhava em se casar com uma mulher de nome Maria, pois acreditava que esta seria santa como o nome evocava. Uma vez casado, no entanto, percebeu que sua Maria queria apenas ser servida e não gostava do marido, nem atendia a nenhum de seus pedidos. Na última estrofe da poesia, ele escreve: E hoje, só, no meu caminho, Vou pensando no ditado: 3 Este relato foi feito a mim durante conversa informal este ano pelo “senhor” que conhece meu interesse na construção de formas de escritas que se apresentam em desarmonia com a norma padrão, mas que, por outro lado, cumprem seu papel em comunicar. É mió vivê sozinho Do que malacompanhado – Foi esta a maió lição Passada inriba do chão. Não fiz meu prano direito, E agora conheço bem Que este mundo veio tem Maria de todo jeito Patativa do Assaré permaneceu na escola, onde entrou com doze anos de idade, por apenas alguns meses, a partir dos quais derivou o entendimento da escrita que se apresenta em sua poesia. Entre as diversas singularidades que podem ser encontradas na escrita de Patativa, aquela que nos interessa para efeito desse trabalho são as aglutinações reveladas em algumas palavras. Nas duas estrofes apresentadas, percebemos as seguintes palavras “improibiro,” “promode”, “malacompanhado”, “inriba”. As quatros palavras destacadas são representativas do fato de que o enunciado não é composto por limites definidos a priori. Na realidade, os limites entre as palavras são uma invenção da escrita e nada há de natural nisso, como observou Saussure. Se se quer considerar algo como “natural”, consideremos as escritas que os sujeitos vão construindo a partir do contato com o código alfabético adaptando-­‐o ao modo como sua língua é falada. O continuum da cadeia fônica e o corte do significante pode ser representado de outro modo: nas situações cuja colocação de limites produzam outro signo. Uma parlenda bastante conhecida por crianças de diferentes gerações, qual seja, “Hoje é Domingo”, é elucidativa desse caso: Hoje é domingo Pede cachimbo o cachimbo é de barro Bate no jarro o jarro é fino Bate no sino O sino é de ouro Bate no Touro O touro é valente Bate na gente A gente é fraco Cai no buraco O buraco é fundo Acabou-­‐se o mundo Em sua primeira estrofe, onde está escrito “Hoje é domingo, pede cachimbo” existe a delimitação das palavras de acordo com as regras ortográficas da escrita. No entanto, sem conhecer e poder ler a letra da parlenda, a divisão mais comum, constatada desde a infância até entre adultos que não tiveram contado com a leitura da mesma é: Hoje é domingo, pé de cachimbo. Neste enunciado, a cadeia fônica foi delimitada numa sequencia outra. O próprio significado do enunciado caracteriza um outro contexto, isto é, outras unidades significativas que evocam outro signo linguístico. É importante enfatizar, no caso da parlenda, que não há, como nos casos elucidados anteriormente, uma aglutinação de palavras que não comprometem o significado a despeito do delimitação feita no significante – o que se está considerando aqui como a possibilidade de haver uma flutuação das unidades linguísticas. Na parlenda, há, de fato, um signo linguístico que foi identificado pelos usuário da língua e não estava pressuposto quando de sua elaboração. Todavia, uma vez sendo lida, percebe-­‐se a intenção de seus enunciados. Por outro lado, a partir dela, foi possível verificar, mais uma vez, que os limites postos na cadeia fônica não são fixos a priori, e, ainda, que eles dependem do contexto para sua interpretação. A parlenda destacada, as palavras dos versos de Patativa do Assaré e a escrita do jovem exemplificada no primeiro caso desse estudo, nos mostram a dimensão complexa que envolve o uso da língua e ajudam na compreensão do último exemplo trazido para este trabalho. Esses fatos assumem uma importância ímpar quando se pensa em contextos que tem como principal objetivo ensinar a representação escrita da língua de acordo com a norma padrão e que parecem não estar levando em consideração as possibilidades de construção de escritas cuja motivação deriva da possibilidade de estas estarem marcadas pela tentativa de aproximar a língua da escrita. Chegamos ao último exemplo deste trabalho, à sala de aula da Educação Básica, lugar de profundo estranhamento dos professores, que em seu que-­‐fazer docente tem se deparado com um número considerável de alunos que apresentam estados de escritas cada vez mais alheios a norma padrão. Estes, no entanto, parecem ter alguma possibilidade de compreensão a partir da cadeia fônica saussuriana. Considerando-­‐se que, esses alunos, tentam aproximar sua escrita da língua e que esta, por sua vez, no âmbito da fala, não possui limites pré-­‐estabelecidos entre suas unidades significativas, suas escritas podem revelar algum sentido. As escritas abaixo, são representativas dessa tentativa de aproximação, mas que, se forem consideradas apenas do ponto de vista da escrita normativa padrão, deixam de ser percebidas em suas peculiaridades para serem apenas consideradas em seus “erros”. Por outro lado, se fazemos essa leitura a partir dos indicativos teóricos de Saussure, percebemos, não só sua motivação, mas a coerência dessas escritas. Assim vejamos. Camilo, aluno do terceiro ano do ensino fundamental, com idade de 13 anos completos, foi solicitado em minha sala de aula a escrever um convite para que um amigo comparecesse à sua festa de aniversário. Ele então inicia o convite, após ter colocado o nome do convidado, da seguinte maneira: “Vaiceleão a mia Festa. Numero 241 pode vim que i qu ze”4. Nessa frase de Camilo, a partir da qual se pode derivar inúmeras análises do ponto de vista fonêmico, de representação mental e até mesmo escrito e ortográfico, é possível verificar a construção de uma escrita que remete diretamente ao modo como convidamos uma pessoa num bate-­‐papo informal. Apesar de vaiceleão, sendo lido fora do contexto, pareça meramente um amontoado de letras a partir das quais poder-­‐se-­‐ia derivar, talvez, as unidades vai ce leão – Vai ser leão (?) – sem nenhuma lógica entre si, dentro do contexto no qual foi escrito, vaiceleão, remete a expressão “Vai ser legal”. Esta foi a intenção do aluno ao escrever a frase: dizer que a festa seria legal. A continuidade da frase de Camilo é compreensível e o outro destaque que se dá a ela são suas últimas palavras “que i qu ze”, que significam, quem quiser. Vaiceleão e que i qu ze são construções expressivas para exemplificar o que Saussure apontou, a respeito da cadeia fônica e, sobretudo, o fato de que os significados de um significante vão sendo compreendidos à medida que o hábito nos permite encontrar seus elementos particulares. Dentro do contexto no qual foi escrito o convite, a representação escrita do aluno pode ser compreendida, desde que haja uma intenção nesse sentido. Analisadas por este prisma, as escritas que tem se apresentado em sala de aula por alunos de diferentes faixas etárias, tiram dela o ranço de uma escrita errada, porque, do ponto de vista dos estudos da língua saussuriana, elas tem razão de ser, tem sentido e 4 Camilo é um nome fictício, mas trata-­‐se de um aluno meu. O caso relatado é representativo de outros tantos comuns às salas de aula por que tenho passado, com alunos de uma faixa etária que tem variado dos 6 aos 14 anos. motivação. Isso não significa, por outro lado, que devamos abandonar a escrita normativa que permitiu, inclusive, a publicação do curso de Saussure, e que esta não deva ser ensinada, mas que devemos começar a olhar atentamente para as escritas que nossos alunos tem apresentando e, a partir dela, fazer as intervenções necessárias para que ela possa se aproximar da escrita padrão. Além disso, do ponto de vista dos estudos linguísticos, talvez possamos encarar essas escritas como novos fatos que estão emergindo e se abrir para as possibilidades de construção de escritas que não podem mais ser desconsideradas em nome de uma escrita única, tida, subliminarmente, como natural. A leitura em Saussure sobre esse assunto nos trouxe até aqui e, a partir dela, talvez se possa avançar na tentativa de compreender, em que medida, as escritas que tentam representar a língua podem vir a transformar um fato de fala, ou, no contexto que estamos desenvolvendo, um “fato de escrita”, em um fato de língua. Referências ASSARÉ, Patativa. Cante lá que eu canto cá: filosofia de um trovador nordestino. 17a Ed. Petrópolis: Vozes, 2012. BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 55a Ed. São Paulo: Loyola, 2013. LOPES, Paula Cid Vidal. Estados de Escrita: contribuições à formação de professores alfabetizadores. 2010. 179f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2010. SENNA, Luiz Antonio Gomes. O conceito de letramento e a teoria da gramática: uma vinculação necessária para o diálogo entre as ciências da linguagem e a educação. D.E.L.T.A., n. 23, p.45-­‐70, 2007a. SENNA, Luiz Antonio Gomes. Erro produtivo e segregação cultural: a descrição de estados de desenvolvimento proximal na alfabetização contemporânea. In: SENNA, Luiz Antonio Gomes. Letramento: princípios e processos. Curitiba: IBPEX, 2007b. SENNA, Luiz Antonio Gomes. Por uma ciencia multicultural – la verdad como lenguage proximal. In: CONGRESO INTERNACIONAL EDUCACIÓN E DESARROLLO, 2002. Anais. Actas del Boca del Rio/MX: FESI, 2002. SENNA, Luiz Antonio Gomes. Modelos mentais na linguística pré-­‐chomskyana. D.E.L.T.A., v. 10, p. 339-­‐372, 1994. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 34a Ed. São Paulo: Cultrix, 2013. POBREZA E EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE CONCEITUAL Antonia Valbenia Aurélio Rosa A relação entre escola, pobreza e políticas públicas como desafios para uma educação voltada para o processo de ensino-­‐aprendizagem de alunos e alunas em risco social, e ainda, de que forma o conceito de exclusão social contribui na compreensão das desigualdades sociais e nas relações do cotidiano escolar são objetos de estudo deste trabalho. Esse estudo foi do tipo bibliográfico, ao refletir sobre as questões da contemporaneidade, Castel (2008) discute exclusão social em função do aumento das desigualdades e na mudança do perfil da pobreza, Paugam (2003) apresenta a nova pobreza a partir da precarização dos vínculos com o mundo do trabalho, associada à dimensão histórica e nas trajetórias de vida. O presente artigo é parte dos resultados da pesquisa Gênero e Pobreza: Práticas, Políticas e Teorias Educacionais -­‐ Imagens de escolas5, Pesquisa do Programa Prociência, desenvolvida pelo Grupo de pesquisa Etnografia e Exclusão de 2008 a 2010 no Núcleo de Etnografia em Educação (NEtEDU), da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FE/UERJ), Programa de Pós-­‐Graduação em Educação (ProPEd). Tecemos algumas considerações em que à pobreza e exclusão social não aparece apenas representadas por números, para além da dimensão econômica, aparece também, nas dimensões sociais e culturais da vida humana. Na educação, as análises apontam para a exclusão educacional de alunos e alunas de contextos sociais desfavorecidos, acredita-­‐se ser a escola o espaço para a superação das desigualdades sociais em que vivem. No Brasil, a questão das desigualdades sociais pode ser considerada como um processo que se manifesta nas várias dimensões da vida social dos sujeitos, explicada a partir de indicadores econômicos e como um conjunto de processos sociais e culturais, onde as transformações da estrutura social fizeram emergir outras configurações das desigualdades. Observa-­‐se na sociedade brasileira o deslocamento das pessoas no espaço rural e urbano, ou centro e periferia ocasionado pelas mudanças nas relações de produção e organização do trabalho, onde estão sujeitos ao desemprego ou dificuldades de inserção e reinserção social e profissional. Essa situação é resultante do sistema 5
Pesquisa Financiada pelo PROGRAMA PROCIENCIA, FAPERJ/UERJ, 2009-2012.
econômico capitalista que acentua as desigualdades sociais, tendo como característica a degradação cotidiana dos direitos à cidadania. Numa sociedade centrada na desigualdade não é difícil perceber, no cotidiano, situações em que vivem crianças jovens e adultos, em função das dificuldades dos sujeitos e de suas famílias, onde a pobreza se reveste de uma condição social desvalorizada e estigmatizada. No entanto, há outras formas de desigualdades “as diferenciações sociais em função do sexo, da idade, do capital escolar e da origem étnica” (DUBET, 2001, p.9). Duas questões são importantes nesse estudo: compreender o conceito de pobreza relacionada às desigualdades sociais e como se articulam no contexto da escola. A escolarização contribui na vida social dos sujeitos e, alguns processos excludentes são muitas vezes determinados pelo acesso e tempo de permanência dos mesmos no sistema educacional. A trajetória irregular ou interrompida de alunos e alunas muitas vezes passa a figurar dados e índices de desemprego, violência e pobreza. Em estudo recente Mattos (2009) aponta que pobreza e educação estão interligadas, principalmente, ao considerar que alunos e alunas que fracassam na escola pertencem às camadas sociais mais desfavorecidas. Na última década foram intensificados programas compensatórios, que tem como objetivo a regularização do fluxo escolar para atender alunos e alunas de escola pública e em condição de pobreza. Além disso, foram criados também programas assistenciais que realizam a transferência direta de renda para essas famílias, com foco na escola. É dentro desta perspectiva que compreender as condições de pobreza e educação possibilita ampliar a visão em relação a estes alunos pertencentes aos segmentos mais pobres de nossa sociedade: uma visão ampla das questões sociais que envolvem estas crianças e ao mesmo tempo uma visão específica, quanto à escolarização de alunos e alunas que encontram dificuldades em superar níveis de aprendizagem. Pobreza e Educação Para a compreensão da relação pobreza e educação a abordagem inicial refere-­‐se ao espaço da escola, onde estão inseridos alunos e alunas de segmentos sociais diversos e que nela permeiam diferentes saberes e culturas. Em um contexto escolar, Dubet (2001, p.12) afirma que “a escola acrescenta às desigualdades sociais suas próprias desigualdades”, ao reconhecer que a escola não é igualitária, mas que sua própria igualdade pode também produzir efeitos não igualitários, somados aos efeitos que ela deseja reduzir. Contudo, o acesso à escola é condição necessária para todos, mas não apenas para a superação das desigualdades sociais. Percebe-­‐se que o deslocamento do processo de exclusão não se dá com antes, principalmente na questão de acesso à escola, mas também dentro dela, por meio das instituições de educação formal e através do próprio processo de ensino e aprendizagem que ocorre no espaço escolar. Nesse contexto apresentado, a escola encontra um desafio na superação das desigualdades educacionais por ser excludente, não em seu sistema de acesso, mas a partir do processo de ensino-­‐aprendizagem, uma vez que, por meio dela, alunos e alunas vislumbram uma possibilidade de mudança social através da relação educação e trabalho. Para Mattos (2009) os alunos e alunas que fracassam na escola, em sua maioria, pertencem aos segmentos mais empobrecidos da sociedade brasileira. Afirma ainda a pesquisadora que eles têm sido marginalizados e as políticas públicas os atraem para participar de programas de inclusão social e educacional, com uma forte tendência desde os últimos anos da década de 90, através dos programas de redução da pobreza e desenvolvimento humano. Stromquist (1996) ao discutir as políticas públicas na educação e em outros campos sociais, afirma que essas não alteram as estruturas de poder, pois facilitam a distribuição mais do que a redistribuição dos bens sociais. Essas políticas são pensadas como medidas coercitivas assumindo diversas formas. Questiona-­‐se sobre a melhoria das condições sociais, uma vez que o Estado, através das políticas públicas, tem pressupostos e programas definidos. Montalli (2008) ao realizar um estudo comparativo entre os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD (2004 e 2006) analisa diferentes arranjos de famílias pobres que vivem nas regiões metropolitanas brasileiras e que tem acesso ao programa de transferência de renda. Com isso ela conclui que elas apresentam características semelhantes, demandam investimentos, principalmente em educação e saúde. Justifica que os programas sociais vêm afetando positivamente as famílias e reduzindo a condição de indigência (se situa abaixo da linha da pobreza), “porém com pequeno impacto na diminuição da pobreza” (p. 227). No entanto, a redução da pobreza tem sido apontada na perspectiva da renda, o que pode significar condições de vida distintas, como exemplo, em relação às condições e localização de moradia, do arranjo familiar e das condições de trabalho, nas diferentes regiões do Brasil. Salmón (2007) ao discutir o conceito de pobreza e considerando os direitos humanos, aponta que as políticas de luta contra a ela serão mais efetivas na medida em que forem baseadas nos direitos humanos, ressalta ainda que cabe aos Estados assegurar às pessoas uma vida com dignidade. Entre esses direitos, estão: ao trabalho, à educação, à saúde, à moradia, à alimentação, como um padrão mínimo de satisfação das condições de vida. Estabelece ainda a pobreza a partir de duas perspectivas diferentes: a pobreza de renda e pobreza humana. A primeira se refere a indicadores de renda que satisfaça as necessidades mínimas; e a segunda, está relacionada à falta de capacidades básicas. Portanto, a pobreza não se refere a só um problema econômico, mas também a outras esferas, como o social e o cultural. A compreensão da pobreza deve ser feita tanto através de indicadores estatísticos quanto pelas imagens e representações sobre quem são e como vivem as pessoas em condição de pobreza. Dessa forma, a pobreza como um fenômeno envolve uma série de restrições na vida das pessoas, portanto reconhecer a existência de dimensões sociais, políticas e culturais, para além da ausência de renda, tem uma implicação fundamental a partir do momento que indicadores sociais são definidos e usados como parâmetros na elaboração e avaliação de políticas públicas por meio de programas governamentais, onde a questão é a vinculação das políticas compensatórias e assistenciais e a realidade das escolas. Nas últimas décadas, a exclusão social tem sido objeto de discussão nos espaços escolares e não-­‐escolares a partir de uma perspectiva de que essa produz o fracasso escolar. Pode-­‐se afirmar que o debate sobre a exclusão social vem sendo utilizado por diversas áreas de estudo para caracterizar os problemas do mundo: a mídia veicula diariamente notícias sobre crises civis, os fenômenos relacionados ao espaço escolar, o discurso da política social nos programas governamentais, direitos humanos e sociais, entre outros (CASTEL, 2008). Não é difícil perceber no cotidiano, as condições sociais em que vivem crianças, jovens e adultos e que residem em áreas degradadas e desqualificadas socialmente e, os fatores destes variam em função das dificuldades dos sujeitos e de suas famílias, gerada pelo desemprego ou dificuldades de inserção social, estes sujeitos são considerados como excluídos. Sabendo que a exclusão é um construto sociocultural, autores como Castel (2008) e Paugam (2003) discutem a complexidade teórica do tema a partir das relações do mundo do trabalho e trajetória de vida dos sujeitos. Por outro lado, pensar nas condições socioeconômicas, culturais e educativas aponta caminhos na compreensão e reflexão sobre este problema atual. O conceito de exclusão, neste primeiro momento, será discutido a partir da contribuição de Castel (2008), quando o autor utiliza o termo desfiliado, relacionado aos desempregados, sem domicílio, o jovem da periferia, mas, aponta também como fenômeno da exclusão as trajetórias e história de vida das pessoas, na luta contra a exclusão. No segundo momento, Paugam (2003) afirma que a temática da nova pobreza é discutida a partir das condições de vida das pessoas e das dificuldades de inserção social. O conceito está relacionado a precarização dos vínculos com o mundo do trabalho associada ao enfraquecimento dos laços sócio-­‐familiares, é analisada como um processo de desqualificação social, que caracteriza o movimento para fora do mercado de trabalho. A contribuição de Castel (2008), sobre a exclusão social refere-­‐se ao contexto da sociedade francesa, uma problemática contemporânea desde o final do século XX, em função do aumento das desigualdades e de mudança do perfil da pobreza. Para ele, os desempregados de longa duração, sem domicílio fixo, o jovem da periferia, são excluídos. Este quadro nos é extremamente familiar aqui no Brasil atual. É bom lembrar que a afirmação do autor é que a exclusão vem se impondo para explicar as modalidades de misérias do mundo. Entretanto, falar em exclusão muitas vezes, pode significar atribuir rótulos com uma qualificação negativa, que designa a falta, sem explicar suas causas. Percebe-­‐se que os traços constituintes das situações de exclusão não se encontram em si mesmo, mas ocorre pelo estado de todos os que se encontram em circuitos vivos de trocas sociais, ou seja, o resultado de trajetórias desses sujeitos. Dessa forma, a exclusão percebida por Castel (2008) foi a partir da disfunção da sociedade, onde os sujeitos muitas vezes são estigmatizados, em função de exigências na qualificação profissional ou ausência de um mercado de trabalho. Essa condição de excluído assume um caráter temporal com vínculo salarial, sem mudanças na estratificação social. Outra questão fundamental na discussão da exclusão aponta para outra direção e corresponde ao percurso e história de vida das pessoas, muitas vezes marcada pela ruptura dos laços familiares, separação da família quando criança e presença da violência doméstica. Observa-­‐se então que em suas reflexões, Castel (2008) sustenta dois eixos principais de análise da exclusão: a integração dos sujeitos ao mundo do trabalho e as relações sócio-­‐familiares. A exclusão ocorre em função das relações de trabalho, quando são percebidas como um mecanismo de inserção social, e sua falta provoca mudanças no processo produtivo e na dinâmica da sociedade capitalista que alteram as relações do homem com o meio. As mudanças intervêm nas várias esferas da vida social e na economia. O fenômeno mais importante é a globalização dos mercados ou a mundialização da economia, onde a competitividade afeta a produção e a organização do trabalho, surgindo assim, novas profissões e novos conhecimentos, tendo como consequência a diminuição de empregos. O trabalho muitas vezes precário, ou o desemprego coloca o sujeito em situação de vulnerabilidade, ou seja, vivendo em situações instáveis e na área de exclusão, sendo “impossível traçar fronteiras nítidas entre as zonas” (CASTEL, 2008, p. 27), para o autor, as áreas da vida social não são rígidas, podendo ser transferidos de uma área para outra. São pessoas que não conseguem manter as necessidades básicas, como exemplo, a moradia, educação e alimentação; ou ainda, que vai perder o emprego, integrado em um trabalho irregular, e que, desta forma, vai ficar vulnerável nesta zona. No entanto, mais do que identificar em quais dessas áreas se enquadram os sujeitos, é compreender os processos que levam a essa instabilidade. O excluído na maioria dos casos é de fato um desfiliado cuja trajetória consiste em rupturas e instabilidades em relação a estados anteriores. Considerando área de exclusão ou zona de desfiliação, a exclusão traduz uma degradação relacionada a um posicionamento anterior, assim, é situação vulnerável de quem vive nas zonas de desfiliação. Quando desempregado, ocasiona-­‐se a perda de proteção, iniciando assim, um comprometimento, o que leva a viver em uma zona diferente, a zona de desfiliação ou de exclusão. Como reverso a esta situação de excluído entende-­‐se que através da conquista do emprego pode-­‐se considerar integrado, pois o salário muitas vezes consegue manter as necessidades básicas. Castel (2008) acrescenta ainda a ideia de que parte dos sujeitos classificados como excluídos encontra-­‐se nas faixas de vulnerabilidades, permanecendo ainda em risco de exclusão. E que é na zona de vulnerabilidade que considera as características que configuram essa zona como tal. São estas características conferem o significado e a gravidade da questão social. São pessoas que vivem em condições impróprias de moradia, que sobrevivem de um trabalho precário, que não conseguem pagar as despesas domésticas; ou, ainda, que estão integrados ao mundo do trabalho em condições temporárias, e que desta forma, são vulneráveis. Os chamados excluídos povoam as zonas mais periféricas, caracterizadas pela perda do trabalho e isolamento social. Sobre o papel das políticas de inserção social, como as políticas de assistências, Castel (2008, p.31) afirma que “ações de inserção são, consideradas essencialmente, operações de reposição para preparar dias melhores”, assim, são pensadas como estratégias limitadas no tempo, a fim de ajudar as pessoas num determinado momento de crise, mas que são findáveis. Algumas políticas tem sido presente no cotidiano de muitas famílias associadas à classe menos favorecida da sociedade, no caso do Brasil, como exemplo de ação de reparação de assistência governamental, pode-­‐se citar os programas de transferência de renda, atribuídos aos pobres. Essa situação de pobreza, não está associada somente a baixa renda das famílias, mas, as condições de moradia, a fome, a miséria, portanto, a privação de direitos, através de uma relação de assistência entre eles e a sociedade em que vivem. Tendo em vista que a exclusão é um construto sociocultural, Castel (2008) discute a necessidade de se estabelecer mais rigor ao uso do termo exclusão. Diante da heterogeneidade de práticas de usos e significados, o autor estabelece algumas modalidades para sua utilização. Neste sentido pode-­‐se exemplificar quem são os diversos excluídos: na primeira modalidade, estão os casos de condenação à morte, a expulsão e o genocídio; na segunda a existência de espaços fechados e isolados na comunidade no seio mesmo da comunidade, são as prisões para os criminosos e guetos; na terceira modalidade não são confinadas as minorias por imposição econômica e ou raciais, mas privadas de direitos e da participação de atividades socais. Por fim, visto essas modalidades tão diversas, percebe-­‐se claramente que a exclusão apresenta traços comuns, impõe uma condição específica, sobre regras, aparelhos especializados e se completa por meio de rituais. Observa-­‐se que as pessoas que não conseguem a inserção com relação ao trabalho, à moradia, à cultura e à educação, sofrem o que é considerada uma forma de discriminação negativa, portanto, ameaçadas de exclusão. O autor faz críticas as políticas de discriminação positiva, que muitas vezes estigmatiza as populações nela envolvidas, como uma tentativa de compensar as desvantagens sofridas por algumas categorias sociais. Paugam (2003) discute a perspectiva da exclusão social fundamentada em uma pesquisa realizada na França, final do século XX, no estudo é identificado fator histórico e econômico que contribuem para a condição de marginalizados. Os sujeitos entrevistados tinham alguma relação com os serviços de assistência social. Quanto à identidade dos sujeitos, dos quinze entrevistados, ele focou em sete pessoas que foram separadas dos pais biológicos quando criança em função de alguns fatores, tais como: meio social desfavorecido, ruptura familiar e violência doméstica. Trata-­‐se, portanto, de compreender as condições das pessoas que vivem em situação de pobreza e que de alguma forma apresentam dependência em relação aos serviços sociais. Ao refletir sobre as questões sociais contemporâneas, Paugam (2003) apresenta uma abordagem em seus estudos sobre a temática chamada nova pobreza e exclusão social. Para o autor, nova pobreza corresponde a um status social específico, inferior e desvalorizado, que marca a identidade de todos os que vivem essa experiência. Muitas vezes, é consequência direta ou indireta de um passado familiar, transmitida de geração em geração, de uma identidade aviltante e dificuldade de inserção social, assim marginalizados. Por marginalidade, entende-­‐se que com a ruptura dos vínculos sociais, as pessoas que dispõe de renda, não recebem ou jamais receberam indenizações de direitos trabalhistas por desemprego, não são assistidos, sobrevivem de ajuda beneficente e a maioria são sujeitos desacreditados em função do percurso de suas vidas e acúmulos de fracassos. Destacam-­‐se ainda, alguns fatores históricos e econômicos, pois, algumas dessas pessoas não só conheceram a situação de fracasso desde sua infância, como também, enfrentam dificuldades de necessidades básicas. Ainda para Paugam (2003) algumas trajetórias conduzem à marginalidade. Neste sentido observa-­‐se as pessoas mal integradas socialmente e sem qualificação profissional, que vivem a margem da sociedade e decidem mudar de lugar em busca de melhores condições de vida. Assim, a mudança de trabalho, do local de moradia, perda de referências familiares, sem qualificação profissional, incapacidade de encontrar equilíbrio na vida, de aceitar normas de emprego, portanto, vivem as margens do dinamismo social, e são marginalizados. Quando do deslocamento, seja ele entre áreas urbanas e rurais ou centro e periferias, muitos das vezes essas pessoas sofrem com a falta de emprego, passam a viver de atividades informais e da ajuda da assistência social. Para os itinerantes, os empregadores atribuem uma visão negativa, reforçando o sentimento de rejeição e desvalorização, No entanto, a partir do momento em que são assistidos, ou seja, entra nas redes de assistência social, surge à crise de status, que é percebida pelo desempregado como uma situação de humilhação e perda de dignidade. Entretanto, se por um lado na condição de desempregado mantém a esperança de encontrar um emprego, por outro, permanecendo por um longo período no desemprego, parece não haver outra saída a não ser de recorrer aos serviços de assistência social. Paugam (2003) observou em sua pesquisa, que problemas de saúde que os impediam de trabalhar, quer seja doença, drogas ou alcoolismo, para os marginalizados que atravessam uma crise de identidade, constata-­‐se o desejo de mudança de status. O sentido atribuído ao conceito de marginalidade refere-­‐se a desproteção, quanto ao acesso às oportunidades de emprego e renda, e dos direitos básicos de cidadania. Os fatores da desqualificação social variam em função do desemprego ou dificuldade de inserção social. Buscando estabelecer relações entre as reflexões dos autores sobre a exclusão social, talvez seja possível afirmar que embora Castel (2008) privilegie a dimensão econômica, através das regulações do trabalho e dos sistemas de proteção ligadas ao trabalho, há uma proximidade com as relações familiares. Segundo Paugam (2003), o foco de atenção não está na pobreza em si, mas, a partir da dimensão histórica e trajetórias de vida das pessoas, ou seja, na relação de assistência estabelecida entre eles e a sociedade em que vivem. Por desqualificação social entende-­‐se um processo que caracteriza a expulsão dos sujeitos do mercado de trabalho, originado muitas vezes pelo desemprego. Nesta experiência prevalece uma mistura do sentimento de humilhação e inferioridade com o desejo de mudanças de status; a ruptura é a última fase do processo de desqualificação social e envolve a ausência de perspectivas e inutilidades para a sociedade, caracterizada pelo acúmulo de repetidos fracassos que conduz a marginalização. Por fim, desigualdade e pobreza são processos dependentes, porque interagem. Não aparecem apenas representados por números para além da dimensão econômica, mas também, nas dimensões sociais da vida humana, a condição de ser pobre é estudada tanto nas suas representações sociais, quanto pelas imagens e ideias que a sociedade compartilha de quem e como são os que vivem em condição de pobreza. A pobreza enquanto categoria social, não é representada apenas através de pessoas que sofrem com a privação de direitos, mas também, aos que recebem assistência social. A pobreza é financeira e social. Considerações Finais Este texto abordou a temática pobreza e educação, e pensar nos significados e implicações destas temáticas no contexto da sociedade atual, permite compreender suas manifestações também no contexto escolar, através do fracasso escolar de meninas e meninas de instituições formais de ensino. Para Sposati (1998) existe uma diferença entre exclusão e pobreza, por conter “elementos éticos e culturais, a exclusão social se refere também à discriminação e estigmatização” (SPOSATI, 1998, p. 4). O conceito de pobreza refere-­‐se à ausência, é o que não tem, já a exclusão social alcança valores culturais e discriminações, inclui o abandono, a perda de laços sociais. Porém, essas situações, configuram o caráter social e espacial da exclusão, quando ocorre a mudança domiciliar e a falta de melhores condições de vida. Autores contemporâneos referem-­‐se aos processos pelos quais as pessoas enfrentam e a superam crises e adversidades, como resilientes (YUNES, 2007). Tratar de resiliência em famílias pobres é tecer considerações com o foco em aspectos positivos, uma vez que, é comum o enfoque ser para aspectos negativos ou não-­‐saudáveis das famílias pobres, portanto, há o interesse em compreender os processos que permeiam o contexto familiar de grupos que enfrentam a condição de pobreza. No espaço escolar existe uma possibilidade de análise das relações sociais a partir de seus agrupamentos aleatórios de alunas e alunos; na escola os educandos não são agrupados em sala de aula por afinidades, nem por interesse comum ou gênero. Esse espaço é configurado pela diferença, muitas vezes a sensação de não pertencimento ocasiona aos sujeitos, nesta situação, um sentimento de isolamento social. Uma das contribuições desse estudo é que no caso da educação formal, de alguma maneira os grupos integrados não veem ou não querem ver o que acontece nos espaços escolares. Embora a questão do acesso escolar seja um discurso de inclusão das minorias, os rótulos são distribuídos entre alunas e alunos, que muitas vezes não alcançam os objetivos nesse espaço, e recriem outros espaços, como forma de pertencimento. No entanto, negar a desigualdade, ou deixar de olhar para ela para não ser afetado pelos problemas, não parecem ser soluções para o problema da exclusão. Essa variável da exclusão tem, como consequência, a perda ou enfraquecimento dos laços sociais, uma vez que, a escola tem um papel fundamental na relação dos sujeitos e sociedade. As análises apontam para a exclusão educacional de alunos e alunas de contextos sociais desfavorecidos, acreditamos ser a escola o espaço para a superação das desigualdades sociais em que vivem. Referências CASTEL, R. As armadilhas da Exclusão. In: WANDERLEY, M.B.; BÓGUS, L.; YAZBEK, M.C. (Org.). Desigualdade e a questão social. 2. ed. Revisto e ampliada, São Paulo: EDUC, 2008. 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Processo, 479594/2008-­‐2 Edital MCT/CNPq 14/2008 Universal -­‐ Faixa A. MATTOS, Carmen Lúcia Guimarães; CASTRO Paula Almeida de; ALMEIDA, Sandra Maciel de Gênero e Pobreza: a Situação Educacional dos Filhos e Filhas de Mulheres Presas e dos Filhos e Filhas de Jovens Infratoras no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, 2011, 49f. Relatório Final de Pesquisa. Processo, 402781/2008-­‐2/ Edital MCT/CNPq/SPMPR/ MDA nº 57/2008. MONTALLI, Lilia e TAVARES, Marcelo. Família, pobreza e acesso a programas de transferência de renda nas regiões metropolitanas brasileira. Revista Bras. Est. Pop., São Paulo em Perspectiva, v.25, n.2, p. 211-­‐231, jul./dez. 2008. PAUGAM, Serge. A Desqualificação social: ensaio sobre a nova pobreza. Trads. Camila Giorgetti, Tereza Lourenço; pref. e rev. Maura Pardini Bicudo Veras. – São Paulo: Educ/Cortez, 2003. SALMÓN, Elizabeth G. Luta contra a pobreza e seu alentador encontro com os direitos humanos. Revista Internacional de Direitos Humanos. 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167. SPOSATI, Aldaísa. Exclusão social abaixo da linha do equador. Exposição apresentada no SEMINÁRIO DE EXCLUSÃO SOCIAL, realizado na PUC/SP. São Paulo, 1998. STROMQUIST, Nelly P. A desigualdade como meio de vida: educação e classe social na América Latina. R. bras. Est. Pedag. Brasília, v. 85, n. 209/210/211, p. 11-­‐28, jan/dez. 2004. REFLEXÕES E PERSPECTIVAS SOBRE A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL Beatriz Calazans Dounis Apesar das garantias governamentais de acesso a educação para todos os indivíduos, muitos brasileiros foram, pelos mais diversos motivos, excluídos da escola. Para recuperar o tempo que foi perdido, jovens e adultos recorrem a Educação de Jovens e Adultos (EJA), buscando uma reinserção na escola e novas oportunidades tanto no mercado de trabalho quanto em diversas outras áreas de sua vida. Os alunos de EJA já atuam de alguma forma na sociedade, mesmo com reduzida ou nenhuma escolaridade, encontrando-­‐se em defasagem idade-­‐série devido a inúmeros fatores sociais, econômicos, políticos, culturais, familiares e individuais. Estes alunos muitas vezes trabalham em atividades consideradas como subempregos, atividades informais, ou ainda ocupam posições mal-­‐remuneradas em seus respectivos trabalhos. Possuindo características próprias, o perfil do aluno de EJA ainda é desconhecido e ignorado por muitos, sendo que este aluno geralmente pertence às classes menos favorecidas e sofreu na maioria das vezes, com inúmeras repetências durante a sua vida escolar. O alunado de EJA é composto de estudantes que foram remanejados do Ensino Regular, devido a dificuldades de aprendizagem ou indisciplina, e também por jovens e adultos que tendo deixado a sala de aula no passado, procuram-­‐na novamente em um novo momento de suas vidas, delegando a escola o papel de instrumento transformador de suas realidades Mas as deficiências relativas ao ensino noturno ainda são muitas, dificultando o pleno sucesso na aprendizagem destes educandos. Para que o aluno da EJA possa exercer plenamente sua cidadania, contribuindo para o desenvolvimento do país, é preciso que este segmento educacional seja valorizado por todos e que suas práticas de ensino e aprendizagem sejam constantemente revistas, oportunizando novas perspectivas que ofereçam ao aluno de EJA reais oportunidades de vida. A Educação de Jovens e Adultos Para compreendermos a atual realidade de EJA no Brasil, temos que considerar as várias determinantes que atingem este segmento educacional. Apesar das garantias governamentais de acesso a educação, muitas crianças e jovens se veem afastados da escola devido a diferentes questões. Múltiplos fatores, de origem econômica, social, política e cultural, atingem a educação, de forma que esta não ocorre simultaneamente para todos. Sem possuírem possibilidades de começarem ou mesmo concluírem seus estudo no tempo regular, os jovens e adultos que se encontram na EJA, anteriormente denominada de ensino supletivo, buscam ter uma nova chance de se sentirem inseridos tanto na escola quanto em novas perspectivas de vida. Muitos alunos, que saíram precocemente de suas escolas, jamais retornam para as salas de aula, alimentando tristes estatísticas referentes à violência, criminalidade, desemprego, fome e falta de perspectivas. Outros destes alunos retornam para os bancos escolares com uma grande defasagem de idade e série. A procura pela EJA por parte de alunos de todas as idades, e especialmente pela população jovem, está ligada também às crises gerais pelas quais o sistema escolar tem passado. A interrrupção dos estudos e a consequente ânsia em retomá-­‐los, que movimenta a procura por este segmento revela que a escola é um referencial importante para estes alunos, que confiam a ela, o papel de instrumento transformador em suas vidas. Os jovens e os adultos já se encontram atuando na sociedade de alguma forma, mesmo com reduzida escolarização ou com total ausência de educação formal. Não é possível ignorar ou minimizar a presença desta clientela no âmbito educacional, mas é necessário que haja um olhar atento sobre as perspectivas e características dessa modalidade de ensino. As constantes reprovações, a falta de oportunidades de emprego, a necessidade de uma inserção precoce em subempregos, as faltas de opções de escolha na vida, os encontros e desencontros existentes, e outras diferentes questões socioeconômicas determinam a interrupção dos estudos formais de muitos indivíduos. Alguns alunos são jovens ainda, mas migraram para a EJA devido às reprovações, que fazem com que estes estejam fora da faixa etária considerada padrão para as respectivas séries do Ensino Regular. No retorno ao ambiente escolar, o aluno desta clientela se depara com uma série de novas dificuldades e desafios para o prosseguimento de seus estudos. A escola noturna, muitas vezes relegada a um segundo plano em termos educacionais, não tem oferecido uma motivação autêntica que venha a influenciar na relação do aluno com o seu processo de aprendizagem. Existe uma carência de estratégias e materiais específicos para este segmento, pois os projetos e livros parecem ter sido apenas “resumidos” ou reaproveitados para os alunos do noturno. Ao analisarmos determinadas bibliografias destinadas aos alunos de EJA, encontramos um caráter reducionista de conteúdos, ou a mera transposição de temas infantis constantes nos livros destinados ao Ensino Regular para temas considerados mais adultos. O aluno do curso noturno, é segundo Caporalini (1991), ainda muito desconhecido e pouco valorizado no processo educacional brasileiro. Proveniente, na maior parte das vezes, das camadas sociais mais carentes, o aluno da EJA quase sempre chega a escola cansado, em virtude de um dia de trabalho, além das tensões cotidianas oriundas de transportes, deslocamentos, problemas de todo tipo, e até mesmo vítimas de problemas advindos de uma alimentação deficiente. Os alunos de EJA dentro da realidade do Distrito Federal, por exemplo, podem ser divididos entre aqueles que procuram uma escola próxima ao seu trabalho, geralmente na região do Plano Piloto (centro da cidade, onde residem pessoas com um melhor poder aquisitivo) ou em uma escola que fique perto de sua residência ( cidades-­‐satélites, agora denominadas de regiões administrativas, que localizam-­‐se na periferia). Estão geralmente empregados em residências, oficinas, pequenas lojas ou prestam serviços informais. Outros são jovens que ainda não trabalham, portanto, egressos do Ensino Regular, possuindo um histórico de múltiplas repetências, fator que vem gerando no aluno certo desânimo em relação aos estudos. O fenômeno da repetência, faz com que o aluno perca, além da vontade de estudar, a identidade com seus colegas, sendo sempre o maior ou o mais velho da turma. Muitas vezes a EJA é considerada como um depósito de alunos que não se adequam mais a escola diurna, por apresentarem problemas disciplinares ou por não possuírem conhecimentos prévios que os permita “acompanhar” o ritmo da turma regular. Esta visão reducionista da EJA se reflete tanto nas políticas públicas responsáveis pelo segmento quanto no cotidiano das próprias escolas, onde o ambiente destinado ao EJA é na maioria das vezes, adaptado para este fim. Podemos encontrar salas de aula, materiais e ambientes totalmente voltados para o público infanto-­‐juvenil, que são durante o turno noturno, reutilizadas para o atendimento do público de EJA. “Na medida em que a sociedade se vai desenvolvendo, a necessidade da educação de adultos se torna mais imperiosa.” (PINTO, 1997, p.81). Ou seja, em uma sociedade realmente disposta a rever seus rumos e a realinhar seus projetos sociais, é preciso que haja uma constante preocupação com este segmento educacional, pois os jovens e adultos que procuram a EJA são cidadãos que não podem ficar a margem de uma participação mais efetiva na sociedade. De acordo com Pinto: “A educação de adultos não é uma parte complementar, extraordinária do esforço que a sociedade aplica em educação ( supondo-­‐se que o dever próprio da sociedade é educar a infância). É parte integrante deste esforço, parte essencial, que tem obrigatoriamente que ser executada paralelamente com a outra, pois do contrário esta última não terá o rendimento que dela se espera. Não é um esforço marginal, residual de educação, mas um setor necessário do desempenho pedagógico geral ao qual a comunidade deve se lançar.” (1997, p.82) A educação de adultos não pode ser tratada simplesmente como um apêndice da organização educacional; precisa ser considerada como uma face integrante da responsabilidade social de proporcionar educação para todos. Reflexões sobre a Educação de Jovens e Adultos. Diante das profundas desigualdades sociais existentes no Brasil, o acesso a educação e a continuidade de sua oferta em todos os seus segmentos são preocupações profundamente relevantes para toda a sociedade. Além das questões referentes ao abandono dos estudos já citadas, existem causas deste fenômeno que estão diretamente relacionadas com a própria dinâmica da escola. De acordo com dados do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), muitas pesquisas realizadas nesta área apontam a baixa qualidade do ensino e a inadequação da escola aos jovens de camadas populares que a freqüentam majoritariamente. Entre os fatores que levam a este panorama, estão o desconhecimento em relação ao público alvo, e as condições de trabalho as quais os professores estão submetidos, que os impedem de prosseguir com o aprimoramento profissional. Assim sendo, “ o ensino público brasileiro ainda não garante aos seus alunos as condições necessárias e suficientes para o desenvolvimento de uma relação pessoal significativa com o saber, tão relevante para o êxito da aprendizagem” (CHARLOT, 2001, p.33). A escola, mesmo na atualidade, ainda mantém práticas que não condizem mais com o momento atual que a humanidade vivencia. Os alunos ainda são levados a decorar conceitos, textos, ideias, fórmulas e princípios; a arrumação física das salas de aula não modificou-­‐se com o tempo, e os professores continuam agindo como agiram os seus próprios professores, repetindo velhos dogmas e velhas práticas. Todo este panorama contribui para que a aula seja considerada como uma obrigação desagradável e alheia a todos os interesses naturais do ser humano. Quando o jovem não consegue estabelecer uma relação de identidade e proximidade com a escola, acaba acontecendo a evasão escolar, porque não há uma verdadeira motivação para o prosseguimento dos estudos. Os alunos sentem-­‐se estrangeiros dentro do próprio ambiente escolar, e as aparentes facilidades que o mundo fora dos portões escolares oferece falam mais alto a esses indivíduos. Embora esta falta de identidade empurre milhares de jovens para fora dos portões escolares, há uma persistente pressão social a respeito da escolaridade. È fácil perceber que existe discriminação em todos os níveis da sociedade com as crianças que se encontram fora da escola, e a realidade mostra que os jovens e adultos não-­‐qualificados ficam a margem de boas posições no mercado de trabalho, que a cada dia torna-­‐se mais exigente. A escola apresenta-­‐se, pois, como uma mola propulsora dos ideais contemporâneos, em uma era onde a acumulação de saberes e de dinheiro é extremamente valorizada. Quando os alunos evadidos retornam para a sala de aula, meses ou anos mais tarde, geralmente encontram-­‐se desgastados, desmotivados e sem esperança. Segundo Brunel (2004, p. 21): “Os professores de EJA se deparam diariamente com jovens que possuem um histórico de repetência, e abandono da escola, desmotivados com a instituição e com eles próprios.” Uma das primeiras preocupações no momento do retorno destes alunos ao ambiente escolar deve ser a reconstrução de sua autoconfiança e auto-­‐estima, proporcionando ao educando a oportunidade de sentir-­‐se como parte integrante da escola, aproximando-­‐o do processo de ensino aprendizagem de forma natural. É preciso desconstruir ideias preconceituosas em relação à EJA, que consideram os alunos destes segmentos como marginalizados, atrasados, ignorantes, e outros termos desqualificantes. Os próprios alunos devem acreditar na sua reinserção escolar, vivenciando experiências na escola que lhes forneça uma nova relação com o processo de aprendizagem. Por meio da fala de alguns profissionais que atuam na EJA, Caporalini (1991,p.107) expõe a situação marginalizada que muitas vezes estes alunos sofrem: Os alunos são muito fracos, desinteressados, distraídos, grau de inteligência baixo, QI inferior... Parece que nem ouvem direito [...] O aluno do noturno, que por suas peculiaridades, não é capaz de receber a mensagem da forma como o professor foi ensinado a organizar e transmitir, é pois, o inverso do aluno desejado, do aluno bom.” (CAPORALINI, 1991, p.108). Quando não existe um preparo especifico para o professor que trabalha com a EJA, muitas vezes a postura do educador acaba contribuindo para que o quadro de evasão e fracasso entre os alunos permaneça. Torna-­‐se urgente uma reestruturação na dinâmica de ensino para este aluno, que proporcione uma educação ampla e plena, desprovida de atitudes e ações tradicionalistas e preconceituosas. O professor que atua no segmento de EJA precisa possuir e desenvolver habilidades que o tornem mais sensível as necessidades e especificidades do público com o qual trabalha. É necessário conhecer as principais características do seu alunado, levando em conta as diferenças de idade existentes na sala de aula, os principais anseios e temores destes alunos, e ter a capacidade de perceber o que estes alunos pensam a respeito de si mesmos e do mundo que os rodeia, provocando novas concepções e reflexões que possam levar este individuo a acreditar em si e no outro. Também é essencial que o educador deste segmento desenvolva em suas aulas elementos motivadores para seus alunos, observando os interesses que estes alunos possuem. Devido ao fato de que grande parte destes alunos enfrentou um dia de trabalho ou muitas atividades antes de chegar a sala de aula, é preciso que a aula da qual ele vai participar lhe gere interesse, pois o desgaste ao qual foi submetido pode contribuir para que não haja uma motivação natural pelas aulas. Geralmente o aluno da EJA valoriza extremamente o momento presente, pois através de situações externas que vivenciou, percebeu a necessidade de escolarização que deveria ter. As rupturas, retomadas, avanços e retrocessos pelos quais este aluno já passou em sua vida escolar o levam a ter um sentimento imediatista, querendo muitas vezes, eliminar rapidamente séries, etapas e matérias. Alguns geram expectativas tão grandes a respeito de sua escalada na recuperação dos estudos, que exigem demais de si mesmos, abandonando novamente a escola por não se sentirem capazes de atingir as metas que impuseram a si mesmos. Segundo Brunel (2004, p. 36) “Considerando a perspectiva temporal do jovem e do adolescente, o momento atual tornou-­‐se menos previsível, tudo dependerá da escolha de cada um.” Em um passado não muito distante, era fácil prever como seria o futuro imediato, pois as opções eram mais limitadas. Na dinâmica do mundo atual, torna-­‐se impossível visualizar situações futuras com precisão, pois a modernidade caracteriza-­‐se como uma época de profundas incertezas em todos os aspectos. Esta situação remete o jovem a diversas preocupações com o seu futuro, sendo que já não há como precisar e nem garantir o sucesso de determinadas escolhas profissionais. É necessário, pois, capacitar o aluno para enfrentar este caminho que aponta para diferentes probabilidades, onde o desenvolvimento de um espírito crítico e criativo é essencial. O aluno que não é considerado mais jovem, mas sim um adulto, e que se encontra na EJA, requer também considerações a respeito de sua escolaridade. Pinto critica a visão de que o aluno adulto é um aluno que “estacionou” culturalmente: A concepção ingênua do processo de educação de adultos deriva do que se pode chamar de uma visão regressiva. Considera o adulto analfabeto ou semiescolarizado como uma criança que cessou de desenvolver-­‐se culturalmente. Por isso, procura aplicar -­‐lhe os mesmos métodos de ensino e até utiliza as mesmas cartilhas que servem para a infância. Supõe que a educação de adultos consiste na retomada do crescimento mental, considerando o adulto, um atrasado (1997, p.87). Esta visão considera que o aluno adulto nada sabe, não valorizando a sua bagagem, a sua experiência de vida. O aluno adulto já traz consigo uma gama de conhecimentos, formais ou informais, que adquiriu ao longo de sua vida. Ele é na verdade, um cidadão, o sujeito de seu próprio destino. Cabe à escola potencializar o que o individuo já traz consigo, respeitando o seu conhecimento e a sua maneira de ver o mundo. A educação é um processo continuo para o ser humano, ela não começa e acaba de acordo com a seriação imposta pela escola, ela inicia-­‐se a partir do contato do individuo com o meio que o cerca, e jamais termina. “Os seres humanos necessitam aprender continuamente e o fazem dentro e fora da escola.” (DELVAL, 2001, p.07). Para que se obtenha sucesso no processo de ensino e aprendizagem na EJA, é preciso manter uma perspectiva inovadora e reflexiva em relação a este segmento considerando as suas peculiaridades e os objetivos maiores a serem atingidos com o ensino. De acordo com Caporalini (1991, p.41): “O aluno da escola noturna busca numa sala de aula um pouco mais de educação, uma educação de boa qualidade e que atenda aos seus interesses.” Para isto, os esforços de todos os envolvidos nos processos de aprendizagem devem ser somados, para que este aluno desenvolva plenamente as suas potencialidades na escola e seja capaz de continuar crescendo fora dela. Através de uma construção participativa de novas propostas para a EJA, é possível possibilitar a este aluno novas perspectivas, que o considerem como um individuo indispensável na sociedade, um aluno tão importante para o país e para a humanidade em geral como qualquer outro, que precisa de incentivo para conquistar sua autonomia, melhores condições de vida e um papel mais ativo e efetivo na sociedade brasileira. A responsabilidade sobre a devida valorização do segmento de EJA cabe a todos, não somente ao governo e nem a categoria de professores, mas é interesse vital de toda a sociedade que deseja desenvolver-­‐se de forma justa e plena, proporcionando condições mais igualitárias para todos, independentemente de sua idade, pois o aluno de EJA é principalmente, um aluno, como qualquer outro. Referências BRUNEL, Carmen. Jovens Cada Vez Mais Jovens na Educação de Jovens e Adultos. Porto Alegre: Mediação, 2004. CAPORALINI, Maria Bernardete Santa Cecília. A Transmissão do Conhecimento e o Ensino Noturno. São Paulo: Papirus, 1991. CHARLOT, Bernard. Os Jovens e o Saber. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2001. DELVAL, Juan. Aprender na Vida e Aprender na Escola. Porto Alegre: Artmed, 2001. PINTO, Álvaro Vieira. Sete Lições Sobre Educação de Adultos. São Paulo: Cortez, 1997 UM OLHAR ACADÊMICO DAS COTAS NO ENSINO UNIVERSITÁRIO COMO FORMA DE AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL Maythe de Bríbean San Martin Pulici As ações afirmativas (AA) são instrumentos de aplicação da justiça social. Sejam feitas pelo Estado ou por instituições da sociedade civil (como ONG’s, associações, empresas e demais instituições não governamentais, por exemplo), as AAs se aplicam como uma forma de discriminação positiva, na medida em que põem em situação de favorecimento aqueles grupos naturalmente discriminados, pois trata-­‐se de reparar direitos negados aos indivíduos de forma preventiva, na medida em que as ações são, geralmente, destinadas a todo o grupo discriminado ou potencialmente discriminado. Convém ainda ressaltar que, para justificar a prática de uma AA, não é preciso que haja dano, mas tão somente a possibilidade do dano, advinda da própria condição dos grupos envolvidos. Atualmente fala-­‐se em conceito moderno e conceito antigo de AA. Guimarães (1999) traz o entendimento de que no sentido antigo, as AAs teriam caráter tão somente repressivo, pois se destinavam apenas a corrigir discriminações passadas. Já no sentido moderno, admite-­‐se a eficácia preventiva da AA, que busca proteger grupos potencialmente discrimináveis; a AA objetiva não reparar um dano, mas evitá-­‐lo. É certo que o tema vem se tornando cada vez mais central e, consequentemente, o conceito de AA vem se aprimorando ao longo dos anos. No entanto, o cerne da questão para se dar um caráter imparcial à utilização do termo, adota-­‐se a AA como política redistributiva, seja como um método de prevenção, seja como um método de reparação, mas dissociada de conceitos periféricos. A Ação Afirmativa e as cotas universitárias No contexto educacional, os defensores do sistema de cotas consideram-­‐no como um meio de reparação a um dano sofrido, uma maneira de compensar grupos historicamente marginalizados, que se encontram distantes, de alguma forma, da possibilidade de disputar por uma vaga na universidade. Ronald Dworkin, em 1977, defende as políticas de cotas. Segundo ele, a própria realidade das lutas contra o preconceito e diminuição social e racial se encarregou de mostrar a eficiência desse sistema. Ele (1985) critica, em Uma Questão de Princípios, a decisão da Suprema Corte americana, na década de 70, no caso Bakke, quando um estudante branco foi reprovado para o curso de medicina da Universidade da Califórnia após instituição de um programa de AA em que negros passaram a precisar de nota menor para admissão. Para ele, ao inadmitir a legalidade do sistema de cotas adotado, a Suprema Corte não analisou a fundo a questão principal, limitando-­‐se ao caso concreto apresentado, ao invés de discutir o tema da discriminação negativa, inclusive fixando os parâmetros necessários para que fosse atendida a legalidade das medidas. Mas, para que o estudo sobre Ação Afirmativa em Educação seja realizado, é preciso inicialmente dissociar o conceito de AA do conceito de cotas, ou reserva de vagas no ensino universitário. AA é um conceito genérico que denota um fazer, seja do Estado, seja de um particular, objetivando corrigir desigualdades. Já o sistema de cotas foi um mecanismo criado para aplicar uma medida de AA. Isto é, cotas são um tipo de AA, não seu significado. O presente trabalho tentou analisar a Ação Afirmativa na Educação, através de um estudo teórico-­‐conceitual sobre teses e dissertações publicadas no período de 1987 e 2010 no Brasil, cujo tema de estudo se concentrasse em Ações Afirmativas na área da Educação. Para tanto, fez-­‐se a interface entre as obras publicadas por instituições acadêmicas, em que foi possível identificar problemas e soluções comuns, pontos de divergência como base para o aparecimento de novas questões a serem estudadas, métodos e meios de pesquisa comumente utilizados, além de observar novas aplicações para as ações afirmativas na sociedade contemporânea no Brasil no que diz respeito à Educação. Procurou-­‐se conexões teóricas entre diferentes estudiosos do tema, tendo como preocupação principal estudar essas interconexões e explorar as principais teorias, métodos de estudo e resultados de pesquisas sobre AA em Educação, sem deixar de lado a busca pelos fundamentos teórico-­‐epistemológicos evidenciados nos textos, de modo a identificar ideologias, problemas, questões e pressupostos conceituais. A abordagem metodológica desenvolvida foi pautada no tipo de pesquisa qualitativa de natureza bibliográfica a partir de teses e dissertações digitalizadas disponibilizadas pelo portal da CAPES. O método de análise foi indutivo, utilizando como recursos para a análise de conteúdo a realização de mapas conceituais sobre AA e o software Atlas.ti. Os resultados foram pautados em categorias teórico-­‐epistemológicas com o tema – Ação Afirmativa. Foram encontradas, portanto, 206 teses e dissertações pertinentes ao tema AA. Após leitura dos títulos e resumos, estes textos, emergiram as seguintes categorias teórico-­‐conceituais: Cotas (educação), Negros, Ações Afirmativas Genericamente Tratadas, Mulheres, Índios, Homossexuais, Deficientes e Idosos. A figura 1 a seguir demonstra, numérica e percentualmente, a divisão dos 206 textos pré-­‐selecionados, por categoria. Figura 1 -­‐ Representação das Categorias dentre os 206 textos previamente selecionados CATEGORIA QUANTIDADE REPRESENTAÇÃO Cotas 98 47,7% Negros 52 25,3% AA Genericamente Tratadas 22 10,8% Deficientes 13 6,3% Mulheres 11 5,4% Índios 3 1,4% Idosos 1 0,49% Homossexuais 1 0,49% Excluídas* 4 1,95% Total 206 100% Fonte: O autor, 2012 Como é possível notar na figura 1, é evidente a relevância da categoria cotas dentre os textos acadêmicos sobre Ação Afirmativa, já que corresponde a quase metade do total de textos selecionados. A análise desta figura indicou ainda ser possível tomar estes documentos como um conjunto definido de dados que permite um estudo de natureza teórico conceitual, permitindo visualizar o conteúdo em sua totalidade e ao mesmo tempo em sua particularidade, isto é, do geral para o particular, voltando-­‐se ao geral (Mattos, 2011). Após a seleção das categorias teórico conceituais procedeu-­‐se à análise epistemológica dos textos que pautavam sobre cotas de forma detalhada e crítica, utilizando mapas conceituais. Tentou-­‐se através deste estudo trazer à luz os pressupostos teóricos conceituais, epistemológicos e metodológicos utilizados pelos autores como: teorias, ideias que orientaram esses estudos, foco dos trabalhos, dentre outros. Os mapas conceituais foram, portanto, formulados na tentativa de responder as seguintes questões: 1) Qual o foco da pesquisa; 2) Qual a metodologia utilizada; 3) Qual a abordagem teórica; 4) Quais foram os autores mais citados; 5) Qual a população atingida pela ação afirmativa em estudo; 6) Como a ação afirmativa é tratada no trabalho; e por fim, 7) O posicionamento teórico epistemológico e ideológico dos pesquisadores sobre o tema. Ao responder estas perguntas, os mapas representaram o conjunto de conceitos construídos neste trabalho e sua pertinência ao tema AA. Dentre as 206 teses e dissertações que têm em seu título ou resumo o termo “ação afirmativa”, 47,57%, ou seja 98 textos, têm por objetivo tratar de cotas, sejam elas para grupos étnicos ou carentes. Curioso notar ainda que dos 98 trabalhos, 89, portanto 90,8% dos textos alocados na categoria Cotas, tangem o ensino universitário, seja para negros, índios ou carentes. Subentende-­‐se, portanto, que dentre a categoria Cotas prevalecem os estudos sobre cotas universitárias e, ainda mais especificamente, cotas universitárias para negros. Destes 98 textos, 18 foram analisados por meio de mapas conceituais sem preocupação quantitativa, já que este estudo é qualitativo de natureza indutiva. Da leitura dos mapas conceituais foi possível inferir a ideia central de cada texto, o contexto em que foi produzido, seu foco e o posicionamento do autor sobre o tema. Com esta análise detalhada dos textos completos possibilitou-­‐se visualizar um panorama dos estudos acadêmicos sobre AA em Educação, demonstrando prós e contras sobre elas, bem como foi possível identificar ligações entre os termos associados como negros, cotas, deficientes, mulheres e outros grupos que, muitas vezes, se interligam. Ainda emergiram, após a leitura dos 18 textos completos que foram selecionados para este estudo, subcategorias, apresentadas na figura 2 a seguir. Figura 2 -­‐ Subcategorias dos 18 textos completos analisados CATEGORIA REFERÊNCIAS SUBCATEGORIAS COTAS Almeida(2003) Negros + Carentes Duarte(2010) Negros Estácia(2009) Carentes Franco(2006) Carentes Freitas(2006) Gonçalves(2006) Gontijo(2008) Moehlecke(2004) Hazin(2010) Lima(2007) Marques(2010) Muniz(2009) Nascimento(2010) Negros + Carentes Negros Carentes Negros Negros Negros Negros Negros Negros + Carentes + Indígenas Negros Indígenas Carentes Negros Carentes Handerson(2010) Jacomini(2007) Linhares(2006) Mendes(2007) Zylberstajn(2010) Fonte: O autor, 2012 Com base na figura 2 acima, pode-­‐se afirmar que 75% (9 textos) dos autores se colocam a favor das cotas, enquanto 25% (3 textos) apresentam pareceres imparciais sobre o tema. É relevante ressaltar que dos 12 textos da subcategoria negros analisados, nenhum se declarou contra a aplicação desta forma de ação afirmativa. O mesmo não acontece com restante das subcategorias, como por exemplo cotas para carentes. Neste grupo, nota-­‐se a existência de autores a favor, autores contra e aqueles de opinião imparcial sobre o tema, o que demonstra uma tendência quase que natural a favor das cotas para negros como AA, principalmente nas universidades, o que se comprova pela figura 3 abaixo: Figura 3 -­‐ Posicionamento dos autores dos textos analisados SUB-­‐CATEGORIAS TOTAL A FAVOR CONTRA NEM A FAVOR, NEM CONTRA NEGROS 12 9 0 3 INDÍGENAS 1 1 0 -­‐ CARENTES 5 2 1 2 TOTAL 18 12 1 5 Fonte: O autor, 2012 Estas subcategorias apresentadas na figura 3 acima foram minuciosamente exploradas nas análises dos textos, a seguir, bem como pelos mapas conceituais constantes no apêndice 1. Análises dos textos Os autores dos textos completos analisados compartilham, em sua maioria, de opiniões a respeito do tema, já que a maioria se mostra a favor da reserva de vagas para o ensino superior, como se pode notar na figura 7 acima, bem como da população focada em seus estudos, em que a grande maioria é negra. Alguns textos também mostraram evidência da intervenção da mídia no que diz respeito à divulgação do tema. Não se trata aqui da opinião pública gerada por este debate midiático, mas sim de sua influência e contribuição para as produções acadêmicas sobre o tema AA (FRY, 2007). Neste sentido, foram identificados três trabalhos, dentre os 18 textos completos analisados, identificados na categoria Cotas, que se enquadram neste contexto. Moehlecke (2004) concentra seu foco na percepção pública quanto às ações afirmativas em forma de cotas nas universidades, principalmente nas reservas de vagas para negros. Partindo da premissa de que o ambiente universitário é residência da meritocracia liberal, ele observa a opinião pública a respeito do tema, confrontando posicionamentos acadêmicos de brasileiros e americanos no que diz respeito a este debate, e reforça o estudo com uso de pesquisa de campo qualitativa, em que realiza entrevistas com alunos do 3º ano da Universidade de São Paulo – USP. Através de questionário, buscou principalmente, “encontrar quais eram as variáveis a influenciar as diferentes posições existentes acerca de políticas voltadas para a igualdade racial e para o acesso ao ensino superior.” (Moehlecke, 2004, p.27). O texto contextualiza a democratização do acesso ao ensino desde a década de 60, confronta discursos universalistas e comunitaristas, aprofunda os estudos sobre o debate midiático acerca da ação afirmativa no país, e expõe a experiência de ação afirmativa nos Estados Unidos, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento do acesso ao ensino superior, trazendo à luz o estudo do caso da Universidade da Califórnia em Berkeley. Apresenta contextualização sobre raça, cor e discriminação racial, tanto no contexto global como no contexto brasileiro, bem como da meritocracia e da aristocracia brasileira, para, por fim, apresentar a reserva de vagas como uma forma de ação afirmativa capaz não de resolver todos os debates em seu texto apresentados, porém movimentar as políticas, as pessoas e as instituições em direção a uma realidade cuja igualdade não será fator tão distante. Já Franco (2006) convida para uma reflexão sobre questões paradoxais a respeito da política de cotas no Brasil, no que diz respeito à percepção, ao entendimento extraído dos debates midiáticos impressos publicados nos anos de 2004 e 2005 nos principais jornais e revistas do país. Para tanto, investiga conceitos como futuro e liberdade, tempo e justiça, na contextualização do pensamento paradoxal contemporâneo, cuja variedade de intensidade, de modulação e de sentido levou a autora a tratar o tema como ‘espectros na mídia’. Gonçalves (2006), ainda no contexto midiático, investiga o debate público da adoção de políticas de ação afirmativa na educação brasileira para afrodescendentes, principalmente no que diz respeito à reserva de vagas nas universidades brasileiras. Discute modelos de universidades no mundo contemporâneo e a relação entre o ensino básico, a inclusão das classes menos favorecidas e a demanda pelo acesso ao ensino superior. Posteriormente, faz análise crítica de notícias midiáticas sobre a questão das ações afirmativas nos principais jornais brasileiros, julgando-­‐as como ainda muito acanhadas e inexpressivas mediante a importância do tema. Partindo do pressuposto de que políticas universais neoliberalistas somente perpetuam as desigualdades, afirmando ser este o caso do Brasil, a autora deixa clara sua opinião de que é necessário que haja confronto das mais diversas opiniões com vontade e coragem política para que mudanças significativas aconteçam. Por fim, sugere “que o Estado saia do seu berço esplêndido, da sua sumária comodidade, e combata de uma forma afirmativa a exclusão racial e social dos afro-­‐brasileiros.” (Gonçalves, 2006, p.100), lembrando que a Constituição Federal de 1988 apresenta o Estado brasileiro como agente regulador dos problemas da exclusão de grupos menos favorecidos, porém só reservou tais direitos às mulheres e deficientes físicos, mas ainda não aos negros, que compõem a maioria dos pobres do país. Mais afastada do debate público na mídia, Almeida (2003) tem sua pesquisa pautada no cenário do ano letivo de 2002 do curso de Serviço Social da PUC – Rio, em que 98% dos alunos matriculados eram afrodescendentes ou oriundos de pré-­‐
vestibulares comunitários. A autora realiza estudo de caso focada na diversidade cultural destes alunos. Para tanto, versa sobre as Ações Afirmativas, questiona sua origem norte-­‐americana e sua aplicabilidade para os negros no Brasil, bem como suas perspectivas. A partir daí, dá início à pesquisa qualitativa, por meio de entrevistas pessoais semiestruturadas com professores e alunos deste ano letivo, obtendo assim a percepção real de cada um, tanto individualmente, a respeito do tema estudado, como coletivamente, no que diz respeito à relação interpessoal existente entre estes atores dentro do contexto analisado. Salvo exceções, apresenta consenso entre as opiniões dos alunos e corpo docente sobre o enriquecimento cultural do ambiente universitário devido ao multiculturalismo que vem habitando as salas de aula nos últimos tempos, democratizando a universidade e expressando de modo mais evidente a realidade brasileira, inclusive suas dificuldades, desafios e preconceitos. Dá apoio às Ações Afirmativas focadas na inserção de grupos sociais culturalmente discriminados às universidades brasileiras. A autora demonstra sua opinião a favor das ações afirmativas em forma de cotas universitárias, considerando-­‐as, como uma forma de combate à desigualdade. Vale ressaltar a importância dada por Almeida em seu trabalho sobre AA à percepção de cada entrevistado quanto ao conceito de ser negro, notada mais claramente ainda na dissertação de Muniz (2009), que ao redigir seu texto, parte de duas principais premissas; 1) “a noção de raça foi ressignificada positivamente para atender às reivindicações do povo negro” (Muniz, 2009, p. XI), e 2) “é impossível dissociar as políticas públicas das políticas de identidades.” (Muniz, 2009, p. XI). O texto é dominado pela constante interrogação sobre a condição humana, e considera a ‘essencialização’ da identidade negra como um trunfo linguístico e político, imprescindível para a aquisição de direitos historicamente negados. Traz ainda análise documental pautada no estudo de resoluções das universidades UNEB, UFBA, UERJ e UNB, em que se buscou identificar como cada uma dessas instituições de ensino superior que utilizam as cotas em seus cursos trata o “ser negro” no que diz respeito ao ingresso por meio de reserva de vagas para negros. A autora demonstra que há, ainda, uma grande dificuldade para definir, delimitar as possibilidades de existências negras no Brasil, e julga este fenômeno como advindo da necessidade de revisão do conceito de raça, que tem mudado constantemente nos últimos tempos, e levanta também a questão da branquitude, abrindo precedente para novos estudos a respeito, concluindo sobre o déficit deste tipo de estudo no universo acadêmico. Já Lima (2007), segue com raciocínio paralelo quanto à abordagem da percepção do ser negro, e utiliza-­‐se da premissa de que uma das formas mais aceitas de classificação de identidade étnico-­‐racial para participação de sistemas de cotas é a autodeclaração. Para nortear as entrevistas, utiliza-­‐se de duas perspectivas que lhe permitiram analisar as respostas dos participantes: “Atribuição de uma identidade objetiva para o auto reconhecimento” (Lima, 2007 p. 99) e “Identidade subjetivamente apropriada por uma identificação a partir dos outros” (Lima, 2007 p. 106), em que pôde verificar as percepções do ser negro a partir das “ideias de raça e racismo que perpassam o discurso dos estudantes autodeclarados negros beneficiados pelo PROUNI.”, chegando então à conclusão de que, sob uma ou outra perspectiva, a percepção da maioria prevaleceu na inferioridade da raça. Quanto às ações afirmativas, o autor compila a opinião dos participantes: são unanimemente a favor das cotas e não estariam estudando por falta de recurso se não fossem elas, e apresenta a sua, de que as AAs devem sim existir, no que diz respeito ao acesso às universidades para afrodescendentes, mesmo tendo sido construída neste “grande campo de encontro e desencontros identitários em busca de sentidos”. Outros autores, como Duarte (2010), Estácia (2009), Linhares (2006), Freitas (2006), Marques (2010) e Nascimento (2010) seguem na mesma linha conceitual quanto às AAs sob a forma de reserva de vagas nas universidades, tomando-­‐as como método de combate à desigualdade ou, em menor evidência, justiça redistributiva e/ou de reparação de desigualdades sociais. Duarte (2010) considera a implementação de políticas de ação afirmativa voltadas para o acesso à educação, especialmente de ensino superior, como forma de minimizar os níveis de desigualdade étnico-­‐raciais. Utiliza de exemplo próprio, enquanto professora negra, para ilustrar o trabalho e apoiar a necessidade de estudos voltados ao tema. Conclui, por meio de pesquisa de campo qualitativa (estudo do caso IFPA e vasta revisão bibliográfica) quão importante vem se mostrando as políticas de AA para o acesso à universidade, e abre discussão sobre necessidade de novas formas de AA para incentivo à permanência dos estudantes negros e, em menor ênfase, pobres, carentes e indígenas, no ensino superior brasileiro. Já Estácia (2009) define seu problema de pesquisa como entender a trajetória dos beneficiados do ProUni até e durante a universidade partindo, para tanto, da hipótese de que os mesmos tinham dificuldades diversas com relação ao ingresso e permanência no ensino superior. Para dar continuidade à pesquisa, entrevistou 14 alunos bolsistas do Programa (de diversos cursos) e quatro não bolsistas, no intuito de observar e analisar a desigualdade social dentro do contexto universitário ali vivenciado e sua redução com base nas políticas de inclusão social realizadas pelo projeto foco do estudo, o ProUni de Passo Fundo, em Minas Gerais. Linhares (2006) tem como objetivo principal de sua pesquisa analisar a implantação do sistema de cotas como política pública voltada à concretização das ações afirmativas no ensino superior brasileiro, partindo do principio de que o ambiente universitário é, comprovadamente, preenchido por uma grande maioria branca, e que a situação do negro no Brasil, assim como em outros países que também passaram por sistema escravagista, é de inferioridade social, econômica e cultural. Para tanto, faz investigação aprofundada sobre as AAs, e seguidamente, sobre as AAs sob a forma de cotas, sejam étnicas, socioeconômicas, religiosas, raciais ou de gênero. Analisa ainda os aspectos históricos e políticos da implantação do sistema de cotas no mundo e verifica os critérios para adoção deste sistema no Brasil, trazendo à baila os estudos de casos de três universidades no país, enquanto Freitas (2006) avalia o Programa Brasil Afroatitude implantado em 2005 pelo Programa Nacional de DST e Aids, que consiste na concessão de cinquenta bolsas de estudo, durante um ano, para alunos negros cotistas que desenvolvam estudos associados aos temas Aids e Racismo em universidades públicas que adotam o sistema de cotas, especificamente na Universidade de Brasília. Faz análise descritiva da teoria do programa e realiza entrevistas com professores, alunos e gestores. O estudo conclui que o programa contribuiu para a permanência do aluno bolsista, para a sua inserção em atividades de ensino e para seu envolvimento com os temas Aids e racismo. A autora sugere que o texto possa servir como um modelo de avaliação do programa, também implantado em outras universidades do país. Marques (2010) parte do pressuposto de que, “embora o ProUni seja uma política focalizada, elaborada no contexto neoliberal, pode representar uma estratégia de acesso e permanência para jovens negros na educação superior” (Marques, 2010, s/n). Tenta verificar por meio de estudo de caso e revisão bibliográfica se o ProUni pode ser considerado como uma conquista dos Movimentos Sociais Negros. Realiza um confronto teórico a respeito das contradições sobre as ações afirmativas, o sistema de cotas e o ProUni. Fortalece o estudo com a aplicação de questionário socioeconômico e entrevistas semi-­‐estruturadas com acadêmicos negros de duas faculdades do Mato Grosso do Sul e conclui, quanto aos problemas relacionados ao acesso dos jovens negros ao ensino superior, que “[...] certamente não serão solucionados por intermédio do ProUni e pelas políticas focalizadas; poderão, contudo, ser gradativamente extintos [...]” (Marques, 2010, s/n) e Nascimento (2010) relaciona o conceito de ação afirmativa e o processo de universalização de direitos. Trata as políticas de cotas e outras políticas de acesso e permanência para pobres, negros e indígenas como frutos concretos mais notórios deste debate, considerando ainda os Cursos Pré-­‐Vestibulares Populares como base social de fundamentação de novas políticas de ação afirmativa. Complementa o texto com vasta revisão bibliográfica a respeito do racismo, desigualdades e ações afirmativas no Brasil, sempre correlacionando as temáticas teóricas com o Movimento dos Cursos Pré-­‐Vestibulares Populares. Em relação aos indígenas, Jacomini (2007) Com base na Lei Estadual nº. 13.134, de 18 de abril de 2001 e da Lei nº. 14.995 de 09/01/2006, que, em complementação, obriga as universidades paranaenses a oferecer 6 (seis) vagas para indígenas por ano, a autora estuda, neste trabalho, as políticas para a educação superior a partir dos anos 1990 e suas consequentes políticas de ação afirmativa, bem como a educação superior para as populações indígenas e, mais especificamente, a inserção dos guarani e kaingang no ensino superior paranaense. A autora apresenta, ainda, as dificuldades que estes alunos enfrentaram, as demandas que esses novos alunos trouxeram para a universidade e a percepção e discussões a respeito do tema dentre os alunos não indígenas, no contexto do ensino superior brasileiro. Trata ainda essa forma de ação afirmativa como uma política inovadora e positiva, que vem a cada dia sendo problematizada, à medida que traz desafios para todas as instâncias a ela relacionadas. Gontijo (2008) e Zylberstajn (2010) mudam o padrão de concordância dos autores acima citados, questionando a efetividade das ações afirmativas representadas por reserva de vagas nas universidades, no que se refere à relação custo versus esforço dos pré-­‐vestibulandos futuramente detentores de vagas pelo sistema de cotas. A primeira estuda as consequências que a introdução das cotas para o ensino superior pode ter no esforço de estudantes em idade pré-­‐vestibular e mensura os prós e contras das ações afirmativas com relação ao aprendizado escolar dos alunos pelo sistema de cotas. Para tanto, faz revisão bibliográfica e demonstração hipotética minuciosa de cor versus habilidade, trazendo à prática simulações por meio da utilização da teoria dos jogos, com ênfase nas variáveis custo e esforço, enquanto Zylberstajn (2010), parte da mesma premissa e apresenta, em seu trabalho, um modelo teórico que explicita condições para que as duas situações (aumento ou diminuição do esforço) ocorram, mostrando ainda que as consequências das cotas podem ser heterogêneas, dependendo das características dos indivíduos afetados. Tanto um quanto outro conclui, cada um a seu modo, que a implementação do sistema de cotas pode tanto incentivar os alunos mais esforçados a alcançar melhor desempenho, como também manter os alunos menos esforçados em uma posição de conforto, deixando assim estes de aprimorar suas habilidades ou mesmo adquirir novas. Ambos demonstram preocupação com o comprometimento do acumulo (ou a falta dele) de capital humano, enquanto Gontijo (2008) sugere em seu texto que novas pesquisas acadêmicas sobre este tema pontual sejam realizadas. O debate acadêmico a respeito das cotas universitárias abre também espaço à seara jurídica. Mendes (2007) se dispõe a promover o debate sobre as cotas raciais nas universidades a partir de estudo de pressupostos teóricos e da avaliação do período inicial da implementação de políticas de ações afirmativas em universidades públicas estaduais e federais, reivindicando seu caráter emancipatório, promotor dos direitos de cidadania e democratizante do espaço universitário, apresentando como justificativa a esse “convite” o fato de que existe um quadro de exclusão dos afrodescendentes no cenário social brasileiro e, por conta disso, devemos buscar estratégias e políticas públicas de combate à discriminação racial. Por sua vez, Hazin (2010) enfatiza as discussões, conflitos e problemáticas que passaram a envolver o tema, seja na mídia, nas arenas universitárias ou políticas, mas se concentra na seara jurídica, pois nela residem os maiores debates a respeito da legitimidade do instituto das cotas em face do princípio constitucional de isonomia. Neste contexto, a autora segue descrevendo a noção contemporânea de Ação Afirmativa, apresentando algumas de suas definições, princípios e objetivos mais consagrados na academia e na mídia nos tempos atuais, estuda a noção de igualdade jurídica no Direito e discorre sobre Projetos de Lei a respeito do tema, analisando inclusive as interpretações de juristas brasileiros quanto ao princípio constitucional de igualdade. Traz à luz debates jurídicos a respeito das cotas raciais nas universidades, apresentando argumentações favoráveis e desfavoráveis acerca do tema e, por fim, expõe os principais aspectos do debate travado entre os grupos Universalista e Particularista acerca da política de cotas raciais no Brasil, que compõem o estudo de caso apresentado pelo trabalho. Conclui, então, a autora, que apesar da contradição argumentativa dos dois grupos, ambos compartilham de um mesmo objetivo: “reduzir o racismo existente no bojo da sociedade brasileira” (Hazin, 2010, p. 125) Portanto, faz-­‐se necessário um posicionamento definitivo do STF para que uma efetiva política de cotas raciais no Brasil possa ser finalmente implantada. Sob a perspectiva da Filosofia do Direito, Handerson (2010) traça um paralelo entre os conceitos de política pública, política social e ação afirmativa apresentando discussões a respeito da construção racial dentro deste contexto. Traz este debate à realidade universitária, sob forma de pesquisa de campo, na intenção de obter a percepção dos universitários afro-­‐brasileiros e brancos da UFPel em relação às políticas de ações afirmativas. Conclui, portanto, que as ações afirmativas voltadas à reparação do prejuízo histórico do negro no Brasil, no que diz respeito à oportunidade de ingresso à universidade, são necessárias e devem, sim, ser implementadas. Considerações Finais A fim de obter os resultados mensurados nesta pesquisa, foram analisadas 18 das 98 dissertações apresentadas pelo sistema Atlas.ti após pesquisa de todas as monografias cadastradas no CAPES que contemplassem em seu título ou resumo o tema ação afirmativa, cuja subcategoria fosse Cotas. As dissertações foram estudadas e seu conteúdo foi transmudado para mapas conceituais. O estudo dos textos objetivou extrair o foco de cada tese, a abordagem teórica e a metodologia adotadas, a posição dos autores em relação aos temas e a população atingida. Essa análise se mostrou necessária para inferir que o estudo acadêmico sobre ação afirmativa em educação é bastante relevante e amplo, pois engloba trabalhos de estudiosos prós e contras o sistema de cotas, além daqueles que não emitem sua opinião sobre o tema, limitando-­‐se a analisá-­‐lo, tão somente. Ainda, foi possível observar que grande parte dos estudos sobre ação afirmativa é focada na oferta de cotas em universidades públicas para a população negra. Observa-­‐se que a concentração de teses focadas nestes grupos de beneficiários se justifica pela intensa ação midiática voltada para a esta população e para a questão das cotas (raciais ou sociais) em universidades públicas. Mais especificamente quanto à população negra, o recorrente interesse em estudar o tema se dá também pela necessidade de levantamento do debate sobre discriminação e reparação cultural, bastante reivindicado pelos negros, mas ainda não compreendido ou sequer estudado profundamente pela sociedade brasileira. Exemplo disso são os inúmeros artigos encontrados na internet, em fóruns acadêmicos de debate e mesmo em jornais e revistas. Ainda, foi possível observar que a grande maioria dos estudos publicados surgiu de estudos de casos concretos, o que também sofre interferência do meio, pois o resultado depende da forma como a ação afirmativa é implantada para que se chegue ao resultado final do trabalho. Por outro lado, os estudos de caso demonstram uma face mais realista do objeto de estudo, o que dá credibilidade ao trabalho, já que se trata de uma hipótese testada e comprovada. Quanto à população objeto de estudo, foi possível observar que, do total de textos previamente selecionados, 66,6% focam a análise na população negra. Cabe frisar que, para fins desse estudo, foram considerados negros aqueles assim tratados, bem como aqueles chamados pretos, ou pretos e pardos, ou comunidade afro-­‐brasileira ou comunidade afrodescendente. Estes dados confirmam a hipótese de que a comunidade negra é grande responsável pela propagação das ações afirmativas no Brasil, já que a maioria das ações existentes é voltada para este público. Ainda, a comunidade acadêmica vem acompanhando essa demanda, já que a grande maioria da produção acadêmica existente é focada nesse determinado grupo. Com relação ao posicionamento dos autores dos textos analisados neste estudo, 66,6% dos estudiosos assumem posicionamento em favor das cotas, enquanto que 5,5% é contra e 27,7% não assume posição nem contra nem a favor. A análise deste dado permite observar, no âmbito acadêmico, a discussão tão intensa que envolve o tema das ações afirmativas em forma de cotas. Nota-­‐se que a discussão não é apenas social, política ou midiática; a produção acadêmica vem contribuindo para o debate público, oferecendo diversos posicionamentos e argumentos sobre o tema, enriquecendo o conteúdo histórico e teórico, servindo inclusive de base para as discussões sociais. Aqueles que entendem as cotas como medidas positivas e necessárias avaliam que elas são medidas de inclusão social, métodos de diminuição da desigualdade social e ainda se prestam como políticas de reconhecimento das populações beneficiadas, bem como forma de reparação de dano causado historicamente. Mas observa-­‐se também que até mesmo entre aqueles que defendem as cotas, novos modelos já são propostos. Já com relação àqueles que se posicionam contra as cotas, o maior ponto de confronto se apoia na ideia de que não existe justificativa plausível para aparentemente ferir o princípio da igualdade, tratando pessoas com privilégios em detrimento de outras. Alguns chegam a definir este tipo de ação afirmativa como forma de afirmação do preconceito já existente. É evidente, portanto, que existe discussão acalorada acerca da aplicação ou não das cotas e de suas justificativas. No entanto, esse dado deixa claro que a grande divergência de fato se dá com relação à aceitação ou não da população negra ou carente como beneficiária deste tipo de ação afirmativa. Para os defensores desta aplicação, as cotas raciais seriam formas de reparar o racismo, enquanto para os que são contra, serviriam para, principalmente, fomentar o racismo. Observamos que os conceitos periféricos acerca do tema são os que mais geram dissenso nas cadeiras acadêmicas, já que, em sua grande maioria, a aceitação ou não de conceitos ou mesmo a identificação ou não com determinada questão social é que influi diretamente no debate sobre as cotas como uma forma de ação afirmativa. Isto pode ser observado inclusive na análise das dissertações dos acadêmicos que se posicionam contra as ações afirmativas, nas quais se identifica que, em muitos casos, a negativa não se dá para a ação afirmativa em si, mas para a aceitação do fato social que se pretende reparar por meio dela. No entanto, em sua grande maioria, a produção acadêmica se mostra a favor das cotas como medidas de justiça distributiva e discriminação positiva, tendo-­‐as, portanto, como método de inclusão social plenamente aceitável e necessário. Referências ALMEIDA, Mônica Andréa Oliveira. Políticas de ação afirmativa e ensino superior: a experiência do curso de graduação em Serviço Social da PUC-­‐Rio. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação)-­‐PUC-­‐RJ, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003 CASTEL, R. A Discriminação Negativa. Cidadãos ou Autóctones? Editora Vozes. 2008. DUARTE, Sônia Regina Silva. 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se como eficiente instrumento de controle social, especialmente pela criminalização da pobreza. Na análise realizada por Camara (2010) sob a década de 1920 é possível identificar a adolescência como uma construção sócio histórica, que se expressou pela construção de dois tipos ambivalentes. De um lado, idealizada, feliz e perfeita, representada pelas famílias com alto poder financeiro, e de outro, carente, desvalida e infratora, representada pelos órfãos, abandonados, vadios e ociosos, oriundos das camadas populares. Posição compartilhada por Rizzini, Irene (2011) quando faz menção a classificação dos adolescentes de acordo com a origem familiar e a “herança” social. Segundo a autora os bem nascidos, podiam gozar dessa fase da vida, enquanto os demais estavam destinados ao aparato jurídico-­‐assistencial destinado a educá-­‐los ou corrigi-­‐los, ora por meio da institucionalização e da disciplina, ora por meio da oferta da educação instrumental, com conteúdos curriculares mínimos, focada exclusivamente no mercado de trabalho. Em muitos estados a representação social da adolescência perigosa ocorreu concomitantemente com os avanços no processo de reforma urbanística e o desenvolvimento de práticas higienistas, como na cidade do Rio de Janeiro, capital do país a época. Intensificando ações de repressão, policiamento e violência. Diante desse cenário de reforma urbana, tornou-­‐se central a questão da segurança pública e do controle da população pobre, inclusive, em alguns casos, para que esta não retornasse aos antigos locais de moradias, considerados a partir de então, irregulares. A partir dessa problemática e da sensação de insegurança se intensificou o controle e a disciplina das camadas pobres, investindo-­‐se cada vez mais em dispositivos de intervenção e confinamento. As pessoas que vagavam nas ruas eram consideradas futuros criminosos e, portanto, possíveis “clientes” das penitenciárias e instituições correcionais. Fato que obrigava as instituições caritativas, e posteriormente filantrópicas, a oferecerem “tratamento” adequado aos pobres que os ameaçavam. Soma-­‐se a esta instabilidade social a questão étnica, sobretudo pela herança dos longos anos de escravidão, os pobres e negros constituíam-­‐se vítimas em potencial desse sistema. Aos recém-­‐libertos não foram dadas escolas, terras e empregos. A libertação dos escravos ocorreu totalmente desconectada da situação real vivenciada por essa população, sendo que, muitos homens “livres” escolheram, devido à falta de opção, ficar com seus senhores para evitar a morte, pela fome. A adolescência indesejada, em suas múltiplas facetas, composta prioritariamente de negros e pobres, constituiu-­‐se como grupo indesejado, sendo categorizada pelo termo “menor”, carregado de estigma e de preconceito. Para Rizzini e Pilotti (2011) parcelas expressivas da população infanto-­‐juvenil, com faixa etária entre zero e 17 anos, pertenciam a famílias pobres ou miseráveis, contabilizando cerca de 30 milhões de “abandonados” ou “marginalizados”, o que segundo os autores, contradiz a falácia da proporção minoritária dessa população, evidenciando que os adolescentes considerados ideias, oriundo das famílias com alto poder aquisitivo, representavam a minoria da população nessa faixa etária. Ao longo de 308 anos de exploração de Portugal, de 1500 a 1808, permaneceu-­‐se ignorando o adolescente como categoria genérica, e ao contrário, o classificando em categorias específicas: “pobres, negros, expostos, desvalidos, infratores”, entre outras. Em relação ao campo jurídico no Brasil, evidenciamos que em 16 de dezembro de 1830, foi promulgado o Código Criminal do Império (BRASIL, 1830), o que segundo Rizzini, Irene (2011) pode ser considerado um avanço, uma vez que até então vigoraram as Ordenações do Reino de Portugal, cujas medidas punitivas foram abolidas por serem consideradas bárbaras. O Código Criminal do Império (BRASIL, 1830) atestava no Art.10º que os adolescentes (descritos no texto oficial como menores) com menos de 14 anos não seriam julgados criminosos, inaugurando a imputabilidade penal, ou seja, a incapacidade do adolescente de responder por seus atos, de ação ou omissão, na data do fato. Porém, no Art.13, do mesmo Código, existia a exceção da regra, justificando a punição dos adolescentes com menos de 14 anos, nos casos em que se comprovasse o discernimento do fato, ou seja, a capacidade de distinguir entre o certo e o errado. Inaugurou-­‐se assim uma concepção jurídica fundamentada na discricionariedade, através da análise biopsicológica era possível diagnosticar adolescentes que segundo os critérios da época, ameaçavam a ordem social, e por isso, deveriam ser internados por longos anos, a critério do judiciário. Nessas situações os acusados eram recolhidos as Casas de Correção, unidades de internação responsáveis por combater a prática dos delitos e promover a “regeneração” dos adolescentes, através da institucionalização pelo tempo indicado pelo juiz, não podendo ultrapassar a idade de 17 anos. Importante destacar que essa legislação era amplamente utilizada, enquanto a Lei de 15 de outubro de 1927, que determinava a criação de escolas em todas as cidades, vilas e lugares populosos do Império era, ao contrário, constantemente ignorada (BRASIL, 1927). O novo Código Penal (BRASIL, 1890), não apresentou amadurecimento em relação aos adolescentes, abaixando a idade penal. A lei estabeleceu no Art. 27, que em hipótese nenhuma haveria punição para as crianças abaixo de nove anos. Em relação à faixa etária entre dez e 14 anos, expressou que poderia haver punição, desde que se comprovasse o discernimento do fato. Nesses casos, segundo o Art. 30, os culpados seriam então levados para estabelecimentos industriais, podendo ficar da idade da apreensão até os 17 anos. Para Faleiros, V. (2011), a medida possuía relação com a crescente necessidade de mão-­‐de-­‐obra, pois a estratégia de encaminhar o adolescente pobre para o trabalho articulava o econômico com o político, contribuindo para a naturalização da desigualdade social. Segundo o autor, apesar de existir leis que impedissem a execução de determinados trabalhos, ignoravam-­‐se a legislação e encaminhavam-­‐se adolescentes para o trabalho subalterno e precoce. Pois, a mão-­‐de-­‐obra adolescente foi utilizada de forma abundante na indústria e o salário representava um complemento para as famílias operárias. Em 1903 foi criada a Colônia Dois Rios, em Angra dos Reis, com o objetivo primordial de separar crianças, adolescentes e adultos. Porém, segundo Santos (2009) a Colônia foi duramente criticada pelos reformadores da época, por recolher todo tipo de população indigente da cidade do Rio de Janeiro, atendendo adolescentes em ala separada, sem oferecer qualquer tipo de formação profissional ou escolar. Em 1920 realizou-­‐se o primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à infância e em 1921 foi promulgada a Lei Orçamentária Federal, Nº 4242 que autorizou o governo a organizar um serviço de proteção e assistência ao “menor” abandonado e delinquente, conforme termos oficiais da época (BRASIL, 1921). Sendo inaugurado em 1923 o Juizado Privativo de Menores da Capital Federal, constituindo-­‐se assim a primeira instituição estatal voltada para a assistência aos adolescentes abandonados física e moralmente, transferindo para o Juizado, a responsabilidade que até então era da polícia, de julgar e penalizar. De acordo com Rizzini, Irma (2011) desde a criação da chefia de polícia no século XIX até a instalação dos juizados de menores a partir da década de 1920, coube a instituição policial a apreensão de adolescentes nas ruas. Camara (2010) analisando os procedimentos realizados pela polícia, afirma que as apreensões se davam geralmente pelos mesmos motivos: “vagava pela rua em completa ociosidade, não tem profissão nem arte ou fortuna própria, vive de pequenos furtos” (BULCÃO, 1992 apud CAMARA, 2010, p.56) o que demonstra que certos sujeitos constituíam-­‐se alvos em potencial desse sistema. Através do Decreto Nº 17943A, de 12 de outubro de 1927, foi promulgado o primeiro Código de Menores (BRASIL, 1927), conhecido também por Código Mello Mattos, inspirado no trabalho do jurista José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, um dos idealizadores do Código de Menores, tendo atuado na área até 1934 quando faleceu. Esse grupo de adolescentes recebeu como prêmio em comemoração ao Dia das Crianças, a promulgação do primeiro Código de Menores, legislação que vigorou até 1979, quando foi substituída pelo segundo Código de Menores, promulgado pela Lei Nº 6697, de 10 de outubro de 1979 (BRASIL, 1979), que consagrou a noção do “menor em situação irregular”, encarando a problemática da adolescência marginalizada como “patologia social” (RIZZINI; PILOTTI, 2011). A utilização do termo “menor em situação irregular” e sua descrição evidenciam a questão social como fator preponderante para a classificação e aplicação das medidas jurídicas cabíveis aos adolescentes pobres. Isentando desta legislação a população com alto poder socioeconômico, que segundo Arantes (2011), era regida por outra legislação, o Código Civil (BRASIL, 1916). Durante os anos nos quais vigoraram ambos os Códigos (BRASIL, 1927; 1979) predominou a Doutrina da Situação Irregular. Segundo essa concepção eram recolhidos e institucionalizados os adolescentes considerados: “abandonados, doentes, carentes, infratores”, e outros mais, que ameaçassem a ordem e a dinâmica da reforma urbana. Historicamente, segundo Camara (2010), a ação educativa destinada a esses adolescentes era constituída com ênfase no caráter moralizante, higiênico e disciplinar. Obviamente devemos ter em mente que a maioria das pessoas abaixo dos 18 anos que estavam nas ruas era analfabeta. Nesse período era comum a prisão de adolescentes ociosos ou envolvidos em ocupações ocasionais, que estivem circulando nas ruas, independente do cometimento de infração penal, sendo encarcerados muitas vezes por não possuírem domicílio fixo. Aos adolescentes perigosos restava a inclusão no novo modelo de sociedade, através da sua exclusão dos espaços urbanos públicos e da posterior inclusão e incorporação nas instituições de privação de liberdade, que gradativamente passaram a incorporar o discurso de salvação da adolescência por meio da escolarização e do trabalho. A educação escolar foi amplamente utilizada como elemento de ordem social, possibilitando junto com as leis repressoras o controle e o disciplinamento da população por ela atendida (CAMARA, 2010). Ilustrativa nesse sentido é a frase do ministro Lêoncio de Carvalho, no Decreto Nº 7247, de 19 de abril de 1879 (BRASIL, 1879), que expressava a preocupação com a obrigatoriedade do ensino instrumental, como um meio de redução do dinheiro investido na área da segurança pública e não na perspectiva do direito humano (MOACYR, 1936 apud PATTO, 2007). Acompanhando a tendência da sociedade, de educar e disciplinar os pobres as instituições de “recolhimento” e “tratamento” de adolescentes, denominadas à época de Casas de Correção e de Preservação, surgiram como meios de transformação dos adolescentes. Dessa forma, eram responsáveis pelos processos de escolarização e profissionalização e buscavam através desses sustentáculos, resgatar a adolescência do suposto erro. Sobre essa temática, Patto (2007), nos faz pensar na concepção que rompe os anos e que se fundamenta na máxima: “Escolas cheias, cadeias vazias”, contextualizando o porquê da escola ter assumido o papel social de educar, evitando assim, a futura punição. De acordo com a autora, explicita ou implicitamente, uma das funções da escola tem sido a de prevenir a criminalidade, o que, de certa maneira, impossibilita a verdadeira função social da mesma, que é garantir o direito de todos ao conhecimento e ao saber. De acordo com a autora, a escola apresenta como uma de suas funções a manutenção da ordem social e dos privilégios da classe dominante desde o século XVIII. Ao educar para disciplina e também para impedir atos de rebeldia o estado não garantia somente o direito de cada indivíduo, mas prioritariamente, a segurança do próprio Estado. Patto (2007) aponta que esse modelo educativo era dualizado, tendo o corte de classes como fator determinante para o tipo de educação recebido. Os filhos dos ricos eram destinados aos liceus, que preparavam, especialmente para a entrada na universidade, para as carreiras liberais e para os postos de comando. Por outro lado, para a população com baixo poder econômico, era reservada a oferta reduzida de rudimentos de leitura e escrita, alguma habilidade manual e muita doutrinação moral e religiosa, possibilitando ao Estado a segurança advinda da educação que prepara o povo para a docilidade e para o trabalho não reflexivo. Sobre a atuação da escola na redução da criminalidade, Patto (2007) nos alerta que a instituição não dá conta dessa dimensão salvadora, uma vez que, o ensino da moral e dos bons costumes, não muda a realidade objetiva desses adolescentes e a entrega de um certificado, não lhes garante uma oportunidade real, por conta do desemprego estrutural vivenciado na sociedade globalizada. Fundadas nessa crença, as instituições de internação de adolescentes investiram na escolarização e no trabalho, como meios de uma possível “recuperação” da adolescência, em seu modelo idealizado. A maior parte das instituições presentes, durante o período em que vigorou a Doutrina da Situação Irregular, destinadas a acolher adolescentes, dispunha de alguma modalidade de ensino, seja o profissionalizante, prático, manual ou escolar. Porém, Arantes (2011), nos chama a atenção para a má qualidade do ensino ofertado, que na realidade visava apenas à manutenção da ordem social. Consideramos que o modelo de assistência realizado, assim como o ideal da salvação pela escolarização e pelo trabalho fracassou, pois como apontado por Teixeira (2013), esteve atrelado a uma educação que seguiu como proposta a prática de conduzir adolescentes, em uma relação de domínio e de obediência, a fim de mantê-­‐los em total dependência do aparato institucional e em suas condições sociais – de adolescentes à margem da sociedade, reservando-­‐lhes um modelo de formação elementar, básico, marcado pelos preconceitos sociais, étnicos e de gênero, que não garantiam a estes sujeitos a real inserção no mundo do trabalho, mas ao contrário, os mantinha em suas posições socioeconômicas. Nesse sentido, Teixeira (2013), destaca que a educação, especialmente nas vertentes da escolarização e da profissionalização, foi defendida pela FEBEM como principal meio de reinserção social dos adolescentes, no entanto tal objetivo não chegou a ser concretizado. A educação que não potencializa a emancipação do sujeito, mas ao contrário o mantém na mesma posição de subordinação é definida por Baudrillard (1991); Rummert (2008), como uma educação simulacro, pois aparentemente democrática é utilizada na verdade como forma de manutenção da posição de subordinação da vítima. Se a escola extramuros amplia sua função social, colaborando também na função de prevenir a violência e a prática de atos infracionais, essa exigência torna-­‐se mais relevante e extremamente acentuada quando a escola se localiza em uma instituição socioeducativa. Do exposto neste capítulo, percebe-­‐se que é possível dividir a história do atendimento aos adolescentes em três etapas (MENDÉZ, 2000), são elas: 1) de caráter penal indiferenciado; 2) de Caráter tutelar e 3) de caráter juvenil ou socioeducativo. A primeira etapa situa-­‐se entre o século XIX até a primeira década do século XX, demarcando o surgimento dos primeiros códigos penais e suas ações meramente retributivas, sem qualquer diferenciação entre os usuários do sistema prisional. A concepção predominante no segundo período se origina nos Estados Unidos, no período equivalente a primeira década do século XX, influenciando a legislação da Argentina e dos demais países da América Latina, respondendo aos anseios da população, principalmente por conta da promiscuidade e da violência ocorridas nos cárceres. Para Saraiva (2013) esse modelo se caracterizou por resultar em uma grande quantidade de adolescentes em privação de liberdade, que em sentido estrito não haviam cometido nenhum tipo de delito, mas que apenas se tratavam de sujeitos em condições de vulnerabilidade social (CASTEL, 2007). A terceira e atual etapa, inaugurou-­‐se com os preparativos para a Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança, ocorrida em 1989, na qual se apresentou a concepção de processo de responsabilização juvenil. Cabe mencionar que em relação a esta fase, o Brasil se destacou pelo seu pioneirismo, principalmente pela promulgação dos Artigos 204 e 227 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e do ECA (BRASIL, 1990). A Carta Magna inaugura uma nova fase no direito para adolescentes, determinando o rompimento com a Doutrina da Situação Irregular e instalando a Doutrina da Proteção Integral, que em primeiro lugar iguala todos os adolescentes, considerando-­‐os suas especificidades, e em segundo, reconhecendo estes indivíduos como sujeitos de direitos. Essa mudança, como apontado anteriormente, caracteriza a terceira fase, ou seja, a de caráter juvenil (MENDÉZ, 2000). Importante ressaltar que a inimputabilidade penal do adolescente, cláusula pétrea, instituída no Art. 228 da Constituição Federal, significa fundamentalmente a insubmissão do adolescente por seus atos às penalizações previstas na legislação penal, o que não o isenta de responsabilização e sancionamento, como afirmado anteriormente por Saraiva (2013), mas o responsabiliza em um sistema especial que fundamenta-­‐se em preceitos educativos e socializadores. Obviamente que entre o Paradigma da Situação Irregular, que considerava o adolescente como objeto, e assim, realizava as intervenções jurídicas na perspectiva do tratamento e o Paradigma da Proteção Integral, que pauta-­‐se na concepção do adolescente como sujeito em desenvolvimento e titular de direitos, esbarrou-­‐se e ainda esbarra-­‐se no que Mendéz (2013) denominou de Paradigma da Ambiguidade, caracterizado pelos que rejeitam por completo a concepção da Situação Irregular, mas não conseguem acompanhar as transformações reais resultantes da aplicação consequente da Proteção Integral. Costa (2006a) ao tratar do Paradigma da Ambiguidade assinala que este caracteriza a tendência de modificar apenas o universo semântico, com novas leis e termos, mas sem que essas mudanças representem uma execução diferenciada da medida socioeducativa. Essa postura é definida pelo autor como neocínica, pois no discurso dizem ser favoráveis ao novo ordenamento jurídico, mas, “no andamento efetivo dos acontecimentos, abrem as portas ao retorno das práticas e mentalidades características da Doutrina da Situação Irregular” (COSTA, 2006a, p.28), por não acreditarem nas legislações específicas para os adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente -­‐ (ECA) foi promulgado, através da Lei Nº 8069, de 13 de julho de 1990, fruto de um amplo movimento social, envolveu diversos setores e ratificou o movimento de democratização do país, iniciado com a promulgação da Constituição Federal. O ECA (BRASIL, 1990) revogou os Códigos de Menores (BRASIL, 1927; 1979) e buscou atender aos ditames da CF (BRASIL, 1988) e das legislações internacionais, tais como: as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude -­‐ (Regras de Beijing), em 1985 e a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças -­‐ (CIDC), em 1989. Nesses documentos internacionais o Brasil se comprometeu a rever o modo como tratava a adolescência, e necessariamente sua concepção sócio-­‐jurídica. Dessa forma, a nova lei retifica e assegura a proteção integral a todos os adolescentes, fortalecendo os mecanismos de participação popular, pautados no conceito de democracia participativa, como os Conselhos Tutelares e os Conselhos de Direitos. Avançou-­‐se em relação às legislações anteriores que tratavam as crianças e os adolescentes como meros objetos. O Estatuto evidencia os direitos de adolescentes, afirmando, conforme o SINASE (BRASIL, 2006, p.15), que: “a necessidade de especial respeito à condição de pessoa em desenvolvimento, o valor prospectivo da infância e adolescência como portadoras de continuidade do seu povo e o reconhecimento da sua situação de vulnerabilidade”. As novas legislações garantem, ao menos formalmente, medidas socioeducativas pautadas na dimensão ético-­‐pedagógica. Apesar de ser uma sanção decorrente de um processo judicial, tem como objetivo, segundo o SINASE (BRASIL, 2012), Art.1º, §2º: I -­‐ a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II -­‐ a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e III -­‐ a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei (BRASIL, 2012). Dessa forma, o ECA (BRASIL, 1990) estabelece que as medidas socioeducativas devem ser aplicadas somente aos adolescentes que cometeram atos infracionais, não de forma punitiva e/ou retribuitiva, mas ao contrário, pautadas em características eminentemente pedagógicas que permitam a responsabilização do adolescente diante do ato ilícito, e principalmente, o desenvolvimento físico, psíquico e social, tendo em vista à eliminação da prática de atos infracionais e à construção de um projeto de vida pautado na legalidade. Essa orientação permeia todas as medidas socioeducativas, listadas no Art. 112 do ECA ( BRASIL, 1990). Dessa forma, propõe-­‐se que a experiência da internação, apesar de provocada por uma sanção do judiciário, em resposta a um ato infracional, constitua-­‐se em uma experiência prioritariamente educativa. Infelizmente, muitas unidades, ao não executarem a dimensão educativa das medidas, pois, pautadas ainda na lógica da punição, delegam tal responsabilidade, exclusivamente ou prioritariamente, à unidade escolar. Ao delegar a escola o papel de educar no sistema socioeducativo, amplia-­‐se sua função, que deve ser prioritariamente, a de escolarizar, garantindo o acesso dos alunos aos conhecimentos curriculares. Essa transferência equivocada de responsabilidades faz com que a unidade socioeducativa fortaleça-­‐se no papel disciplinar e punitivo, pois a escola passa a ser a representação da educação no sistema socioeducativo. Importante ressaltar que embora a escolarização seja um relevante direito ao adolescente, ela não é único, nem tampouco o mais importante, dentre os diretos que devem ser garantidos no espaço-­‐tempo da medida socioeducativa, como profissionalização, acesso à cultura, assistência social, entre outros. Além das quatro paredes da sala de aula, existe educação. Conforme Brandão (2007, p.9) “a escola não é o único local onde ela [a educação] acontece e talvez nem seja o melhor”. Para Costa (2006 c) a Socioeducação é constituída pela educação escolar, profissional, atividades artístico-­‐
culturais, práticas esportivas, assistência religiosa e todas as atividades associadas ao propósito de desenvolver no adolescente seu potencial (COSTA, 2006). Referências ARANTES, E. M. Rostos de Crianças no Brasil. In: RIZZINI, I.; PILOTTI, F (Orgs.). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência a infância no Brasil. 3. ed. São Paulo, Cortez, p.153-­‐202, 2011. BAUDRILLARD, J. Simulacros e simulações. Tradução: Maria da Costa Pereira. Relógio d Água, 1991. BRANDÃO, C. R. O que é educação, São Paulo, Brasiliense, 2007. BRASIL. Código Criminal do Império. De 16 de dezembro de 1830. Rio de Janeiro, 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-­‐16-­‐12-­‐
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A ABORDAGEM DE PESQUISA ETNOGRÁFICA NOS ESTUDOS SOBRE EDUCAÇÃO Sandra Cordeiro de Melo Universidade Federal do Rio de Janeiro Este capítulo apresenta a construção metodológica da pesquisa intitulada Inclusão em Educação: um estudo sobre as percepções de professores da rede Estadual de Ensino Fundamental do Rio de Janeiro6, sobre práticas pedagógicas de inclusão, finalizada em 2010 e realizada por meio de uma parceria entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Secretaria Estadual de Educação. Tem por objetivo descrever as etapas de coleta e análise dos dados, tendo por referencial teórico-­‐metodológico a abordagem de pesquisa etnográfica. A questão colocada foi: Como se apresenta o processo ensino-­‐aprendizagem quando, em uma sala de aula regular, está incluída uma criança com Transtorno do Espectro Autista7. Buscamos saber como se caracteriza este processo de inclusão educacional? Partimos do pressuposto de que, ao aprofundarmos os estudos sobre os processos de ensino e aprendizagem do aluno com Transtorno do Espectro Autista, facilitaríamos o processo de ensino e aprendizagem dos demais alunos. Este capítulo enfoca a construção metodológica da pesquisa, para tanto, não aborda a nosologia do Transtorno. A coleta de dados foi realizada ao longo do ano letivo de 2008, em uma escola estadual no município do Rio de Janeiro. A sala de aula pesquisada foi a de terceiro ano do ensino fundamental regular composta de 25 alunos. Dentre estes, um com Transtorno do Espectro Autista. Esta era uma sala de aula bastante heterogênea em idade. Lá estavam, meninos e meninas de 9 até 15 anos que estudavam em período integral. Durante o turno da manhã, prevalecia as aulas de português e matemática, e no 6
Este capítulo se baseia na tese de doutorado da autora, orientada pela Professora Doutora Mônica Pereira dos
Santos, defendida em 2010, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
7
O autismo é um transtorno de desenvolvimento que geralmente aparece nos três primeiros anos de vida e
compromete as habilidades de comunicação e interação social. De acordo com o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V, 2013), o autismo, assim como a Síndrome de Asperger foi
incorporado a um novo termo médico, chamado de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Com essa nova
definição, a Síndrome de Asperger passa a ser considerada, portanto, uma forma mais branda de autismo. Dessa
forma, os pacientes são diagnosticados apenas em graus de comprometimento. O Transtorno do Espectro Autista
é definido pela presença de “Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos
contextos, atualmente ou por história prévia”, de acordo com o DSM-V.
turno da tarde as demais disciplinas. Como a pesquisa de campo foi realizada no turno da manhã, tivemos mais acesso as aulas daquelas disciplinas. Buscou-­‐se acompanhar, semanalmente, as estratégias pedagógicas utilizadas no processo ensino-­‐aprendizagem, tendo como foco a interação professor-­‐aluno. Nesta etapa, todo o registro foi feito em caderno de campo, realizado pela equipe de três pesquisadoras, oferecendo a cada visita, três olhares distintos. Aspectos teórico-­‐metodológicos da abordagem de pesquisa etnográfica O presente estudo está fundamentado no paradigma qualitativo de pesquisa (PATTON, 1986 apud ALVES-­‐MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER), no qual: a principal característica das pesquisas qualitativas é o fato de que estas seguem a tradição “compreensiva” ou interpretativa. Isto significa que estas pesquisas partem do pressuposto de que as pessoas agem em função de suas crenças, percepções, sentimentos e valores, e que seu comportamento tem sempre um sentido, um significado que não se dá a conhecer de modo imediato, precisando ser desvelado (ALVES-­‐
MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 131). Compartilha das características essenciais aos estudos qualitativos: a visão holística, a abordagem indutiva e a investigação naturalística (PATTON, 1986 apud ALVES-­‐MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER): A visão holística parte do princípio de que a compreensão do significado de um comportamento ou evento só é possível em função da compreensão das inter-­‐relações que emergem de um dado contexto. A abordagem indutiva pode ser definida como aquela em que o pesquisador parte de observações mais livres, deixando que dimensões e categorias de interesse emerjam progressivamente durante os processos de coleta e análise dos dados. Finalmente, a investigação naturalística é aquela em que a intervenção do pesquisador no contexto observado é reduzida ao mínimo (ALVES-­‐MAZZOTTI & GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 131). No panorama das pesquisas qualitativas, o Construtivismo Social e a Teoria Crítica representam paradigmas que neste estudo serão acomodados. O Construtivismo Social enfatiza a intencionalidade dos atos humanos e o “mundo vivido” pelos sujeitos, privilegiando as percepções dos atores. Considera que a adoção de teorias a priori na pesquisa turva a visão do observador. Segundo Guba (19858 apud ALVES-­‐MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER), “o pesquisador construtivista quer iniciar suas transações com os 8
Guba, E. , Lincoln, Y. S. Naturalistic Inquiry. Beverly Hills: Sage Publications, 1985.
respondentes do modo mais neutro possível” (1998, p. 41). Guba (1990 apud ALVES-­‐
MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER) afirma que: os pressupostos básicos do construtivismo social são: Ontologia relativista, ou seja, as realidades existem sob a forma de múltiplas construções mentais, locais e específicas, fundadas na experiência social de quem as formula; Epistemologia subjetivista, ou seja, os resultados são sempre criados pela interação pesquisador-­‐pesquisado; Metodologia hermenêutico-­‐dialética, ou seja, as construções individuais são provocadas e refinadas através da hermenêutica e confrontadas dialeticamente, com o objetivo de gerar uma ou mais construções sobre as quais haja um significativo consenso entre os respondentes (ALVES-­‐
MAZZOTTI & GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 134). A teoria crítica enfatiza a análise rigorosa da argumentação e do método. Prioriza as regras e os padrões da metodologia científica, historicamente construídos e vinculados a valores sociais e a relações políticas específicas. Enfatiza ainda o papel da ciência na transformação social. Segundo Carspecken e Apple (1992, p. 509 apud ALVES-­‐
MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER): a educação tem sido uma importante arena na qual a dominância é reproduzida e contestada, na qual a hegemonia é parcialmente formada e parcialmente quebrada na criação do senso comum de um povo. Assim, pensar seriamente sobre educação, como sobre cultura em geral, é pensar também seriamente sobre poder, sobre os mecanismos através dos quais certos grupos impõem suas visões, crenças e práticas (ALVES-­‐
MAZZOTTI & GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 139). A abordagem de Pesquisa Etnográfica nos auxilia na descrição dos particulares da ação
observada. Entendendo que as unidades fundamentais de análise deste método de pesquisa são
os conjuntos de relações e os processos pelos quais a ação acontece, esta pesquisa busca
investigar o processo pedagógico que visa o desenvolvimento educacional dos alunos com
necessidades educacionais especiais em situação de inclusão.
Seja qual for o nível de organização social considerado, a unidade de análise é uma
situação interacional que geralmente se dá numa relação dialética. Isto acontece em uma
sequência de eventos que ocorrem em um cenário histórico específico, no nosso caso, o
ambiente escolar. Neste contexto, nenhum evento ou situação interativa é considerado como
uma entidade separada, isto é, fora da situação e do contexto histórico de sua ocorrência num
tempo, num espaço e numa esfera social específica.
O principal método de coleta de dados, em etnografia, é a observação participante. A natureza da observação participante é indicada pelo termo mesmo, pois o método envolve participação ativa com aqueles que são observados. Swartz e Swartz, concebem a observação participante não só como um instrumento de captação de dados, mas também como um instrumento de modificação do meio pesquisado, ou seja, de mudança social (HAGUETTE, 2010, p.64). O pesquisador está consciente de que o que está sendo visto é a execução de um entre vários conjuntos de possibilidades humanamente disponíveis para organizar a interação social que está sendo observada. Goffman, citando uma frase de William James (1869) afirmando ter sido este o responsável por uma guinada fenomenológica subversiva, pergunta: “Em que circunstâncias pensamos que as coisas são reais?” (GOFFMAN, 2012, p.24). Assim, a observação etnográfica é inerentemente crítica, mas não dá como dada nenhuma realidade costumeira. Segundo Powdermaker (1966), em sua monografia clássica sobre o trabalho de campo etnográfico, o observador participante tenta continuamente ser, simultaneamente, um estranho e um familiar no ambiente de campo. A observação participante ocorre através da presença em primeiro lugar em cenas imediatas das vidas diárias dos membros do grupo social que está sendo estudado. Isto coloca a situação social no centro do trabalho do observador participante. Idealmente, o pesquisador tenta variar os tipos de participação e maximizar tanto a escala de situações monitoradas quanto a frequência de situações monitoradas em vários pontos ao longo da escala. Através da observação repetida de um tipo particular de evento, o pesquisador pode dar atenção seletivamente a diferentes aspectos do evento, desenvolvendo, assim, com o tempo, uma compreensão cumulativa de todo o evento, o que não seria possível em uma única observação. Durante a observação ou imediatamente após, o observador escreve narrativamente notas descritivas sobre o comportamento verbal e não verbal dos participantes nos eventos observados. O segundo método principal de coleta de dados em etnografia é a entrevista. Esta fornece evidências das perspectivas dos participantes bem como evidências com relação aos eventos que o pesquisador não foi capaz de observar em primeira mão. Frequentemente no trabalho de campo etnográfico a entrevista é feita informalmente. Quando um evento está acontecendo o pesquisador poderá fazer algumas perguntas sobre as ações que estão ocorrendo, ou poderá fazê-­‐las ao final. Um dos propósitos principais da entrevista é fornecer evidências referentes aos pontos de vista dos participantes que estão sendo estudados. As evidências das entrevistas podem confirmar as inferências sobre os pontos de vista dos participantes que foram feitas pelo pesquisador com base na observação participante. Esta comparação de evidências através de fontes de dados diferentes é chamada triangulação. Ela fornece uma verificação de validade e é uma das razões principais porque a pesquisa etnográfica emprega métodos múltiplos de coleta de dados. A interação face a face na microetnografia de sala de aula
A pesquisa etnográfica tem se mostrado frequente nos estudos da sala de aula (MATTOS, 2009; COX & ASSIS-­‐PERTERSON, 2003; ANDRÉ, M., 1995). Embora o espaço escolar seja familiar à grande maioria das pessoas, este tipo de pesquisa favorece o exercício de tornar o familiar estranho. Estas singularidades poderiam passar despercebidas por um olhar não reflexivo, impossibilitando o exercício do estranhamento do campo pesquisado. O trabalho idealmente envolve observação e participação de longo prazo no cenário que está sendo estudado com a finalidade de propiciar familiarização com os padrões rotineiros da ação e interpretação que constituem um mundo cotidiano local dos participantes. A ênfase nessa pesquisa é descobrir tipos de coisas que fazem a diferença na vida social; ênfase na qualitas mais do que na quantitas. (ERICKSON, apud COX & ASSIS-­‐PERTERSON, 2003, p. 12) No âmbito desta pesquisa privilegiamos a microetnografia de sala de aula, no que concerne aos aspectos da investigação face a face. Na microetnografia de sala de aula, as relações face a face são consideradas nas dimensões de reciprocidade e de complementaridade entre os atores pesquisados. A dimensão recíproca (ERICKSON, 1992) se refere às relações de alternância e de sequência através de momentos sucessivos do tempo real. Os parceiros em interação levam em consideração as ações uns dos outros retrospectivamente e perspectivamente. O olhar do pesquisador percebe a dinâmica das relações, e deste modo, entende que as ações dos sujeitos estão vinculadas entre si. O que significa que da fala de um depende a resposta, ainda que não verbal, do outro, compondo, assim, a dinâmica da interação face a face. A dimensão complementar envolve as relações entre ações simultâneas dos parceiros em interação, verbalmente e não verbalmente. A qualquer momento, os interlocutores levam em conta o que os outros estão fazendo, acabaram de fazer ou farão em seguida. Os comportamentos de ouvir e de falar ocorrem simultaneamente e em sincronia, cada parceiro completando (e complementando) a ação do outro. Mais do que conhecer os instrumentos de coleta e análise dos dados, em etnografia, vemos a importância de se formar um olhar etnográfico. A reflexividade do olhar acompanha o pesquisador dentro e fora do campo. Parece buscar o estranhamento nas diversas situações rotineiras, seja no trabalho de pesquisa, seja no âmbito pessoal/familiar. Deste modo, buscamos nos trabalhos de Erickson (1992), Spradley (1980) e Mattos (2005) suporte teórico. No caso da pesquisa microetnográfica de sala de aula, este olhar estará, necessariamente, voltado para as interações face a face. Erickson (1992) sugere que o pesquisador lance mão de algumas perguntas sobre a organização da interação face a face. Estas perguntas auxiliam o pesquisador a focalizar o seu olhar no evento. Como podemos saber quando alguém está zangado, feliz ou irônico? Como podemos saber quando uma coisa nova e importante está começando a acontecer no evento? Como as pessoas se reconhecem e reagem às rupturas na ordem social da interação? Como é que as sanções positivas e negativas são feitas comportamentalmente, e o que fica sancionado (p. 7). Assim como Erickson sugere perguntas, Spradley (1980) organiza uma matriz analítica de dados, em que espaço, objetivo, ato, atividade, evento, tempo, ator, objeto e sentimento são cruzados entre si formando perguntas que norteiam a organização da interação face a face. Esta tabela serve como um auxílio e não deve ser considerada como um instrumento fechado. Entendemos ser possível manejá-­‐la, adaptando as perguntas à realidade do campo e dos objetivos da pesquisa. Quadro 1: Matriz Analítica de Dados ESPAÇO ESPAÇO OBJETO Você pode Como o descrever espaço é com organizado detalhes pelos todos os objetos? lugares? Onde os Você pode objetos descrever estão em detalhes localizados? todos os objetos? ATO De que modo o espaço é organizado pelas ações? Como os atos ocorrem? Como as ações são incorporadas no uso dos objetos? Você pode descrever em detalhes todas as ações? ATIVIDADE Quais são todos os lugares em que as atividades ocorrem? EVENTO Quais são todos os lugares onde os eventos ocorrem? De que modo as atividades são incorporadas aos objetos? De que modo as atividades são incorporadas aos atos? De que modo os eventos são incorporados aos objetos? De que modo os eventos incorporam os atos? TEMPO Quando os períodos de tempo ocorrem? De que modo o tempo afeta os objetivos? Como os atos encaixam no período de tempo? ATOR Onde os atores colocam-­‐se a si mesmos? De que modo todos os atores usam os objetivos? De que modo todos os atores usam as ações? OBJETIVO Onde os objetivos são buscados e atingidos? De que modo os objetivos estão envolvidos com os objetos? De que modo os objetivos envolvem as ações? SENTIMEN Quando os TO vários estados de sentimentos ocorrem? Quais sentimentos levam ao uso de quais objetos? De que modo os sentimentos afetam os atos? OBJETO ATO ATIVIDADE Como o espaço é organizado pelas atividades? EVENTO De que modo o espaço é organizado pelos eventos? De que modo De que modo De que os objetos os objetos modo os são usados são objetos são nos atos? utilizados usados nos nas eventos? atividades? TEMPO Que mudanças ocorreram com o tempo? ATOR De que modo o espaço é usado pelos atores? OBJETIVO De que modo o espaço se relaciona com os objetivos? Como os De que Como são os objetos são modo os objetos usados nos objetos são usados para diferentes usados pelos atingir os tempos? atores? objetivos? SENTIMENTO Que lugares se associam aos sentimentos? Quais são todos os modos de evocar sentimentos através dos objetos? Como as Como as Como os De que De que Quais são ações fazem ações fazem atos variam modo é a modo as todos os casos parte das parte dos ao longo do performance ações são que os atos são atividades? eventos? tempo? dos atores relacionadas ligados aos em relação aos objetivos? as suas objetivos? ações? Você pode De que Como as De que De que Como as descrever modo as atividades modo as modo as atividades em detalhes atividades variam nos atividades atividades envolvem os todas as fazem parte diferentes envolvem os envolvem os sentimentos? atividades? dos tempos? atores? objetivos? eventos? De que modo Você pode Como os Como os Como os Como os os eventos descrever eventos eventos eventos eventos são em ocor-­‐rem ao envolvem estão envolvem incorporados detalhes longo do vários relacionados sentimentos? pelas todos os tempo? atores? aos atividades? eventos Existe objetivos? alguma seqüência? Como as Como os Você pode Quando Como os Como os atividades eventos se descrever todos os objetivos se sentimentos encaixam acomodam em atores se relacionam são evocados dentro de no período detalhes encontram com os nos diferentes um período de tempo? todos os num único períodos de períodos de de tempo? tempos? estágio de tempo? tempo? tempo? De que modo Como os Como os Você pode Quais atores Quais os atores se atores se atores descrever estão sentimentos envolvem envolvem mudam no em conectados são nas nos decorrer do detalhes com quais experienciados atividades? eventos? tempo ou todos os objetivos? pelos atores? em tempos atores? diferentes? Quais Quais são Quais Como os Você pode Quais são atividades todos os objetivos vários descrever todos os buscam os modos em são objetivos em modos de os objetivos? que os organizados afetam os detalhes objetivos Ou estão eventos são em relação vários todos os evocarem ligadas a ligados aos ao tempo? atores? objetivos? sentimentos? eles? objetivos? De que modo De que Como Como os Como os Você pode os modo os sentimentos sentimentos sentimentos descrever em sentimentos sentimentos se envolvem os influenciam detalhes afetam as afetam os relacionam atores? os todos os atividades? eventos? com os objetivos? sentimentos? vários períodos de tempo? Além das perguntas propostas por Erickson e da Matriz Analítica de Dados de Spradley, as descrições pessoais do pesquisador: registro de campo, gráficos da sala de aula, tabelas, desenhos e quaisquer outros materiais complementares e ilustrativos, contribuem para uma maior triangulação de informações que tornarão os achados mais confiáveis. Acreditamos que a escolha destes instrumentos metodológicos favorece o processo de análise dos dados, pois entendemos que a pesquisa qualitativa, por sua natureza interpretativa, enriquece quanto maior o número de evidências puderem ser levantadas no processo de validação e verificação de dados. Abaixo, apresentamos um exemplo de gráfico de sala de aula (MELO, 2004): Quadro 2: Registro gráfico de campo – Pesquisa Etnográfica Gráfico:
Diego
Educador
Foto:
Marcos
Camilo
Psicóloga
Pesquisador
Pedro
Câmera
Mariana
Luciana
Pesquisadora
A produção de um gráfico da sala de aula como o apresentado acima, favorece o registro do posicionamento dos corpos em interação, facilitando a compreensão e o reconhecimento dos sujeitos no espaço, sendo um recurso complementar ao da imagem fotográfica ou em movimento, pois contém informações como nomes, idade, localização e demais informações pertinentes, inclusive sobre elementos que porventura não estejam na fotografia, mas sejam igualmente importantes ao contexto da pesquisa. A fotografia acima exemplifica uma sala de aula na qual alunos com diferentes necessidades especiais permanentes ou temporárias interagem entre si em uma determinada tarefa com o auxílio dos professores. A relação face a face e o envolvimento dos atores na tarefa parecem evidentes por meio da utilização do recurso gráfico. Os diversos recursos de pesquisa, como os citados acima, servem de suporte para que o pesquisador tenha uma rica base de dados, e favorece o exercício do olhar reflexivo. Neste exercício, o pesquisador estabelece um diálogo constantemente com o campo e, mais especificamente, com os sujeitos pesquisados. Neste diálogo, o pesquisador considera a subjetividade da sua presença no campo, nos aspectos relativos à não neutralidade, ao seu posicionamento teórico-­‐prático-­‐ideológico, assim como considera a subjetividade dos sujeitos pesquisados, seus posicionamentos teórico-­‐
prático-­‐ideológicos, a cultura do lugar, os saberes legitimados e não legitimados, as relações interpessoais, as interações estabelecidas entre os participantes do evento. Buscamos com esta abordagem estabelecer um diálogo sobre o exercício do estranhamento do espaço da escola, mais especificamente a sala de aula, que nos é tão familiar. Trabalhar sobre a perspectiva da construção de significados em colaboração com os sujeitos participantes da pesquisa é uma possibilidade inovadora na microetnografia de sala de aula. Acreditamos que todos os integrantes do evento podem exercitar, por meio da dialogicidade, a reflexividade das suas práticas cotidianas, legitimando os saberes de todos os envolvidos nesse processo: alunos, pesquisadores, professores, staff escolar, pais. O processo de análise de conteúdo Utilizamos a abordagem de análise de conteúdo Bardin (1977) para analisar os dados
coletados, uma vez que adotamos uma abordagem interpretativa dos mesmos. Para a autora, a
análise de conteúdo é aquela que pode ser entendida como "um conjunto de técnicas de
análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas)
destas mensagens" (p.42). Para ela, a análise de conteúdo acende a possibilidade, muitas
vezes, sem excluir a informação estatística, de descobrir ideologias, tendências e outras
categorias que caracterizam os fenômenos sociais que se analisam e, ao contrário da análise
apenas do conteúdo manifesto, o método utilizado é dinâmico, estrutural e histórico.
Entendemos que a Análise de Conteúdo é um instrumento de pesquisa empregado para ressaltar a existência de palavras, frases e expressões dentro de um texto ou conjunto de textos, de acordo com seu objetivo de pesquisa. Esse procedimento de análise organiza-­‐se em torno de categorias. A categorização permite reunir grande número de informações, esquematizando e correlacionando classes de acontecimentos para organizá-­‐los; dessa forma, representa “transformar” dados brutos em dados ordenados. Essa técnica permite uma abordagem quantitativa no sentido de, após o agrupamento do material em diferentes categorias, construir uma tabela de frequências dos enunciados assim classificados. As respostas obtidas pelo pesquisador determinaram a escolha das unidades de classificação, e fornece a matéria prima para a Análise de Conteúdo: a categorização e organização dos diversos enunciados ou unidades de classificação, sejam essas de numeração ou de sentido. Essas categorias podem ser pré ou pós-­‐definidas. Nesta pesquisa, as categorias foram pós-­‐definidas à medida que entrávamos em contato com os registros de campo, e posteriormente relacionadas com a perspectiva teórica de Booth e Ainscow (2002), Santos (2007), Santos e Paulino (2008), Santos, Fonseca e Melo (2009), sendo elas: Culturas, Políticas e Práticas. Bardin enfatiza que Não existe o pronto a vestir em análise do conteúdo, mas somente algumas regras de base. (...) a técnica de análise de conteúdo adequada ao domínio e ao objetivo pretendido, tem que ser reinventada a cada momento, exceto para usos simples e generalizados. (2000, p.31). Seguindo esta abordagem metodológica, apresentamos a seguir os quadros referentes ao levantamento das categorias de análise. Os registros de campo foram, inicialmente, reunidos por data, e submetidos a análise de conteúdo lidos e relidos (leitura flutuante) com o objetivo de destacar códigos que surgissem do próprio texto, ou seja, da situação de sala de aula. De acordo com Bauer e Gaskell: A codificação e, consequentemente, a classificação dos materiais colhidos na amostra, é uma tarefa de construção, que carrega consigo a teoria e o material de pesquisa. (...) A Construção de um referencial de codificação é um processo interativo e, se diversos codificadores estão implicados, um processo coletivo, que a certa altura tem que terminar (2014, p.199). Optamos por priorizar os dados que se repetiam nos registros das três observadoras. Entendemos que, no campo, cada observador, através de sua história pessoal, de seus interesses e de seu estado físico e emocional, tende a fazer um recorte da realidade. Por este motivo, acreditamos que, procedendo desta forma, garantimos maior confiança e segurança nos achados. No processo de Codificação, dos 46 temas encontrados, 15 se repetiram nos três registros de campo. Este trabalho foi realizado durante as reuniões semanais de pesquisa, portanto em conjunto, onde discutíamos sobre cada novo tema. O quadro abaixo apresenta a lista dos códigos e, em negrito, destacamos aqueles 15 que se repetiam nos registros das três observadoras. Quadro 3 – Levantamento dos Códigos de Análise Os códigos de análise
100
80
60
40
20
0
Série 1
Os códigos levantados foram conceitualizados e exemplificados para se transformarem em categorias de análise. Tais categorias receberam especificações que denominamos Unidades de Sentido. Estas unidades, dão o tom das categorias pois demonstram o sentido de cada uma delas. Quadro 49: Categorias, Unidades de Sentido, Conceito e Exemplos. Categorias 1.
Atividade Pedagógica Unidades de Sentido 1.
Verbal 2.
5.
No quadro Conceito Um(a) aluno(a) responde verbalmente às perguntas da professora. Um(a) aluno(a) vai ao quadro para resolver os exercícios. 3.
Escrita Um(a) aluno(a) desenvolve a tarefa por escrito 4.
Mental Um(a) aluno(a) resolve a tarefa mentalmente. Atividade de espera São atividades que visam “passar” o tempo até que o grupo maior de Exemplos _ Carta, substantivo o quê? _ Comum! Uma aluna respondeu (399-­‐400). A professora pede a E. para escrever “carro” no quadro. E. escreve certo. Pede a B. que diga se o que E. escreveu estava certo. _Não! Diz B. (258-­‐260). Professora: Vocês vão escrever cada parágrafo em uma folha e fazer um desenho relacionado ao que está escrito no parágrafo (4561-­‐4562). A professora pede para V. soletrar a palavra “barco”. _ b... a...r...c...o... (281-­‐282). A professora pediu que enquanto estivesse fora, os alunos que restavam na sala fossem 9 Os exemplos contidos neste quadro constam no Bloco de Anexos – Registro de Campo, da pesquisa: MELO, S. C. Inclusão em Educação: um estudo sobre as percepções de professores da rede Estadual de Ensino Fundamental do Rio de Janeiro, sobre práticas pedagógicas de inclusão. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, RJ. Brasil: UFRJ; jan. 2010. alunos retorne de uma atividade extra-­‐classe. 2.
Estratégia Pedagógica 6.
Competiçã
o A professora propõe uma competição entre meninos e meninas. 7.
Economia de pontos A professora dá a nota aos alunos baseada nos pontos que cada um recebeu nas competições entre meninos e meninas. 8.
Elogios A professora elogia os alunos como estratégia de motivação. 9.
Palmas Palmas como estratégia de motivação Todas as vezes em que a professora propõe questões abertas ao grupo de alunos. 10.
Questões abertas para o grupo de alunos 11.
12.
13.
14.
15.
3.
Lição de Moral 4.
Regras Institucionais 16.
Trabalho em grupo como estratégia pedagógica. Políticas da professora. O trabalho em duplas como estratégia pedagógica. Todas as vezes em que a professora se utiliza de exemplos pessoais. Troca de lugar Todas as vezes em que a professora propõe que os alunos troquem de lugar. Todas as vezes em que a professora aborda temas morais. Explicação sobre o desenv. Moral 17.
Apologia ao comportamento adequado 18.
Uso do uniforme 19.
Todas as vezes em que a professora solicita aos alunos o bom comportamento. Todas as vezes em que a professora cobra aos alunos o uso do uniforme. É proibido Quando existe uma proibição. 20.
É aconselhável Todas as vezes em que a professora orienta os alunos a pedirem desculpas. Coerção Todas as vezes em que um comportamento é punido. 22.
O aluno não participa da atividade Todas as vezes em que o aluno é impedido de participar. 23.
Nenhum material sobre a carteira durante a Todas as vezes em que o aluno é impedido de usar material. 21.
5.
Exclusão Trabalho em grupo Leis gerais Trabalho em duplas Exemplos pessoais ao quadro e escrevessem os exemplos de substantivos próprio e comum (197-­‐199). _ Enquanto eles estiverem no coral eu não posso dar matéria (870). -­‐
Ela (a professora) faz uma competição entre meninos e meninas sobre quem acerta mais palavras (657). A professora chama E. e R. para irem ao quadro e resolverem contas de somar. 38+54 e 55+33. Na lateral direita do quadro ela coloca duas colunas: Meninos e Meninas onde marca os pontos de cada grupo (788-­‐
791) A professora continuou a falar e elogiou a turma dizendo que eles melhoraram muito desde fevereiro até agora (3596-­‐3597). Ele precisa de palmas para passar para outra fase. (929) -­‐ Página 163. Teresa aproveita o número da página do livro para fazer perguntas de matemática: “Qual a unidade? ” “Qual a dezena? ” “Qual a centena? ” (2373-­‐2374). O grupo B (L.) fez uma ilustração sobre a história (3736-­‐3737). Quem pede eu não dou! Senta! (900) Ele tá aprendendo muito com você! (927). E então, deu um exemplo, falando de um cachorro que teve quando criança. Disse que o exemplo dela era um caso verídico, mas que eles teriam que inventar, pois seria uma história feita em grupo (4020-­‐4022). Professora: Senta todo mundo, acabou a fofoca! Troca E. de lugar com R. (1354-­‐
1355). Um dos alunos estava devendo dinheiro ao seu colega. A professora tirou dinheiro da própria carteira e pagou ao aluno que havia emprestado. Avisou ao aluno devedor (A.): Agora a sua dívida é comigo! (160-­‐162). Filho meu, se não andar bem na escola, lá fora não tem direito a nada! (2123) Precisamos ter disciplina, sermos organizados. Antes de dormir temos que escovar os dentes, arrumar a mochila, tomar banho de manhã e deixar o uniforme preparado desde a noite anterior (3489-­‐
3491). A professora iniciou um discurso sobre as regras da sala de aula: Não quero palavras obscenas, namorico, guardem o boné! (397-­‐398) A professora havia ameaçado L. de encaminhá-­‐la a direção caso ela não pedisse desculpas a E. L. não pediu até que a professora abriu a porta da sala para levá-­‐la para fora. Neste momento L. falou baixinho: _ Desculpa (828-­‐831). _ E., mais uma sua e você vai para a tia C. (Diretora)! Vocês sabem que a tia C. manda pro Conselho Tutelar?! Ameaça a professora (905-­‐906). O grupo B estava conseguindo fazer o trabalho, apesar de às vezes deixar P. e B. excluídos. A professora falava que os dois deveriam participar, e que deveriam pedir a opinião deles (4044-­‐4043). São 9:45 e os alunos não mexeram no material da mochila, as mesas continuam vazias e a tarefa é feita mental, verbalmente 6.
Material Coletivo aula Livros didáticos Todas as vezes em que um livro é compartilhado. Lápis de escrever Lápis de cor Todas as vezes em que um lápis é compartilhado. Todas as vezes em que um lápis de cor é compartilhado. Giz de cera Todas as vezes em que um giz de cera é compartilhado. Folhas avulsas Comprome
timento Todas as vezes em que folhas são compartilhadas. Todas as vezes em que há algum tipo de comprometimento entre os alunos ou entre os alunos e a professora. Todas as vezes em que há identificação com personagens da cultura social do grupo. Todas as vezes em que o grupo se orienta por pessoas ou coisas da sua cultura. Todas as vezes em que o grupo identifica pessoas ou coisas da sua cultura. Todas as vezes em que o grupo traz elementos da sua cultura para a escola. 24.
25.
26.
27.
28.
7.
Cultura Social 29.
30.
Modelage
m 31.
Localizaçã
o Identificaç
ão 32.
33.
8.
Relação professor-­‐
aluno Paródias 34.
Conversas 35.
36.
Bate-­‐boca Todas as vezes em que a professora e aluno (s) discutiram. Afeto Explicaçõe
s Todas as vezes em alunos e professora manifestaram comportamentos de afeto. Quando a professora explica os conteúdos pedagógicos. Cuidado com os alunos 40.
Cuidado com a escola Quando a professora demonstra cuidado aos alunos. Quando a professora demonstra cuidado com a escola/sala de aula. 41.
O comportamento feminino Quando professora ou alunos emitem opinião sobre o comportamento feminino. 37.
9.
Conteúdo Pedagógico 10.
Acúmulo de funções 11.
Cultura de Gênero 12.
Gestos não convencionais – sem sucesso 13.
Gestos não Broncas Todas as vezes em que a professora estabeleceu conversas com os alunos. Todas as vezes em que a professora brigou com os alunos. 38.
39.
42.
Gestos difusos 43.
Gestos orientados Quando o aluno faz gestos não convencionais para se comunicar mas não consegue se fazer entender. Quando o aluno faz gestos não convencionais para se comunicar e e no quadro (817-­‐819). A professora vai ao fundo da sala, pega alguns livros didáticos de matemática. L. se levanta e pede para distribuir (898-­‐899). É o lápis, tá sem lápis. Ele se levanta e busca na mesa da professora (922-­‐923). -­‐ Você tem que fazer alguma coisa, não vai fica à toa. -­‐ Mas tia eu não posso desenhar? -­‐ Só se você ficar do lado do P. porque não tem muito lápis de cor. Ele aceita e vai sentar ao lado de P. para desenhar (1063-­‐1066). Vocês vão pintar. A professora distribui folha mimeografada com o motivo da páscoa – um coelho – e os dizeres: Feliz Páscoa! Distribui também, aleatoriamente, lápis de cor e giz de cera. Poucos para cada mesa de alunos (870-­‐873). Após distribuir as folhas aos alunos, a professora dá início ao ditado (208). Promete com sua mãe tomando um tiro de metralhadora? (1105-­‐1106) Ô, tia, olha como o J. tá igual bandido! (1237) É a casa da maconha! (1538) Olha o cheiro de crack, olha o cheiro da maconha! (1554) Menina serra elétrica [parodiando o trecho do texto, menina serelepe] para onde você vai? Vou pra casa da minha vó cortar a cabeça dela. E o que você vai fazer? Fritar na frigideira Menina serra elétrica [parodiando o trecho do texto, menina serelepe] para onde você vai? Vou pra casa da minha vó cortar a cabeça dela. E o que você vai fazer? Fritar na frigideira (1476-­‐1478). A professora conversa com E. sobre o seu comportamento no coral (889-­‐890) Olha aqui J., dentro da minha sala você tem que fazer o que eu digo, não o que você quer! (321-­‐322). Os alunos respondem à professora e ela responde de novo. Eles se trocam, batem boca (1272). A professora se aproxima bastante de V. e ele aproveita e lhe dá um beijo (1276-­‐1277). A professora está explicando a matéria – Alfabeto. 23 letras, 18 consoantes e 5 vogais (1619-­‐
1620). A professora sai da sala para levá-­‐lo ao banheiro e a turma fica sozinha (813). A escola está sem faxineiros, a professora que limpa a sala quando chega à escola (2002-­‐2003) Olha os modos! Mulher não pode andar com as pernas abertas desse jeito! (1938-­‐1939). O aluno fez diversos sinais apontando para vários lugares da sala, mas a professora não estava conseguindo entender (4466-­‐4467). -­‐ Vinícius levanta e passa a mão no cabelo. Teresa pergunta se ele cortou, ele diz que convencionais – com sucesso 14.
Rotina 15.
Relatos familiares 44.
Atividades que se repetem diariamente 45.
Histórias pessoais consegue se fazer entender. sim (2012-­‐2013). Atividades que se repetem diariamente Ao entrar em sala de aula, a professora deu bom dia aos alunos e conversou com eles, dando-­‐lhes conselhos (2281-­‐2283). -­‐ A professora explica o motivo de seu atraso e fala sobre o problema de saúde de seu pai (1739). Quando professora ou alunos relatam histórias pessoais. Neste movimento de análise, reunimos às categorias as três dimensões propostas por Booth e Ainscow (2012): culturas, políticas e práticas. Tais autores sinalizam para a necessidade de ampliar o foco das análises dos fatos e eventos cotidianos, fundamentados, na maioria das vezes, nas experiências e perspectivas de quem analisa, e propõem as dimensões. Para tanto, todo e qualquer evento que for submetido à análise a partir das três dimensões teriam mais chances de serem investigados de forma mais ampla, pois seriam considerados: os valores em jogo (as culturas), as regras e planejamentos (as políticas) e o que efetivamente foi realizado (as práticas). Quadro 5: Categorias e Dimensões DIMENSÕES SUB-­‐CATEGORIAS UNIDADES DE SENTIDO Práticas Atividade Pedagógica Conteúdo Pedagógico Verbal; No quadro; Escrita; Mental; Atividade de Espera; Explicações. Políticas Estratégia Pedagógica Exclusão, Material Coletivo, Relação Professor-­‐Aluno Competição; Economia de pontos; Elogios; Palmas; Questões abertas para o grupo de alunos; O aluno não participa da atividade; Nenhum material sobre a carteira durante a aula; Livros didáticos; Lápis de escrever; Lápis de cor; Giz de cera; Folhas avulsas; Conversas; Broncas; Bate-­‐
boca; Afeto. Culturas Lição de Moral Cultura Social, Cultura de Gênero, Acúmulo de funções, Relatos familiares Explicação sobre o desenvolvimento moral; Apologia ao comportamento adequado; Comprometimento; Modelagem; Localização; Identificação; Paródia; Comportamento feminino; Cuidado com os alunos; cuidado com a escola; Histórias pessoais. CATEGORIAS Regras Institucionais Gestos não convencionais – sem sucesso, Gestos não convencionais – com sucesso Rotina Uso do uniforme, É proibido; É aconselhável; Coerção; Gestos difusos; Gestos orientados; Atividades que se repetem diariamente. A associação das dimensões às categorias possibilitou o reconhecimento de que, no cenário pesquisado, a sala de aula, o que mais se observou foram as práticas. O fazer em sala de aula foi relacionado aos conteúdos pedagógicos. As atividades verbais, mentais, escritas ou com idas ao quadro, além das atividades de espera representaram as práticas dos alunos. Como política da sala de aula pesquisada, observou-­‐se aquelas relacionadas às estratégias pedagógicas. Neste aspecto, as estratégias utilizadas foram: competição entre alunos (meninos X meninas); o uso do material coletivo como política da escola, tudo era comum; e uma relação entre professora e alunos baseada no afeto e na proximidade. Com relação às culturas, observou-­‐se que nesta sala de aula muito se abordou sobre a cultura social do grupo de alunos e professora, e os papéis masculinos e femininos. Outro fator interessante foi o de que, os valores inerentes ao papel social do professor no contexto brasileiro de baixos salários, refletem na atuação deste na sala de aula, acumulando funções que realizam em casa. Nesta sala de aula, a professora, além de atuar como docente, varria e limpava a sala diariamente. Além disso oferecia cuidados de higiene pessoal aos alunos com deficiência. Ainda com relação às culturas, a sala de aula pesquisada se orientou a partir de regras institucionais como a obrigação do uso do uniforme, a proibição do “namorico”, o estímulo aos acordos (pedidos de desculpas). Duas categorias foram relacionadas à dimensão das culturas, mas estão diretamente associadas ao comportamento de interação do aluno com Transtorno Autista, que foram os gestos não convencionais. Esta denominação se deu por causa de tais gestos não serem orientados a partir da Linguagem Brasileira de Sinais. Considerações Finais Este capítulo apresentou a construção metodológica da pesquisa intitulada Inclusão em Educação: um estudo sobre as percepções de professores da rede Estadual de Ensino Fundamental do Rio de Janeiro, sobre práticas pedagógicas de inclusão, e teve por objetivo descrever as etapas de coleta e análise dos dados, tendo por referencial teórico-­‐metodológico a abordagem de pesquisa etnográfica. Apresentou o processo de análise de conteúdo a partir de instrumentos como registros de campo e observações participante. Os resultados da análise exposta – as categorias e unidades de sentidos levantadas, demonstram a construção de conhecimento, neste caso, na área da Educação, e orientam para o aprofundamento necessário às discussões de pesquisa. Para fins deste capítulo, somente o processo de análise foi apresentado, deixando ao leitor, a tarefa de aprofundá-­‐los. Referências ALVES-­‐MAZZOTTI, A. J. & GEWANDSZNAJDER, F. O método nas Ciências Sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 2 ed. São Paulo: Thomson. 2004. ANDRÉ, M. Etnografia da prática escolar. Campinas: Ed. Papirus,1995. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 2000. BOOTH, T. & AINSCOW, M. Index para Inclusão: desenvolvendo a aprendizagem e a participação na escola. Tradução: Mônica Pereira dos Santos, PHD. Produzido pelo Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação (LaPEADE). Reimpressão: dez, 2002. BAUER, M. W., GASKELL, G. (Orgs). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 12ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. COX, M. I. P. et al (orgs.). Cenas de sala de aula. Campinas: Mercado de letras, 2001. ERICKSON, F. Ethnographic microanalysis of interaction. In LECOMPTE, M. D. et al. (orgs.). The handbook of qualitative research in education. New York: Academic Press Inc., 1992. GOFFMAN, E. Os quadros da experiência social: uma perspectiva de análise. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. HAGUETTE, T. M. F. Metodologia qualitativas na sociologia. 12ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. MATTOS, C. L. G. Análises etnográficas das imagens sobre a realidade do aluno no enfrentamento das dificuldades e desigualdades na sala de aula. In BARBOSA, O.I. et al. Pesquisa em Educação: métodos, temas e linguagens. Rio de Janeiro, DP&A, 2005, p. 103-­‐
116. MATTOS, C. & FONTOURA, H. A. Etnografia e Educação: Relatos de Pesquisa. Rio de janeiro: EDUERJ, 2009. MELO, S. C. Inclusão em Educação: um estudo sobre as percepções de professores da rede Estadual de Ensino Fundamental do Rio de Janeiro, sobre práticas pedagógicas de inclusão. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, RJ. Brasil: UFRJ; jan. 2010. SANTOS, M. P. Culturas, Políticas e Práticas de Inclusão em Universidades. UFRJ, 2007. SANTOS, M. P.; PAULINO, M. Inclusão em Educação: culturas, políticas e práticas. São Paulo: Cortez, 2006. SANTOS, M. P.; FONSECA, M.; MELO, S. Inclusão em Educação: diferentes interfaces. Curitiba: CRV, 2009. SPRADLEY, J. P. Participant Observation. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1980. Parte II – Aspectos Metodológicos A ENTREVISTA NOS ESTUDOS SOBRE O FRACASSO ESCOLAR: SILENCIANDO AS VOZ DOS ALUNOS E FALANDO SOBRE ELES Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Paula Almeida de Castro Introdução 10 Esse texto divide-­‐se em duas partes. A primeira é conceitual onde se apresenta considerações sobre o uso da entrevista na pesquisa qualitativa. A segunda é analítica, faz um exame metodológico-­‐epistemológico de seiscentos e oitenta e três (683) textos sobre o fracasso escolar com o objetivo de identificar o uso ou não de entrevistas como instrumento de pesquisa e de que forma os alunos e alunas, sujeitos do fracasso foram acessados. A hipótese construída para esta investigação derivou do fato que, muitas vezes em pesquisas da área da Educação pesquisadores utilizam a entrevista como recurso e associam este uso à etnografia. Assim, somente a partir desse critério classificam seus trabalhos como etnográficos. Esta hipótese foi evidenciada nas pesquisas sobre o fracasso escolar realizadas em escolas e/ou que falam sobre escolas e que possibilitariam o acesso ao aluno através de observações de sala de aula, vídeos, focus group, estudo de caso, dentre outros instrumentos de pesquisa qualitativa e que estes seriam facilitados ou ampliados pelo uso da entrevista como instrumento. O pressuposto inicial foi o de investigar a presença ou não de alunos como informantes primários nestes relatos de pesquisas. Buscou-­‐se investigar como esses estudos situam o aluno no contexto educacional. Se eles incluem ou não os alunos como informantes diretos ou indiretos. Se eles foram ouvidos ou não quando do uso de entrevista? Analisou-­‐se, ainda, os tipos de entrevistas predominantes nos estudo que a utilizaram como instrumentos. 10 Este texto é parte dos resultados da pesquisa intitulada: Fracasso Escolar: Gênero e Pobreza (2008-­‐
2010), financiada pelo CNPQ, processo, 400531/2008-­‐9, foi apresentado em versão inicial no British Educacional Research Association Annual conference of BERA (2008) e no IV Seminário Internacional de Pesquisa e Estudos Qualitativos (SIPEQ) em 2010. Considerações sobre o uso da entrevista na pesquisa qualitativa Por que entrevistar? Como resposta a este questionamento compreende-­‐se que a entrevista ocorre por existir o interesse do entrevistador nas histórias que o entrevistado pode contar. Esta é a forma mais simples de se definir o uso de entrevistas em pesquisas. Alguém está interessado em conhecer o outro e fazer sentido das experiências deste outro. Neste sentido, entrevistar ocorre como uma possibilidade e/ou oportunidade para aprofundar e ampliar dados de pesquisa coletados por outros tipos de instrumentos. Esse aprofundamento se dá pela necessidade em entender os participantes através de seu discurso sobre um determinado tema de pesquisa. Na descrição de uma entrevista a ótica e o conteúdo da fala do entrevistado devem ser considerados como principais fontes de dados. Deste modo, o entrevistador talvez possa descrever as percepções, representações, conceitos, valores, dentre outros, de modo mais coerente e claro a partir do que o entrevistado significa com a sua fala. Ao narrar sobre sua história de vida uma pessoa tende a selecionar detalhes para mostrar ao entrevistador como ele faz sentido de algo que julga ser importante para o desenvolvimento da pesquisa deste. O/a entrevistado/a tem consciência de que o/a entrevistador/ra precisa compreender alguma coisa sobre esta história de vida. O entrevistador tem consciência de que a parte da história que está sendo revelada pode não refletir o momento que está sendo vivido por ambos – entrevistador e entrevistado –, mas que é necessário fazer sentido daquele momento. De modo que a história trazida à tona pelo entrevistado precisa ser respeitada e seu significado preservado em termos da contextualização evocada por ele/ela que pode tanto ser posterior quanto anterior ao fato narrado. A contextualização evocada pelo entrevistado é uma parte do todo da consciência maior que ele/ela pretende comunicar sobre o tema abordado (VYGOSTSKY, 1979). É, pois através dessa contextualização dos fatos apresentados que o tema ganha significado na história a ser contada. Há que se destacar que cada palavra do entrevistado é utilizada para significar o contexto do qual tem consciência através da ação ou evento lembrado durante a entrevista e que é importante para ele naquele momento (SEIDMAN, 1998, p.2). A lembrança de fatos e eventos é proporcionada através de canais de comunicação consigo mesmo, cadeias de ideias interconectadas. Portanto, pode-­‐se inferir que entrevista-­‐se alguém para se ter acesso ao conteúdo das informações que uma pessoa tem sobre um determinado tema ligado à memória e lembranças. Para os que se interessam pela entrevista como ferramenta de pesquisa, um dos argumentos para seu uso está na natureza dos conteúdos de fatos, eventos, ideias e conceitos que as lembranças do entrevistado podem evocar. A entrevista é ainda considerada, uma técnica ou instrumento da investigação científica e como tal, possibilita colher dados sobre o dia-­‐a-­‐dia das pessoas e levar estes dados ao nível do conhecimento empírico a ser elaborado de forma científica. De acordo com Labov e Fanshel (1977) a entrevista é um evento de fala que se constitui numa conversa no qual ambos – entrevistador e entrevistado – possuem múltiplas tarefas a serem cumpridas. Estas envolvem engajamento, troca, cumplicidade e doação. Através do desdobramento dessas tarefas esse evento significa uma situação única de compartilhamento íntimo, subjetivo, revelador, cujo produto é uma informação significativa para o entrevistador. Não raro esta informação revela fatos subliminares ao tema estudado e a nível consciente do entrevistado. Além dos fatos subliminares existe uma inferência do entrevistador sobre a realidade compartilhada durante a observação participante e que, muitas vezes, não foi vivenciada por ele. Esta inferência é revelada, quando o entrevistado ao reviver a experiência mutuamente compartilhada expressa uma dimensão subjetiva do que foi observado. Esta experiência se dá através de uma imersão no tema da entrevista de maneira a explicar fatos que são pouco evidentes aos olhos do entrevistado. Ela se dá através da compreensão da realidade vivida por ele e que foi pouco experimentada pelo entrevistador por ser um elemento estranho àquela realidade. Para Goffman (2011) estas instâncias reveladoras, durante uma entrevista, são subjetivas e surgem em forma de quadros, frames e enquadres como em uma cena de filme em câmera lenta. Os quadros em frames (fotos) são visualizados pelo entrevistado, passo a passo e é assim passado para o entrevistador de modo a explicar detalhes dos fatos, auxiliando ambos – entrevistador e entrevistado – a tornarem-­‐se reflexivos e ativos na forma de conduzir a entrevista. De acordo com Seidman (1998) o uso da linguagem contém em si mesmo o paradigma do questionamento cooperativo. Entrevistar é uma forma de pesquisar, recortar narrativas e experiências de comunicação através da linguagem. Entretanto, questiona-­‐se se contar histórias é fazer ciência. O autor responde que as melhores histórias são aquelas que nascem não somente nas mentes das pessoas, mas em seus corações, em suas almas e quando isso acontece, elas têm novas ideias, novas formas de entender as questões que lhes vem a mente. O desafio do método científico é poder servir a esse objetivo. Portanto, segundo o autor, a questão não é se contando histórias se faz ciência, mas se a ciência pode aprender a contar boas histórias (REASON, 1981 apud SEIDMAN, 1998, p.2). A pós-­‐modernidade trouxe para o homem a crise de sentidos (BERGER & LUCKMANN, 2004) e com ela uma maior dificuldade para lidar com o compartilhamento de significado e até mesmo com o reconhecimento desse significado em sua própria vida. A partir do momento, em que a comunidade de vida (idem) perde o sentido, em muitos aspectos, a identidade do indivíduo fica fragmentada (BAUMAN, 1997) e o mesmo, parece não conseguir se expressar livremente sobre si. Neste sentido, promover uma entrevista é tentar gerar significado a partir da troca com o entrevistado, pois este busca o seu posicionamento de vida, a coerência de sua vida, de sua identidade e muitas vezes, diante do conflito em que vive não consegue realizar uma narrativa coerente sobre si. A fragmentação das instituições em que vive, deslocada do ponto principal e do tema da entrevista, faz com que o entrevistado narre a vida de outrem em lugar da sua, uma pessoa distante dele, como se esta fosse a sua própria. A entrevista, segundo Pinheiro (2000, p. 186), pode ser entendida como uma prática discursiva, por meio da qual se produzem sentidos e se constroem versões da “realidade”. Neste sentido Lakatos e Marconi, (1991, p.196) corroboram com Pinheiro e explicam que existem seis tipos de motivações e dificuldades que justificam o uso da entrevista como instrumento: (1) Averiguação de fatos; (2) Determinar opiniões sobre esses fatos; (3) Determinar sentimentos que envolvem esses fatos; (4) Descobrir planos de ação; (5) Entender condutas atuais ou passadas; (6) Entender motivos conscientes para opiniões, sentimentos, sistemas de condutas, dentre outros. Ainda nessa linha pode-­‐se entender as recomendações de Frederick Erickson (1986) quando indica que para realizar uma entrevista é necessário (1) identificar o significado social ou metafórico da fala, bem como seu significado literal ou referencial e (2) identificar significados dos pontos de vista dos participantes nos eventos observados e/ou relatados. Erickson (Idem) recomenda ainda que é fundamental para ambos os atores de uma entrevista os seguintes questionamentos: Quem? O Quê? Quando? Onde? Por quê? Como? Estas perguntas devem ser colocadas a cada assunto novo tratado na entrevista. Elas auxiliam a fazer sentido do que está sendo falado pelo entrevistado: Quem? Refere-­‐
se a identidade do entrevistado no momento da entrevista, o pai, o trabalhador, o filho, o homem pobre, o político, o esposo; O que? Refere-­‐se ao que o entrevistado diz -­‐ reflete sua identidade imediata ligada ao que usualmente ela representa no contexto estudado; Quando? Refere-­‐se a noção de temporalidade, como o entrevistado se posiciona no tempo e no espaço, em relação as noções de hoje, ontem e amanhã, a clareza na definição dos fatos em relação temporal; Onde? Refere-­‐se ao momento histórico atual, da idealização do pensamento atual, por exemplo, quando ao falar da escola que seu filho frequenta hoje, fala-­‐se dela demonstrando noções definidas de contexto, isto é, da escola que vê ou que pensa estar vendo; Por quê? Refere-­‐se a forma de falar, o porque ele fala desta e não daquela forma que o entrevistador o ouviu falar a poucos momentos antes da entrevista. Refere-­‐se a mudança na fala, na compreensão da realidade e suas explicações imediatas; Como? Refere-­‐se ao fazer sentido do que fala, que estratégias usar para significar o mundo. De acordo com Erickson (1986) estas perguntas podem suscitar a reflexão e as percepções dos entrevistados em relação ao entrecruzando categorias de análise fundamentais que suscitam novas questões sugeridas por Spradley (1980 p. 82 e 83) Espaço, como lugares físicos; Ator, aquele que é entrevistado; Objeto, representam as coisas físicas presentes que explicam o que está sendo dito pelo entrevistado; Atividade, caracteriza os eventos e ações do sujeito; Ato, é cena vivida pelo entrevistado; Evento, engloba as acontecimentos em determinado contexto muitas vezes ritualizado; Tempo, é a duração da sequência dos acontecimentos; Objetivo, refere-­‐se ao como as pessoas percebem o seu mundo o que esperam do futuro; Sentimento, relaciona-­‐se às emoções evidenciadas e/ou expressas durante a entrevista. Veja no Quadro I, abaixo, no as interconexões dessas categorias analíticas em forma de questionamentos aos dados, o quadro foi idealizado por Spradley (1980, tradução nossa) e serve de base para as análises que o pesquisador pode realizar ao questionar os dados do seu campo de observação ou das entrevistas. Quadro I-­‐ Analise de dados ESPAÇO OBJETO ATO ATIVIDADE EVENTO TEMPO ATOR OBJETIVO SENTIMENTO ESPAÇO Você pode descrever com detalhes todos os lugares? Como o espaço é organizado pelos objetos? De que modo o espaço é organizado pelas ações? Como o espaço é organizado pelas atividades? De que modo o espaço é organizado pelos eventos? Que mudanças ocorreram com o tempo? De que modo o espaço é usado pelos atores? De que modo o espaço se relaciona com os objetivos? Que lugares se associam aos sentimentos? OBJETO Onde os objetos estão localizados? Você pode descrever em detalhes todos os objetos? De que modo os objetos são usados nos atos? De que modo os objetos são utilizados nas atividades? De que modo os objetos são usados nos eventos? Como os objetos são usados nos diferentes tempos? De que modo os objetos são usados pelos atores? Como são os objetos usados para atingir os objetivos? Quais são todos os modos de evocar sentimentos através dos objetos? ATO Como os atos ocorrem? Como as ações são incorporada
s no uso dos objetos? Você pode descrever em detalhes todas as ações? Como as ações fazem parte das atividades? Como as ações fazem parte dos eventos? Como os atos variam ao longo do tempo? De que modo é a performanc
e dos atores em relação as suas ações? De que modo as ações são relacionadas aos objetivos? Quais são todos os casos que os atos são ligados aos objetivos? ATIVIDAD
E Quais são todos os lugares em que as atividades ocorrem? De que modo as atividades são incorporada
s aos objetos? De que modo as atividades são incorporada
s aos atos? Você pode descrever em detalhes todas as atividades? De que modo as atividades fazem parte dos eventos? Como as atividades variam nos diferentes tempos? De que modo as atividades envolvem os atores? De que modo as atividades envolvem os objetivos? Como as atividades envolvem os sentimentos? EVENTO Quais são todos os lugares onde os eventos ocorrem? De que modo os eventos são incorporado
s aos objetos? De que modo os eventos incorporam os atos? De que modo os eventos são incorporado
s pelas atividades? Você pode descrever em detalhes todos os eventos Como os eventos ocor-­‐rem ao longo do tempo? Existe alguma seqüência? Como os eventos envolvem vários atores? Como os eventos estão relacionado
s aos objetivos? Como os eventos envolvem sentimentos? TEMPO Quando os períodos de tempo ocorrem? De que modo o tempo afeta os objetivos? Como os atos encaixam no período de tempo? Como as atividades encaixam dentro de um período de tempo? Como os eventos se acomodam no período de tempo? Você pode descrever em detalhes todos os tempos? Quando todos os atores se encontram num único estágio de tempo? Como os objetivos se relacionam com os períodos de tempo? Como os sentimentos são evocados nos diferentes períodos de tempo? ATOR Onde os atores colocam-­‐se a si mesmos? De que modo todos os atores usam os objetivos? De que modo todos os atores usam as ações? De que modo os atores se envolvem nas atividades? Como os atores se envolvem nos eventos? Como os atores mudam no decorrer do tempo ou em tempos diferentes? Você pode descrever em detalhes todos os atores? Quais atores estão conectados com quais objetivos? Que sentimentos são experimentado
s pelos atores? OBJETIVO Onde os objetivos são buscados e atingidos? De que modo os objetivos estão envolvidos com os objetos? De que modo os objetivos envolvem as ações? Quais atividades buscam os objetivos? Ou estão ligadas a eles? Quais são todos os modos em que os eventos são ligados aos objetivos? Quais objetivos são organizados em relação ao tempo? Como os vários objetivos afetam os vários atores? Você pode descrever em detalhes todos os objetivos? Quais são todos os modos de os objetivos evocarem sentimentos? SENTIMEN Quando os vários estados de sentimentos ocorrem? Quais sentimentos levam ao uso de quais objetos? De que modo os sentimentos afetam os atos? De que modo os sentimentos afetam as atividades? De que modo os sentimentos afetam os eventos? Como sentimentos se relacionam com os vários períodos de tempo? Como os sentimentos envolvem os atores? Como os sentimentos influenciam os objetivos? Você pode descrever em detalhes todos os sentimentos? TO Fonte: Spradley (1980, p. 82 e 83) Neste segmento do texto foram apresentados considerações sobre o uso da entrevista em pesquisa qualitativa com ênfase na entrevista etnográfica. Buscou-­‐se explorar conceitos e formas de se pensar a entrevista como um instrumento importante de pesquisa que exige o cuidado em sua definição assim como no seu preparo enquanto técnica para a valorizar o contexto a ser pesquisado e principalmente a voz do informante-­‐sujeito da pesquisa. A seguir apresentar-­‐se-­‐á o estudo analítico desenvolvido a partir de textos que versam sobre o fracasso escolar presente na literatura sobre educação e parte do banco de dados realizado para a pesquisa de Mattos; Castro (2010) com a intensão de verificar o uso ou não da entrevista e após essa verificação saber de que modo esta foi utilizada e quem foi o principal informante, assim como as implicações sobre essas escolhas tanto do informante quanto do tipo de entrevista. Analise metodológico-­‐epistemológica dos textos sobre o fracasso escolar Nesta sessão será realizada uma análise metodológico-­‐epistemológica em textos sobre o fracasso escolar11. O acesso a este corpus de dados foi a partir da palavra-­‐chave: fracasso escolar, e a busca se deu em artigos científicos da área da Educação em jornais e revistas científicas de origem nacional assim como em teses e dissertações que universidades brasileira no período entre 1987 a 2007. Uma busca inicial em seiscentos e oitenta e três (683) textos sobre o fracasso escolar indicou que cento e quarenta e nove (149) mencionavam a entrevista como instrumento de pesquisa e deste foram destacados noventa e nove que 99 que falaram dos alunos como objeto/sujeito de suas pesquisas. Esses textos foram analisados através de mapas conceituais em acordo com as perguntas elencadas no Quadro II. Quadro II. Modelo do mapa conceitual utilizado Fonte: Mattos e Castro, 2010 As etapas de análise desenvolvidas foram: Catalogação dos 683 textos sobre fracasso escolar utilizando o software EndNote12; Análise destes textos utilizando o software Atlas.ti tendo como categorias de análise as palavras -­‐ entrevista, conversas, 11
A lista completa com os 683 textos está disponíveis em anexo ao relatório da pesquisa “Fracasso Escolar:
Gênero e Pobreza (2008-2010)” por Mattos e Castro, 2010.
12
Os software EndNote é uma ferramentas digital que permitem a criação de banco de dados bibliográfico e o
Atlas.ti é um software de análise de conteúdo.
pesquisa, questões, procedimentos e instrumentos; Análise das categorias encontradas pela maior frequência de palavras que emergiram do Atlas.ti; Construção do mapa conceitual dos 149 textos com o objetivo de responder as questões propostas; Seleção dos textos que utilizaram entrevista como instrumento de pesquisa, na qual 99 textos foram destacados; Classificação destes textos quanto a sua natureza teórica, empírica e outros tipos; Classificação dos textos selecionados quanto ao uso que fizeram da entrevista, os dados que emergiram desta análise foram: usou entrevista para estudar o tema metodologicamente; usou dados e outras entrevistas para realizar entrevistas no estudo relatado, usou entrevista para falar dela a partir de outros estudos que usaram entrevistas como instrumento; Classificação quanto aos tipos de entrevistas utilizadas a partir de termos identificados no discurso do autor: 1) entrevista aberta, não estruturada, etnográficas; 2) entrevista estruturada; 3) entrevista semiestruturadas e/ou semiabertas e 4) outros tipos de entrevistas: do tipo entrevista clínica e /ou anamnese; combinada com questionário; combinada com observação; combinada com desenho; do tipo focus group; combinada com relatório; do tipo devolutiva e; por fim, quais textos declaram utilizar entrevistas como instrumento sem explicar o tipo ou uso que fizeram das mesmas. Destacaram-­‐se, dentre os diversos tipos de entrevistas mencionados nos estudos analisados a entrevista estruturada, a entrevista aberta e a entrevista semiestruturada que serão exploradas a seguir. Entrevistas estruturada, aberta, semiestruturada e outros tipos No primeiro tipo mencionado a entrevista estruturada é entendida aqui como aquela que inclui perguntas programadas e/ou formuladas previamente que não serão alteradas durante o curso da investigação. Geralmente, segue um roteiro fechado de questões ou um guia. Oposta a esta, encontra-­‐se o segundo tipo, a entrevista aberta que se caracteriza por uma conversa. Pois não segue formalmente um guia e/ou roteiro previamente elaborado. Este tipo é também comparado a um bate-­‐papo, uma conversa informal, um diálogo aberto entre o entrevistador e o entrevistado sobre o tema em estudo. De acordo com Gomes (2004, p.5) a entrevista aberta é aquela que oferece um conteúdo privilegiado para a análise realizada pelo autor e cada entrevista deve ser tomada em sua totalidade. Para isso o discurso escrito precisa ser o mais fiel possível ao discurso falado. Porém, a busca da forma e sentido do conteúdo desse discurso depende de quem os interpreta, as entrevistas etnográficas são as que mais de enquadram neste tipo. O terceiro tipo de entrevista é a semiestruturada na qual tende-­‐se a misturar ambas as características dos tipos de entrevistas descritas anteriormente. Neste tipo de entrevista existe ampla liberdade do pesquisador, ela é flexível e permite perguntas e/ou as intervenções para elucidar um caso particular do roteiro previsto. Neste tipo de entrevista pode existir um guia e/ou um roteiro, mas este é utilizado sem o rigor da entrevista estruturada, podendo sofrer alterações no decorrer da entrevista. Para Triviños (1987 apud SILVA, 2005, p.146) a entrevista do tipo semiestruturada é aquela em que o informante segue espontaneamente uma linha de seu pensamento e pode participar na elaboração do conteúdo da entrevista. Este conteúdo envolve não somente a teoria que advêm do repertório dos entrevistados, mas também, da ação de entrevistar, sendo, muitas vezes, um complemento às informações já obtidas pelo entrevistador sobre o tema de seu estudo no campo de pesquisa. Discussão dos Resultados Os dados resultantes das análises realizadas para o relato deste segmento do texto foram reunidos de duas formas. A primeira em forma de uma tabela 13 com a identificação do texto pesquisado e do tipo de entrevista encontrado. Nela foram destacados itens considerados importantes para a análise da entrevista como metodologia, deles constam – identificação do texto estudado e descrição do mesmo sobre a entrevista Na segunda forma de análise explora o tipo de entrevista identificado no texto pela frequência de cada tipo elaborado. Veja no Quadro III o gráfico contendo os dados numéricos e a tipologia de entrevista. 13
Veja em anexo I ao final do texto a tabela I com os noventa e nove (99) textos.
QUADRO III Tipos de entrevistas nos 99 textos analisados
Semi-­‐estruturada 23 Estruturada 26 Outras pesquisas com uso de entrevista , mas não explica a entrevista Aberta (Conversas informais) Outras (Relatório, devolutiva, focus group, instrumento, observação, desenho,questionários, clínica, anamenese, 22 8 18 Fonte: Mattos; Castro 2010 Conforme apresentado no Quadro III, acima, a maior parte das entrevistas são do tipo estruturada (26) seguida da semiestruturadas presente em 23 estudos e 22 textos que citam usar a entrevista mas não explicam o tipo e as que usam outros tipos de entrevistas que somam 18, restando o menor quantitativo para as entrevistas aberta (8), isso significa que somente 8 de 683 estudos sobre o fracasso ouviu o sujeito do estudo ou ouviu alguém falar sobre ele. O próximo passo desta análise procurou identificar quem foram os entrevistados e como os mesmos são representados em relação ao objeto de estudo – o fracasso escolar. Buscou-­‐se aprofundar nas análises e verificou-­‐se que somente 1 pesquisador ouviu abertamente os alunos os demais ouviram outros sujeitos da escola, com predominância maior em ouvir o professor e os gestores da escola. Conclusão O estudo desenvolvido procurou identificar a presença ou não de alunos como informantes primários possibilitando visualizar como os pesquisadores situam o/a aluno/a, se eles/elas foram ouvidos/as ou não, em destaque nos estudos sobre o fracasso escolar. A escolha por analisar os estudos sobre o fracasso escolar se deu na medida em que pesquisas sobre o fracasso escolar são necessárias, não somente para dar sentido aos novos processos de avaliação, mas para entender a subjetividade imersa no estigma e na realidade do aluno e aluna fracassados na escola e buscar indicadores mais sensíveis à realidade educacional para o seu enfrentamento e prevenção. O não-­‐indicativo da fala dos alunos e alunas foi ilustrado nas análises realizadas. Destas, depreendeu-­‐se, como ilustrado no Quadro III, que comparando o total dos seiscentos e oitenta e três (683) estudos examinados em termos de sua natureza, somente cento e quarenta e nove (149) optaram por ouvir os participantes da pesquisa sobre o tema fracasso escolar. Este dado indica que os demais falaram “sobre” fracasso escolar teoricamente, utilizando a literatura disponível para apoiar ou criar seus argumentos. Destaca-­‐se, de modo surpreendente, que em oito (8) textos, apenas 1 utilizou a entrevista aberta com o objetivo de ouvir o aluno fracassado. Os demais, embora variando o modelo de entrevistas, falam “com” e “sobre” o fracasso abordando diferentes pessoas envolvidas no processo, exceto o aluno e a aluna, vítimas do processo de exclusão e fracasso escolar. Outro dado a ser destacado é que 26 textos utilizam entrevistas estruturadas no total de trabalhos que mencionam o uso da mesma. Pode-­‐se inferir sobre uma dificuldade, entre os pesquisadores, em lidar “com a fala do outro”, ao mesmo tempo, indicando a necessidade de controlar “o que este outro fala”. Deduz-­‐se que “a priori” o “outro” deve ser capaz de “dizer” aquilo que está previsto no script do ouvinte ou deverá manter-­‐se “calado”, pois o pesquisador possui uma agenda própria para a realização de seu estudo. A utilização da entrevista não indica a inclinação do pesquisador para “ouvir”, muitas vezes, apenas porque a técnica escolhida para coletar seus dados deve incluir a dita “voz do oprimido”. Voz esta que é amplamente utilizada nas publicações disponíveis em Educação desde os trabalhos de Paulo Freire (1966). Contudo, na maioria destas publicações a menção à voz do oprimido, de que nos fala Freire, não levam em conta as considerações feitas por este autor que indicam o significado de “ouvir” e de “ser ouvido”. Deste modo, pretende-­‐se não somente contribuir para os estudos qualitativos, como a etnografia, mas traçar um perfil de pesquisas que utilizam entrevistas identificando o uso que fizeram da mesma. Referências ALVES, Alda Judith. O planejamento de pesquisas qualitativas em educação. Cadernos de Pesquisa, São Paulo (77): 53-­‐61, maio, 1991. BAUMAN, Zygmunt. O mal-­‐estar da pós-­‐modernidade Rio de Janeiro: Zahar Editor (Tradução: Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama), 1997. BERGER, P. L.; LUCKMANN T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004. ERICKSON, F. Qualitative methods in research on teaching. In: WITTROCK, M. C. (Ed.). Handbook of research on teaching. 3rd ed. New York: Macmillan, 1986. FREIRE, P., Educação como prática da liberdade. 23 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1966. GOFFMAN, Erving. Rituais de Interação: Ensaios sobre o comportamento Face a Face. Petrópolis: Editora Vozes[1967] 2011. 255p. GOMES, R. D. C. O. Conversando com mães e professoras sobre as orquídeas e os girassóis da exclusão: Teorias subjetivas sobre práticas de educação e desenvolvimento infantil, em instituições comunitárias. Niterói, RJ, 2004. 271 p. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Educação, Universidade Federal LABOV, W; David Fanshel. Therapeutic Discourse: Psychotherapy as Conversation. New York: Academic Press, 1977. LAKATOS, E. M. e MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1991. MATTOS, C.L.G de; Castro, P. A de. Fracasso Escolar Gênero e Pobreza. Relatório final de Pesquisa. CNPq. UERJ. NETEDU: Rio de Janeiro. Publicação on-­‐line: www.netedu.pro.br, 2010 PINHEIRO, Odette de Godoy. Entrevista: uma prática discursiva. In: SPINK, Jane Mary (Org). Práticas Discursivas e a produção de sentido no cotidiano – aproximações teórico e metodológicas. São Paulo: Cortez Editora, 2000. SEIDMAN Irving, Interviewing as qualitative research; a guide for researchers in Education and the social sciences, 2nd ed. Teacher College Press: New York: 1998. SILVA, W. L. D. Aluno Invisível: o professor olhou e não viu. Rio de Janeiro, 2005. 257 p. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro. SPRADLEY, J. P. 1980 -­‐ Participant Observation, Holt, Richart & Winston (Eds). TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais. 1ª edição. São Paulo: Atlas Editora.1987. 176 p. VYGOTSKY, L.S Pensamento e Linguagem. Lisboa, Portugal: Anídoto, 1979. Anexo I-­‐ Tabela I Entrevista nos estudos sobre Fracasso escolar (99 textos) Nº 1. 2. 3. UTILIZA OUTROS TEXTOS COM ENTREVISTA Sobre o texto Descrição (ALVES, 1991) O planejamento Como instrumento. "As entrevistas de pesquisas qualitativas em qualitativas são geralmente muito pouco educação. estruturadas, assemelhando-­‐se mais a uma conversa do que a uma entrevista formal. Mesmo nesses casos, porém, é possível indicar no projeto o objetivo geral da entrevista e, frequentemente, os principais aspectos que pretende indicar o número aproximado de entrevistas e o tipo de respondentes (por exemplo, alunos, pais, professores, etc.)" p. 60. (BRANCALHONE, et al., 2004) Outras pesquisas. “Foi realizada uma Crianças expostas à violência entrevista com as mães dos grupos a e b conjugal: avaliação do para se obter dados sobre a ocorrência desempenho acadêmico. Estudo da violência, renda, constituição familiar realizado em Escolas municipais e o desempenho da criança na escola” (p. e estaduais de São Carlos 114). comparou crianças expostas à violência conjugal com crianças não expostas, controlando variáveis significativas como sexo, idade, escolaridade, condição socioeconômica e constituição familiar. “Apesar dos controles tomados, trata-­‐se de um estudo correlacional, frequente em pesquisas que buscam compreender o fenômeno da violência”. (DEGENSZAJN; PATAH; Outras pesquisas que utilizam entrevista KOTSUBO, 2001) Fracasso como instrumento de coleta de dados. escolar: uma patologia dos Segundo pesquisa de Collares e Moysés nossos tempos? (1992), realizada a partir de entrevistas com professores e diretores da rede pública em Campinas, SP, foi possível constatar que 92% dos entrevistados acreditavam que o fracasso escolar deve-­‐
se a problemas emocionais ou neurológicos das crianças e a totalidade afirmou que as dificuldades escolares têm como causas problemas biológicos e de desnutrição. 4. 5. 6. 7. 8. (DAYRELL; GOMMES, s/d) A juventude no Brasil. Segundo a pesquisa, o jovem não é levado a sério, exprimindo a tendência, muito comum nas escolas e programas educativos, de não considerar o mesmo como interlocutor válido, capaz de emitir opiniões e interferir nas propostas que lhes dizem respeito, desestimulando a sua participação e o seu protagonismo. (MANCE, 1999) Globalização, Dependência e Exclusão Social -­‐ O Caso Brasileiro. / Ano de coleta: 1999. O ensaio apresenta, concisamente, um esboço de como a globalização vem afetando a realidade brasileira. (MAZZOTTI, 2002) Repensando algumas questões sobre o trabalho infanto-­‐juvenil. Ano de coleta: 2001. Repensar questões sobre o trabalho infanto-­‐juvenil. (NAJJAR, 2005) O programa nova escola e a implantação do “sistema permanente de avaliação das escolas da rede pública de educação do Rio de Janeiro”. Ano da pesquisa: 2005. O texto tem o objetivo de investigar a avaliação do programa nova escola. (PAIVA, 1998) Considerações sobre três pesquisas realizadas em escolas brasileiras. Ano da pesquisa 1998. O texto tem como objetivo contribuir para a Outras pesquisas. Levantamento de dados de pesquisas já anteriormente realizadas pelo Censo, PNAD, IPEA e UNESCO, em sua grande parte de caráter estatístico, possuindo entrevistas e dados do PNAD. Os dados foram revisitados como forma de demonstrar as teorias sobre juventude levantadas no texto. Outra pesquisa. Faz referencia a pesquisa realizada pelo IBGE para 58% dos entrevistados, a referência para o voto é o candidato e não o partido. A maioria dos eleitores não se preocupa com a identificação ideológica dos partidos e, após escolher um candidato, não se preocupa em saber o que ele realmente faz com o mandato que lhe foi conferido, caso tenha sido eleito. A pesquisa apontou por fim que, entre todos os meios para se obter informação sobre acontecimentos políticos, a televisão é preferida por 80% dos entrevistados, sendo que 30% também usam outros meios que não a TV. (p.36) Outras pesquisas que utilizam entrevistas: “Os resultados indicaram que a quase totalidade dos entrevistados acha que o trabalho não interfere nos estudos”. Outra pesquisa. Análise teórica sobre o programa nova escola. Faz referencia a uma entrevista realizada com diretores da escola. Outra pesquisa. Ensaio da Vanilda Paiva sobre três pesquisas que utilizam entrevista. 9. 10. 11. melhoria das oportunidades de vida dos brasileiros pobres, através de um maior conhecimento sobre como a educação e os serviços educacionais, em especial a escola pública, são vistos pelos seus usuários em diferentes regiões do país. (SETTON, 2005) Um novo capital cultural: pré-­‐disposições e disposições a cultura informal nos segmentos com baixa escolaridade. Ano da pesquisa: 2000-­‐2002. Com objetivo de analisar alguns aspectos das trajetórias pessoais e familiares de alunos que tiveram um sucesso acadêmico improvável. (SPOSITO, 2002) Juventude e Escolarização (1980-­‐1998). Ano da pesquisa: 1980-­‐1998 com o objetivo de analisar como está sendo vista a juventude no interior da área da educação (p.5). Outras pesquisas. “Os dados apresentados neste artigo se referem, sobretudo às entrevistas feitas com dez (10) alunos e algumas de suas mães, a fim de apreender a articulação das configurações familiares e o sucesso escolar apresentado. Após um exaustivo trabalho que visou à localização dos estudantes, escolhi aqueles que respondiam, em grande parte, às exigências da pesquisa” (p.88). Como instrumento. Foi realizada uma revisão bibliográfica em várias pesquisas que utilizam entrevistas. Os trabalhos foram selecionados e indexados em uma base de dados mediante a utilização do software Microisis, sob a orientação e supervisão do Serviço de Informação e Documentação (SID) de Ação Educativa. Após a recuperação do exemplar original, a dissertação ou tese foi submetida a uma análise mediante utilização de planilha (modelo anexo ao trabalho) que permite identificar suas principais características. Um conjunto de descritores foi consolidado em um tesauro específico da área de Juventude, desenvolvido pelo SID, tendo sido também elaborado um novo resumo para cada documento (p.6). UTILIZA A ENTREVISTA COMO INSTRUMENTO ABERTA (ACHUTTI e HASSEN, 2004) Utiliza tanto as entrevistas mais Caderno de Campo digital -­‐ próximas a conversas informais quanto antropologia em novas mídias/ as foto entrevistas. As fotoentrevistas são Ano de coleta: 2002. Buscou uma técnica que implica usar, em visitas registrar as transformações por sucessivas, as fotografias já tiradas como que passa uma comunidade meio de propor e/ou balizar novas rural e pesqueira pertencente a entrevistas e, com isso, ao mesmo tempo 12. 13. Viamão, na grande Porto Alegre, RS, Brasil, margeada pelo rio Guaíba (na verdade, lago) e pela lagoa dos patos (na verdade, laguna), com a chegada do asfalto. Principais autores: Collier Jr. In (Collier Jr.; Collier, 1986). (ANDRÉ, 1991) Questões do cotidiano na escola de 1 ° grau. / ano de coleta: 1984. Tipo de pesquisa de abordagem etnográfica, teve como objetivo geral da pesquisa verificar o tipo de prática pedagógica que interfere de forma positiva no desempenho escolar das crianças das camadas populares. Refere-­‐se à pesquisa feita por André e Mediano. (COSTA, 2004) Aprendendo a ensinar com alunos e alunas marcados pelo fracasso escolar: alinhavando retalhos da caminhada a dissertação expressa a tentativa de viver o exercício da pesquisa no cotidiano escolar, espaço-­‐tempo de onde fala a pesquisadora. Apresenta reflexão sobre os caminhos que tem encontrado para realizar a prática pedagógica no projeto lendo e escrevendo com os alunos e alunas classificados pela escola como “incapazes” para aprender ou como os que possuem dificuldades de aprendizagem. A autora procurou mostrar que, ao assumir uma postura investigativa, pode ajudar melhor seus alunos e alunas a acreditarem que são capazes de aprender e, ao mesmo tempo, contribuir para que a escola olhe para as possibilidades de aprendizagem, especialmente dos alunos das classes em que se vai aprofundando o trabalho, vai-­‐se fazendo a restituição dos dados. P. 15. Teve com objetivo investigar o encontro do tradicional com o moderno. Utilizou entrevistas em contatos diretos com a direção da escola, equipe técnico-­‐
administrativa e com os docentes, através de entrevistas individuais ou coletivas ou mesmo conversas informais, além de um acompanhamento das reuniões e atividades escolares e de forma intensiva. Na pesquisa, trabalho com materiais produzidos pelas crianças durante os encontros do projeto e, também, em outros espaços; recorro às conversas com várias professoras em espaços formais e informais, inclusive durante algumas entrevistas; diálogo com depoimentos de alguns familiares, além de usar o relato escrito da trajetória escolar de alguns alunos e alunas, produzido pelos responsáveis; uso os meus relatórios das atividades realizadas pelos alunos no projeto e conto com a minha memória dessa história da qual essas crianças são parte. 14. 15. populares. (DANAGA, 2005) Desenvolvimento de um programa educacional de formação continuada: o tornar-­‐
se educacional a partir de reflexões e (trans) formações em busca de melhoria do ensino e da aprendizagem. / ano de coleta: 2002. (GOMES, 2004) Conversando com mães e professoras sobre as orquídeas e os girassóis da exclusão: teorias subjetivas sobre práticas de educação e desenvolvimento infantil, em instituições comunitárias. Ano da coleta: 1998-­‐2000 O principal objetivo da pesquisa de dissertação de mestrado foi dar visibilidade às crenças e valores de mães e professoras, de quatro instituições de educação infantil comunitária, do município de Duque de Caxias. Dissertação de mestrado do tipo de pesquisa qualitativa. Utiliza entrevista como instrumento de coleta de dado, organizadas em blocos de três momentos: anterior ao curso, para conhecer as expectativas dos participantes sobre o programa, na metade para saber a opinião sobre o seu desenvolvimento e no fim, para objetivar a análise dos resultados. P. 36 As entrevistas consistem em obter informações por meio de perguntas, deixando as respostas livres, menos estruturadas. Ludke e André (1986, p.35) ensinam que “quando se quer conhecer, por exemplo, a visão de uma professora sobre o processo de alfabetização [...] É melhor nos prepararmos para uma entrevista mais longa, mais cuidadosa, feita provavelmente com base em um roteiro, mas com grande flexibilidade (p.38) A entrevista aberta, comum nas pesquisas em que se utiliza a investigação qualitativa, é ideal deixar os sujeitos expressarem livremente suas opiniões sobre determinados assuntos, como nos esclarece Bodgan e Biklen (1994). Particularmente aprecio este tipo de entrevista que dá margem a uma gama de detalhes não conseguida ou atingida com uma entrevista estruturada (p.38) Entrevistas com as professoras, gravadas em áudio -­‐ tape, constando dos seguintes tópicos: objetivos educacionais, estratégias sobre forma de educar, relação específica entre as estratégias e os objetivos selecionados, formas de educar, concepção de criança ideal e seleção de crianças consideradas fáceis ou difíceis. As mães dos alunos também foram entrevistadas. A entrevista aberta é o material privilegiado da análise da enunciação e cada entrevista é tomada na sua totalidade, tentando-­‐se fazer o discurso escrito o mais fiel possível ao discurso falado. Porém, a busca da forma e sentido de seu conteúdo, depende de quem as 16. 17. 18. 19. (MARENDINO, 2004) Mitos relacionados ao fracasso: relações entre saúde e escola dentro de um ambulatório em Cabo Frio. Dissertação de mestrado. Tem como objetivo compreender aspectos das relações entre saúde e escola vivenciadas no espaço de um posto de saúde municipal e dentro de uma abordagem do cotidiano. (MOYSÉS e COLLARES, 1997) Inteligência Abstraída, Crianças Silenciadas: as Avaliações de Inteligência. Ano da pesquisa: 1996. O texto tem o objetivo de ouvir as opiniões de profissionais da educação e da saúde acerca das causas do fracasso escolar, escutando suas falas, aproximando-­‐nos de suas formas de pensamento sobre escola, processo ensino-­‐
aprendizagem, fracasso escolar, papel dos profissionais e das instituições de educação e de saúde etc. (p.1). (PEREGRINO, 2006) Desigualdade numa escola em mudança: trajetórias e embates na escolarização pública de jovens pobres. Ano da pesquisa: 2005. Com o objetivo de “desvendar uma relação: entre a instituição escolar e os jovens pobres que passam a habitá-­‐la, nos marcos de sua expansão.” P. 7 (SERPA, 2006) Cultura Escolar interpreta (p.15). A adoção da entrevista como procedimento metodológico possibilita a obtenção de dados objetivos e subjetivos acerca da temática investigada. (nota, p.94) Segundo Bardin (1977) “na análise da enunciação, as palavras são ao mesmo tempo espontâneas e constrangidas pela situação de entrevista” (p.14). Aberta/ Etnográfica. Pesquisa qualitativa, etnográfica e narrativa. Observando o cotidiano, de pacientes e suas famílias no banco de espera do ambulatório, pude perceber a riqueza contida nas conversas informais, nos contatos e trocas estabelecidas entre eles no momento da espera do atendimento e, também, nos tempos de entrevistas (p.18). Ouviu opiniões. Menciona sua realização durante o trabalho: “a identidade das opiniões dos profissionais da saúde e da educação é tão intensa, nesta questão, que não se consegue identificar a formação de quem fala, a partir da análise de conteúdo, mesmo quando o assunto refere-­‐se especificamente a problemas de saúde que, na opinião do entrevistado, impediriam ou dificultariam a aprendizagem” (p.2). Utiliza entrevistas e conversas informais (p.6)a como instrumento de coleta de dados. Não explica o tipo de entrevista utilizada, trabalhando com os dados obtidos nas entrevistas, afirmando ter feito entrevistas e conversas informais. P.6 Sobre a escolha do método diz: "o 20. 21. em Movimento: Diálogos Possíveis. Ano da pesquisa: 2004/2006. Com o objetivo de refletir sobre a forma como as diferentes opiniões/concepções sobre o processo de aprendizagem – principalmente da língua escrita – influenciam o processo de adesão/rejeição dos alunos que tiveram acesso à classe de ensino fundamental regularmente. (SOUTO; FONTOURA, 2002). Inclusão/Exclusão: Estratégias que facilitam o sucesso escolar. Ano da pesquisa: 2001 com o objetivo de estudar a possibilidade do sucesso escolar a partir da dimensão da inclusão, numa abordagem sócio-­‐cultural. caminho escolhido me levou a retomar as conversas do café em entrevistas com as professoras que participaram comigo das classes de progressão em 2004 e que permaneceram neste espaço: Virna e Ana Cristina” (p.12). Aberta / Etnográfica. Utiliza entrevista como instrumento de coleta de dados. Foi uma pesquisa qualitativa realizada numa abordagem etnográfica de sala de aula, sendo a entrevista organizada da seguinte forma: “Os alunos entrevistados encontram-­‐se na faixa etária de 12 a 16 anos, todos oriundos da 2ª série, com distorção idade/série e com possibilidades de alcançar a 5ª série através do programa de Aceleração da Aprendizagem, a fim de regularizar o fluxo escolar” (p.4). SEMI-­‐ESTRUTURADA (ALMEIDA, 2005) Da igualdade Foram realizadas entrevistas semi-­‐
de direitos ao direito a diferença: estruturadas. As entrevistas foram interfaces no cotidiano de uma utilizadas em conjunto com a observação escola plural. Dissertação de participante e a análise de documentos, mestrado. Utiliza o estudo de dentre outros. caso como principal instrumento A autora argumenta que: “as entrevistas de pesquisa. semi-­‐estruturadas se caracterizam pela elaboração de um roteiro, previamente elaborado pelo/a pesquisador/a, que serviu de orientação no momento da “conversa” com o entrevistado.” (p.39). Para o uso de entrevista descreve que: “trata-­‐se de um recurso utilizado para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito. Tal recurso permite ao pesquisador/a desenvolver uma idéia sobre formas como os sujeitos interpretam e se posicionam perante a realidade e ao vivido. Além disso, as entrevistas realizadas entre vários sujeitos permitem a obtenção de dados comparáveis” (p.36). 22. (ARAUJO, 2001) As marcas da violência na constituição da identidade de jovens da periferia. / período de coleta de dados: 2001. “Pesquisa busca compreender as vivências escolares de jovens alunos moradores da Vila da Luz, que se localiza na periferia de Belo Horizonte, cujo cotidiano é marcado pela violência, pela insegurança pública e pela exclusão social” (p. 141). Atividades em grupo filmadas pelos próprios alunos, com exceção das associações livres, que não foram filmadas. Essa metodologia se justificou pela necessidade de não expor os jovens moradores da Vila da Luz separando-­‐os dos demais e, sobretudo pela dificuldade encontrada em reuni-­‐los ao mesmo tempo e também nos mesmos dias (p. 143). 23. (BORUCHOVITCH, 2001) Conhecendo as crenças sobre inteligência, esforço e sorte de alunos brasileiros em tarefas escolares. Este trabalho teve como objetivo investigar crenças sobre inteligência, esforço e sorte entre escolares do ensino fundamental. A amostra foi composta de 110 alunos de terceira, quinta e sétima séries de uma escola pública de Campinas. Os sujeitos eram de ambos os sexos e provenientes de famílias de nível sócio-­‐
econômico desfavorecido. (CABRAL, 2002) Gravidez na adolescência e identidade masculina: repercussões sobre a trajetória escolar e profissional 24. do jovem. “O universo da paternidade na adolescência no que tange à conjugação entre gravidez e trajetória escolar e “Pesquisa de caráter investigatório, utiliza observação, conversas informais com os alunos (nas salas de aula, durante o recreio, nas entradas e saídas da escola, etc.) E entrevistas semi-­‐estruturadas. Atividades em grupo a partir de exposição de gravuras, da exibição (parcial) de uma fita de vídeo e de associações livres a partir de palavra indutora. Realizou ainda um questionário enviado para as diretorias das escolas de Belo Horizonte, no qual elas deveriam responder perguntas sobre a violência. Pesquisa de campo. Utiliza entrevista como instrumento de coleta de dados. Os sujeitos foram entrevistados individualmente e seus conceitos foram mensurados por questões abertas e fechadas. Trata-­‐se de uma pesquisa qualitativa que utiliza a técnica de entrevistas em profundidade junto a jovens moradores de uma comunidade na cidade do Rio de Janeiro. A pesquisa foi realizada sob os moldes dos estudos etnográficos, ainda que a coleta de dados por meio de entrevistas individuais semi-­‐estruturadas profissional de jovens oriundos das camadas populares” (p.179). Realizado em uma comunidade favelada da cidade do Rio de Janeiro. Ano da coleta: 2002. 25. 26. (FEIJÓ e ASSIS, 2004) O contexto de exclusão social e de vulnerabilidade de jovens infratores e de suas famílias. Pesquisa de campo e análise de conteúdo. O presente artigo relata o resultado de uma pesquisa de campo realizada entre abril e novembro de 1997, quando foram entrevistados 61 jovens infratores que estavam cumprindo medida sócio-­‐
educativa em instituições do Rio de Janeiro e Recife. Este trabalho é um recorte de uma pesquisa mais ampla, que deu base para a tese de doutorado da primeira autora (Feijó, 2001), realizada com a participação de pesquisadores do centro latino-­‐
americano de estudos de violência e saúde (CLAVES/FIOCRUZ). (HECKET, 2004) Narrativas de resistências: educação e políticas. / ano de coleta: 2004 / tese de doutorado Pesquisa de campo e metodologia cartográfica-­‐
narrativa. “O objetivo desse trabalho foi acentuar as batalhas cotidianas que engendram outros possíveis, focalizando as lutas travadas no campo da escola pública. Portanto, o foco principal desse trabalho centrava-­‐se em captar as ressonâncias dessas batalhas, para indicar que a potência de resistência pode ser constrangida, neutralizada, mas tenha sido preponderante. A utilização de “redes sociais ou de amizade”. Técnica em que um participante faz novas indicações ou mediações com outros possíveis informantes de suas redes de relações, foi fundamental para a constituição de um network. Foram levantados dados sobre o núcleo familiar de cada entrevistado, sendo tratados segundo a técnica de análise de conteúdo. Foram realizadas duas entrevistas semi-­‐estruturadas com cada jovem, totalizando 61 infratores, sendo 50 no Rio de Janeiro e 11 em Recife. Na pesquisa-­‐mãe foram entrevistados 31 irmãos dos infratores, cujos dados não foram utilizados aqui, por fugir dos objetivos do artigo. Entrevistas semi-­‐estruturadas realizadas com os seguintes sujeitos: professores, funcionários de apoio, diretores, equipes técnicas das Secretarias Municipais de Educação, secretários municipais de educação, pais, alunos, consultores da pesquisa e diretoria do sindicato dos profissionais da educação nos municípios de Belo Horizonte, Porto Alegre e Belém. Na análise da equipe coordenadora da secretaria e de alguns professores entrevistados, os ciclos constituíam-­‐se como ciclos de ensino que mantinham a concepção de série. jamais estancada.” Obs.: Entrevistou alunos. 27. (HEILBON et al., 2002) Aproximações sócio antropológicas sobre a gravidez na adolescência. Ano da coleta: 1998-­‐2000. Pesquisa qualitativa. O objetivo desse trabalho foi discutir a questão da gravidez na adolescência enquanto um problema social. Jovens do rio de janeiro, salvador e porto alegre. Discutir a questão da gravidez na adolescência enquanto um problema social. Um dos projetos utilizados nessa pesquisa, o gravador, conta com apoio do CNPq. 28. (LEITE, 1998) A concepção do (a) professor (a) sobre a prática pedagógica de avaliação. / ano de coleta: 1986-­‐1997. Compreender a prática de avaliação desenvolvida pelos professores de 1ª a 4ª séries do 1º grau. 29. (LUCIANO, 2006) Representações de professores do ensino fundamental sobre o aluno. Dissertação de mestrado. Pesquisa qualitativa. Teve como objetivo investigar as representações de professores do ensino fundamental sobre o aluno de Escola Pública Estadual. Os resultados evidenciaram que a maioria das professoras não se reconhece no sucesso nem tampouco no fracasso de seus alunos. Dessa forma, se desvinculam de sua responsabilidade frente ao aprendizado deixando o aluno à deriva”. P.15. 30. Inquirir pessoas pertencentes a uma faixa etária subseqüente ao que se convenciona definir como adolescência (10 a 19 anos). Questionários e entrevistas semi-­‐abertas. Foram entrevistados jovens de 18 a 24 anos à luz da técnica de reconstrução retrospectiva de biografias. Inquirir pessoas pertencentes a uma faixa etária subseqüente ao que se convenciona definir como adolescência (10 a 19 anos), além de possibilitar distanciamento e avaliação da história pregressa, permitiu contornar uma das grandes dificuldades dos estudos com adolescentes: a autorização de um responsável para a participação na pesquisa Entrevistas com roteiro semi-­‐estruturado flexível. Observações participantes e entrevistas. A estratégia de entrevista adotada, já utilizada por outros pesquisadores do gepised como Carraro (2002), Figueiredo (2004), Garde (2003) e Silva (2002), se encontra melhor descrita em Carraro (2002) e se configura como uma estratégia quase projetiva que tem como objetivo fornecer manifestações verbais mais profundas dos professores, a fim de apreender as suas representações acerca do tema apresentado (p.65) “A investigação se deu por meio da observação participante e de entrevistas individuais semi-­‐estruturadas com as professoras. As entrevistas aconteceram em duas etapas: 1º etapa: investigação sobre a trajetória profissional e a formação acadêmica; 2º etapa: percepções e crenças sobre o aluno.” P.15 (MARÇAL, 2005) A queixa Entrevistas semi-­‐dirigidas e 31. escolar nos ambulatórios de saúde mental da rede pública de Uberlândia: práticas e concepções dos psicólogos. Ano de coleta: 2003-­‐2004. Pesquisa qualitativa, dissertação de mestrado. Verificar as demandas de queixas escolares para a área de saúde mental e o atendimento e a compreensão dos profissionais dessa área sobre essa demanda. Geralmente as questões escolares não são consideradas, e os profissionais acabam apontando exclusivamente problemas familiares e emocionais, compactuando com a escola que patologiza e estigmatiza as crianças. Pesquisa realizada na rede pública de saúde mental de Uberlândia, MG. As equipes de saúde constataram que há um reconhecimento dos educadores de que a tendência é sistematizar o olhar para o aluno que se sai melhor, pois o fracasso da criança aponta para as dificuldades do professor, gerando angústias e ansiedades. Dessa forma, colocam-­‐se as causas como externas à escola, pela própria dificuldade do docente em repensar a sua prática. (MARRIEL, 2006) Violência escolar e auto-­‐estima de adolescentes. Estudo quantitativo. levantamento de dados. Foram realizadas entrevistas semi-­‐dirigidas, gravadas em áudio, com psicólogos alocados em ambulatórios, e o levantamento de dados dos prontuários de crianças atendidas em ambulatórios, para identificação dos atendimentos recebidos De forma interessante, Queiroz (op.cit., p.98) escreve sobre como vão se construindo os encontros entre o pesquisador e o pesquisado e suas interfaces durante o processo. Para a autora “nas entrevistas gravadas, o pesquisador se encontra diante do texto em três circunstâncias diversas, pelo menos: na realização do depoimento; na escuta da gravação para a transcrição escrita; na leitura aprofundada do documento escrito” (p. 88) Complementarmente e de maneira ilustrativa, são apresentadas e discutidas falas de jovens com alta e baixa auto-­‐
estima, de acordo com os escores dos resultados quantitativos, provenientes de 13 entrevistas semi-­‐estruturadas. Por meio dessas entrevistas procurou-­‐se investigar a história de vida do aluno, vivências escolares, competência acadêmica e valores, atitudes e opiniões. 32. 33. 34. 35. (MONACO, 2003) Escola do Futuro: Desafios e Perspectivas de um Projeto Inovador na Escola sob a Ótica de seus Sujeitos. / Ano de coleta: 2003. Dissertação de mestrado. Desvendar o que uma escola espera com a implantação de um projeto de inovação tecnológica. Realizado em Escolas Municipais de Ensino Fundamental. (NASCIMENTO, 2007) Dramas e tramas do (não) aprender: significações sobre o sujeito que apresenta dificuldades de aprendizagem. Ano da pesquisa: 2005 O texto tem o objetivo de “investigar e apreender as significações construídas por professores, pais e alunos sobre o sujeito que apresenta dificuldades de aprendizagem e suas inter-­‐relações na constituição de eu e do outro, utilizando como aporte teórico a perspectiva histórico-­‐cultural” (p. 09). (NOGUEIRA, 2004) Favorecimento econômico e excelência escolar: um mito em questão. Ano da pesquisa: 2000-­‐
2001. O objetivo do texto é conhecer as histórias escolares dos jovens e as estratégias educativas postas em prática por esses pais ao longo desses itinerários. Semi-­‐estruturado + roteiro. Tomando como principal fonte de dados depoimentos coletados por meio de entrevistas com roteiro semi-­‐
estruturado. “Foram entrevistadas duas crianças do ensino fundamental (1ª a 4ª séries) com diagnóstico de dificuldades de aprendizagem, suas respectivas mães e professoras, com gravações em áudio, realizadas individualmente, com 40 minutos cada” (p. 09). Entrevistas semi-­‐estruturadas para as mães e professoras (p.63). A entrevista, segundo Pinheiro (2004, p. 186), pode ser entendida como “uma prática discursiva, ou seja, entendê-­‐la como ação (interação) situada e contextualizada, por meio da qual se produzem sentidos e se constroem versões da ‘realidade’” (p. 60). Trata-­‐se de um estudo realizado, em 2000-­‐2001, junto a 25 famílias de grandes e médios empresários/ empresárias de Minas Gerais. Seu objetivo era conhecer as histórias escolares dos jovens e as estratégias educativas postas em prática por esses pais ao longo desses itinerários. Como instrumento de coleta dos dados, utilizei-­‐me de entrevistas semidiretivas feitas com os próprios jovens e com suas mães, separadamente. O estudo baseia-­‐se, portanto, num corpus formado por 50 entrevistas (p.3). (NUNES, 2005) No cotidiano da escola (pública): algumas Entrevistas individuais semi-­‐
contribuições da psicologia escolar para a prática de estruturadas baseadas em um roteiro de professoras das séries iniciais do questões, referentes a dados pessoais, e duas abertas sobre dificuldades 36. 37. 38. ensino fundamental. Ano da pesquisa: 2004-­‐2005. O texto tem como objetivo investigar a prática das professoras das séries iniciais, com o intuito de saber o que pensam que lhes falta em seu trabalho cotidiano para lidar com alunos e aliar isso ao que esperam do psicólogo escolar (p.82 e 83). (OLIVEIRA, 2003) Fracasso Escolar: “Cultura do Ideal” e “Cultura do Amoldamento”. Ano da pesquisa: 2003. O objetivo do texto é “identificar e compreender as novas formas de fracasso escolar numa escola onde não deve mais haver o mecanismo da repetência, mas que se revela excludente, como mostram pesquisas recentes que discutem as conseqüências da não-­‐reprovação -­‐ sintetizadas pelos resultados insatisfatórios demonstrados pelos alunos nas avaliações a que são submetidos, e que revelam a baixa qualidade do ensino na escola pública, a diplomação do não-­‐saber” (p. 1 e 2). (PIMENTEL, 2006) Prática Pedagógica e Diversidade. Ano da pesquisa: 2006. Com o objetivo de buscar respostas à diversidade cultural existente no cotidiano da instituição escolar. (QUAGLIATO, 2003) Os estudos de recuperação no ensino fundamental: aprendizagem ou discriminação? Ano da pesquisa: 2002. A finalidade da pesquisa foi localizar as normatizações federais e estaduais que analisaram, explicaram e conceitualizaram os estudos de recuperação, desde sua implantação até o início do ano de 2002, foi procurar identificar encontradas na sua prática. Após essa, foram realizadas mais duas entrevistas individuais com as professoras “com o intuito de aprofundar em algumas questões que considerava importante para complementar as informações” (p.84). Para desenvolver essa pesquisa na escola, os procedimentos propostos inicialmente para a investigação foram: observação direta, entrevistas semi-­‐estruturadas e análise de documentos institucionais. Sobre as entrevistas realizadas afirma a autora: "a realização das entrevistas foi essencial para conhecer individualmente os seus atores, revendo expectativas, ampliando a compreensão da realidade observada” (p.8). “Os procedimentos metodológicos utilizados para obtenção dos dados constaram de entrevistas semi-­‐
estruturadas, com itens abertos, registros de depoimentos escritos e orais sobre atividades de sala de aula e reuniões do grupo” (p.10). Entrevistas semi-­‐estruturadas. “A opção por entrevistas semi-­‐estruturadas proporcionou maior liberdade para os diálogos e para a expressão do pensamento dos professores os quais que se posicionaram em relação às últimas reformas ocorridas no estado de São Paulo, valorizando os tópicos que havíamos escolhido sobre a temática central” (p. 28). 39. 40. 41. os elementos que definem o encaminhamento dos alunos para esses estudos, assim como os desafios que as escolas enfrentam para que os estudos de recuperação possam se transformar em mais uma oportunidade de aprendizagem para os alunos que deles necessitam (p.4). (RODRIGUES, 2006) A situação escolar na perspectiva do aluno. Ano da pesquisa: 2001-­‐2002, com o objetivo de investigar qual a visão que as crianças das séries iniciais da escola pública de periferia urbana têm sobre a situação escolar. (SALVARI e DIAS, 2006) Os problemas de aprendizagem e o papel da família: uma análise a partir da clínica. Ano da pesquisa: 2004 com o objetivo de “investigar como psicólogos e pedagogos que atuam em psicopedagogia na clínica compreendem os problemas de aprendizagem em crianças e como vêem o papel da família, especialmente dos pais, nos referidos problemas” (p.251). (SILVA, 2005) Aluno invisível: o professor olhou e não viu. Ano da pesquisa: 2004/2005. Com o objetivo de investigar como se apresenta a questão da invisibilidade do aluno, a partir dos norteadores teóricos da exclusão, prática curricular e cultura. O presente estudo ocorreu em dois momentos distintos nos dias: 23/08/2005, 24/08/2005 e 29/08/2005. O primeiro momento, foi realizado por meio de entrevistas semi estruturadas, com 16 A pesquisa foi desenvolvida por meio de entrevistas semi-­‐estruturadas, realizadas com quatro meninos e duas meninas de uma mesma escola da rede municipal, mas que tinham rendimento escolar diversificado. Entrevista semi-­‐estruturada. “Como instrumento de coleta de dados, utilizamos um roteiro semi-­‐estruturado, aplicado em entrevista individual com as participantes. Nesse roteiro, inicialmente, constaram as perguntas acerca dos dados sociodemográficos das entrevistadas e, em seguida, onze questões relacionadas aos objetivos da pesquisa, as quais foram distribuídas em dois blocos de pergunta” (p.254). O grupo focal é uma modalidade especifica de grupo, que recupera um pouco do significado original do termo. Os membros de um grupo focal são selecionados por suas características comuns, com o objetivo de conhecer – através de entrevistas em profundidade – as percepções, atitudes e comportamentos de certos sujeitos sociais. [...] A metodologia de entrevistas grupais foi desenvolvida por Meton com o nome “foco de entrevista” e tornou-­‐se uma técnica muito usada na segunda guerra mundial, especialmente para o trabalho com soldados que estavam na professores, representando cerca de 39% do corpo docente da escola municipal Professor Motta Sobrinho. No segundo, foi realizado um grupo focal em três etapas, nas quais participam dois grupos de alunos horários diferentes, mas com o mesmo roteiro de entrevistas para ambos (p. 243). “A invisibilidade social exprime, de forma pungente, o significado da exclusão, na qual milhões de pessoas no mundo inteiro e pelos mais diversos motivos são vítimas. Logo, a escola por meio dos diversos mecanismos de que faz uso no processo ensino-­‐
aprendizagem, reproduz esse tipo de exclusão quando classifica, disciplina, controla, pune, rotula, impõe seus interesses, reprova, monocult uraliza, homogeneíza, violenta e discrimina” (p. 241). 42. 43. (SZYMANSKY, 1994) Significado de avaliação para mães de uma escola estadual da região central de São Paulo. Ano da pesquisa: 1994. Com o objetivo de conhecer o significado de avaliação escolar para mães de crianças de uma escola estadual da região central de São Paulo. (ZIBETTI, 2005) Os saberes docentes na prática de uma alfabetizadora: um estudo etnográfico. Ano da pesquisa: guerra. Iniciou-­‐se com a avaliação de programas de rádio. Mais tarde, a partir dos anos cinqüenta passou a se muito utilizada pelo setor privado em análise de propaganda e em análises eleitorais [...] (p.157). A entrevista semi-­‐estruturada pode ser diferenciada da estruturada e da entrevista aberta em relação as suas características. Dessa maneira, Triviños (1987) define entrevista semi-­‐
estruturada como: [...] Aquela que parte de certos questionários básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam a pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se reconhece respostas dos informantes. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento pelos investigados, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa. Essas perguntas fundamentais que constituem, em parte, a entrevista semi-­‐
estruturada, no enfoque qualitativo, não nasceram a priori. Elas são resultados não só da teoria que alimenta a ação do investigador, mas também de toda informação que ele já recolheu sobre o fenômeno social que interessa, não sendo menos importantes seus contatos, inclusive, realizados na escola das pessoas que serão entrevistadas (ibid, p.146). Foram feitas entrevistas semi-­‐
estruturadas nas quais se solicitou às mães que expressassem suas idéias sobre avaliação. A seguir, apresentaremos os resultados e sua análise. Houve a realização de “uma entrevista inicial, semi-­‐estruturada, com cada uma das participantes visando conhecer um pouco de suas ideias sobre alfabetização e 2001-­‐2003. Com o objetivo de “Analisar os saberes docentes mobilizados no processo de alfabetização, procurando compreender a apropriação e criação desses saberes” (p.80). suas trajetórias escolares e profissionais, antes de ingressar em suas salas de aula para iniciar a observação. As entrevistas foram gravadas e, posteriormente transcritas para análise” (p.86). Ao final do estudo foi realizada uma entrevista com duas professoras simultaneamente (p.87). 44. 45. 46. ESTRUTURADA (BARREIRO, 2006) Quando a diferença e motivo de tensão: um Pesquisa qualitativa. Utiliza estudo de currículos praticados entrevista como instrumento de coleta de em classes iniciais do ensino fundamental. Uma vez dados. “conversas” informais em meio ou selecionada a escola, cuja ao final das aulas observadas. Entrevistas contextualização e formais com três professoras, cujas aulas caracterização. Adotou, para foram também objeto de observação (p. desenvolver a investigação, os 90) procurou elaborar um roteiro de seguintes procedimentos entrevista (p.91). metodológicos: observação de reuniões pedagógicas de centros de estudos e planejamentos. Observação de situações de aula. (COHEN, 2004) Uma questão entre psicanálise e educação: A entrevista foi o principal sobre a etiologia do fracasso instrumento usado na coleta de dados, escolar. o material recolhido veio de três obedecendo a um roteiro pré-­‐
estabelecido, cujo objetivo era detectar o fontes: 1-­‐ de entrevistas semi-­‐diretivas que havia ocorrido durante a execução do com diretores de escola, projeto político-­‐pedagógico, no que professores das turmas de concerne à relação professor-­‐aluno e a aceleração de aprendizagem e outros fatores que poderiam estar alguns alunos que desejaram interferindo no processo ensino-­‐
aprendizagem dos alunos (p.132) esse participar da pesquisa; 2-­‐ dos dados levantados nas atas material foi complementado com dos conselhos de classe (COC), depoimentos aleatórios, colhidos em nas atas dos conselhos de classe entrevistas espontâneas com alunos de extraordinários (COCEX) e nas algumas escolas visitadas. fichas de avaliação dos professores; 3-­‐ de alguns materiais didáticos utilizados no projeto. (COSTA, 2006) Bolsa-­‐escola e Dissertação de mestrado, pesquisa inclusão educacional Jaboticabal (SP). 47. 48. 49. em empírica e estudo de caso. “inclui a pesquisa empírica, utilizando a técnica de entrevista, seguindo um roteiro de questões que procuraram contemplar os objetivos acima delineados.” (DIÓRIO, 2004) Ascensão escolar e profissionalização de bons Os dados finais da pesquisa foram alunos de baixa renda: avaliação coletados por intermédio de entrevistas de um programa brasileiro. Pesquisa experimental. Os dados telefônicas com os próprios participantes iniciais (histórico escolar, de da pesquisa ou com seus parentes diretos. renda e informações pessoais) do grupo controle foram conseguidos nas escolas públicas e, os finais, por intermédio de entrevistas telefônicas com os próprios participantes da pesquisa ou com seus parentes diretos. Os dados foram digitados no programa Statistical Package For The Social Sciences (SPSS) para viabilizar as comparações através dos testes não paramétricos. Comparação de duas proporções. e qui-­‐
quadrado para uma única amostra. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05). (IBGE, 2005) Síntese dos indicadores sociais. Ano de Utiliza entrevista como instrumento coleta: 2004. Pesquisa de coleta de dados. Pessoas que têm a quantitativa. unidade domiciliar (domicílio particular ou unidade de habitação em domicílio coletivo) como local de residência habitual e estão presentes na data da entrevista, ou ausentes, temporariamente, por período não superior a 12 meses em relação àquela data. (INEP, 2005) Relatório de gestão Os dados para esta pesquisa foram 2004 / Início da coleta de dados coletados através de entrevistas e sobre em 25/10/2004 e término em esses dados afirma-­‐se que: “Com esta dezembro 2004. Pesquisa publicação, o IBGE dá continuidade à quantitativa cujo objetivo foi produção e sistematização de relevantes conhecer melhor a realidade da estatísticas sociais e demográficas, sociedade brasileira. Sob a atualizadas e desagregadas para as coordenação do INEP a pesquisa Unidades da Federação e regiões coletou dados nacionais da metropolitanas, de modo a subsidiar as educação na reforma agrária. políticas sociais específicas e ampliar o acesso da sociedade civil às informações estatísticas oficiais.” Modelos para professores e diretores de questionários e roteiros de entrevistas. 50. 51. 52. 53. (INEP, 2006) Relatório de gestão. Ano da coleta: 2005. Pesquisa quantitativa. Realização de testes de língua portuguesa e matemática. Utiliza entrevista como instrumento de coleta de dados. Questionários e roteiros de entrevista desenvolvidos com alunos concluintes do processo de alfabetização avaliados. 3.000 professores pesquisados. (p.40). Modelos para professores e diretores de questionários e roteiros de entrevistas (p.165) (IBGE, 2004) Pesquisa nacional Grupos focais / entrevistas e por Amostra de Domicílios 2004. questionários Rio de Janeiro: IBGE, 2004. / 2004 “a segunda etapa do estudo consistiu em entrevistas com dez mil pais ou responsáveis, em todos os estados brasileiros, durante os meses de janeiro e fevereiro de 2005. (IBGE, 2006) O mercado trabalho segundo a cor ou raça -­‐ Os dados do IBGE são obtidos pesquisa mensal de emprego. através de entrevista, e sobre este estudo O objetivo principal foi realizar uma análise comparativa da relatou-­‐se que: “o perfil descrito neste situação socioeconômica da estudo foi baseado nos dados de população de pretos e pardos setembro de 2006 e, para captar possíveis mudanças nesta estrutura, foram feitas com a população branca. algumas comparações com os meses de setembro dos anos anteriores.” (LADEIA, 2002) O Fracasso Entrevistas com roteiros previamente Escolar na 5ª Série Noturna na elaborados, com questões abertas, Visão de Alunos, Pais e excetuando-­‐se o caso dos pais, que Educadores. Ano da coleta de continham questões do tipo “alternativa-­‐
dados: 1998/2001. fixa”. Os dados foram coletados por meio Pesquisa qualitativa de de entrevista que, segundo Lüdke & doutoramento teve como André (1986), é um dos principais tipos objetivo estudar os fatores que, de instrumento empregado em estudos na visão de alunos, pais e qualitativos. Nas entrevistas realizadas educadores, influem no com os diferentes segmentos foram desempenho ou produzem o utilizados roteiros previamente fracasso de alunos da 5ª série elaborados, sobretudo com questões noturna de uma escola pública da rede de ensino do estado de São paulo. 54. (MAGALHÃES, 2002) Enfrentando a pobreza, reconstruindo vínculos sociais: as lições da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida / A pesquisa teve como objetivo explorar algumas questões relevantes em torno do debate sobre a miséria, a exclusão e o processo de construção de novos perfis de intervenção pública e participação cívica, suscitadas ao longo da pesquisa realizada junto aos “Comitês da Ação da Cidadania” no Rio de Janeiro, entre 1996 e 1997. 55. (MALTA, 1998) Estado nutricional e variáveis sócio-­‐
econômicas na repetência escolar: um estudo prospectivo em crianças da primeira série em Belo Horizonte, Brasil. Pesquisa quantitativa realizada em quatro escolas municipais, onde já estava implantado o programa de saúde escolar, da secretaria municipal de saúde. A pesquisa procurou verificar a existência de associação entre repetência escolar, medidas antropométricas e variáveis sócio-­‐econômicas em crianças da primeira série do primeiro grau, determinando qual a capacidade destas variáveis na predição da repetência. Os resultados apontam que por meio de informações existentes na ficha de matrícula é possível identificar características dos escolares e das suas famílias que possam prever a repetência na abertas, excetuando-­‐se o caso dos pais. Após um mapeamento dos comitês da Ação da Cidadania, realizado entre dezembro de 1995 e fevereiro de 1996, foram escolhidos comitês para a realização de entrevistas com o voluntariado. Ao todo, foram sistematizadas 25 entrevistas, envolvendo 39 depoimentos, colhidos individualmente ou em pequenos grupos. O roteiro das entrevistas serviu de ponto de partida para apreensão das diferentes dinâmicas de trabalho e participação. A flexibilidade foi exercitada ao máximo, com vistas a garantir espaço para que os voluntários falassem também de questões não previstas, em salas cedidas por ONGs, creches comunitárias, igrejas, agências bancárias, escolas e associações de moradores (p.128). Análise documental e entrevistas. “as informações sócio-­‐econômicas foram obtidas através da ficha de matrícula, preenchida pela escola no ato da matrícula. A confiabilidade destas informações foi verificada por entrevistas com responsáveis pelas crianças, selecionados por meio de uma amostra aleatória simples (n = 154) das crianças elegíveis para o estudo”. Não explica o tipo de entrevista, apenas menciona sua realização durante o trabalho: “a confiabilidade destas informações foi verificada por entrevistas com responsáveis pelas crianças, selecionados por meio de uma amostra aleatória simples (n = 154) das crianças elegíveis para o estudo”. 56. 57. 58. escola. Nas crianças estudadas em Belo Horizonte, verificou-­‐se que a menor escolaridade da mãe está fortemente associada à repetência escolar. (MARTINI,1999) Atribuições de causalidade, crenças gerais e orientações motivacionais de crianças brasileiras. Ano de coleta: 1999. Investigar as atribuições de causalidade para sucesso e fracasso escolar, as crenças gerais, e as orientações motivacionais de alunos de 3ª e 5ª séries do ensino fundamental. (MAURÍCIO, 2004) Literatura e representações da escola pública de horário integral. Ano de coleta: 2001. Pesquisa de campo sobre representações sociais, busca fazer um confronto entre o que se depreende da literatura produzida entre 1983 e 2001 sobre a escola pública de horário integral e a representação social que usuários e trabalhadores construíram a respeito dela. (MAZZON, 2004) Avaliação de eficiência de um programa de educação no Brasil. In: IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administraon Publica. Espana. Empregou-­‐se o método de pesquisa descritiva tipo survey, cujo pressuposto fundamental relaciona-­‐se com a quantificação dos resultados e a possibilidade deles poderem ser generalizados, ou seja, serem representativos das populações estudadas, satisfazendo assim o princípio de validade externa da pesquisa. Para a coleta de dados utilizou-­‐se uma entrevista estruturada composta de questões abertas sobre atribuições de causalidade, crenças gerais e orientações motivacionais. Entrevistas, gravadas ou anotadas, realizadas por ocasião da matrícula (entre dezembro de 1998 e fevereiro de 1999), foram a fonte para a formulação de questionário e modelo para a coleta de associação de idéias. Foram colhidos 44 depoimentos de pais de alunos de escola de horário integral, de quatro professores e de seis diretores, em seis escolas visitadas. A pesquisa de dados primários abrangeu a realização de 2.403 entrevistas em 81 municípios impactados pelo projeto de educação até o ano de 2002. O primeiro passo consistiu no sorteio das escolas. O critério utilizado foi o PPS – Probability Proportional to Size, ou seja, a chance de uma escola ser selecionada é proporcional ao número de alunos matriculados. O diretor dessa escola foi então selecionado para ser entrevistado. Contudo, representantes de quatro outros públicos também foram entrevistados: alunos, pais de alunos, professores e membros do colegiado/Associação de Pais e Mestres da escola. 59. 60. 61. Para este público, foi também utilizada técnica amostral de natureza probabilística para a seleção da amostra: foi feita a geração aleatória de um conjunto de duas letras, que permitia ao pesquisador identificar a pessoa cujo nome mais se aproximava da letra sorteada (professores e membros do colegiado). Para alunos, foi feito o sorteio inicial do turno, série e classe, para então serem geradas as duas letras para seleção de dois alunos e de dois outros alunos para entrevistar os seus respectivos pais. (MEC/ INEP, 2004) Relatório de Nos programas relatados que continham gestão 2003. Apresentar as entrevistas, todas possuíam roteiro principais ações das diversas pronto. diretorias e de uma unidade do instituto nacional de estudos e pesquisas educacionais Anísio Teixeira. MEC, 1999) O perfil da escola Texto do MEC que utiliza resultados de brasileira: um estudo a partir outras pesquisas. Cita uma pesquisa dos dados do SAEB 97. Gatti, realizada por Sposito onde se utilizou Sposito e Neubauer da Silva entrevista. (1994), estudando professores ativos do ensino fundamental da rede pública, em três diferentes regiões do país (Maranhão, Minas Gerais e São Paulo), também obtêm resultados consistentes com a hipótese de descapitalização cultural formulada por Lelis. (p.15) (NÓBREGA, 1999) Escola Entrevistas e pesquisa documental. As padrão: autonomia e gestão entrevistas foram utilizadas com o democrática. objetivo de “reconhecer e compreender as Ano da pesquisa: 1993-­‐ 1999 dificuldades em nível local enfrentadas O objetivo do texto é por delegado, supervisão e, sobretudo “acompanhar o processo de diretores de escola quando da implantação do programa de implantação do programa de reforma e reforma do ensino no estado de nesse contexto, como trabalharam a São Paulo -­‐1991 p.27”. questão da autonomia. p.32. Optou-­‐se por um trabalho de entrevistas 30, com os novos sujeitos incorporados ao processo de execução política em nível local. Três dimensões foram definidas para a elaboração do roteiro para o trabalho de entrevistas: 62. 63. 64. NUNES, 2005) Exercer a autonomia: um desafio para a gestão da escola pública Ano da pesquisa: 2004. Os objetivos do texto são analisar a gestão na escola na busca de compreender como os sujeitos exercem a autonomia na elaboração e execução do Projeto Político Pedagógico.”P.1. (MEC, 2005) Pesquisa Nacional Qualidade da Educação: a Escola Pública na Opinião dos Pais -­‐ Resumo Técnico Executivo Ano da pesquisa: 2005 O objetivo do texto é “oferecer uma referência para que cada cidadão possa proceder a sua auto avaliação ao fim da educação básica e se constituir modalidade alternativa ou complementar aos exames de acesso aos cursos pós-­‐médios, ao ensino superior e aos diferentes setores do mercado de trabalho, além de criar uma referência nacional para os egressos de qualquer das modalidades do ensino médio.” (PAIM, 2003) As novas faces da desigualdade no cotidiano escolar. Ano da pesquisa: 2003. Objetivo do texto é “Investigar as desigualdades existentes no cotidiano escolar, a partir da comparação das performances escolares dos respectivos juízos docentes de dois grupos de − conceitual: avaliação do momento em que ocorreram os primeiros contatos com o programa; − institucional / governamental: as condições de implantação das primeiras medidas; − políticas: o impacto das primeiras implantações e uma avaliação do período estudado. P.34 As entrevistas possuíam roteiro e eram feitas pessoalmente, de forma oral e registradas manualmente Para elaborar as entrevistas, parti das questões que deram origem ao projeto de pesquisa e, assim, procurei elaborar um roteiro de entrevista a diretora, supervisora e alguns professores (p.78) Afirma que: “a segunda etapa do estudo consistiu em entrevistas com dez mil pais ou responsáveis, em todos os estados brasileiros, durante os meses de janeiro e fevereiro de 2005. Foram entrevistadas, pelo menos, 370 famílias em cada estado”. Modelos para professores e diretores de questionários e roteiros de entrevistas elaborados”. p. 165 Entrevistas com roteiros previamente definidos. “nos roteiros, além dos dados contextuais, investimos em possibilidades de compreensão das leituras múltiplas que os sujeitos do cotidiano escolar faziam de si e dos outros” (p. 37). 65. 66. 67. alunos de uma escola municipal situada na zona sul do Rio de Janeiro” (p. 07). (PEREIRA, 2005) Práticas de Reforço e Recuperação em Escola Fundamental Estadual de Ciclo II em São Paulo. Ano da pesquisa: 2003-­‐2004. Objetivo de Contribuir para a compreensão do modo pelo qual as políticas públicas se efetivam dentro da escola. (PEREIRA, 2006) A “ciranda das vagas” em uma escola pública de Campinas – SP. Ano da pesquisa: 2003, com o objetivo de analisar a procurar por vagas em Escolas Públicas e seus impactos no cotidiano da unidade escolar e na organização da rede pública de ensino. (SILVA, 2002) Jovens de um rural brasileiro: socialização, educação e assistência. Ano da pesquisa: 2000. Com o objetivo de investigar as iniciativas governamentais, por meio de projetos educacionais que visem a minimizar problemas como o analfabetismo e a evasão escolar, acabam muito mais por corroborar a falta de perspectivas destes jovens. Sobretudo, porque oferecem uma aprendizagem escolar que Durante o acompanhamento das aulas muitos materiais e documentos foram surgindo o que acarretou a necessidade de desenvolver recursos para melhor acompanhar a pesquisa. Assim foram sendo elaborados um caderno de campo para o registro do acompanhamento das aulas, depois de um roteiro de entrevista que pudesse elucidar o que o professor entendia sobre o projeto de reforço e recuperação no sentido de chegar a prática do professor e os conceitos apresentados por este sobre o projeto (p. 29). Afirma possuir roteiro nas entrevistas (p.29). Foram realizadas entrevistas com supervisores de ensino e professores para detectar as escolas mais apropriadas ao projeto. Já na escola foram entrevistados diretores, coordenadores pedagógicos e professores, e especificamente os professores que atuavam nos projetos de reforço e recuperação (p.28). Utiliza entrevista estruturada por um roteiro como instrumento de coleta de dados. Explica que: “esta foi utilizada para que pudesse elucidar o que o professor entendia sobre o projeto de reforço e recuperação no sentido de chegar a prática do professor e os conceitos apresentados por este sobre o projeto” (p. 29). As entrevistas foram tomadas como forma de depoimentos. Observações de campo e depoimentos. 68. não lhes possibilita concorrer com igualdade, tanto nos estudos (ensino universitário, por exemplo) como no campo profissional (p.105). (SORJ, 2005) Exclusão Digital: problemas conceituais, evidências empíricas e políticas públicas. Ano da pesquisa: 2003. Com o objetivo de compreender a dinâmica de inclusão e exclusão digital nos setores mais pobres da população. Foram realizadas entrevistas, survey e grupo focal. “O survey foi executado em duas etapas no segundo semestre de 2003, cada uma das quais com 1.500 entrevistas, o que representa um universo de cerca de 1,2 milhão de pessoas. A pesquisa foi complementada com reuniões de oito grupos focais, com amostras de várias faixas etárias e de gênero” (p.101). 69. (TAVARES, et al., 2001) “Um questionário anônimo, auto-­‐aplicado Prevalência do uso de drogas e em sala de aula, foi respondido por uma desempenho escolar entre amostra proporcional de estudantes com adolescentes. Ano da pesquisa: idade entre 10 e 19 anos, matriculados no 1998 com o objetivo de “avaliar primeiro grau (a partir da 5a série) e no a prevalência do uso de drogas segundo grau, em todas as escolas entre adolescentes de escolas públicas e particulares na zona urbana do com segundo grau” (p.150). município que tinham segundo grau. Foram entrevistados 2.410 estudantes e o índice de perdas foi de 8%” (p.1). OUTROS TIPOS Entrevistas que apresentam combinação de vários instrumentos: questionários (3), dados estatísticos (1), desenhos (2), histórias (1), fotos (1), observações (2), relatórios (1), matrícula (2), entrevista clínica (2), devolutiva (1), focus-­‐group (2), não explica o tipo de entrevista (14) e outras pesquisas (6). 70. (ANTUNES, PERES et al., 2002) Outros. Focus group Diferenças na prevenção da AIDS A pesquisa utiliza entrevista, entre homens e mulheres jovens questionário e oficinas como de escolas públicas em São Paulo, instrumentos de coleta de dados. As SP. Pesquisa qualitativa entrevistas foram utilizadas no contexto desenvolvida tendo como de oficinas em grupos pequenos e uso de sujeitos estudantes sorteados de questionários. Após o sorteio dos jovens cada escola pesquisada entre 18 que iriam participar da pesquisa “foi e 25 anos de idade do curso utilizado desenho experimental com noturno de primeiro e segundo grupo controle e grupo de intervenção, graus da rede estadual de com uma medida pré-­‐intervenção e duas educação. Foram aplicados medidas pós-­‐intervenção baseadas no questionários, com questões modelo de redução de risco em AIDS” fechadas, foi respondido pelos (p.90). próprios entrevistados em um O questionário, com questões fechadas, tempo médio de 50 minutos. foi respondido pelos próprios “Estudar as práticas sexuais de entrevistados em um tempo médio de 50 risco para a infecção pelo HIV de minutos. Foram aplicadas oficinas de 71. 72. 73. estudantes adultos jovens (18 a 25 anos) de escolas públicas noturnas e avaliar as diferenças de gênero e o impacto de um programa de prevenção de AIDS” (p.88). (KOFF, 2005) Cotidiano escolar e cultura(s): dialogando com os resultados de uma pesquisa. / Ano de coleta: 2005. Teve como objetivo contribuir para o debate e oferecer elementos para que as práticas pedagógicas possam ser repensadas e/ou reinventadas, incorporando, de maneira crítica, a questão das diferenças culturais. Pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, 220 horas de observação, ao longo de um semestre, em diferentes espaços da escola, incluindo o trabalho em salas de aula de três professores (de filosofia, língua portuguesa e química) e de uma professora de história. (BETINI, 2004) Uma escola em Betel: relações, práticas, alunos, famílias e professoras -­‐ 1997 a 2000. Estudo da história de uma escola de ensino fundamental (1ª à 4ª série), registrando o trabalho desenvolvido por suas professoras em função da educação voltada às classes populares (p.14). (CARRANO e FÁVERO, 2005) Juventude, Escolarização e poder local -­‐ Relatório da 1ª fase da pesquisa: Políticas Públicas de Juventude e de Educação de Jovens Adultos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. / Ano da coleta: 2005 / Apoio: CNPQ e FAPERJ. Estudo sobre as “ações desenvolvidas pelo executivo “sexo mais seguro” entre a aplicação dos questionários Outros. Focus group. Entrevistas individuais e coletivas: quinze entrevistas individuais com profissionais de educação (integrantes da direção, coordenadores/as e professores/as) e vinte e cinco com alunos/as. Quatro encontros com os/as estudantes (uma espécie de entrevistas coletivas), onde eles/as puderam discutir temas relevantes para o estudo. Outros com relatório. Entrevistas e análise documental. Foram analisados relatórios e fichas dos alunos da autora do artigo que também era professora da escola. As entrevistas feitas pelas professoras com os pais dos alunos com o objetivo de aproximação da professora junto aos alunos e suas famílias. Foram feitas entrevistas com as professoras de sala de aula. As professoras tiveram acesso ao coletado nas entrevistas em reuniões semanais. P.17 Pesquisa qualitativa, com utilização de questionários, entrevistas e dados do IBGE. “Os dados foram coletados com base em um questionário comum a todos os estados, durante 2003 e 2004. Esses dados foram posteriormente tratados por meio do programa Access com interface Delphi ou SQL. As informações foram obtidas diretamente nos organismos 74. 75. 76. municipal em forma de políticas públicas para os jovens, inclusive nos aspectos referentes à escolarização sem desconsiderar a importância do campo esportivo para a juventude percebe-­‐se que essas ações dificilmente alcançam abrangência e transversalidade no trato com o campo da juventude e, em geral, apresentam-­‐se como instrumentos de socialização precária por se situarem como ações de prevenção a fatores de risco tais como a violência e o uso de drogas” (p.5-­‐17). “A experiência docente de parte significativa dos coordenadores não é garantia de que os mesmos possuam suficientes requisitos teórico-­‐práticos para a gestão de políticas públicas de juventude” (p.20). (CARVALHO, 2001) Estatísticas de desempenho escolar: o lado avesso. Pesquisa qualitativa. As turmas de quarta série foram selecionadas por serem as únicas que exigiam das professoras, ao final do ano, decidir sobre a promoção ou retenção dos alunos, devido à adoção do sistema de ciclos de quatro anos, na rede municipal em questão (p.235). (CRUZ, 1997) Representação de Escola e Trajetória Escolar / Ano de coleta: 1997. Examinar o trajeto da representação de escola num grupo de crianças pobres ao longo do seu primeiro ano de escolaridade em escola pública. públicos, pelo trabalho de campo de bolsistas de iniciação científica, através de entrevistas com dirigentes e gestores responsáveis pela rede local. Quando realizadas com os principais gestores, visaram colher informações em maior profundidade e identificar concepções sobre o campo referido e não apenas fazer um inventário das políticas.” P.5 Outros. Pesquisa qualitativa. A professora concedeu duas entrevistas gravadas, realizadas na escola, que somaram duas horas e meia de duração; e quatro de seus alunos participaram de uma atividade que envolveu desenhos e entrevistas. Outros. Foram realizadas entrevistas e observações de sala de aula. “foram realizadas entrevistas e aplicadas adaptações de dois procedimentos: desenhos-­‐histórias e histórias para completar.” “observações em sala de aula e entrevistas com professoras revelaram incompetência pedagógica e atitudes negativas em relação à criança pobre e sua família” (p.1). (DAMIANI, 2006) Discurso Outros. Estudo de caso. A investigação pedagógico e fracasso escolar. dos processos intra-­‐escolares associados ao fracasso ocorreu através de entrevistas 77. 78. 79. (FRELLER; et al., 2001) Orientação à queixa escolar. Ano de coleta: 2001. Pesquisa de abordagem psicológica, análise do trabalho de atendimento a crianças e adolescentes com queixas escolares. “grande parte das crianças que procuram atendimento psicológico são encaminhadas pela escola porque apresentam dificuldades no seu processo de escolarização.” (...) “as dificuldades enfrentadas pelas crianças na escola são fenômenos produzidos por uma rede de relações que inclui a escola, a família e a própria criança, em um contexto socioeconômico que engendra uma política educacional específica. Desta forma, todos os segmentos devem ser incluídos no processo de atendimento, apresentando sua versão sobre o problema, refletindo, contextualizando e buscando soluções diversas para cada caso” (p.130). (FRELLER, C.C., 1999) Pensando com Winnicott sobre alguns aspectos relevantes ao processo de ensino e aprendizagem. Ano da pesquisa: 1999 com o objetivo de investigar as abordagens que procuram as causas do fracasso escolar da criança pobre nas Suas relações familiares. (LIMA, et al., 2005) Descrição – com 10 professoras (de primeira a quarta série) de cada escola, direção e famílias dos estudantes – e através de observações – realizadas nas salas de aula de todos as professores de primeira à quarta série e durante todas as outras atividades escolares. Uma apresentação como forma de triagem, e entrevistas devolutivas. Após o contato com a criança, os pais e a escola, realizando uma triagem, fez-­‐se novo contato com intenção de aprofundar as informações, e contato com profissionais envolvidos no caso. Depois, realizou-­‐se uma entrevista devolutiva “se possível, com todos os sujeitos envolvidos (juntos ou em separado, conforme o caso), retomando as principais questões trabalhadas, assinalando o que foi possível pensar e vivenciar. Outros. “A partir de observações de cenas escolares e de entrevistas com professores notamos um crescente processo de "coisificação" do professor e do aluno” (p.1). Outros. Utiliza entrevista clínica como 80. 81. dos indicadores sociais em adolescentes portadores de febre reumática. Ano de coleta: 2003-­‐2004. Pesquisa quantitativa que tem como objetivo conhecer a realidade socioeconômica em que vivem os adolescentes portadores de febre reumática em tratamento no instituto nacional de cardiologia laranjeiras. Segundo o estudo os jovens, na sua maioria, são excluídos da participação no mercado de trabalho em função do tratamento prolongado, também não conseguem ter uma participação efetiva na escola. O absenteísmo favorece repetências, por vezes consecutivas, estimulando-­‐os, em alguns casos, à evasão escolar. (PASTURA, 2005) Desempenho Escolar e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Ano da pesquisa: 2003. O texto apresenta como objetivo “estudar o desempenho escolar de alunos portadores de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade” (p.25). instrumento de coleta de dados, mas não explica o tipo de entrevista realizada, explica que: “a partir de um corte transversal, foram entrevistados 120 pacientes portadores de febre reumática em acompanhamento no ambulatório de adolescentes do serviço de cardiologia pediátrica.” Questionário realizado com o objetivo de coletar e analisar dados como nível de escolaridade. Os questionários serviram como triagem para alunos e professores. Também foi aplicado um questionário sócio-­‐
econômico. Todos os pais e/ou responsáveis de alunos considerados suspeitos de serem portadores de TDAH através do SNAP-­‐IV foram chamados para entrevista clínica, na qual aplicou-­‐se questionário semi-­‐ estruturado contemplando os critérios da DSM-­‐IV para TDAH e suas co-­‐morbidades. O questionário utilizado foi o Children's interview for psychiatric syndromes: parent version (WELLER e cols. 1999), conhecido como p-­‐chips. Durante a entrevista médica, procurou-­‐se enfatizar aspectos importantes do diagnóstico como: comprometimento funciona l relevante, presença de sintomas em mais de uma ambiente e exclusão de outras patologias neurológicas ou psiquiátricas que explicassem melhor a sintomatologia do aluno (p.32 e 33). (OLIVEIRA; et al., 2002) Outros. Questionários, evocações livres e Representações sociais e fatores entrevistas. “Foram entrevistados 778 de risco para o trabalho infantil adolescentes, entre 11 e 18 anos, e do adolescente: uma aproximação possível. Ano da pesquisa: 1998-­‐1999. O objetivo do texto é analisar as conseqüências do trabalho do adolescente para a escolarização. 82. 83. 84. (SANTOS, 2003) A internet na escola fundamental: sondagem de modos de uso por professores. Ano da pesquisa: 2003. Com o objetivo de investigar o uso que os professores estão fazendo da internet em sala de aula. Inserida no ambiente escolar, a internet é proposta como base para uma nova linguagem para a aquisição e construção de conhecimentos e como uma nova e revolucionária ferramenta para o trabalho docente, na medida em que vivemos em uma sociedade em rede, numa ampla teia de relações sociais na qual cresce, cada vez mais, a exigência de diálogo, interatividade, intervenção, participação e colaboração (Oliveira, 2003, p. 305). (SAWAYA, 2006) Desnutrição e baixo rendimento escolar: contribuições críticas. Ano da pesquisa: 2006 com o objetivo de trazer algumas contribuições da psicologia às reflexões sobre desnutrição e baixo rendimento escolar, a partir da análise de certas afirmações acerca das causas e conseqüências da desnutrição para o desenvolvimento infantil e a escolarização das crianças de classes populares. trabalhadores e não trabalhadores. Para a análise dos fatores de risco utilizou-­‐se o teste de associação pelo χ2, seguido de análise de regressão logística múltipla. O estudo das representações sociais foi efetuado com análise do núcleo central e de similitude, através dos programas Evoc, Simi e Avril” (p. 177). Outros. Afirma que foi feita uma leitura qualitativa de dados quantitativos (p.308), e tomando como parâmetro os resultados dos questionários aplicados, foram selecionados 8 professores para serem entrevistados (p.309 e 310). Utiliza questionários, entrevistas e observação direta. Outros. Fala das entrevistas feitas para elaboração dos diagnósticos das crianças, com inadequação de argumentos e perguntas humilhantes. Fala também de outra opção adotada pela autora e seu grupo quanto a formação de educadores: “As técnicas de entrevista e observação tradicionais, como os testes, as anamneses e as entrevistas fechadas, são substituídas por orientações trazidas dos estudos antropológicos, o que em psicologia escolar tem sido feito a partir de trabalhos como os de Ezpeleta & Rockwell (1989), dentre outros” (p.142). (SILVA e FLEITH, 2005) Outros. Durante a análise documental foi Desempenho escolar e analisada a ficha de anamneses, que 85. 86. 87. 88. 89. autoconceito de alunos contém dados relativos à história de vida atendidos em serviços da criança, relatada pelos pais e/ou psicopedagógicos Ano da responsáveis no momento da primeira pesquisa: 2001 com o objetivo entrevista realizada pela equipe de de Investigar o desempenho atendimento. escolar e autoconceito de crianças com queixa escolar. (SILVA JÚNIOR, 2007) Saberes e Foram realizadas entrevistas orais com práticas de ensino de História professores de História e gestores, por em escolas rurais (um estudo no meio de questões desencadeadoras, município de Araguari MG, estimulando o exercício de memória Brasil). Ano da pesquisa: 2005. (BOSI, 2006) dos colaboradores sobre Com o objetivo de estudar a seus saberes e suas práticas (p.22 e 26). formação, os saberes e as práticas pedagógicas de professores de História na Educação Básica em escolas do meio rural do Município de Araguari-­‐MG, Brasil. Não explicam o tipo de entrevista (SIRINO e CUNHA, 2002) Não explica entrevista. Foram realizadas Repensando o fracasso escolar: entrevistas com mães e professoras como reflexões a partir do discurso do instrumento de coleta de dados. O tipo de aluno. Com o objetivo de estudar entrevista não foi mencionado. o fracasso escolar baseado no discurso do aluno. (CAVALIERE e COELHO, 2003) Não explica entrevista. Os diretores Para onde caminham os CIEPs? entrevistados reconhecem a importância Uma análise após 15 anos. Não e necessidade das escolas de tempo define o tipo de pesquisa integral, bem como o papel educativo dos utilizada. cieps, principalmente quando as atividades contempladas no cotidiano escolar fazem parte de um planejamento político-­‐pedagógico anterior (p.172). (CHECHIA E ANDRADE, 2002) Não explica entrevista. Pesquisa Representação dos pais sobre a documental e realização de entrevistas. A escola e o desempenho escolar análise do conteúdo das entrevistas está dos filhos. A análise de dados sendo realizada dentro do método de está sendo apresentada análise temática descritiva de conteúdo, parcialmente, consiste em 50% desenvolvida por Bardin (1977). Para dos dados disponíveis. Os pais ampliar a análise foi utilizada também a estão divididos da seguinte proposta da análise hermenêutica-­‐
forma: 8 pais de alunos com dialética, desenvolvida por Minayo sucesso e oito pais de alunos (1998). com insucesso, sendo subdivididos em dois pais por série. (D’AFFONSECA, 2005) Não explica entrevista. Muitos jovens 90. 91. 92. 93. Prevenindo fracasso escolar: comparando o autoconceito e desempenho acadêmico de filhos de mães que trabalham fora e donas de casa. Dissertação de mestrado. Pesquisa quantitativa e qualitativa. (DICKEL, 2001) As crianças e suas experiências: o mundo invadindo a escola. Pesquisa colaborativa e pesquisa-­‐ação. (LOUREIRO, 1999) Violência: paradoxos, perplexidades e reflexos no cotidiano escolar. Ano de coleta: 1999. A pesquisa busca descobrir elementos que constituem o fenômeno da violência e assim busca tornar visível sua natureza para poder reconhecê-­‐la no momento de lidar com ela na escola. Pesquisa realizada em escola pública. (NERI; CARVALHO, 2002) Seletividade e medidas de qualidade da educação brasileira 1995-­‐2001 – FGV. Ano da pesquisa: 1995-­‐2001. O objetivo do texto é “fazer uma avaliação direta dos impactos de problemas de seletividade e decorrentes efeitos-­‐composição sobre a mensuração da qualidade média do ensino” (p.1). (OKANO, C. B.; et al., 2004) Crianças com dificuldades escolares atendidas em programa de suporte psicopedagógico na escola: entrevistados disseram que os pais não deveriam ficar tão ocupados e preocupados com outras coisas, porque, assim, poderiam prestar mais atenção a seus trabalhos de escola. Não explica entrevista. Utiliza entrevista como instrumento de coleta de dados. Os nomes de crianças e professoras foram alterados. Os registros, mantidos integralmente. Dos trechos de entrevistas, foram suprimidos vícios de linguagem e expressões fáticas. A flexão incorreta, conforme os padrões da norma culta, da segunda pessoa dos verbos foram mantidos uma vez que se trata de uma marca dialetal do sul do país. (nota, p.5) Não explica o tipo de entrevista, apenas menciona trechos das entrevistas que fazem sentido das questões pesquisadas sobre violência que acontece no interior das escolas. Entrevistas com alunos e professores. Não explica o tipo de entrevista utilizada, apenas menciona sua realização durante o trabalho: “Sexo -­‐ é variável indicadora para o sexo masculino, recebe valor 1 quando o entrevistado pertence a esse grupo, caso contrário recebe valor 0” (p.110). Não explica entrevista. “os instrumentos utilizados foram: matrizes progressivas coloridas – raven infantil -­‐ escala especial e escala infantil piers-­‐harris de autoconceito” (p.121). 94. 95. 96. avaliação do autoconceito. Ano da pesquisa: 1998. O objetivo do texto é “Avaliar o autoconceito de 40 crianças de ambos os sexos, na faixa etária de 7 a 10 anos, alunos de 1ª e 2ª série de uma escola da rede pública do município de Uberaba-­‐MG, com nível intelectual pelo menos médio inferior, divididas em dois grupos: o G1 reuniu 20 crianças com dificuldades de aprendizagem escolar que freqüentam, além do ensino regular, um programa complementar denominado Ensino Alternativo e o G2, por sua vez, foi composto por 20 crianças sem dificuldades escolares freqüentando o ensino regular com bom rendimento” (p.121). (OLIVEIRA, E. L. D.; et al., 2006). Transições dos jovens para o mercado de trabalho, primeiro filho e saída da escola: o caso brasileiro. Ano da pesquisa: 1996-­‐1997. O texto apresenta como objetivo investigar “o relacionamento entre as idades em que ocorrem as transições de saída da escola, entrada no mercado de trabalho e formação da família” (p.109). (PAIXÃO, 2005) Significado da Escolarização para um Grupo de Catadoras de um Lixão. Ano da pesquisa: 2005. O objetivo do texto é analisar os significados da escolarização para um grupo de catadoras de lixo. (QUEIROZ, 2002) Um estudo sobre a evasão escolar: para se pensar na inclusão escolar. Ano da pesquisa: 2000. Tinha o Não explica o tipo de entrevista utilizado. Sobre a pesquisa: “no caso da entrada no mercado de trabalho, levou-­‐se em conta a menor idade relatada pelos indivíduos que tinham entre 20 e 49 anos na época da entrevista. Para a saída da escola, a menor idade declarada pelos indivíduos que tinham entre 20 e 49 anos na época da entrevista marcou o início da contagem desse evento. E, para o nascimento do primeiro filho, considerou-­‐se a menor idade mencionada pelas mulheres que tinham entre 20 e 49 anos na época da entrevista” (p.113). Não explica o tipo de entrevista utilizada. Sobre as pessoas entrevistadas: “Foram entrevistadas dez mulheres, a maior parte negras, entre 18 e 49 anos” (p.143). Não explica o tipo de entrevista utilizado. Sobre os sujeitos pesquisados diz: “além dos alunos, seus pais/responsáveis e professores foram entrevistados, assim 97. 98. 99. objetivo de compreender o pensamento da escola, da família e da criança a respeito do fracasso escolar, além dos alunos, seus pais/responsáveis e professores foram entrevistados, assim como o diretor, o coordenador pedagógico e o vigilante da escola (p.6). (SILVA, 1999) A saúde escolar em Campo Grande/MS: Seu discurso, suas promessas. Ano da pesquisa: 1999. Com o objetivo de analisar o discurso da saúde escolar na cidade pesquisada, Campo Grande/MS, identificando suas promessas e os resultados alcançados. (SILVA e CARVALHO, 2002) Violência e ética docente no espaço escolar (Patrocínio, MG, 2001-­‐2002). Ano da pesquisa: 2001-­‐2002. Com o objetivo de Focalizar a dimensão da ética docente, configurando-­‐a de acordo com a realidade escolar, para tentarmos compreender a situação de violência, imperante no universo educacional, e como esta realidade pode intervir no desempenho e formação do aluno. (SILVA, et al., 2001) Políticas para Enfrentamento do Fracasso Escolar: Uma Análise da Proposta Escola Plural de Belo Horizonte. Ano da pesquisa 2001 com o objetivo de investigar e discutir como a questão do fracasso escolar é abordada e enfrentada pela proposta Escola Plural, implantada na rede municipal de ensino de Belo Horizonte desde 1994. como o diretor, o coordenador pedagógico e o vigilante da escola” (p. 6 e 7). Não explica entrevista. Sobre a escolha dos entrevistados e do local das entrevistas afirma que: as pessoas que me informariam sobre as questões de saúde, no enfoque que me interessava investigar, estavam na escola, onde, portanto, me caberia entrevistá-­‐las (p.21). Não explica entrevista. Menciona que: “a partir deste trabalho, realizamos entrevistas com mais quatro Escolas da Rede Pública do município de Patrocínio. As diretoras entrevistadas apontaram a violência como fator presente no cotidiano escolar, apresentando-­‐se como obstáculo para a convivência, aprendizagem, e para a formação integral do aluno, como também para toda a prática escolar e educativa. Tais entrevistas foram realizadas durante a execução do estágio” (p.1). Não explica entrevista. Foram entrevistados 12 professores de quatro escolas municipais. Na definição das escolas investigadas na pesquisa de campo, foi adotado como critério básico o seu grau de resistência e de assimilação em relação às diretrizes da secretaria municipal de educação de Belo Horizonte, dentro da proposta escola plural, sendo duas escolas consideradas resistentes e outras duas escolas consideradas como as que assimilaram tal proposta (p.1). O ORIENTADOR EDUCACIONAL COMO PESQUISADOR PARTICIPANTE: QUANDO O CAMPO DE PESQUISA TORNA-­‐SE LOCAL DE TRABALHO. Edson S. Gomes Antes de introduzir o assunto tratado neste ensaio, é necessário justificar a forma como ele encontra-­‐se escrito. O ponto de partida para a reflexão sobre pesquisa em educação foi o duplo papel, assumido por mim, de orientador educacional na rede municipal de educação de Itaguaí e pesquisador devidamente matriculado no Programa de Pós-­‐Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Logo, além da discussão conceitual, este ensaio pode ser lido também como um relato de experiência de alguém que teve que superar na prática as dificuldades de uma pesquisa de campo que se tornou também meu local de trabalho. Das inquietações consequentes deste duplo pertencimento surgiu a inspiração e a motivação para elaborar este ensaio que integra, então, o primeiro capítulo da dissertação intitulada “O processo de formação de alunos desviantes: uma análise das interações sociais dentro da estrutura e funcionamento da escola”. Para ser mais específico, este ensaio discute as perdas e os ganhos de se envolver com o campo da pesquisa. Evento fácil de acontecer, especialmente em pesquisas em educação que exigem a presença na escola. Para tanto, parte-­‐se das dificuldades ocasionadas pelo meu próprio campo de pesquisa em que tive que ser ao mesmo tempo orientador educacional e pesquisador. Em março de 2012 deu-­‐se início ao trabalho de investigação sobre classificação de alunos desviantes partindo da estrutura e do funcionamento da Escola Municipal do Porto14 e às atividades referentes à Orientação Educacional. Como docente, a pesquisa estava inerente a minha prática de educador. No entanto, uma questão, mais geral, me inquietava: como desenvolver uma pesquisa em educação, que se dispõe ao título de científica, quando se está imerso no ambiente a ser pesquisado? Este ensaio traz, portanto, em forma de um relato de um orientador educacional que também é pesquisador, algumas sugestões para superar algumas das dificuldades geradas por este duplo pertencimento ao campo. Traz também um debate sobre o enquadramento metodológico para tal posicionamento passando pelas definições de 14
Escola municipal localizada em Itaguaí que oferece Educação Infantil (04 e 05 anos), Ensino Fundamental e
Educação de Jovens e Adultos. O codinome foi criado para preservar a identidade da escola pesquisada.
“pesquisa ação” e “observação participante”, tal como Malinowski (1978), até chegar numa descrição mais próxima do que de fato me aconteceu: uma “pesquisa participante”. Descoberta de um novo problema: ser pesquisador ou ser orientador educacional? A primeira questão a ser superada, diz respeito à neutralidade da pesquisa em educação. Como nos leva a pensar Elias e Scopsons (2000), a crença de uma certeza impessoal não passa de um sonho distante e já há muito posto como um mito. Sempre se parte de um ponto de vista e que inevitavelmente influencia toda a pesquisa, inclusive seus resultados, principalmente quando está se destina à Educação. É, portanto, tarefa do pesquisador, expor que ponto de vista é este. De onde se fala e o porquê se fala podem fornecer aos leitores informações importantes que possibilitam uma visão mais clara do que consistiu o trabalho. É comum em textos acadêmicos tentar suprimir certos detalhes em busca de se atingir uma impessoalidade. Essa postura, no entanto, pode prejudicar mais do que ajudar. Primeiro por criar, no texto, uma falsa ideia de neutralidade. E segundo, porque essa postura acaba, por vezes, possibilitando algumas generalizações que, na verdade, não podem ser estendidas para além do universo pesquisado. Muitas vezes, a falta de detalhes leva a essas inferências. A pesquisa em educação, por mais que proponha a ser impessoal, é feita por uma pessoa que pensa dentro do contexto no qual ela está inserida. A própria escolha do tema reflete as peculiaridades, limitações e a bagagem que o pesquisador carrega como história de vida. Quando se deixa bem claro que posicionamento é esse e quais foram as condições da pesquisa, torna-­‐se claro também quais resultados do trabalho podem ser genéricos e quais não podem ser. Torna-­‐se necessário que se tenha sinceridade ao tratar do campo e da pesquisa em educação. Sua presença ou não no trabalho incide diretamente sobre a capacidade de interpretação daqueles que farão sua leitura, pois possibilitará ao leitor uma visão mais próxima do posicionamento do pesquisador diante do seu trabalho. Logo, a transparência, por mais arriscada que seja, precisa ser mantida. Durante a realização do meu campo de pesquisa tive que ser ao mesmo tempo orientador educacional e pesquisador. Ambos os posicionamentos implicaram obrigações distintas e muitas vezes conflitantes. Ao orientador, o desígnio de auxiliar alunos com dificuldades na aprendizagem e “indisciplinados”, encaminhá-­‐los a especialistas quando necessário, acompanhar seus dramas familiares, sua frequência escolar, intermediar conflitos entre professores e alunos, desenvolver e aplicar projetos, disseminar valores, organizar e presidir reuniões etc. Ao pesquisador, por sua vez, outros objetivos: basicamente, compreender os possíveis processos pelo quais surgem na escola alunos desviantes. De maneira prática: organizar o caderno de campo, dar cabo da leitura referente à pesquisa; estabelecer diretrizes metodológicas eficazes; entrevistar alunos, professores, pais e demais funcionários; observar o cotidiano escolar; atentar-­‐se à ética; escrever, raciocinar, montar esquemas lógicos; ler documentos antigos, artigos; fazer visitas a famílias, andar pelo bairro, ouvir, perguntar etc. Nessas condições, ignorar meu pertencimento ao campo tal como se deu, ou seja, como pesquisador e também um Orientador educacional, seria o mesmo que condená-­‐la ao fracasso. Por vezes busquei a neutralidade até perceber que deveria aceitar meu envolvimento e fazer dele também um objeto a ser pesquisado e observado. No início, cobrava-­‐me distância e era fácil de conseguir, pois já possuía um projeto de pesquisa antes mesmo de começar a trabalhar na escola. No entanto à medida que fui me envolvendo com a função de Orientador educacional, os papeis foram se misturando de tal forma que passei a temer pelo futuro da pesquisa. Logo pensei: não se pode ser ao mesmo tempo orientador e pesquisador. Para que um exista, o outro precisa ser suprimido. O início No dia primeiro de março de 2012 iniciava meu trabalho de campo e o exercício da minha função de orientador educacional na Escola Municipal do Porto. Depois de um percurso longo de estudos, provas, filas e exames médicos distribuídos entre os dois processos seletivos que me submetia ao final de 2011 e meados de 2012, o resultado: havia sido aprovado tanto no concurso público para o cargo de Orientador educacional na cidade de Itaguaí -­‐ RJ quanto no Programa de pós-­‐graduação em Ciências Sociais da UFRRJ. No dia 5 de março apresentava-­‐me à Escola Municipal do Porto não só como Orientador, mas também como pesquisador decidido a fazer do meu local de trabalho meu principal objeto de pesquisa. A escola, um mundo ainda desconhecido, desvelou-­‐se aos poucos para os dois papeis de um único sujeito que adentrava seus portões; ao pesquisador (iniciante) e o orientador (inexperiente). Ambos os papeis não se misturavam e de certo modo, um anulava o outro. Tinha-­‐
se uma ideia de como se fazer uma pesquisa e de como se deve trabalhar um orientador educacional. Era preciso, no entanto, descobrir, como isso se daria na prática. No momento em que se pensava como um pesquisador negava-­‐se a presença do orientador. O inverso também acontecia: quando se pensava como orientador, negava-­‐se as responsabilidades oriundas da pesquisa. Em outras palavras, os dois personagens alternavam-­‐se no mesmo espaço criando uma situação insustentável. O que sobressaiu foi, portanto, a euforia. No primeiro dia de trabalho efetivo na Escola do Porto ela foi tão grande que praticamente não existia espaço para o orientador educacional e muito menos para um pesquisador metodologicamente orientado. O que apresentava com maior ênfase era o observador compulsivo: frases proferidas, os gesto das pessoas, os cartazes fixados à parede, etc. era tudo minuciosamente observado. Nada passava despercebido. Como um turista, fotografava os murais espalhados pela escola e inquiria a todos; desde o vigia até a diretora da escola. Nesse dia, somente o entusiasta caminhou pelos corredores da Escola do Porto e de tal modo que poderiam pensar que ele buscava coletar todos os dados para finalizar sua tese logo no primeiro dia de campo. Com o passar dos dias, o campo logo se converteu em trabalho efetivo. Papéis e mais papéis foram sendo apresentados cotidianamente. Dados e nomes para decorar, fichas para preencher, projetos para elaborar, enfim, o trabalho burocrático que a instituição aos poucos foi delegando a mim, fizeram com que gradativamente a euforia diminuísse. À medida que fui adquirindo segurança na função que exercia, a demanda da instituição por meus serviços enquanto orientador educacional tornou-­‐se mais acentuada. Gradativamente o pesquisador começou a desaparecer do campo. Seus dias na escola ficaram restritos há poucos minutos sentado na sala do Orientador registrando alguns acontecimentos marcantes no cotidiano escolar. Quanto mais próximo me tornava dos professores e alunos, maior era a demanda por meus serviços e maior eram as dificuldades em negar os pedidos. A quantidade de “incêndios” que precisavam ser instantaneamente apagados consumia grande parte dos esforços mentais que eu fazia. A tendência era que o pesquisador desaparecesse efetivamente do campo, no entanto, isso não chegou a acontecer. Essa supressão do pesquisador no campo ocasionado pelo excesso de trabalho que se apresentava a mim ocasionou, ao contrário do que se poderia imaginar, uma junção forçosa entre a figura do pesquisador e do orientador educacional. O trabalho tal como acontecia na instituição contava com intervenções feitas pelo Orientador envolvendo professores, alunos e responsáveis. Dentro da sua sala entravam reclamações, elogios, conflitos e casos de violência envolvendo todos os integrantes da comunidade escolar. Por exemplo: pais e alunos queixavam-­‐se do funcionamento da escola; professores traziam descrições detalhadas de comportamentos dos alunos; funcionários antigos portavam histórias impressionantes e as compartilhavam; enfim, a sala e a profissão do Orientador que os recebia desenharam-­‐se, mais do que qualquer outra função e local na Escola Municipal do Porto, como um observatório privilegiado sobre o funcionamento da instituição. Diante do risco eminente da supressão do pesquisador a solução encontrada foi fazer do trabalho do orientador o ponto de partida para coleta de dados. Ambos, portanto, foram impelidos a juntarem-­‐se. Esse acontecimento permitiu uma ruptura numa cisão que antes parecia inevitável. Por volta do 5º mês tive a percepção de que o pesquisador e o orientador não precisavam mais alternar seus papéis como antes. Um não precisava necessariamente anular o espaço ou invadir o espaço do outro. Ambos poderiam trabalhar concomitantemente agregando um ao outro, coexistido. Aos poucos, as intervenções do orientador passaram a revelar questões relacionadas ao funcionamento e estrutura social da escola. Do mesmo modo, os dados da pesquisa também começaram a auxiliar o orientador em sua função. Cabe, no entanto, tratar com mais profundidade a junção que se deu entre a figura do orientador educacional e do Pesquisador. Tal feito trouxe ganhos e viabilizou o prosseguimento da pesquisa. Contudo, além dos benefícios que serão adiante pontuados, trouxe também algumas desvantagens. Inevitáveis, de fato, mas contornáveis. Contexto da pesquisa: privilégios. Como se pôde perceber, o cenário no qual foi desenvolvida esta investigação não foi premeditado. Seria inviável ter um projeto de pesquisa aprovado num processo seletivo de mestrado se uma das condições para sua execução fosse um cargo público numa escola que, por sua vez, não se tinha. No cotidiano, entretanto, ter o local de trabalho em comum com o campo de pesquisa se demonstrou uma pré-­‐condição para sua execução da pesquisa tal como ela se deu. Do contrário, não seria possível ser desenvolvida da maneira como foi. Sabe-­‐se que poucos pesquisadores nas Ciências Sociais têm a oportunidade de fazer de um trabalho assalariado seu campo de pesquisa. Na educação isso é mais comum, no entanto ainda é um privilégio de poucos. Essa foi, apesar de não ser a única, a primeira vantagem em ter um campo de pesquisa também convertido em local de trabalho. Num nível pessoal isso trouxe uma comodidade e um conforto relativamente agradável, principalmente no que se diz respeito à conquista da independência financeira mediante o emprego. Obviamente, a escolha da Escola Municipal do Porto como campo de pesquisa não se deu de maneira premeditada. Além de não conhecer absolutamente nada da cidade de Itaguaí antes de iniciar a pesquisa, não tinha noção da localidade ou da estrutura das escolas municipais que existiam lá. Das poucas opções que me foram oferecidas, a Escola Municipal do Porto era a única que eu poderia chegar sem ter que andar. Para chegar até ela, bastaria apenas um ônibus e um transporte alternativo -­‐ uma Kombi -­‐ que tinham um ponto em comum. No entanto, mesmo a escola não sendo escolhida por suas características, afeiçoei-­‐me a ela de tal forma que sequer me interessei em buscar saber se outra escola da rede municipal poderia fornecer melhores condições de pesquisa. Apesar das dificuldades inerentes ao processo de adaptação, a Escola Municipal do Porto foi receptiva e calorosa. A comunidade circundante é presente é receptiva. Sua simplicidade a faz semelhante à cidade onde residia junto aos meus pais no interior de Minas Gerais. Fui levado a pensar que não poderia investigar um local melhor. Bem instalada e recém construída, a escola reflete uma tendência da educação pública no Brasil. Paredes bem pintadas, sala de informática com internet, jogos e artigos esportivos, material didático diverso e disponível para professores e alunos, recursos multimídia de ponta como lousa e mesa interativa, notebooks para professores e alunos do 9º ano, Datashow e máquinas fotocopiadoras, sala de digitação para projetos, aparelhagem de som, identificador eletrônico para alunos e funcionários, quadra coberta, refeição completa, biblioteca com TV e DVD, vestiário e salas climatizadas. De fato, nem toda essa estrutura funciona como deveria. Faltam tonéis de tintas para as máquinas fotocopiadoras, nem todos os professores receberam ou fazem usos dos notebooks, os refrigeradores de ar não funcionam nas salas de aula assim como o identificador eletrônico também não e há falta de pinceis para os professores (aliás, essa que foi uma das queixas dos professores no ano de 2012). São diversos os contratempos, mas eles não são suficientes para que se ignorem as boas condições estruturais de que dispõe a Escola Municipal do Porto. Sua configuração permite não igualá-­‐la a todas as escolas, mas reflete um movimento gradativo no país de aumento dos recursos destinados à educação. Se essas não são as condições de que dispõe a maioria das escolas no Brasil, a tendência é que venham a ser. Tratando especificamente da pesquisa, pode-­‐se dizer que a Escola Municipal do Porto está próxima de um tipo ideal de estrutura escolar formado conforme os padrões sugeridos pelos países desenvolvidos: tecnologia a favor da educação. No entanto, estar dentro dela como pesquisador e também como orientador, favoreceu olhares que externamente não seriam possíveis. A junção entre os dois papéis possibilitou ao pesquisador um ponto de observação privilegiado dentro da escola. Além do acesso aos pais dos alunos e aos próprios alunos, foi possível também ter acesso aos professores e demais funcionários da instituição sem dificuldades. Estabeleceu-­‐se uma relação de confiança mútua com muitos deles que, por sua vez, possibilitou a coleta de relatos comprometedores para a instituição e consequentemente para a posição social que ocupavam dentro dela. Muitas entrevistas foram concedidas consensualmente sem que para isso tivessem que ser enfrentadas as barreiras que muitas vezes a escola impõe aos pesquisadores por medo de expor suas falhas. Algumas informações, não foram coletadas nesse mesmo clima de cordialidade. Principalmente quando se ansiava acesso a documentos envolvendo conflitos entre alunos e a escola. Esses distintos papéis coexistindo no mesmo local possibilitou um saída eficaz para esse impasse. Todas as vezes que foi preciso que o pesquisador se impusesse como tal ele pôde apoiar-­‐se na figura do orientador. Devido ao orientador, o pesquisador teve que ser aturado na escola sem que muita coisa pudesse ser feita para impedir que ele desenvolvesse seu trabalho. Por exemplo: quando tive que pedir permissão à diretora para ter acesso aos registros contidos no Livro de Ocorrência da instituição dos últimos 24 anos, obtive resposta negativa. Diante do seu posicionamento, tive que impor-­‐me como orientador para justificar meu acesso aos documentos escolares. Impossibilitada de continuar negando meu acesso aos documentos escolares, fui então autorizado desde que preservado o código de ética da profissão – que por sua vez, não se distingue muito do código de ética da pesquisa científica. Essa posição era tomada somente nos momentos oportunos. Muitas vezes o pesquisador passava despercebido por todos na instituição. Esta foi, aliás, uma das vantagens provenientes do posicionamento duplo. O risco do pesquisador se tornar um estranho questionador e, portanto, um incômodo aos olhos da comunidade escolar foi quase reduzido a zero. A imagem que eu transmitia não era a de alguém que estava disposto a denunciar a incompetência da escola, mas sim de alguém que se preocupava em trazer melhorias para seu funcionamento. Visto assim pela comunidade, a qualidade dos dados encontrados se acentuou. Criaram-­‐se vínculos que facilitaram a troca de informações. Como passei a conhecer melhor meus informantes e um pouco da história de vida de cada um, tornou-­‐se possível fazer uma leitura minuciosa dos dados que os mesmos me forneciam. Por muitos momentos a presença do pesquisador tornou-­‐se imperceptível e, diante da escola, somente o orientador se fez presente. Diversas informações que chegariam somente a ele chegavam também ao pesquisador que as registrava preservando sempre o anonimato dos informantes. As pessoas sabiam da presença do pesquisador na escola, mas não o percebiam na maior parte do tempo. Somente a Direção, diante das solicitações de permissão que eram feitas hora ou outra, tinha contato maior com a figura do pesquisador. Aos demais, a imagem do orientador se fazia forte diante do trabalho cotidiano que eu procurava fazer efetivamente e com seriedade. Essa posição demonstrou-­‐se um truque metodológico eficaz que possibilitou driblar as resistências da escola que se formam diante de um corpo estranho 15 . Estratégias podem ser encontradas na literatura. Goffman (1999), por exemplo, infiltrou-­‐se no campo de pesquisa. Seu trabalho resultou no livro publicado pela primeira vez em 1961 intitulado Asylums – Essays on the social situation of mental patients and others inmates (em português: Manicômios, Prisões e Conventos). O autor iniciou junto com sua pesquisa um trabalho junto a um hospital psiquiátrico lidando diretamente com os pacientes. Ninguém sabia que era um intelectual. De modo semelhante também pode ser citada a pesquisa de Footh Whyte (2005). Durante a execução do seu trabalho intitulado Sociedade de Esquina, ele compôs parte da Gangue 15 De fato, esses truques existem e um deles é se infiltrar no campo como um nativo. de Doc, seu principal informante e amigo que o levou a conhecer o modo como se organizava a “desorganizada” periferia ítalo-­‐americana da cidade de Boston. Local, aliás, onde passou a residir como morador no período de sua pesquisa. Esse envolvimento efetivo também se verificou na presente pesquisa. Apesar de estar envolvido com o meu campo de modo diferente, também faço parte dele, mesmo sendo representante do Estado com autoridade constituída para “orientar” pais, alunos e professores. Foi justamente isso que possibilitou uma volumosa massa de dados e entrevistas. Nem sempre uma pesquisa desse feitio é vista com “bons olhos”. Em concepções mais positivistas pressupõe-­‐se certo afastamento do pesquisador em relação ao objeto de pesquisa. Tende-­‐se a considerar uma desvantagem para quem executa o trabalho o envolvimento como objeto pesquisado. Uma vez observada tal inclusão, maior se tornariam as chances dos resultados serem corrompidos por emoções e posicionamentos, ou seja, maiores seriam as chances do trabalho tornar-­‐se algo enviesado. Reconhece-­‐se que tal afirmação não está de todo errada. Numa pesquisa como a que se propôs a fazer deve-­‐se ter o cuidado de redobrar a atenção. No entanto, para muitos, se há o risco do fracasso, melhor evitar o caminho. A imparcialidade e a neutralidade do pesquisador são, portanto, os caminhos mais eficazes para evitá-­‐los. No entanto, como brinca Gilberto Velho (2004), não se pode pesquisar pessoas como se fossem formigas. O objeto se impõe ao sujeito sim e este deve, por sua vez, procurar a melhor forma de retratá-­‐lo (MINAYO, 2010). O rigor metodológico é necessário, mas o mesmo tempo não suprime, nas ciências em geral, o envolvimento do pesquisador com o objeto pesquisado. Ajuda sim a diminuir, dar certa objetividade ao trabalho. Na prática, o contato direto e o envolvimento com os problemas cotidianos enfrentados por pais, alunos e professores me possibilitou perceber a relevância da minha pesquisa e ao mesmo tempo redefinir um problema concreto a ser investigado. De qualquer modo, mesmo que ali estivesse apenas como pesquisador e não como orientador educacional comprometido também com meu trabalho, não poderia negar a influência da minha formação pedagógica progressista sobre a elaboração do problema e a interpretação dos dados. Da mesma forma, não poderia negar a influência da minha origem enquanto filho de costureira e militar aposentado (e divorciados), vindo do interior de Minas Gerais, sobre as minhas impressões e a maneira como me relaciono com os sujeitos que compõem meu campo de pesquisa. Tentar buscar a imparcialidade e a neutralidade, acreditando ser esse o melhor caminho, esforçando-­‐me para afastar-­‐me do objeto de pesquisa, seria um esforço vão. Seria apenas um desejo, um papel assumido e talvez até convincente, porém, irreal. Essa aparente desvantagem oferece um gancho para se discutir um ponto importante: o enquadramento metodológico da pesquisa. Pelas questões postas acima, pode-­‐se pensar que se trata de um arcabouço inédito e de que há, portanto, dificuldades em encontrar trabalhos que subsidiem metodologicamente essa pesquisa. Ou mais: que as definições de métodos mais conhecidas se aproximam do posicionamento adotado, mas não dão descrições que satisfaçam as peculiaridades da pesquisa. Ambas afirmativas não são totalmente verdadeiras. Discussão metodológica. Ao se falar de pesquisa-­‐ação, acerta-­‐se. De fato, ela não oferece realmente descrições suficientes para que a presente pesquisa seja considerada como tal. Metodologicamente pressupõe os seguintes passos: identificação de um problema, planejamento de uma solução, sua implementação seguida do seu monitoramento e a avaliação de sua eficácia (TRIPP, 2005). Essa modalidade de pesquisa surgiu com objetivo de integrar grupos sociais dotados de comportamentos fora da norma, a uma lógica dominante visando evitar o conflito permanente (SÁ, 1984). Entretanto há bases para que se questione não o grupo desviante, mas aqueles que estipulam as normas (BECKER, 2008). Nessa linha há a tentativa de superar a distância entre pesquisador e o objeto da pesquisa assim como o anseio em solucionar questões específicas de determinados grupos sociais. O envolvimento do pesquisador, para os adeptos dessa modalidade de pesquisa, é uma precondição para que ela aconteça como tal. Outro possível enquadramento que oferece semelhança diz respeito à observação participante que tem como grande representante o antropólogo Malinowski (1978). Nela, encontra-­‐se uma inversão das características encontradas na pesquisa-­‐ação. Há o cuidado em se descrever o funcionamento da instituição, pretensão também necessária a quem se dispõe a investigar temas como comportamento desviantes na educação, porém para tanto pressupõe um distanciamento obrigatório entre o pesquisador e o objeto pesquisado. Metodologicamente o pesquisador compartilharia do mesmo espaço dos observados, porém sua participação deve-­‐se restringir à observação e, portanto, intervenções não são bem vindas. Como afirma o autor: A concepção desta fase na Antropologia é ético-­‐metodológica, na medida em que se recomenda como não-­‐próprio do método científico a ação transformadora, pois o pesquisador deve apreender os fatos tal qual se manifestam. Essa postura ético-­‐metodológica funda-­‐se na reafirmação da imparcialidade e objetividade do pesquisador (MALINOWAKI, 1978, p. 29). Tal tarefa exige a presença do investigador junto aos pesquisados observando e registrando os acontecimentos pertinentes para caracterizar a cultura e compreender o funcionamento de sua organização social. O mesmo anseio está presente também na presente pesquisa, porém o envolvimento do investigador não pode se dar de modo imparcial ou neutro como preconiza o autor. Claramente, há uma motivação social que permeia toda a pesquisa que, por sua vez, não desqualifica a qualidade dos dados encontrados. A discrepância entre o que Malinowski propõe e os caminhos adotados pelo presente trabalho encontra-­‐se na dupla função concomitantemente assumida de orientador, que é o braço do Estado naquela escola, e do pesquisador. Isso pressupõe, na visão do autor, um envolvimento com o objeto pesquisado maior do que o necessário. Isso, portanto, poderia prejudicar a imparcialidade e a objetividade do investigador. A premissa defendida por Malinowski é que não é possível fazer ciência quando há envolvimento efetivo com o objeto pesquisado. Axioma esse refutado e questionado por aqueles que são adeptos da pesquisa-­‐ação e também de outro modelo de investigação, dessa vez, bem próximo ao posicionamento adotado por pesquisas em que o campo de pesquisa converte-­‐se também em campo de trabalho: a pesquisa participante. A pesquisa participante ou participativa incorpora a crítica às concepções positivistas predominantes, algumas técnicas da pesquisa-­‐ação e observação participante, de modo a destruir a separação entre sujeito e objeto de pesquisa. Na sua versão mais radical transforma-­‐se, enquanto concepção teórica, em autoconhecimento (SÁ, 1984, p. 24). Esse modelo de investigação é o que mais se aproxima não só da maneira como essa pesquisa aconteceu, mas da concepção progressista que fez parte da minha formação. Ela pressupõe a ação, mas sem fazer dela um objeto de pesquisa como acontece na pesquisa-­‐ação, ou seja, não há a necessidade de monitorar ou avaliar uma ação proposta. Apesar da pesquisa participante se basear na busca da compreensão de problemas relativamente imediatos, a ação efetiva para solucioná-­‐los acontece somente depois da pesquisa finalizada. Sua função é dar subsídios para viabilizar mudanças no campo prático através da intervenção da comunidade envolvida. Isso não significa, portanto, que seu objetivo seja a transformação social. Diferentemente, seu objetivo primeiro consiste em favorecer instrumentos que permitam conhecer a realidade para, em seguida, tentar transformá-­‐la. Quando surge em cena, por exemplo, a personagem real do “aluno que não quer nada” desvela-­‐se, frente ao pesquisador e ao orientador, uma tipificação que a escola, enquanto instituição cria, porém, não comporta. Logo, o anseio de compreender as leis e regularidades que regem a vida na escola inclui também o anseio de tornar a escola um lugar acessível a alunos que se encontram à margem do processo de ensino-­‐
aprendizagem. A ação é inerente à pesquisa e, no entanto, ela não chega a fazer parte dos seus objetivos diretos. Ou seja, por mais que o desejo de mudança motive que se pesquise determinado assunto, um problema imediato, e não outro, a mudança na realidade investigada não se torna uma precondição para o andamento da pesquisa e muito menos seu objetivo. Para o pesquisador, interessa entender o processo pelo qual esse aluno é formado no ambiente escolar, enquanto que para o orientador interessa fazer uso das contribuições da pesquisa para tentar convertê-­‐las em construções práticas que promovam mudanças efetivas na realidade da qual ele faz parte. Por fim, na pesquisa participante, há também espaço para a dualidade dos papéis. Ou seja, considerando que intelectuais estão envolvidos com um emaranhado de relações sociais, ligados a um grupo social e a um determinado modo de produção. Estão conectados ao mundo do trabalho e possuem um engajamento político. Isso não significa, portanto, render-­‐se aos ímpetos das emoções, mas sim na interpenetração entre ciências, filosofia a ação política. Compreender para mudar. Pode ser assim resumido o posicionamento metodológico do pesquisador em educação no campo que se converte no espaço escolar. Superando as perdas da pesquisa participante Até agora foi pontuado as vantagens de se desenvolver uma pesquisa em que o pesquisador participa de modo efetivo no campo. Tentou-­‐se também, situar esse trabalho numa definição que explicasse seu posicionamento metodológico. Até o momento, no entanto, não se dedicou tempo para assinalar as perdas de um posicionamento tal como ele se configurou. Longe de estar expresso na falta de imparcialidade e neutralidade, pode-­‐se citar algumas condições que representam dificuldades significativas. A primeira delas é expressa na redução real e gradativa do tempo destinado à pesquisa no campo considerando que algumas obrigações que a profissão de orientador educacional impõe acabam tornando-­‐se repetitivas e, portanto, pouco vantajosas para a investigação. O trabalho do Orientador não é composto apenas por atendimentos a pais, alunos e professores. Faz parte também do seu trabalho elaborar projetos de intervenções pedagógicas que demandam muito tempo e esforço diante de assuntos muito peculiares: tanto para serem pensados quanto para serem executados. Alguns trabalhos fornecem informações relevantes, mas que depois de certo tempo tornam-­‐se repetitivos e rotineiros. Enquadram-­‐se nessa descrição o acompanhamento da frequência dos alunos, a preparação de reuniões com pais e professores, organização e acompanhamento de turmas em passeios, resolução de conflitos entre alunos, etc. O trabalho do Orientador possui certas obrigações que consomem energia e tempo do pesquisador. De fato, a junção entre os dois papéis amenizam esse problema tornando mais próximos os informantes e mais claro o funcionamento efetivo da escola, porém não o soluciona por completo. Com o passar do tempo as atividades da orientação acabam assumindo certa regularidade que, consequentemente, oferecem poucas novidades para a pesquisa. Outra perda efetiva, e de maior relevância, está ligada a renúncia compulsória de autonomia do pesquisador. Unir o orientador ao pesquisador retira um pouco da sua autonomia. Uma vez feita essa junção, abica-­‐se a sua mobilidade dentro do ambiente escolar. Ele não pode estar sempre aonde ele deseja estar ou aonde a pesquisa o impele a ir. Pelo contrário, seu campo de ação fica limitado aos espaços que percorre o Orientador. Ele que está sempre onde ele é solicitado a estar. Isso torna o pesquisador uma figura conduzida pelo cotidiano vivido pelo orientador, portanto, de alguma forma subjugada a ele. No período em que o pesquisador permanece na escola, seu olhar é restrito ao campo de visão do orientador. O que pode ser percebido aos olhos do pesquisador é aquilo que aparece aos olhos do orientador que, por sua vez, está preocupado também em exercer sua função. Por sorte, o pesquisador existe em período integral e não somente no momento em que está na escola. Assim sendo, os dados que são coletados no campo não são consideradas verdades por si mesmos, mas são submetidos à análise fora da escola como qualquer outro dado. A percepção do pesquisador dentro do campo de visão do orientador não retrata a realidade da escola, mas fornece elementos para que ela seja compreendida como tal. Juntamente com outros dados – por exemplo, os coletados no livro de ocorrência – pode-­‐se dispor de um volume de informações suficientemente válidas para se elaborar um retrato do funcionamento e da estrutura social da escola. Gilberto Velho (2004) faz uma reflexão interessante. O autor pontua que não só a complexidade e a diferenciação sociológicas devem compor o campo de pesquisa, mas também a multidimensionalidade do mundo real, expressa em diferentes níveis e dotados de distintos significados. Os processos de construção de identidades se dão mediante o pertencimento a vários grupos, redes e círculos sociais. Eles por sua vez, podem ser convertidos em um fenômeno básico a ser investigado e compreendido na sociedade moderno-­‐contemporânea. Ao mesmo tempo, é esse multipertencimento que permite ao cientista social pesquisar sua própria sociedade mesmo quando ele possui algum tipo de envolvimento. O fato de não ser englobado por nenhum grupo exclusivo “permite o movimento de estranhamento crítico diante do próximo" (VELHO, 2004, p. 18). Gilberto Velho convida a pensar o múltiplo pertencimento do pesquisador como elemento que permite, ao mesmo tempo, que se entre em contato com o campo pesquisado e também se distancie dele. A sociedade moderna, como aponta Simmel (2006) impele o homem para que o mesmo assuma diferentes papeis em diferentes contextos. O problema está no desejo humano de ser total. Devido a essa característica, tendemos a ver na parte o todo. Não nos satisfazemos quando não nos sentimos totais e por isso lutamos para sermos um, mesmo quando estamos fragmentados e os diferentes papéis que assumimos entram em contradição. Como observou Paulo Freire (1996) o desejo e a luta pela coerência é o principal desafio do homem moderno. Numa pesquisa, apesar do pesquisador, enquanto pessoa, também buscar se encontrar, seu múltiplo pertencimento corrobora para que o campo se converta num laboratório de experiências. Enquanto se está dentro dele se é levado pela aleatoriedade da vida cotidiana, os fatos se apresentam e logo em seguida se esvaem sem deixar rastros. Nele, o pesquisador que se engaja segue pistas e objetivos orientados, no entanto, nem sempre sua ação é racionalmente premeditada. O único norte real, por mais que se faça um projeto de pesquisa bem estruturado, é o problema de pesquisa, que por sua vez, como observou Becker (2011), também é fornecido pelo campo. Todas essas informações devem ser analisadas não durante o campo, pois ali não se é apenas pesquisador, mas pode-­‐se ser também amigo, rival, filho, funcionário, patrão, etc. A diversidade de pertencimentos dentro de um único local é evidente. Entre o positivismo neutro e o engajamento completo há várias nuances possíveis que precisam ser tratadas e problematizadas. Todas elas, portanto, perpassam por uma questão elementar: o juízo de valor. O pesquisador não está imune ao desejo de torna-­‐se um e de estender para todos os papeis que assume suas peculiaridades, valores e sonhos. Isso, certamente joga sobre o pesquisador participante um peso de vigilância constante que muitas vezes não é suportado pelo pesquisador iniciante. Não há um modo certo de se lidar com isso. Por mais que se tenham truques metodológicos listados nos manuais, somente a experiência fornece um olhar para se atentar onde a pessoa do pesquisador está falando mais do que os dados. É nesse item que se desponta uma figura-­‐chave e que, na maior parte das vezes, é suprimido de teses e dissertações: o professor orientador da pesquisa. A relação entre pesquisador iniciante e o orientador, agora não o educacional, viabiliza uma ferramenta fundamental para manter, de modo sensato, certo distanciamento entre o objeto pesquisado sem que para tanto se perca o engajamento no campo. Um segundo olhar que tem por função, além de acompanhar a formação do pesquisador, filtrar os exageros. Esse orientador, não possui a mesma vivência que o pesquisador que está, por conseguinte, ligado ao campo que observa. Do mesmo modo, não possui a mesma história de vida e goza de condições e conhecimento que dificilmente coincidirá com o pesquisador iniciante. O diálogo entre ambos favorece a percepção clara de como os múltiplos pertencimentos incidem sobre os resultados. A intersecção entre os diferentes olhares, ou seja, os pontos de comum acordo entre ambos são, provavelmente, mais concisos do que os posicionamentos defendidos individualmente. Não que isso seja uma regra. Nem toda posição divergente será negativa ou prolixa. No entanto, a troca entre pesquisador o orientador da pesquisa é um instrumento de suma relevância para que se evitem julgamentos de valores provindos do pesquisador que, além de engajado é também iniciante. O que se preconiza, no entanto, é uma relação dialógica entre ambos que não submete um saber ao outro, mas também não ignora as diferenças do capital cultural. Continuemos, portanto nosso percurso. A primeira parte do caminho já foi transposta. Uma visita ao pesquisador que também se coloca como orientador demonstrando as vantagens e as desvantagens de tal posicionamento. O próximo passo, no entanto, é adentrar a escola buscando levar o leitor a imaginar o espaço escolar o mais próximo possível de como ele é pensado e planejado, de sua estrutura física e social. Considerações Finais Longe de se tentar esgotar todo o assunto, este ensaio é apenas uma retomada de uma reflexão que não é nova, mas que precisa ser trazida a tona. A pesquisa feita por quem trabalha diretamente em escolas traz dificuldades a serem superadas, no entanto, entre as perdas e os ganhos, é evidente a supremacia das vantagens sobre as desvantagens. A escola se apresenta sem máscaras e escancara suas brechas para o pesquisador que compartilha dos seus dramas cotidianos. A riqueza do campo é tamanha, que em determinados momentos é preciso fechar-­‐se para novas informações e colocar-­‐se a escrever e organizar o que já se coletou. Em outras palavras, é preciso parar de buscar dados. Claro, nem todo problema em pesquisa em educação exige uma relação tão densa entre pesquisador e a escola. No entanto, investigações que se propõe a ser mais qualitativas que quantitativas são beneficiadas quando feitas por um funcionário da própria instituição. Cuidados precisam ser tomados para que não se perca de vista a objetividade que uma pesquisa científica exige. Por isso, práticas que se dispõem ao serviço e a pesquisas precisam ser compartilhadas e debatidas. A troca entre pesquisadores se mostrou fundamental para o desenvolvimento da pesquisa: uma forma de escape e proteção diante da imersão total que a escola produz naqueles que estão cotidianamente envolvidos com seus problemas e que, por sua vez, pode dificultar a execução da pesquisa. Apesar de ainda raras, a junção entre pesquisador e orientador educacional é um diferencial que contribuiu para o trabalho tanto de um quanto de outro. A pesquisa participante é uma ferramenta valiosa para se entender diversos dos problemas enfrentados por nossas escolas contemporâneas. Entretanto, há dificuldades ainda para se vincular determinadas carreiras oferecidas pela escola à academia. É preciso viabilizar a pesquisa em educação feita também por educadores. O que se passou comigo, foi um caso atípico de se lograr êxito em provas distintas e que, coincidentemente, encaixaram-­‐se com uma luva. Pesquisar em educação não é um desafio apenas a ser encarado pela academia, mas também por pessoas que vivem e atuam na educação dentro da escola. De fato, pesquisadores podem estar concomitantemente em uma universidade e em uma instituição escolar pública fundamental e fazendo uma pesquisa de qualidade. Pesquisar nestas condições mostrou-­‐se promissor, principalmente para compreender a estrutura e o funcionamento de uma escola pública municipal. É pertinente repensar as possibilidades de se ampliar as probabilidades para que pesquisas sejam desenvolvidas por pessoas que estão dentro do ambiente escolar. -­‐ O desviante foi definido pelo campo e não por mim! -­‐ Questão para se trabalhar buscando um conciliação: a dimensão micro e macro. -­‐ Questão para se trabalhar buscando uma conciliação: Os papeis não podem estar unidos o tempo todo. Diferenciar objeto e sujeito. Para o pesquisador o orientador ajuda, pois começa-­‐se a fazer perguntas de dentro. E enquanto orientador o pesquisador ajuda, pois ajuda a ver os problemas de fora. -­‐ A pesquisa-­‐ação também está implícita no trabalho do orientador. -­‐ A questão do desviante. Quem são os desviantes. -­‐ Juízo de Valor. Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. ed. 27, São Paulo: Paz e Terra, 1996. BECKER, Howard S. Outsiders: estudo de sociologia do desvio. Tradução: Maria Luiza X. de Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. _____. Trucos del oficio: cómo conducir su investigación en ciencias sociales. ed. 1. Tradução: Teresa Beatriz Arijón. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2011. BRASIL, decreto nº 72.846, de 26 de setembro de 1973. Regulamentada a Lei nº 5.564, de 21 de dezembro de 1968. QUITÃO, André. O Serviço Social e a Política Pública de Educação. Edição: Cândida Canêdo -­‐ Projeto Gráfico e diagramação: Cristina Maia, Ilustrações: Mirella Spinelli. ELIAS, Nobert; John, SCOTSON. Os Estabelecidos e os Outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. ed. 6. Tradução: Dante Moreira Leite. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999. MALINOWSKI, Bronislaw, K. Argonautas do pacífico ocidental. ed. 2. São Paulo: Abril Cultura, 1978. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. ed. 12. 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UM ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE AS ORDENAÇÕES E RELAÇÕES DE GÊNERO NO ENSINO FUNDAMENTAL: ANALISANDO CONSELHOS DE CLASSE Daiane de Macedo Costa Carmen Lúcia Guimarães de Mattos O presente trabalho teve como objetivo estudar as avaliações ocorridas em conselhos de classe, focalizando as análises das ordens e relações de gênero. Essas questões são referentes a estudos de pesquisadores (CONNEL, 1995; CARVALHO, 2004; 2001; BRITO, 2006) que demonstram que há certa diferença no cotidiano escolar de meninos e meninas, onde eles são caracterizados como mais agitados, inquietos, desatentos, e as meninas como meigas, obedientes, estudiosas (BRITO, 2006). A partir dessa premissa, procurou-­‐se observar se nos conselhos de classe essas diferenças se mantêm ou não; buscou-­‐se também entender como essas diferenças poderiam estar interferindo na avaliação de alunos e alunas. A metodologia utilizada nessa pesquisa foi a abordagem de pesquisa etnográfica. Para desenvolver este trabalho foi utilizado o acervo de materiais de pesquisas anteriores pertencentes ao Núcleo de Etnografia em Educação – NetEDU, onde foi possível encontrar vídeos, imagens e transcrições de conselhos de classe. Esses vídeos com os momentos dessa avaliação escolar realizada pelo corpo docente compreendem os anos de 1993, 2004 e 2006. Além disso, foi realizada observação participante em conselho de classe de uma escola pública no município de Duque de Caxias no início deste ano. Estas observações sugerem a validação dos vídeos dos anos anteriores. Com a coleta dos dados obtidas em campo com os novos equipamentos tecnológicos – câmeras filmadoras e fotográficas e gravadores de áudio foram adicionadas aos recursos de cadernos de campo e transcrições de dados de modo a realizar uma microanálise etnográfica (ERICKSON, 1992). Esse tipo de análise de dados não foca apenas o lócus do estudo, foca ainda o evento como um todo, ou seja, envolve interações sociais observáveis. Dessa maneira, teremos um trabalho que, num primeiro momento, estará abordando como surgiu o conselho de classe, como essa instância se desenvolveu e como ela tem acontecido. Num segundo passo, este texto explicará a metodologia utilizada e os métodos empregados para a análise dos dados. Num terceiro momento, este trabalho demonstrará como foram interpeladas as análises dos vídeos com os resultados de pesquisas realizadas nacional e internacionalmente. Por fim, tecemos considerações sobre os resultados encontrados e possíveis conclusões. As primeiras leis no Brasil sobre o Conselho de Classe O Conselho de Classe, de acordo com Rocha (1984) teve início em 1945 na França juntamente com algumas classes experimentais. Essas classes experimentais apresentaram diversas inovações que poderiam acrescentar no ensino brasileiro. Entretanto o Conselho de Classe foi a maior delas, pois se mostrava uma atividade educativa ainda não difundida no Brasil (ROCHA, 1984, p.18). Essa dinâmica foi observada por dez educadoras brasileiras que estagiavam em Sèvres no ano de 1958. De acordo com Santos (2007), devido a essa experiência de estágio em Sèvres as educadoras trouxeram para o Brasil no ano de 1959, mais precisamente para o Rio de Janeiro, a ideia do Conselho de Classe. O Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAp–UFRJ) foi o primeiro a implantar o Conselho de classe no seu cotidiano escolar. Nesse mesmo ano, em 1959, ocorria uma reforma no ensino francês e com ela foram criados três tipos de conselhos: no âmbito da turma, no âmbito da instituição e em um nível mais amplo, os conselhos de orientação. Esses conselhos serviam para direcionar o acesso dos alunos ao ensino que a escola julgava mais apropriado, ou seja, servia para orientar ao ensino técnico ou ao clássico. O objetivo era perceber como eram os alunos, para assim oferecer a eles um ensino que pudesse atender aos seus gostos, aptidões e individualidades (DALBEN, 2004, p. 22). O documento do Instituto de Investigação de Documentação em Educação, da França, relata sobre essa reforma. “Uma reforma com o objetivo declarado de democratizar o ensino que almejava organizar um sistema escolar fundado na observação sistemática e contínua dos alunos com vistas a oferecer a cada um o ensino que corresponda a seus gostos e aptidões.” (Institut de Recherche et Documentation Pédagogiques – INRD, 1971, p.31 apud ROCHA, 1984, p. 19). Já no Brasil, na década de 1970, com a lei 5.692/71 o país sofre uma reforma educacional. Essa lei tinha “como um de seus propósitos fundamentais a transformação do estudante em um indivíduo treinável, instrumentalizado nos valores do capital, na competição e na racionalidade deste.” (DALBEN, 2004, p. 24). Nesse contexto, os conselhos de classe teriam um papel fundamental, pois eles conteriam o mesmo objetivo dos conselhos da França durante a reforma de 1959, orientar o aluno para o ensino técnico ou o ensino propedêutico. Para Dalben (1995), a lei 5.692/71 não definiu os conselhos de classe de maneira clara e objetiva, porém permitiu que os Conselhos Estaduais pudessem organizar o funcionamento dos seus sistemas. Dessa maneira, os Conselhos estaduais passaram a elaborar pareceres e resoluções afim de realizar a formalização de um espaço coletivo nos moldes do conselho de classe, mas os regimentos das próprias escolas é que orientavam o funcionamento destes (SANTOS, 2006, p. 20). Foi nessa conjuntura que o conselho de classe foi instituído oficialmente nas escolas de 1º grau16, no dia 19 de fevereiro de 1973, pelo Parecer 1.367 do Conselho Estadual de Educação (CASTRO, 2006). E com esse parecer, as escolas de 2º grau foram levadas a adotar o mesmo modelo das escolas de 1º grau, com isso em 1974 pela portaria “E” SED nº39, de 11 de novembro de 1974 eles têm o seu funcionamento regulado (ETZIONI, 1974). Porém algumas escolas de 2º grau preferiram regular os seus conselhos pelas “Normas para um Conselho de Classe”, que foi emitida em 1976 pela Coordenação de Ensino do 2º grau. Ao longo dos anos o conselho de classe procura se tornar, no Brasil, uma instância promotora do papel de “articular de forma harmônica as diversas partes do todo e garantir a divisão avaliativa do processo educacional como um todo” (DALBEN, 1995, p. 35). Dessa forma, essa instância volta a figurar os documentos oficiais em 1996, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (nº 9.394/ 1996) a fim de definir melhor a organização e o funcionamento dessa instância no âmbito escolar. A lei afirma que o conselho de classe deve ser um espaço que auxilie na promoção da gestão democrática do ensino público. O artigo 14 estabelece essa proposta: “Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.” (BRASIL, 2001, p. 7). 16
Primeiro grau corresponde hoje ao ensino fundamental, enquanto que segundo grau corresponde ao ensino
médio. Essa nomenclatura corresponde a que foi utilizada na época da elaboração da lei.
Sobre a gestão democrática do ensino público, a Resolução da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ), nº 1.074/2010, em seu art. 46, afirma que “o conselho de classe é o espaço democrático de tomada de decisões acerca do projeto político-­‐pedagógico da escola, do fazer pedagógico na sala de aula e do desenvolvimento da aprendizagem do aluno”. Dessa maneira, pode ser interpretado que o conselho de classe se constitui como um espaço de avaliação do aluno, assim como um espaço que promove e instiga a reflexão da prática do professor (DALBEN, 2004). Entretanto, esse ambiente é também um espaço de discussão livre entre colegas de profissão com a finalidade de buscar soluções para os problemas encontrados no âmbito escolar (MATTOS, 2005, p. 217). Um conselho de classe geralmente conta com a participação do corpo docente, coordenadores, orientadores, supervisores e diretores da escola de certo modo desrespeita a Resolução nº 1.074/2010 da SME/RJ que afirma em seu art. 48, que estabelece que o conselho de classe deve ser constituído por: I -­‐ Direção da unidade escolar II -­‐ Equipe pedagógica III -­‐ Todos os professores regentes de turma IV -­‐ Representantes do CEC17 V -­‐ Representantes do grêmio estudantil. Como pode ser observado, a participação das famílias, por meio dos representantes do Conselho Escola-­‐Comunidade, e dos alunos, pelo grêmio estudantil, é garantida por esta Resolução, incluindo a participação dos alunos e dos pais. Assim, o processo avaliativo não deve ser uma responsabilidade só do professor (SOUZA, 1998) ou centrada em suas concepções sobre os seus alunos. A avaliação, a reflexão precisa considerar toda a interação pedagógica (MATTOS, 2005) que existe no ambiente escolar. Conselho de classe e conselho de escola Os conselhos de classe costumam ser confundidos com os conselhos de escola ou colegiados de escola – como se chama em algumas instituições. De acordo com o artigo 17
Conselho Escola-Comunidade.
31 da Resolução nº 1.074/2010 da SME/RJ, a função do Conselho Escola-­‐Comunidade – CEC é... “a integração escola-­‐comunidade, garantindo um espaço permanente de discussão que envolva todos os segmentos da comunidade escolar, visando a contribuir para a organização e o funcionamento da unidade escolar e assegurando o desenvolvimento da política de democratização da escola.” (SME/RJ, 2010, pg.8). Dessa maneira, entende-­‐se que o conselho de escola deve auxiliar na administração da escola. Nesse espaço que esta prevista discussões sobre questões relacionadas ao investimento das verbas da escola, o orçamento, o calendário, a administração da infraestrutura da escola, as suas relações com os movimentos comunitários e os outros espaços que compõem o ambiente escolar (DALBEN, 2004). Assim, esse conselho não envolve as questões pedagógicas ligadas ao processo de ensino-­‐aprendizagem da escola; essa função é característica do conselho de classe. Pode-­‐se entender que a participação dos sujeitos que envolvem o ambiente escolar, professores, pais, alunos e funcionários da escola, durante todo o processo de ensino-­‐aprendizagem é necessária para que ocorra um trabalho de efetivo desenvolvimento do aluno. Dessa forma, a interação dos pais com a escola, da comunidade em geral com a instituição de ensino não se restringe em saber se seu filho ou filha foi aprovado ou reprovado, com qual conceito ele ficou ou quantas vezes ele faltou no ano. Essa constatação foi feita por Sousa em um trabalho de pesquisa realizado em duas escolas estaduais no município de São Paulo, no ano de 1986. Nesse trabalho as entrevistas realizadas, com professores dizem: “(...) que sete professores mencionaram que, a cada semestre, é registrada, em ficha, a disciplina em que o aluno ficou sem média, bem como as causas dessa ocorrência. Essas informações são utilizadas não só para comunicar aos pais o rendimento do aluno, suas dificuldades, como também para deles solicitar providências. Mesmo não se prevendo uma interação ativa dos pais com o projeto de trabalho em desenvolvimento na escola, talvez esse seja um dos poucos momentos que são chamados para falar sobre ensino-­‐aprendizagem.” (SOUSA, 1998, p. 49). Ou seja, o papel dos pais vai além da função de tomar providências depois da avaliação concluída pelos professores, a participação deles deve ocorrer desde o planejamento dos trabalhos e funcionamento dos mesmos até a aferição da aprendizagem. A orquestração De acordo com Guerra (2006), o conselho de classe é um espaço para todos os participantes avaliarem os alunos de forma colaborativa. Sendo assim, é importante que os participantes verbalizem suas experiências, concordâncias, discordâncias, exponham seus pensamentos e reflitam em conjunto sobre todo o processo de ensino-­‐
aprendizagem. Essas múltiplas reflexões no conselho de classe quando não consideram esta colaboração pode ser entendida como uma orquestração entre pares. A orquestração entre os membros do conselho de classe pode funcionar para avaliar o aluno e para repensar toda a prática docente. Entretanto, o que usualmente ocorre (MATTOS, 2005; 2008; DALBEN, 2004), é uma verificação de resultados dos alunos pelos professores, em que eles centram a sua avaliação e os seus discursos na figura do aluno, ressaltando seus problemas e dificuldades para apropriar-­‐se de um conteúdo, entre outros. Sobre uma orquestração inadequada, Dalben (2004) afirma que: “o processo de trabalho, constituído por discursos que não se integram, por falas que não se completam, apresenta-­‐se na pesquisa como vazio, frio e mecânico, entrecortado por espaços de silêncio e por trocas de olhares que dizem e expressam, mas não permitem o desenrolar das reflexões num clima de confiança e solidariedade.” (p. 62). No estudo de Mattos (2005), a orquestração do conselho de classe se deu pelo discurso dos professores, que sancionaram mutuamente suas impressões sobre os resultados escolares de seus alunos e alunas. Tal processo caracteriza-­‐se por expressões articuladas pelo grupo de forma interpolada, em conjunto, constituindo-­‐se em uma decisão final sobre o sucesso ou o fracasso do aluno ou da aluna. Desse modo, o que pode ser destacado sobre a orquestração no conselho de classe é que este não tem realizado uma avaliação significativa, para os seus alunos. O que acontece, em geral, são verificações de resultados e/ou avaliações superficiais o que não ajuda no desenvolvimento dos alunos e tem como objetivo afirmar ou não a sua condição de promovido ou retido. Ângela Dalben (2004) chama essa análise superficial de “fotografia da turma”. Em uma pesquisa realizada por ela em 1992 ela observou um processo avaliativo vazio, frágil e vazio de interação, de diálogos e de conteúdos. O que acontecia nesse conselho de classe é que o professor apresentava seus resultados, as notas dos seus alunos e concluía seu ponto de vista sem deixar espaço para uma interlocução, para debate ou uma reflexividade crítica (NÓVOA, 1995) da sua própria prática e do processo de interação pedagógica (MATTOS, 2005). Assim, o trabalho de orquestração se caracterizaria como se fosse mesmo uma foto tirada da turma que está sendo debatida no momento. No trabalho de Sousa (1998), ela pôde verificar, nas entrevistas realizadas, que os professores vêem a necessidade dessa orquestração, de saber se o aluno esta mal na outra matéria para que fique comprovada a dificuldade do aluno – e não representa a do professor. “Parece importante, para o professor, saber que o aluno que ‘não vai bem em sua área’ esta ‘mal com todos os professores’, o que significa que o aluno deve ser ruim mesmo, e o baixo rendimento não é certamente problema do professor ou ‘com ele’. A tendência é situar o fracasso entre dois polos: o aluno e o professor.” (p. 51). De acordo com esses trabalhos, pode-­‐se verificar a existência de uma escola que dá ênfase a meritocracia com características pouco democráticas, mesmo que estes princípios estejam presentes em documentos legais. Quando o conselho de classe realiza esse tipo de orquestração entre eles, percebendo ou não, acabam por impor a “ideologia meritocrática” sobre seus alunos e alunas. Dessa forma, de acordo com Dubet (2003), a escola inculca a ideia de que todos são iguais, de que todos têm as mesmas condições, ou seja, todos recebem a mesma aula, o mesmo conteúdo, o mesmo material didático e que, se fracassam ou obtêm sucesso, foi justamente por mérito deles mesmos, portanto, cada um é responsável pelo seu próprio desempenho (DUBET, 2003). Queiroz (2002) também se refere a essa questão quando diz que, no Brasil, a criança “pode” receber a culpa – a responsabilidade – pelo seu próprio fracasso (escolar). Dubet (2003) alerta para o fato de que é importante descobrir quem é o excluído assim como “os processos e os efeitos dessa exclusão sobre os atores” (p. 40). Desse modo, entende-­‐se que o conselho de classe tanto pode realizar um trabalho de promotor da meritocracia, da ideologia neoliberal, quanto promover a democracia ou realizar um trabalho que auxilie o estudante na sua formação educacional, crítica e reflexiva, formando-­‐o para ser um cidadão participativo da sociedade. Quando promove alunos a partir de preceitos neoliberais, esse aluno e essa aluna preparam-­‐se para serem subordinados e viverem à mercê das classes sociais economicamente mais favorecidas da sociedade (WARDE, 1983). Metodologia Etnográfica A etnografia é um método de pesquisa qualitativa, frequentemente utilizado pelos antropólogos para coletar dados de determinada cultura de maneira descritiva (ERICKSON, 1993). Esse método de pesquisa ganhou força, pois foca no objeto de estudo, que envolve a dinâmica das relações interpessoais (GEERTZ, 1989). Essa metodologia foi escolhida tanto para a coleta de dados quanto para a análise dos mesmos. Para a coleta de dados os instrumentos utilizados foram a observação participante, que é a inserção do pesquisador dentro do campo adotando uma abordagem qualitativa de interação e partilha do cotidiano com os sujeitos (QUEIROZ et. al. 2007), com o reforço dos cadernos de campo e os instrumentos tecnológicos, como a câmera de vídeo, o gravador de áudio e a máquina fotográfica. De acordo com Mattos (2008) esses aparatos permitem que os olhares dos pesquisadores estejam mais atentos e ampliados, pois as lentes das câmeras permitem que seja visto aquilo que esta atrás do visível. (MATTOS, 2008, p. 2). Já para a análise foi utilizada a microanálise de dados que “não relata simplesmente o que um ator social isolado faz em um momento particular. Ao invés disto, ela mostra professores e aprendizes, em quaisquer combinações e em quaisquer cenários que possam ser encontrados, como constituindo mutuamente a atividade um do outro em ambientes vivos de aprendizagem que se estendem através de momentos sucessivos no tempo real.” (ERICKSON, 1992, p.16). Acima de tudo, essa abordagem de pesquisa, quando realizada na sala de aula, tem como premissa ouvir os atores pesquisados, permitindo ao pesquisador uma troca de significados com os participantes do estudo possibilitando uma leitura dessa realidade e das interações existentes no ambiente escolar (ALMEIDA, 1998). Assim, o estudo dessas interações contribuem para os estudos das desigualdades e exclusões sociais. O trabalho de análise e o material O material deste trabalho faz parte do acervo de dados de pesquisas anteriores realizadas pelo NETEDU (Núcleo de Etnografia em Educação/ UERJ) que possui uma longa trajetória em pesquisas socioeducacionais utilizando a metodologia etnográfica. Dessa maneira, o acesso aos materiais de vídeos, áudios, transcrições, fotos dos conselhos de classe de pesquisas anteriores foi disponibilizado para este estudo. Nesse material estão incluídos 28 horas de vídeos e 1.200 páginas de transcrições. Com esse banco de dados, foi possível realizar um trabalho qualitativo de análise microetnográfica. A microanálise etnográfica foi a abordagem de análise utilizada para estudar os quatro conselhos de classes da amostra. Três desses conselhos foram revisitados através de registros em vídeo de pesquisa anteriormente desenvolvidas pelo NETEDU, e o quarto foi observado e registrado em vídeo por uma pesquisa de 2010, no momento em que este aconteceu (MATTOS; CASTRO, 2010). O trabalho de análise consistiu primeiramente em localizar o material armazenado no banco de dados do Núcleo de Etnografia em Educação – NetEDU. Entre os vídeos gravados pelo grupo de pesquisa, havia muitas imagens referentes a esse espaço de modo geral. Em seguida, cada conselho de classe foi observado e lido para que fosse possível entender a dinâmica desses espaços. O que esses ambientes tinham em comum ou que divergiam sobre as avaliações dos alunos, como discutiam outras questões, conflitos, assuntos referentes à infraestrutura da escola, aos materiais, aos móveis, à segurança, à falta de funcionários e o conselho tutelar, entre outros. Como parte das análises resultantes da observação dos conselhos, foi possível notar que o grupo dos meninos era citado mais vezes que o grupo das meninas. Com este dado analisou-­‐se minuciosamente cada caso, esta análise foi voltada para a questão de gênero e suas implicações sobre a avaliação dos alunos. Assim, a todo momento em que um participante do conselho se referia a um aluno ou aluna, mesmo que não citando seu nome, esse evento era destacado para análise. Após o destaque desses eventos, foi criada uma tabela com nomes de meninos e de meninas e ao lado o tipo de avaliação recebida por eles, como pode ser visto no exemplo a seguir, referente a uma ilustração das tabelas destacadas para sexo. Depois de criadas essas tabelas por sexo, verificou-­‐se que foram citadas 409 crianças (249 meninos e 160 meninas), procurou-­‐se identificar o tipo de apreciação/ avaliação que cada aluno recebeu. Assim, cada tabela foi subdivida em três partes: apreciações negativas, apreciações positivas e negativas; e apreciações positivas. Isso foi realizado para que pudesse ser avaliada as diferenças de apreciações entre os dois grupos. Observou-­‐se que um grupo era mais citado que o outro em condição de diferenciações específicas. Posteriormente, tentou-­‐se identificar qual era o tema em que determinado aluno ou aluna recebia apreciações negativas, positivas ou negativas e positivas, foram ampliadas as citações das falas das professoras, diretoras e demais membros da escola. Isso pode ser visto com um dos exemplos de cada tabela realizada. Conselho de Classe e o Gênero Através das análises realizadas na revisitação do material em vídeos de Conselhos de Classe foi possível estabelecer análises das relações e ordenações de gênero a partir do resultado de estudos envolvendo o fracasso escolar. De acordo com Mattos (2009), o fracasso escolar no Brasil vem sendo estudado há mais de quatro décadas, levantando as mais variadas explicações para o fenômeno. De acordo com Mattos (2009, p. 11) “essas investigações buscaram explicações para esse fenômeno, apontando justificativas como – as dificuldades dos alunos, situação socioeconômica e cultural das famílias, falta de instrumental técnico e teórico das escolas, mudanças frequentes no sistema escolar, ambiente social violento e pobre, processo pedagógico inadequado à cultura do aluno (...)”. Os estudos sobre gênero no Brasil foram consolidados no final dos anos 1970, simultaneamente ao fortalecimento do movimento feminista no Brasil, que lutava por igualdade de direito ao estudo (FARAH, 2004). Entretanto, os estudos sobre gênero relacionados à educação, as políticas públicas e outros temas que envolvem a escola, ainda foram pouco explorados. De acordo com Bragança e Mattos (2009), é possível estudar essas temáticas, pois para entender as atribuições sociais que são dadas aos homens e as mulheres são utilizadas as diferenças sexuais mais evidentes. Isso significa dizer que o tratamento dado às diferenças de comportamento e desenvolvimento dos alunos podem ser explicados pelo conceito de gênero. Pautando-­‐se na explicação de Bragança e Mattos (2009) esta pesquisa teve com ponto inicial o conceito de gênero nas avaliações dos alunos durante as reuniões dos Conselhos de Classe. A análise do material consistiu em observar as diferenças de gênero apresentadas nessas reuniões. A cada conselho de classe visto e lido (por meio das transcrições), foram ressaltados os momentos em que meninos e meninas eram mencionados, através de apreciação/avaliação que o/a aluno/a recebia. Dessa forma, como foi mencionado anteriormente, 409 alunos, entre meninos e meninas foram mencionados nos quatro conselhos. Desse total, uma diferença significativa foi evidenciada entre meninos e meninas, pois foram mencionados 249 meninos, correspondendo a 61% do total. Enquanto as meninas foram citadas 160 vezes, alcançando 39% do total. Com esses primeiros resultados já é possível situar a diferença aferida aos meninos em relação às meninas, isto é, eles são alvo principal das interações e falas dos participantes do conselho. As análises realizadas indicaram que meninos e meninas foram separados de acordo com o tipo de apreciação/avaliação que receberam. Esses alunos foram separados em três grupos: o primeiro onde as apreciações foram positivas, o segundo onde as apreciações foram negativas e o terceiro onde as apreciações foram igualmente negativas e positivas. Com essas análises, um pouco mais identificadas quanto as formas de apreciação/avaliação atribuídas pelos professores, constatou-­‐se as diferenças entre os gêneros, pois dos 249 meninos, 182 receberam apreciações negativas (73% do total), enquanto apenas 74 meninas receberam apreciações negativas (46% do total). Nas apreciações positivas as meninas superaram os meninos, com 23 menções para os meninos (cerca de 9% deles), enquanto 35 meninas (22% do total) foram mencionadas positivamente. Quando as apreciações/ avaliações eram ao mesmo tempo avaliações positivas e negativas: 44 meninos foram mencionadas, enquanto 51 meninas receberam esse tipo de apreciação, correspondendo aos percentuais de 18% e 32%, respectivamente. Podemos verificar sinteticamente esses dados nos gráficos abaixo, quadro I, II e III. A diferença de gênero pode ser verificada tanto nos resultados das avaliações pelos Conselhos de Classe quanto pelos resultados de dados oficiais do IBGE (2008), que demonstram que as mulheres têm uma vantagem sobre os homens quanto ao desempenho educacional, conforme apresentado nas tabelas I e II (Apêndice 11 e 12). Os resultados do IBGE, confirmam os dados analisados por esta pesquisa e que podem ser verificados em trabalhos de outras pesquisas como as de Carvalho, (2001, 2003, 2004), Brito (2006, 2004), Gilbert e Gilbert (1998), Connel et al., (1995) e Mattos (2010) que demonstram que os meninos têm sido avaliados de forma diferente das meninas. Essa diferença, como foi possível observar nas análises realizadas, tem se refletido na conclusão dos estudos, visto que as mulheres conseguem terminar sua escolaridade com alguns anos de estudo a mais que os homens. As diferenças nas apreciações/avaliações dos conselhos de classe poderia estar contribuindo mais significativamente para o fracasso escolar dos meninos das meninas; pode estar contribuindo ainda para que eles “saiam” da escola antes de completar os estudos, “desistam” durante o ano letivo e/ou fiquem reprovados com mais frequência, e portanto, muitas vezes, em defasagem idade/série. As diferenças na avaliação de meninos e de meninas pode ser evidenciada no conselho de classe do ano de 2006 analisado para este estudo onde na interação entre a diretora, a coordenadora e uma professora tem dois alunos, o Wellington e a Ana, na mesma situação sendo avaliados de maneiras diferenciadas. Na situação a professora esclarece à diretora que o seu aluno esta saindo mais cedo do que deveria sempre e que isso seria caracterizado como falta, consequentemente esse seria mais um caso de levar ao conselho tutelar. A professora explica que ela já teria feito de tudo, inclusive já havia avisado a família sobre as faltas. A diretora diz que quando for assim tem que avisar à ela. A professora afirma que já teria levado a direção e, por conseguinte a diretora afirma que em casos assim o aviso deve ser por escrito. A coordenadora pede o nome e mais esclarecimentos sobre o aluno, ela questiona se a falta dele é justificada. A professora afirma que a falta dele não é justificada e em seguida, explica o caso do aluno. Ela afirma que o caso do seu aluno é que ele sai todos os dias um determinado horário que é mais cedo que o de costume da escola e que ela tem uma aluna que sai junto com ele. Ela continua explicando que ela não se importa que essa aluna saia mais cedo, pois ela se mostra uma menina interessada aos estudos e tem um comportamento quieto e passivo dentro da sala de aula. Já o menino, ela faz questão que ele seja direcionado ao conselho tutelar, pois ele se mostrava um aluno desinteressado aos estudos devido ao seu comportamento bagunceiro na sala de aula. Além disso, ela afirmava que ele não acompanhava o restante da turma, agravando ainda mais o seu desinteresse. Ela afirma não aceitar o seu comportamento em sala e acredita que o seu problema é de não aceitar ficar na escola. (CIEP FUTEBOL CLUBE, 2006, Dia 06/10/2006). A situação acima descrita ilustra uma situação de apreciação/ avaliação de dois alunos Wellington e Ana que apresentam o mesmo “problema” falta à escola. Para a professora ambos estão faltando além do permitido pelo regulamento da escola e quando vão a escola saem mais cedo, o que significa que perdem aulas e não conseguem acompanhar os conteúdos como os demais alunos. A professora, porém, solicita que a diretora ligue para a família do menino, para avisar sobre sua situação do mesmo. A menina, que encontra-­‐se na mesma situação, foi desconsiderada pela professora como um caso grave de faltas, pois ela afirma que é uma “boa aluna”. Pode-­‐se inferir ainda que a aluna é considerada boa devido ao seu comportamento calmo, meigo, ou seja, ela não é bagunceira e não infringe as normas da sala de aula como Wellington costuma fazer. Decorrente do fragmento de fala acima pode-­‐se questionar quais são as razões que levaram as professoras a delimitar a diferença entre os meninos e as meninas. Além disso, pode-­‐se indagar sobre quais são as expectativas dos professores com relação aos meninos e as meninas. Um aluno “modelo” é idealizado pelas professoras e de acordo com Carvalho (2001), (2003), (2004) e Brito (2006) tem sido mais facilmente encontrado esse modelo entre as meninas. De acordo com os estudos de Brito (2006) e Carvalho (2001), o aluno ideal é aquele que, independente de ser menino ou menina, pudesse ser uma pessoa independente, participativa, com facilidade para aprender, com rapidez de raciocínio e que ao mesmo tempo pudesse ser atenta, concentrada, organizada e realizadora de tarefas. Além disso, esse aluno ou aluna deveria ter o apoio da família no que diz respeito à realização das tarefas escolares, no contato com a escola etc. Essas pesquisadoras verificaram que as meninas eram mais participativas que os meninos, que tinham boa relação com a professora e recebiam maior atenção dela, eram, portanto, as que mais se encaixavam nesse perfil de aluno. De acordo com o estudo de Carvalho (2001) ela localiza a existência de problemas escolares no grupo dos meninos, já o aluno bom é aquele que tem um perfil mais associado ao das meninas brancas (e orientais), ou seja, um padrão mais manso, suave, calmo, mais feminino. Carvalho (2001) chegou a essa síntese após analisar as descrições das professoras sobre o “bom aluno”, ou seja, um aluno autônomo, participativo e que tem um bom envolvimento com o grupo. Apesar das meninas se enquadrarem no perfil de boas alunas, elas não são ressaltadas por essas características. (p.261) Podemos ver que as meninas que são inteligentes, caprichosas, meigas, calmas, submissas são pouco lembradas e procuradas devido a esse jeito sossegado. De acordo com Walkerdine (1995), os meninos agitados, barulhentos, levados, indisciplinados, dispersivos, teriam seu desempenho escolar prejudicado pelo seu comportamento indisciplinado e seriam assim mais notados – mesmo que negativamente. Isso foi constatado nas apreciações/avaliações de meninos e meninas nos conselhos de classe; como foi mencionado aqui, os meninos foram mais citados pelas características negativas. Nos conselhos, depois de confirmar a diferença de avaliações recebidas pelos meninos e meninas, foi possível verificar, que algumas temáticas dessas avaliações se repetiam e que esses temas poderiam estar sendo mencionados como indicadores da sucesso ou fracasso escolar. Os temas mais identificados nas avaliações dos meninos foram avaliados segundo a frequência com que foram citados, o resultado foi: comportamento – 96 vezes; faltas – 75 vezes; conceito – 74 vezes (ruim – 64 vezes/bom – 10 vezes); aprendizagem – 74 vezes; eliminação – 37 vezes; conteúdo – 23 vezes; medicalização – 13 vezes; Família – 10 vezes; recuperação – 8 vezes; preconceito – 1 vez; e violência – 1 vez. Já os assuntos mais mencionados durante as avaliações das meninas foram: conceito – 60 vezes (ruim – 36 vezes/Bom – 24 vezes); aprendizagem – 57 vezes; faltas – 50 vezes; comportamento – 32 vezes; medicalização – 18 vezes; eliminação – 16 vezes; família – 16 vezes; e conteúdo – 7 vezes. Ao colocar esses temas e quantas categorias os gráficos VI e VII. Por esses gráficos percebe-­‐se que, a maioria das apreciações negativas, para os meninos não derivam de características da aprendizagem do aluno. Entre ele, esse aspecto ficou em 4o posição, onde ficaram o comportando, as faltas e “conceito” (significando nota obtida nas provas) em 1o, 2o e 3o, lugares, respectivamente. O comportamento mencionado esta relacionado à indisciplina, a obediência à professora e à não transgressão das regras estabelecidas para o funcionamento da sala de aula e da escola em geral. Isso é evidente em algumas falas de participantes dos conselhos de classe de 2004. Em um primeiro momento a coordenadora e uma professora comentam sobre o caso de um menino, o Neilson, que é o pior em comportamento, pois quando todos estão concentrados ele não esta. Em outro momento duas professoras comentam sobre dois alunos, a Ana e o Paulo. Essa professora fala dos maus hábitos dos dois, e um desses era o hábito de comer na sala de aula. A outra professora concorda sobre o comportamento dos dois e faz o seu próprio comentário, afirmando que os viu na rua no horário de aula. Por fim, a primeira professora conclui as suas primeiras conclusões sobre os alunos assegurando que quando os dois estão em sala não querem fazer nada, trazem brinquedos, juntam com outro menino que não tem comportamento e assim aos seus olhos se concretiza uma situação de caos em sala. (Escola Municipal José Azevedo da Silva, 2004, Dia 22/07/2004). Nas falas dos professores o aluno Neilson é considerado como “chato”, por atrapalhar os outros alunos com o seu comportamento indisciplinado. Esse aluno procura chamar a atenção das professoras e da turma saindo do lugar, mexendo com os outros alunos, não fazendo as tarefas. Nessas falas os alunos Ana e Paulo são vistos como pelos seus hábitos diferentes dos outros alunos, não seguem as normas de horário de entrada e saída, por faltarem mais do que permitido, e não se comportarem na sala da aula de modo disciplinado. O que essas falas têm em comum é que as características de transgressão às normas de sala de aula, de não aceitação da rotina escolar foram marcantes para as professoras que mencionaram o fato no conselho de classe antes da avaliação da aprendizagem desses alunos. A fala dessas professora demonstram que outras características se sobrepõem a aprendizagem dos alunos no momento da avaliação nos Conselhos de Classe como foi mencionado no caso acima de comer na sala de aula, chegar atrasado, misturar calçado com alimentos, ou seja, toda uma série de questionamentos são feitos antes de chegar à produção escolar do aluno. Por sua vez, as meninas, por apresentarem um comportamento mais próximo do “modelo de aluno” esperado pela escola – mesmo que apresentem passividade diante das tarefas propostas, elas transgridem menos as normas da escola, recebem avaliações centradas no conceito, na aprendizagem, no comportamento e nas faltas pela ordem de menções pelas professoras. Elas são menos consideradas nas apreciações do que dos meninos. Pode-­‐se verificar, que as ponderações atribuídas às meninas são, na sua grande maioria, fechadas, sem muito conflito. Isso pode ser verificado nas falas dos Conselhos de Classe de 1993 e 2004. Em uma das falas uma das professoras vai citando os nomes de meninas e em seguida uma palavra referente ao conceito que ela recebeu, exemplo se foi “B” era bola. Já no de 2006 a análise das meninas continuava simples, porém os conceitos não seriam mais letras e sim siglas “MB” de Muito Bom, “B” de bom, “S” de suficiente e “I” de insuficiente. Em outras situações as avaliações das meninas se restringiam a pequenas frases precedidas de seus nomes: “leu bem”, “sabem demais”, “não sabem nada”, “boa aluna, só faltava direcionar”, “tem letra bonita”, “ela sempre foi boa aluna” As falas dessas professoras demonstram que as meninas são mencionadas através de elogios, mesmo que vagamente, pois a atenção não é no comportamento, elas não dão muito trabalho, não são mencionadas ainda pela aprendizagem, embora não sejam consideradas muito inteligentes. Isso pode ser confirmado nas pesquisas realizadas por Carvalho (2003), ela diz: as professoras têm me indicado é que os ‘bons mesmo’, os ótimos alunos, são meninos. Quase sempre quando me descrevem suas classes, elas colocam os meninos nos dois polos, o dos ‘excelentes’ e o dos ‘muito complicados’, que têm muita dificuldade. E as meninas permanecem no círculo mediano: não são tão brilhantes, mas também não dão tanto problema. Isso mostra que há um grupo de meninos que tem conseguido articular algum tipo de afirmação da sua masculinidade com um desempenho escolar muito positivo do ponto de vista das professoras; indica também que precisamos ainda entender os múltiplos conceitos de masculinidade que circulam entre os nossos alunos (CARVALHO, 2003, p. 189). Neste contexto, nos conselhos, quando as professoras elogiam os meninos, elas usam expressões que não são somente utilizadas com as meninas. Isso é claramente identificado em duas falas. A primeira é no conselho de classe de 2004, onde uma das professoras fala como o seu aluno Gleison é ótimo. Ela usa palavras e expressões como “ele é ótimo”, “responsável”, “o melhor dos alunos”. Ela termina fazendo uma observação sobre a situação familiar desse aluno. Ela conta que o Gleison deve ser filho de pais separados e que ela concluiu isso em um dia que o pai ficou preocupado se o filho havia ido para a escola em um determinado dia e com isso ela afirma que essa preocupação com o aluno tem que vir do família mesmo. (Ciep José Azevedo da Silva, 2004). Em outra fala do conselho de classe de 93 duas professoras comentam sobre o aluno Paulo. A primeira chega a suspirar falando de Paulo, enquanto a segunda completa dizendo que ele é “A”e a orquestração segue, a primeira concorda com o conceito dado a ele e a segunda conclui com a expressão “ele é muito bom.” Expressões como “ótimo aluno”, “o melhor dos alunos”, “muito bom”, “responsável”, confirmam o que Carvalho (2003) demonstrou no resultado de sua pesquisa. Apesar de as meninas serem mais elogiadas que os meninos, elas são medianas, não são tão brilhantes quanto um ou outro menino que se encontra nessa posição. As professoras demonstram satisfação em ter alunos que se destacam entre os demais. Entretanto, a realidade é que são poucos os meninos que se encontram nessa posição; na sua grande maioria, eles são os meninos “complicados”, “difíceis”, “impossíveis”. Entre os temas mencionados nas falas das professoras sobre seus alunos e alunas confirma-­‐se a explicação de que o fracasso escolar é maior entre alunos do sexo masculino porque as meninas seriam mais aptas à escola, que é tradicionalmente feminina (CARVALHO, 2003). Isso foi observado quando meninos e meninas, são mencionados em comportamento, disciplinados ou não, esses comentários evidenciam posições diferentes entre os sexos. Essa também é uma hipótese francesa chamada “ofício de aluno”, adotada por Perrenoud (2002, p.21). No Brasil ela também é utilizada por Silva et. al. (199) que afirma que as crianças entram na escola já com uma representação do professor e aluno, do homem e da mulher, pois vivenciam isso em seu cotidiano. Ele afirma que essa representação destaca a diferença entre alunos e alunas. Um exemplo significativo dessa questão é que um pai prefere muito mais que seu filho interprete um papel de valentão e conseqüentemente leve notas razoáveis para casa, do que leve notas boas e seja considerado um marica por causa de seu bom comportamento. (SILVA et al., 1999, p.222). Dessa maneira, infere-­‐se, a partir dos pressupostos teóricos dos estudos de gênero (MATTOS, 2010; CONNELL, 1995, 2000, 2008; CARVALHO, 2001, 2004; BRITO, 2006), que existe larga vantagem para os meninos entre as avaliações negativas, enquanto em todos os tipos de avaliação as meninas foram mais bem avaliadas; que os meninos cooperam menos do que as meninas e, desse modo, recebem avaliações negativas relativas ao comportamento inadequado em sala de aula. Conclui-­‐se que os meninos não se “conformam” com o tipo de aula oferecido pelas escolas e se subvertem, enquanto as meninas “cooperam mais” e recebem boas avaliações. Portanto, o fato de serem avaliados com notas mais baixas reprovações, dentre outras características negativas não sugere que eles sejam “os piores” ao contrário, talvez por isso mesmo eles sejam “melhores” que as meninas, que agem passivamente em relação ao “tipo” de aula quer recebem de modo a obter “boas” menções. Considerações Finais Alguns dos resultados possíveis de serem derivados deste trabalho é que as relações de gênero construídas no contexto escolar interferem no fracasso escolar dos meninos de forma mais acentuada do que das meninas. Os resultados das análises das imagens de vídeos realizados demonstram nas diferenças de gênero que os meninos lideram as listas de repetentes, defasados idade/série, evadidos etc. Entretanto, não devem por essas características serem considerados “mal sucedidos” ou “fracassados.” As questões de gênero na educação vem sendo discutidas por pesquisas nacionais e internacionais (CARVALHO, 2004, 2001; BRITO, 2006; CONNEL, 1995), esse tema é analisado a partir do segmento da educação infantil até o ensino médio, e tem como referência os Parâmetros Curriculares Nacionais tanto para a Educação Infantil (RCNEI) quanto para a Educação Básica (PCN). Com isso, ressaltamos que essa temática necessita de um maior número de pesquisas, uma vez que os alunos, desde sua entrada na escola, “estão em contato com o outro e precisam aprender desde cedo a ter relações sociais sem preconceitos e viver de forma democrática” (FINCO, 2008). Entretanto, de certa forma a escola tem se posicionado de maneira conflituosa em relação a esses PCNs, quando avalia de maneira diferenciada meninos e meninas com base em características de masculinidade e feminilidade que consideram próprias a cada sexo como foi observado nas análises dos Conselhos de Classe desse estudo. Cabe ressaltar as avaliações produzidas sobre os alunos nos Conselhos de Classe revelaram a marca das diferenças de gênero relacionadas ao fracasso escolar. De um modo geral, os meninos foram avaliados como faltosos, difíceis, problemáticos, até mesmo chatos. Enquanto que para as meninas é reservada uma certa tolerância quanto às dificuldades que elas apresentam em função do comportamento meigo e calmo. A perspectiva apresentada nesse estudo ressalta, mais uma vez, a necessidade de serem realizadas pesquisas que levem em conta as diferenças nos processos educacionais visando atenuar as diferenças de ordenações e relações de gênero nas avaliações sobre alunos e alunas. Ainda que muitos estudos sejam realizados com professores e alunos é interessante buscar a participação de toda comunidade escolar em processo de conscientização sobre as ordenações e relações de gênero. Entende-­‐se que a participação da comunidade escolar como um todo poderá levar a que todos se mobilizem no sentido de minimizar os efeitos negativos que as masculinidades e feminilidades produzem nos processos educacionais de alunos e alunas. Referências ALMEIDA, Sandra Maciel de. Metacognição como proposta pedagógica. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-­‐Graduação em Educação, Universidade do estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998. BRASIL. Leis. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 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Entretanto, estes pouco apresentam as formas como essas tecnologias digitais são utilizadas. Quando muito causam a impressão de que pelo fato de existirem computadores e televisões nas escolas o acesso a essas tecnologias estão ocorrendo de forma a garantir melhores condições de ensino/aprendizagem nessas escolas. Além de existirem problemas técnicos, estruturais e organizacionais nas escolas brasileiras. Os exemplos vão da falta de manutenção de aparelhos digitais até a falta ou baixa conexão da rede de internet. A esses problemas somam-­‐se a realidade dos profissionais que atuam nessas escolas e que são responsáveis pelo suporte aos/as alunos/as aprender quanto ao uso das tecnologias. O que se pode afirmar, empiricamente é que os alunos/as tem pouco acesso às tecnologias digitais que favoreçam a sua escolarização. Quando muito, utilizam essas tecnologias de forma lúdica, muitas vezes, fora da escola. Estes quando provocados pela escola a utilizarem seus aparelhos digitais (celulares, TVs, tablets, computadores, dentre outros), muitos vezes o fazem como o faziam dos livros, dicionários e enciclopédias, com a mesma forma de ensinar apenas se utilizando de outros instrumentos, sem que seja incentivado o interesse na descoberta, na inovação ou na aprendizagem de novos conteúdos escolares que favoreçam sua aprendizagem (MATTOS, 2015). Este texto tem o objetivo de a partir dos pressupostos anteriores, entender como os trabalhos científicos produzidos no âmbito da área da Educação, tem contribuído com indicadores sobre os modos pelos quais as tecnologias digitais vem sendo estudadas e de que modo estas avançaram no sentido de auxiliar as escolas, seus alunos e professores a caminharem de maneira produtiva para a melhoria do processo de ensino/aprendizagem com o uso dessas tecnologias. Metodologia Esse texto tem como bases principais as pesquisas desenvolvidas pelos autores: Mattos, (2011, 2013, 2014, 2015), Mattos; Castro (2010), Setzer (1994), Andre (2005), Netto (1975), Santos (2013), Stumpf; Gonçalves; Pereira; Gonçalves (2011) e Schwarzelmuller (2005) . Neste apresenta-­‐se, parte dos resultados da pesquisa intitulada: Tecnologia Digital e Pesquisa Etnográfica (MATTOS, 2012-­‐2015). Particularmente o foco é a análise da categoria objeto, levantada dentre outras categorias resultado desta pesquisa (MATTOS, 2015). A pesquisa utilizou duas abordagens de investigação: bibliográfica e etnográfica. Entretanto, somente parte do segmento bibliográfico será apresentado neste texto. Para o desenvolvimento deste estudo bibliográfico, 2.300 (dois mil e trezentos) textos da área da Educação que tangenciavam os temas: Tecnologia Digital e Pesquisa Etnográfica foram acessados. O período coberto pelo estudo foi entre 2004 e 2014 e os artigos originários de pesquisa científicas que encontravam-­‐se disponíveis pela internet. Destes, foram selecionados 285 (duzentos e oitenta e cinco) textos, 185 (cento e oitenta e cinco) se referiam a Tecnologia e Educação e 100 (cem) a Pesquisa Etnográfica. Essa seleção passou por dois processos de análise: o primeiro manual através de mapas conceituais pelo grupo de pesquisa (alunos de graduação, pós graduação, membros da pesquisa Etnografia e Exclusão em educação e do Núcleo de Etnografia em Educação (NetEdu)), (GRPSQ, 2004). Toda a equipe foi envolvida nesse processo e as discussões sobre os resultados se deram durante o seminário semanal de pesquisa na UERJ; o segundo processo de análise utilizou dois softwares – um para construção de base de dados (EndNote) e o outro para análises de conteúdo (Atlas.ti). Esses dois recursos digitais são de uso recorrente nos trabalhos de pesquisa do grupo (MATTOS; CASTRO, 2010) Após esses dois processos de análises procedeu-­‐se uma mais detalhada que considerasse o imbricamento e a comparação entre os dois grupos temáticos Tecnologia Digital e Pesquisa Etnográfica, seis subgrupos idênticos nomeiam as categorias principais derivadas deste procedimento, são eles: Educação, Tipo de Estudo, Sujeitos, Objetivos, Objetos, Tecnologia. Em cada uma dessas categorias levantou-­‐se ainda as subcategorias temáticas a elas agregadas. Chegou-­‐se assim ao seguinte quadro: Quadro 1: CATEGORIAS E SUBCATEGORIAS DE ANÁLISE CATEGORIAS Educação Tipo de Estudo Sujeitos Objetivos Objetos Tecnologia TECNOLOGIA DIGITAL Educação; Ensino/Aprendizagem; Escola; Avaliação; Sala de Aula; Didática/Currículo Inovação; Ação; Métodos; Qualitativos; Processo; Desenvolvimento; Problema; Ferramenta; Trabalho; Análise; Projeto; Colaboração; Conceito; Teoria; Produto Aluno; Sociedade/Comunidade; Participante/Sujeito; Professor; Autor/Pesquisador Significado; Crítica ;Representação Letramento/Alfabetização; Cultura; Poder/Politica; Ciência; Valores Tecnologia; Digital; Computador; Internet; Software; Mídia; TV; Filme/vídeo; Videogame; Interface; Celular; Fotografia Revista/Jornal; Rádio; Música PESQUISA ETNOGRÁFICA Educação; Escola; Ensino-­‐Aprendizagem ;Sala de aula Pesquisa qualitativa; Etnografia; Pesquisa de Campo; Entrevista; Pesquisa ação ;Estudo de caso História de vida Professores; Participantes; Autores; Aluno; Pessoa Interação; Processo; Trabalho; Questões; Sentido; Teoria Vida; Contexto; Politicas; Linguagem; Valores; Fracasso; Conceito; Cotidiano Tecnologia; Inovação; Produção ;Tecnologia Digital; Internet Fonte: Relatório Final da Pesquisa Tecnologia Digital e Pesquisa Etnográfica (MATTOS, 2015) Do quadro acima a linha em destaque será objeto de análise e discussão neste texto. Nas três colunas verifica-­‐se que os temas maiores que determinam dos estudos empreendidos também comandam os objetos por eles estudados. É importante notar que de acordo com Mattos (2015) os selecionados para análise atendem os critérios de pertinência aos dois temas principais. De modo comparativo essas categorias e suas derivações secundárias deram origem aos resultados e discussões que se apresentam no relatório final, discutiremos a categoria “Objeto” nesse texto, que nos ajudará a entender de que forma as tecnologias digitais estão sendo utilizadas na educação e de que forma a pesquisa etnográfica influi nesse meio. Para tal, considerou inicialmente as inferências registradas neste documento e aprofundou-­‐se nesse tema – Objeto de investigação nas pesquisas que estudam tecnologia digital e pesquisa etnográfica – e procedeu-­‐se a ampliação desse tema retornando-­‐se a alguns dos artigos que lhes deram origem. Quando separados para comparação, sob a égide da categoria “Objetos”, no âmbito da categoria tecnologias digitais temos, por exemplo as subcategorias “letramento/alfabetização”, como as mais frequentes entre as demais apresentadas no Quadro 1, o que pode ser uma evidência da preocupação dos pesquisadores estudados com os processos de inclusão/exclusão digital na sociedade brasileira. De acordo com o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) em 2012, 49% da população brasileira com 10 anos ou mais era usuária de Internet, enquanto 45% nunca usaram a rede, neste ano 24,3 milhões de residências já possuíam acesso a internet. Enquanto no mesmo ano, 15% dos domicílios em área rural e 51% dos domicílios em área urbana possuíam computadores. A proporção de domicílios com telefone celular era de 72% na área rural e de 90% na área urbana. Em 2014 os dados do CGI.br evidenciam que existe mais de um telefone celular por habitante no país. Entretanto, a maioria desses equipamentos são antigos e não permitem o uso da internet. Os altos custos das redes domésticas e a baixa velocidade oferecidas também contribuem para diminuir o acesso à internet (CGI.BR, 2012). Essas são algumas das interpretações possíveis para os dados que se apresentam nas análises para esta subcategoria (Idem). O fato de aparecerem como categorias secundárias: “Cultura”, “Política”, “Ciência” e “Valores”, nos permite inferir que as pesquisas na área de Educação se interessam pouco, ou nada, pelo caráter técnico das tecnologias e preferem discuti-­‐las no âmbito das políticas sociais, dentre outros tópicos, a discuti-­‐las de modo a entender o seu funcionamento e utilização nas escolas. Como vemos a seguir (Tabela 1-­‐ Figura 1) a frequência das subcategorias que parecem nas análises nas duas colunas apresentadas por Mattos (2015) em seu relatório verifica-­‐se ser quase que impossível uma comparação entre elas: Relatório Final da Pesquisa Tecnologia Digital e Pesquisa Etnográfica (MATTOS, 2015, p. 24) Fonte: Relatório Final da Pesquisa Tecnologia Digital e Pesquisa Etnográfica (MATTOS, 2015, p.18) Setzer (2002) afirma que a tecnologia deve ser inserida na educação quando o estudante já possui capacidade para resolver teoremas, ele compara esta capacidade ao sistema de um computador, por exemplo. Ele explica que a utilização das tecnologias na fase “errada” não alcançariam o resultado almejado, esta inserção contrariaria a natureza da própria criança, atrapalhando o seu desenvolvimento. Contudo, ele afirma ser importante que o aluno seja ensinado sobre a estrutura e o funcionamento das máquinas até o final do ensino médio, para que as tecnologias sejam usadas criticamente. O autor ainda aponta para o uso de televisões, esta além de induzir a sonolência, grava em seu subconsciente o que é transmitido sem que este seja filtrado pelo consciente. De acordo com o mesmo, o uso dos computadores na educação infantil e fundamental é de ‘‘instrução programada automatizada”, pois o tipo de raciocínio que é estimulado é baseado na memorização, não dando margem a criatividade. Os chamados Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) são utilizados com o intuito de atender as demandas acadêmicas relacionadas à internet, como um espaço para que ocorra o processo de ensino e aprendizagem (STUMPF, at. al., 2011). O autor mostra e discute a relação entre a educação a distância e os livros digitais, ele afirma que o mais utilizado nos AVA são os arquivos em formato Portable Document Format (PDF). Ele ainda aponta que os livros digitais e os AVA são recursos que devem ser pensados como possibilidades de interação com o usuário, a fim de desenvolver uma leitura mais eficiente e prazerosa, além de proporcionar uma conexão do leitor com a obra. De acordo com o autor, esses recursos podem contribuir para uma educação pautada nas novas tecnologias, entretanto, estas citadas em seu texto ainda são poucos utilizadas na educação a distância. No texto de Schwarzelmüller (2005) aponta que as tecnologias, na maioria das vezes são ensinadas hoje em dia pensando na inserção do indivíduo no mercado de trabalho. Ela acredita que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), são a resposta para uma democratização e universalização das tecnologias na sociedade atual, diminuindo assim, a exclusão. Os artigos analisados sobre Pesquisa Etnográfica apontam que estas são escassas no âmbito da área de Educação, apontam ainda que, em sua maior parte, são de caráter históricos e ou filosóficos. Esses estudos, muitas vezes, desconsideram em suas bases as pesquisas pré-­‐existentes (NETTO, 1975). O autor aponta a importância dessas pesquisas para as políticas educacionais. Através delas é possível descobrir os problemas existentes, acompanhar as inovações e avaliar os resultados de projetos implantados. De acordo com o autor, quando as pesquisas forem mais valorizadas na educação, a sua realização será mais fácil e menos burocrática. Neste sentido, André (2005) afirma em seus estudos que para garantir a qualidade das pesquisas em educação é necessário que sejam promovidos debates nas universidades, agências de fomento, revistas, escolas e na internet, para que se chegue a uma concepção do que seria uma "boa" e do que seria uma "má" pesquisa. A autora mostra ainda que os estudos a partir dos anos de 1980 se preocupam com o cotidiano escolar, com o currículo, as interações sociais, etc. Entretanto, de acordo com ela, os docentes tem menos tempo para produzir as pesquisas devido as demandas de aula, reuniões e pareceres que envolve a vida acadêmica de pesquisadores no Brasil. Santos e Santana (2013) apontam em seus textos que uma as principais causas da evasão e da reprovação escolar são as políticas educacionais e os sistemas de ensino. Diz ainda que as tarefas escolares, de um modo geral, são pouco motivadoras e incentivadoras para o aluno. Reforçando a ideia de que as medidas implantadas pelo governo são paliativas e continuam levando inúmeros alunos a repetência. O aluno repetente é, de modo geral, descriminado e desacreditado pelo sistema o que leva a culpa-­‐lo pelo seu próprio fracasso. De acordo com os artigos pesquisados a tecnologia deve ser inserida na educação numa determinada fase, ao qual nela o aluno poderá utilizá-­‐las de forma produtiva e inovadora, dando margem à criatividade. Algumas dessas tecnologias se incluídas em programas de ensinos a distância podem se fazer úteis no processo de ensino e aprendizagem, ajudando o estudante a ter uma educação diferenciada e interativa, podendo até o ajudar a desenvolver prazer ao ler e estudar. Contudo, as tecnologias hoje em dia são ensinadas pensando no indivíduo no mercado de trabalho (SCHWARZELMÜLLER, 2005) CONCLUSÃO A Pesquisa Etnográfica é uma abordagem metodológica importante nas pesquisas em educação ela buscar a escuta sensível das vozes dos sujeitos da pesquisa, quando essa é possível de ser feita. Com ela busca-­‐se ainda a não interferência da visão do pesquisador sobre o objeto a ser pesquisado, o que é também uma tarefa difícil. Como este texto aponta, as pesquisas buscam com os seus objetos a especificidade do fenômeno que desejam investigar, mas ao se colocar em paralelo pesquisas que tangenciam os dois temas: Tecnologias Digitais e Pesquisa Etnográfica verifica-­‐se que o encontro dos entre esses dois temas mediados pelos objetos que propõem investigar parece impossível até o momento, o que implica dizer que a pesquisa etnográfica ainda não utiliza das tecnologias digitais para entender os seus objetos e ainda que os estudos em tecnologias digitais consideram pouco ou, quase que não consideram, essa abordagem como uma abordagem de pesquisa e de estudo. O distanciamento entre esses dois campos de conhecimento ao nosso ver se deve por alguns aspectos em particular. Como por exemplo, na pesquisa etnográfica : a pouca importância dada pela área da educação aos estudos etnográficos (ERICKSON, 2004); a dificuldade que essa abordagem apresenta na sua execução (MATTOS, 2011); a demanda da produtividade em pesquisa que exige rapidez e quantidade, dentre outros aspectos s que implicam uma pesquisa etnográfica. Os exemplos que tangenciam às tecnologias digitais são, dentre muitos: a dificuldade e falta de habilidade de pesquisadores da área em lidarem com tecnologias digitais; a ideia de que a pesquisa etnográfica se dá numa interação face a face e que esta não pode ser virtual; A desterritorialidade característica dos ambientes digitais. Por tudo isso pode-­‐se concluir que, investimentos e esforços de pesquisadores tornam necessários para que em pesquisa etnográfica se incluam elementos da tecnologia digital, não somente enquanto objeto mas também como instrumento de pesquisa. Deste modo os estudos etnográficos devem considerar o ambiente digital, seja este virtual ou presencial, como objeto, assim como as ferramentas digitais como instrumentos. No mesmo caminho, em estudos sobre tecnologias digitais, devido as suas características desterritorializadas e virtuais, a etnografia pode ser um dos elementos de legitimação dos conhecimentos produzidos neste campo na medida em que oferece como um dos elementos as análise sobre o tempo e espaço de forma diferenciada (CASTRO, 2008 ) o tempo kairós predomina, assim com a virtualidade, sendo uma versão de representação do sujeito investigado pode ser considerada, não como realidade, mas como parte do todo que ela representa e ambiente de rede. REFERÊNCIAS ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: questões de teoria e de método. Educação e Tecnologia, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.29-­‐35, jan./jun. 2005. CASTRO, P. A. Tempo: chronos ou kairós? Uma análise etnográfica dos saberes produzidos em sala de aula. 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Dessa forma, a pesquisa teve a preocupação de privilegiar a perspectiva dos sujeitos, levando em consideração suas reflexões e significados atribuídos às suas práticas, valorizando a voz do aluno e permitindo que estes sujeitos participassem ativamente de todo o processo da pesquisa. Assim, nos questionamos qual a importância do diálogo construído entre a universidade e a escola para os autores que já estudaram sobre isto? O objetivo deste artigo, então, se constrói pelo desejo de compreender as interfaces do diálogo entre escola e universidade. Diante destas indagações, optou-­‐se por uma abordagem metodológica em que foi realizado um estudo de caso e instrumentos metodológicos como entrevista semiestruturada, observações de campo, acompanhamento do aluno no grupo de pesquisa, dentre outras fontes de dados coletados e armazenados pelo NetEDU. Tomamos o trabalho de Lüdke et all (2005, 2012), autora que estuda a aproximação da universidade e a escola básica pela pesquisa de mestrado, que nos faz pensar nos limites e nas possibilidades da relação entre universidade e escola. Também, os escritos de Rodrigues (2008), “Anatomia e Fisiologia de um estágio”, traz a perspectiva da relação universidade e escola básica pela via do estágio. O trabalho de Borges (2011), também, discute esta relação pelo viés da formação de professores no curso Normal e na licenciatura em pedagogia, trazendo contribuições para estudar a importância dessa relação e as vias diferentes pelas quais ela pode acontecer. A universidade e a Educação Básica Objetivamos problematizar a universidade pública e sua crise nos dias atuais em relação à sua existência como instituição social diferenciada, a qual tem sido substituída por uma perspectiva operacional e apresentar como essa discussão se apresenta como importante para pensar a relação universidade e escola básica. Isto será feito com base, principalmente, em Chauí (2003), mas também apresentando a posição de autores como Zago (2006), a qual escreve em seu artigo sobre o acesso e a permanência da camada popular no ensino superior e Santos (2004), que discute a universidade do século XXI, defendendo uma reforma democrática e emancipatória da universidade pública. Chauí (2003) situa a universidade pública atual em um problema de identidade e objetivo de sua existência: para que serve a universidade de hoje? Qual o seu papel? Desde que fora instituída, a universidade sempre desempenhou um papel como instituição social diferenciada, podendo adequar-­‐se as estruturas sociais ou, ao mesmo tempo, manter uma relação de conflito com a sociedade e com o Estado, por conta de sua autonomia e legitimidade que lhe fora conferida em face da religião e do Estado. No entanto, para Chauí (2003), a universidade pública hoje vê-­‐se rendida aos ideais do capitalismo, e vem se desenvolvendo cada vez mais numa perspectiva de universidade operacional, preocupada com sua quantidade de produtividade mais do que com a qualidade da docência e da formação, e da produção do conhecimento em si, sem privilegiar o trabalho intelectual. Diante disso, a autora, ao final de seu artigo propõe alguns pontos essenciais à mudança da universidade pública, para que esta seja tomada sob uma nova perspectiva. Chauí (2003) defende a ideia de universidade sob uma nova perspectiva, diferente da perspectiva da universidade como organização social, afirma Chauí (2003, p. 5) que “a universidade é uma instituição social”, e ser uma instituição social é diferente de ser uma organização social, pois que, como instituição social a universidade expressa de “maneira determinada a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade como um todo”, e como organização social, está determinada de acordo com sua instrumentalidade, isto é, referida ao conjunto de meios administrativos afim de alcançar um objetivo particular, sem estar envolvida em ações que se articulam às ideias ligadas ao reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas está concentrada nos ideais de eficácia e de sucesso. Sendo organização social, é regida pelas ideias de “gestão, planejamento, previsão, controle e êxito” (p.6). Para Chauí (2003), desde seu surgimento a universidade pública sempre existiu para ser uma instituição social, ela nasceu com essa finalidade, isto é, ser uma “ação social, uma prática social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições” (p.5), isto dentro de um princípio de diferenciação, pois lhe foi garantida uma autonomia diante de outras instituições sociais. Sendo uma universidade moderna, sua legitimidade foi fundada na conquista da ideia de autonomia do saber diante da religião e do Estado, o que quer dizer que a ideia que rege a universidade criada na modernidade é de um conhecimento que é guiado por sua própria lógica, “por necessidades imanentes a ele, tanto do ponto de vista de sua invenção ou descoberta como de sua transmissão” (p.5). Pública e Laica, assim se concebe a universidade como instituição republicana depois da Revolução Francesa. Chauí (2003, p. 06) entende que a reforma do Estado, quando definiu os setores que o compõem, um desses setores de serviços foi designado como “setor de serviços não exclusivos do Estado”, e dentre tais serviços estão incluídos a educação, a saúde e a cultura. Isto significou, para a autora, que a educação, de um direito, passou a ser entendida como um serviço, e de serviço público, passou a ser considerada um serviço que pode ser privado ou privatizado, e ainda significou que a universidade passou de uma instituição social para ser concebida como uma organização social, regida pelos ideais de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Da ideia de uma organização social, a universidade passa a assumir a função de organização prestadora de serviços, e para a autora, isto foi possível devido a atual forma de capitalismo em que temos vivido, a qual se caracteriza pela fragmentação de todas as esferas da vida social, onde se configura a competição entre as organizações e programas particulares que agora compõem a sociedade que aparece como “móvel, instável, efêmera”, e dentre outros aspectos, inclusive a discussão do meio ambiente e a natureza, Chauí (2003) enfatiza que “a permanência de uma organização depende muito pouco de sua estrutura interna e muito mais de sua capacidade de adaptar-­‐se celeremente a mudanças rápidas da superfície do ‘meio ambiente’” (p.7). A partir disto, Chauí (2003) começa a discutir a visão organizacional da universidade, fazendo uma explanação desta visão em relação à autonomia da universidade, à docência e à pesquisa. Para ela, essa visão da universidade produziu a ‘universidade operacional’, pois quando é regida por contratos de gestão, é “avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível”, não mantendo seus meios e objetivos fixados, ela se perde diante das normas e padrões estabelecidos, porém que são estranhos e indiferentes ao conhecimento e à formação intelectual, fazendo com que os seus docentes e seus estudantes se rendam ás suas ocupações e exigências que são externas ao trabalho intelectual. A autora ainda afirma que essa apropriação privada da produção do conhecimento pela universidade pública também é decorrente das mudanças sofridas após a década de 40, em que a ciência e prática sofrem na sua relação entre si, isto é, a ciência passa de uma investigação teórica com implicações práticas para se tornar em manipulação de objetos construídos por ela mesma. Sobre isto, Tardif; Zourhlal (2005), contribuem no sentido de comunicar em seus estudos que as atividades científicas dos pesquisadores acadêmicos parecem desvinculadas da realidade dos profissionais, muitas vezes passando longe de suas reais necessidades. Os autores ainda acrescentam que esta não é uma novidade, já que desde que a formação dos professores fora transferida para as universidades na década de 1960, muitos estudos e relatórios denunciavam o modelo de pesquisa usado nas faculdades de educação, baseado nas ciências naturais e inspirado pela racionalidade técnica. As consequências desse modelo pode ser constatada, segundo os autores, no afastamento da pesquisa acadêmica e a prática profissional, e ainda ao desvalorizar ou até ignorar as necessidades e conhecimentos desses profissionais, deixando-­‐os distantes da produção do saber considerado culto “e essa situação distanciou professores e pesquisadores (Tardif, Lessard, Gauthier, 1998), a ponto de parecerem pertencer a universos separados e completamente independentes” (TARDI; ZOURHLAL, 2005, p. 14). A parceria entre a Escola e o NetEDU Sobre o Núcleo de Etnografia em Educação, julgou-­‐se por importante apresentar um resumo sobre sua origem, objetivos, características e um pouco de sua trajetória, para melhor compreender o caráter das pesquisas que são realizadas, inclusive da pesquisa que deu origem a esta monografia. O Núcleo de Etnografia em Educação foi oficializado em 2004, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sediado pelo Programa de Pós-­‐graduação em Educação – Proped, e é coordenado pela professora Carmen Lúcia G. de Mattos. Surgiu com a pretensão apoiar e incentivar pesquisas de natureza etnográfica em educação, como também divulgar as pesquisas para professores e demais pesquisadores, e é o que vem acontecendo ao longo desses anos. O núcleo organiza e desenvolve trabalhos de extensão, pesquisa e docência, tanto no âmbito da universidade quanto em espaços como escolas, ONG`S e grupos de estudos. A proposta do NetEDU está voltada para práticas educacionais de pesquisa e formação de professores que possibilite a melhoria das condições de ensino-­‐aprendizagem e superação das desigualdades escolares a partir dos projetos de extensão, ensino e pesquisa e divulgação dos mesmos. Ele é constituído pela coordenadora Carmen de Mattos, que trabalha em conjunto com alunos da pós graduação, da graduação, professores do ensino básico e superior e alunos da escola básica. Embora o NetEDU tenha sido assim nomeado oficialmente somente em 2004, as pesquisas deste núcleo de estudos vem sendo desenvolvidas desde 1989, buscando o entendimento sobre questões referentes ao fracasso escolar, repetência, evasão, exclusão, disparidade de gênero, desigualdade educacional e social, dentre outros. Portanto, já fazem mais de duas décadas que o Núcleo de Etnografia em Educação (NetEdu) vem desenvolvendo pesquisas em escolas da rede pública do Rio de Janeiro. É importante relatar que uma das características principais das pesquisas realizadas pelo núcleo é a participação ativa dos sujeitos da pesquisa no desenvolvimento da mesma, pois a pesquisa de abordagem etnográfica permite a interação entre esses sujeitos e os pesquisadores, visto que esta tem por objetivo analisar as interações sociais em um determinado contexto cultural (ERICKSON, 1992). Durante essa trajetória, muitos estudos vêm sendo feitos no âmbito da educação, a maioria sobre a compreensão do fracasso escolar e desigualdades educacionais e têm sido inúmeras as contribuições de artigos, teses e dissertações de alunos e pesquisadores da área que vêm estudando (MATTOS, 1992, 1994, 1996, 2004, 2006, 2010, 2011; CASTRO, 2006; COSTA, 2010; FAGUNDES, 2006, ALVES, 2003.), trazendo reflexões acerca da escola, dos alunos, dos professores através da etnografia e do uso de seus instrumentos. Sobre a Escola Estadual, também se faz importante relatar sua origem, localização e situação socioeducacional. A escola foi fundada em 1975, e se localiza no Município de Nova Iguaçu, na baixada fluminense, região do estado do Rio de Janeiro. O município abrange uma população com aproximadamente 795.212 habitantes (Censo Demográfico 2010, IBGE), apresenta problemas de infraestrutura urbana, aliadas à pobreza e a barbárie de extermínios em chacinas noticiadas nos meios de comunicação. Segundo o relatório da pesquisa Gênero e Pobreza em que foi coletado relatos da diretora adjunta da escola (MATTOS, 2013), a proposta pedagógica da instituição em 2010 (momento em que se iniciou a última pesquisa ocorrida neste lócus), foi construída pelos professores e a diretora adjunta, e teve como “tema gerador” a Campanha da Fraternidade veiculada pela Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, “Fraternidade e Defesa da Vida” com o lema “Escolhe pois, a vida” (Dt. 30. 19). O objetivo desta proposta foi despertar o senso crítico em relação à vida, o amor e a afetividade. Com 2.300 m² de espaço físico, a escola está distribuída em nove salas de aula, uma biblioteca, uma secretaria, uma sala de professores, um gabinete de direção, um refeitório, uma cozinha, quatro depósitos, seis banheiros, um auditório, uma quadra de esportes coberta e com vestiários, uma sala de arquivo, uma sala de educação física, uma sala de computação e uma sala destinada à banda da escola. Atende a turmas do sexto ao nono ano do ensino fundamental e o Ensino Médio de formação Geral, isto nos turnos da manhã, tarde e noite. Foi em 2005 que a parceria entre o NetEDU e a escola teve seu início, e foi se fortalecendo. Através do projeto de extensão intitulado “Incluindo Diferenças: uma proposta para professores comprometidos com alunos em risco sócio educacional” que o NetEDU iniciou sua trajetória de pesquisas nesta instituição. O projeto tinha como objetivo apresentar aos professores das redes municipais e estaduais temas pesquisados pelos alunos da UERJ em 2004, promovendo a educação continuada e a interação entre pesquisa e ensino. A proposta de ação da pesquisa era a de aplicar oficinas pedagógicas desenvolvidas por alunos da UERJ, com as temáticas: fracasso escolar, tecnologia educacional, educação ambiental, estigma, trabalho infantil, autoridade, classes de progressão, identidade e diferença, sexualidade e violência. Mas como se deu o primeiro contato com a escola? Porque a escola Soares? Como foi possível a entrada da pesquisa nesta escola? Uma das ex-­‐alunas de graduação da professora Carmen, Tatiana Fagundes, que hoje é aluna de doutorado na faculdade de educação, em seu relato, contou suas memórias sobre a parceria ocorrida. Segundo ela, quando iniciou sua graduação em 2004, a atual diretora da escola, à época professora da escola, já fazia parte do grupo de estudos da professora Carmen e auxiliava nas tarefas da disciplina de Pesquisa e Prática Pedagógica. A parceria com a Escola Soares teve início no ano seguinte, em 2005, quando a coordenadora lançou um projeto de extensão com o título “Incluindo Diferenças: uma proposta para professores comprometidos com alunos em risco educacional”. Outra aluna que também presenciou o início desta parceria, também contribuiu com seu relato, a atual professora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Paula Castro, que também participou da primeira pesquisa realizada na Escola Soares e acabou por desenvolver sua pesquisa de doutoramento nesta mesma instituição. Abaixo, parte do relato feito pela professora Paula: [...]O início da parceria com a Escola Soares se deu através do contato com a Riselda e o grupo de pesquisa. Na época Carmen tinha uma turma de PPP e eu era aluna de Mestrado. Junto com alguns alunos elaboramos oficinas para algumas escolas. Para a Soares elaboramos um material didático sobre bullying e fracasso escolar [...] (citação de relato, Paula Castro). Assim, a partir desses relatos, entende-­‐se que ao longo dos anos essa parceria foi sendo reforçada através de novos projetos de pesquisas que foram sendo recebidos pela escola, visando uma colaboração mútua entre os pesquisadores e os sujeitos da escola, abrindo espaço para um ambiente de trocas e credibilidade, favorecendo a criação de um laço com a escola que permanece até os dias de hoje. A participação da diretora adjunta nas reuniões de pesquisa e no monitoramento de uma turma com a professora Carmen Lúcia desde antes da pesquisa se iniciar na escola possibilitou o contato com a instituição e a aproximação do núcleo com a mesma. A pesquisa Gênero e Pobreza na escola A partir do ano de 2011, deu-­‐se início uma nova pesquisa intitulada “Gênero e Pobreza: Práticas, Políticas e Teorias e Tecnologias Educacionais – Imagens de Escola”, atendendo ao edital 16/2011 do programa FAPERJ – Apoio à Melhoria do Ensino nas Escolas Públicas do Rio de Janeiro. As atividades oficiais de pesquisa tiveram início em maio de 2012, continuando e sendo finalizadas em abril de 2013, no entanto, as entrevistas e visitas ao campo já haviam sido iniciadas em 2011. A nova pesquisa “Gênero e Pobreza: Práticas, Políticas e Teorias e Tecnologias Educacionais – Imagens de Escola” revisitou os resultados das pesquisas anteriores através de dados gravados em vídeos, imagens, sons, documentos, relatórios, notas de campo, transcrições, fotos, dentre outros recursos utilizados anteriormente nas pesquisas desenvolvidas pelos pesquisadores do NetEDU, e teve como objetivo pesquisar as estruturas de gênero e as desigualdades sociais (pobreza) e como esses temas perpassam simultaneamente as interações de sala de aula, as formulações das políticas públicas, a construção e uso das tecnologias educacionais, explorando as tensões e interfaces entre estes campos. A princípio, a investigação no campo iniciou-­‐se com o objetivo de coletarmos entrevistas sobre questões de gênero e pobreza. No entanto, ao convocarmos alunos e alunas voluntários para a pesquisa, e depois de ouvi-­‐los, percebemos que deveríamos investigar outras questões que estavam fazendo parte do cotidiano daqueles sujeitos, e que, inclusive, a mídia estava enfatizando por conta de um massacre ocorrido em uma escola em Realengo18, na zona oeste do Rio de Janeiro: a violência escolar. A partir da delimitação do tema a ser estudado: questões de gênero e a violência escolar, as atividades foram iniciadas. Um grupo de oito alunos do Ensino Médio se candidatou para fazer parte da pesquisa, composto por quatro meninas e quatro meninos, na idade entre 16 e 18 anos. Três professoras também se disponibilizaram para fazer parte da pesquisa, e houve colaboração dos funcionários da escola permitindo nossa transição, e em especial, a participação ativa e constante da diretora adjunta da escola membro do NetEDU. Os alunos e alunas passaram a participar das reuniões de debate sobre a pesquisa, que eram feitas uma vez na semana na escola, e eram nestas reuniões que se decidiam os passos a serem dados na pesquisa, sempre contando e considerando a opinião e sugestão dos alunos e alunas colaboradores. Ficou decidido inicialmente que os alunos e alunas voluntários seriam preparados pelas alunas bolsistas da graduação para monitorarem alunos do ensino fundamental no uso do laboratório de informática da escola, com o objetivo de aprenderem a utilizar alguns programas para a produção de um livro digital produzido e editado por esses alunos sobre a violência escolar e questões de gênero. Assim, os alunos de ensino médio seriam monitorados pelas alunas de graduação, sendo levados ao laboratório de informática da UERJ para serem preparados para também monitorarem alunos do ensino fundamental na escola. 18
No dia 7 de abril de 2011, um rapaz de 23 anos chamado W. M. O. invadiu a Escola Municipal Tasso da
Silveira, armado com dois revolveres disparando contra alunos, matando 12 deles. O ocorrido foi noticiado em
mídias digitais, televisivas, auditivas, jornalísticas, sendo considerado um grande massacre na zona oeste do Rio
de Janeiro. O rapaz se suicidou após ser interceptado por policiais. Informações sobre o caso disponíveis
livremente na internet.
Participação dos alunos, professora e diretora adjunta em eventos acadêmicos A Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) acontece desde 1984, onde participam representantes de sociedades científicas, autoridades e gestores do sistema nacional de ciência e tecnologia. Consiste em um importante fórum de discussão dos avanços da ciência nas diversas áreas do conhecimento e também para debater sobre as políticas públicas para a ciência e a tecnologia. Geralmente a programação é composta por conferencias, simpósios, mesas redondas, encontros, sessões especiais, minicursos e sessões de pôsteres, além de ocorrer eventos paralelos, como a SBPC jovem, a ExpoT&C e a SBPC Cultural. A cada ano a Reunião acontece em um estado brasileiro, sempre em uma universidade pública19. No ano de 2013, o evento aconteceu entre os dias 21 e 26 de julho, no Campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife, PE. Os alunos da Escola Estadual Soares foram convidados pela equipe NetEdu a participarem do evento, a fim de divulgar parte dos resultados da pesquisa que foi desenvolvida na escola na companhia e participação desses alunos. Assim, os alunos, juntamente com as bolsistas de graduação da equipe NetEDU e alunos do mestrado e doutorado, produziram trabalhos divulgando a pesquisa e o envolvimento dos alunos na mesma. No mesmo ano, os alunos que receberam bolsas de iniciação cientifica júnior participaram da 24ª Edição da UERJ SEM MUROS, um evento de grande magnitude na instituição e no meio acadêmico que ocorre anualmente na universidade com o objetivo de reunir toda a Universidade para apresentar à sociedade a produção acadêmica realizada nas diversas áreas do conhecimento. O evento envolve o ensino, pesquisa, extensão e cultura. O evento aconteceu entre os dias 23 a 27 de setembro de 2013, ocasião em que os alunos também foram convidados a apresentarem a peça teatral “´Tá na Rede” assim como um pôster sobre a organização e produção da peça teatral em conjunto com a escola e a universidade, relatando a integração existente entre o núcleo de etnografia e a escola. Participação e frequência assídua de aluno e diretora adjunta no Seminário Permanente de Pesquisa O Seminário Permanente de Pesquisa é uma atividade fixa no NetEDU, e acontece semanalmente, todas às segundas-­‐feiras, das 13h às 16h, na faculdade de educação da 19
Informações retiradas do site de apresentação da Reunião: http://www.sbpcnet.org.br/recife/sobre/
UERJ. Nesses encontros, a professora coordenadora do núcleo, Carmen de Mattos, os alunos de doutorado, mestrado e graduação, promovem debates e estudos acerca de assuntos da pesquisa ou de interesse do Núcleo, decidem novos projetos, avaliam as pesquisas em desenvolvimento, marcam demais reuniões, conversam sobre os eventos em aberto, montam agendas, em fim, é um espaço em que a equipe se reúne para estudos e decisões pertinentes ao desenvolvimento de suas atividades. Conforme os alunos e a diretora adjunta da escola foram cada vez mais se aproximando e se integrando à universidade, cada vez mais eles se interessavam em estar presentes nos debates e participarem dos estudos que eram orferecidos. Assim, o aluno do Ensino Médio, juntamente com a diretora adjunta, passaram a frenquentar assiduamente a este espaço de estudos que é o Seminário Permante, inclusive passaram a participar ativamente, contribuindo com apresentações e produções de textos científicos, produções de mapas conceituais e apresentações em power point, discussões com o grupo, debates e até mesmo passaram a assistir defesas de teses e dissertações que ocorriam na universidade. Assim, até os dias atuais, o aluno Marcelo e a diretora adjunta Riselda, são integrantes do grupo de pesquisa, paralelamente às atividades que desenvolvem na escola básica. Marcelo acaba de se formar no ensino médio, e antes mesmo de entrar para a faculdade, já participa de atividades e eventos acadêmicos, sempre apoiodo pela diretora Riselda, que o acompanha em todas as atividades. Desta relação que se estabeleceu e se firmou, “nasce” o “caso M.”, inserido no contexto no estudo de caso da parceria desenvolvida entre a Escola Soares e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mediante o Núcleo de Etnografia em Educação. Considerações finais Este trabalho teve como objetivo relatar as interfaces do diálogo construído entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Escola Soares através de uma pesquisa de abordagem etnográfica desenvolvida pela equipe NetEDU em 2011-­‐2013 na escola, procurando entender a importância deste diálogo enquanto “aproximador” destas duas instituições de ensino. Pelo estudo bibliográfico, foi possível entender que o diálogo entre estas duas instituições de ensino é indispensável para a qualidade e a democratização do ensino público. Muitos autores tem discutido o papel da universidade pública no nosso país, e alguns têm concordado que esta vem vivenciando uma crise de identidade em relação ao seu papel social, o qual tem sido substituído pelas práticas e interesses capitalistas dentro da instituição. Os autores como Chauí (2003) e Santos (2004) concordam que a aproximação entre a universidade e a escola, além de configurarem um verdadeiro perfil que a universidade pública deveria expressar para que esteja cumprindo com o seu papel como instituição social diferenciada, ainda configura um importante fator para a qualidade do ensino público básico e para a democratização da educação superior. O estudo bibliográfico também mostrou que existem autores explorando o campo do diálogo entre a universidade e a escola básica através da pesquisa, e isto vem se concretizando através das pesquisas de Lüdke há bastante tempo, o que vem nos fazendo entender que este diálogo pode contribuir para que a realidade da escola pública possa ser concreta dentro das pesquisas na universidade através do mestrado, ou mesmo através do estágio das licenciaturas. De ambas as formas, a universidade se insere no espaço escolar a fim de entender seus reais problemas e pensar soluções mais próximas do “chão de escola”, sem desvincular a prática da teoria, mas promovendo um diálogo possível através da formação do professor pesquisador. No estudo deste caso, ao entrevistarmos o aluno M., foi possível claramente perceber que este diálogo favoreceu a formação do mesmo, tanto quanto pessoa, tanto como estudante, quanto como pesquisador – maneira pela qual o próprio sujeito se denomina hoje. O diálogo entre estas duas instituições através da pesquisa de abordagem etnográfica foi se configurando um importante instrumento de desenvolvimento de potencial na vida para os sujeitos da investigação. Contribuições da forma de pesquisa foram notadas nas falas dos alunos, onde pudemos explorar o conceito de reflexividade apresentado por Alves (2003), em que o contato com o grupo de pesquisadores, as trocas de conhecimento e o envolvimento pessoal com cada sujeito, foram fatores que provocaram mudanças de postura em no grupo de participantes, fazendo com que estes se vissem através do outro, refletindo sobre seus comportamentos, suas atitudes e até mesmo sua forma de pensar. A relação universidade-­‐escola foi percebida como ação “aproximadora” destas duas instituições, também como formadora de alunos pesquisadores, isto quando ela se configura em uma pesquisa que ouve esses sujeitos e permite sua participação ativa e autônoma nas atividades da pesquisa. Se para os autores estudados, a aproximação entre estas duas instituições através da pesquisa, contribui para a formação do professor pesquisador, foi percebido, através deste estudo de caso, que existe a possibilidade de se pensar na contribuição desta aproximação para a formação do aluno-­‐pesquisador enquanto potencial transformador da realidade escolar, a partir do seu envolvimento com a realização da pesquisa e com questões que permitam o desenvolvimento da sua compreensão sobre as questões sociais que envolvem a escola e sua própria inserção enquanto indivíduo na sociedade, despertando um olhar crítico sobre esta realidade. Este estudo pretende contribuir para elucidar e despertar o interesse dos leitores para este campo de estudo, de maneira a contribuir para as pesquisas na área da educação e na relação escola-­‐universidade. Referências ALVES, W. B. A reflexividade na pesquisa etnográfica. Rio de Janeiro: UERJ, 2003. ANDRÉ, M. E. D. A. de. Estudo de caso em pesquisa e avaliação educacional. Brasília: Líber Livro Editora, 2005. BORGES, L. P. C. Tecendo Diálogos & Construindo Pontes: a formação docente entre a escola e a universidade. Dissertação (Mestrado em Educação), São Gonçalo/ RJ, p.132, UERJ-­‐FFP, 2011. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação (PNE 2011/2020): projeto em tramitação no Congresso Nacional / PL no 8.035 / 2010 / organização: Márcia Abreu e Marcos Cordiolli. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2011. 106 p. – (Série ação parlamentar ; n. 436) CASTRO, P. A. de. Tornar-­‐se aluno: identidade e pertencimento – um estudo etnográfico. Rio de Janeiro: UERJ, 2011. CHAUÍ, M. A universidade pública sob nova perspectiva. REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO, 26ª Anped, Poço de Caldas, MG. p,5-­‐15, 2003. HADAD, S.; CAMPOS, M. M.; O direito humano à educação escolar pública de qualidade. p.73-­‐96. Disponível em: <http://nsae.acaoeducativa.org.br/portal/images/stories/geral/11odireitohumanoaed
ucacaoescolarpublicadequalidade.pdf> Acesso em: 18 mar. 2014. LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1986. 99p. LÜDKE, M.; CRUZ, G. B. da. Aproximando Universidade e Escola de Educação Básica pela pesquisa. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, p. 81-­‐109, maio/ago. 2005. LÜDKE, M.; RODRIGUES, P. A. M.; PORTELLA, V. C. M. O mestrado como via de formação de professores da educação básica para a pesquisa. RBPG, Brasília, v. 9, n. 16, p. 59 -­‐ 83, abr. 2012. MATTOS, Carmen Lucia Guimarães de. Etnografias na escola: duas décadas de pesquisa sobre o fracasso escolar no ensino fundamental. In: MATTOS, C. L. G. de.; FONTOURA, H. A. da. (Orgs). Etnografia e educação. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009. p. 11-­‐29 OLIVEIRA, R. P. de. Da Universalização do Ensino Fundamental ao Desafio da Qualidade: uma análise histórica. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 -­‐ Especial, p. 661-­‐690, out. 2007. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> RAPOSO, F. C. R. Fracasso escolar: a voz de quem sobre suas consequências. Rio de Janeiro: UERJ, 2008. RODRIGUES, P. A. M. Anatomia e fisiologia de um estágio. Dissertação (Mestrado em Educação), Rio de Janeiro: PUC, 2009. SANTOS, B. S. A Universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez, 2004. (Coleção Questões da Nossa Época, v. 120). SILVA, A. C. da. Avaliação e Pesquisa – conceitos e reflexões. Rio de Janeiro: Multifoco, 2ªed, 2012. TARDIF, M.; ZOURHLAL, A. Difusão da Pesquisa Educacional entre profissionais do ensino e círculos acadêmicos. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, p. 13-­‐35, maio/ago. 2005. ZAGO, N. Do acesso à permanência no ensino superior: percursos de estudantes universitários de camadas populares. Revista Brasileira de Educação, v. 11, n. 32, maio/ago. 2006. Parte III – Vozes da Pesquisa ESPAÇOS, TEMPOS, SUJEITOS: UMA ANÁLISE ETNOGRÁFICA DOS SABERES PRODUZIDOS EM SALA DE AULA20 Paula Almeida de Castro Carmen Lúcia Guimarães de Mattos A organização escolar -­‐ em horários, dias letivos, atividades e currículos -­‐serve para nortear as trajetórias dos sujeitos que nesses espaços circulam e interagem no delinear dos sucessos/fracassos escolares. Acrescenta-­‐se ainda a delimitação dos conteúdos escolares em séries – sistema seriado – alocando os sujeitos de acordo com a idade e a etapa de aprendizagem. Nesse ponto está inserida a discussão em torno da avaliação e, consequentemente, a reprovação/retenção, ou ainda a promoção automática21, os ciclos e a progressão. Uma vez determinada a série na qual os sujeitos do conhecimento estariam alocados em termos de conteúdos pedagógicos e idades, a gestão da escola poderia se ocupar de problemas mais urgentes como a merenda, as verbas, dentre outros de ordem administrativa. Surgiu, então, a proposta de reorganizar essa estrutura em ciclos de aprendizagem, acrescida de promoção automática. Se pensar que o aluno é responsável por sua aprendizagem, e que a instituição ocupa o lugar de intermediária entre os saberes que são produzidos na relação dialógica entre a escola e os sujeitos, então o sistema de ciclos possibilitaria o avanço sistemático, o progresso de acordo com as habilidades e capacidades próprias de cada sujeito do conhecimento. Assim, o tempo escolar poderia tomar novas dimensões. As delimitações anteriores em quatro bimestres letivos e os conteúdos alinhados ano a ano já não explicavam mais a ordem escolar, o que possibilitaria um impulso àqueles que permaneciam retidos nos anos iniciais. Nesse caso, destaca-­‐se, principalmente, o conteúdo relacionado à alfabetização. 20
Artigo originalmente publicado na Revista Teias no ano de 2009, mas revisto e ampliado para esta publicação.
Ver: CASTRO, P. A. MATTOS, C. L. G. de; Espaços, tempos, sujeitos: uma análise etnográfica dos saberes
produzidos em sala de aula. Revista Teias (UERJ. Online), v. 10, p. 1-11, 2009.
21
A passagem de um nível para outro pode ocorrer em qualquer período do ano, todos avançam continuamente, independente
do estágio de conhecimentos que consigam alcançar ao longo do curso e, assim, concluirão a escolarização obrigatória. Daí o
termo promoção automática. Afirmam, ainda, que os debates no Brasil acerca da adoção da promoção automática datam dos
anos 50 (BARRETO; SOUSA, 2004, p.15-18; BARRETO; MITRULIS, 2001, p.108-110).
Surgem, nesse momento, os questionamentos referentes a “como” ensinar, avaliar, além do tempo necessário para que o ensino e a aprendizagem se efetivem entre professores e alunos. Portanto, o tempo estaria para além de dialogicamente comunicar como aprende a quem é destinado o ensinar e, como ensinar para fazer aprender. As Classes de Progressão tornaram-­‐se objeto privilegiado no que pesem os tantos problemas vivenciados pelas propostas de mudança pensadas para a escola brasileira em termos de democratização do ensino e superação das desigualdades escolares. A análise do cotidiano dessas classes de Progressão, que pela denominação aludem ao caminhar, ao desenvolver dos alunos/as, evidencia na prática uma estagnação para aqueles que não acompanharam o ritmo. No caso específico dos alunos que não alcançaram os conteúdos da alfabetização, o destino encontrado foi o encaminhamento para um atendimento paralelo, diferenciado, que possibilitasse a progressão do aluno nas demais etapas da escolarização básica. Ao contrário da proposta, o tempo para progredir gerou um processo mesmo de exclusão no interior dos ciclos. Decorrente de tais questionamentos sobre o cenário escolar, configurado pelo sistema de ciclos, foi analisado neste estudo como a escola esteve e permanece norteada pelo tempo que, dependendo dos objetivos dos sujeitos, não privilegia os espaços e, mesmo, os tempos de/para aprender. Para o entendimento dessa realidade, delineou-­‐se um estudo etnográfico pautado no aporte teórico-­‐metodológico de Erickson (1982) e Mattos (1995; 2001). O trabalho etnográfico, por sua característica de aproximar o campo e o pesquisador, possibilita conhecer a realidade estudada, além das explicações dos próprios sujeitos investigados, conferindo fidedignidade e confiabilidade aos dados. Acrescentou-­‐se a microetnografia ou a microanálise de vídeo como um recurso facilitador no processo de identificação das particularidades do contexto estudado, bem como dos pontos de transição entre os eventos, permitindo definir o tempo, a sequência – início, foco principal da ação e conclusão – envolvendo os aspectos da organização do evento. Em síntese, Mattos; Castro (2004) concluem que o uso do vídeo pode ampliar as lentes de visualização e significação dos fenômenos ocorridos na interação entre os sujeitos e, desse modo, analisar em detalhes a organização do tempo e do espaço escolar. Este estudo concretizou-­‐se pela experiência em duas unidades escolares públicas (Centro Integrado de Educação Pública – CIEP) do Estado do Rio de Janeiro. O primeiro22 estudo resultou nos dados sobre a sala de aula, a escola, organizada em ciclos, turma que recebia alunos da chamada “Progressão”. Para o segundo23 estudo, elegeram-­‐se duas Classes de Progressão. Para o entendimento de tais questões realizou-­‐se um estudo etnográfico envolvendo observações participantes, entrevistas e análise de documentos na escola, uma vez por semana, nos espaços de sala de aula e bimestralmente nos Conselhos de Classe, durante um ano letivo. Os registros do trabalho de campo feitos em áudio e vídeo foram transcritos e codificados para a análise de dados. A fonte primária de dados foram os alunos de ambas as turmas e a fonte secundária, os professores e gestores da escola. Houve oportunidade nesses espaços de conhecer de que modo o processo de ensino e aprendizagem contemplava a diversidade de sujeitos presentes nas salas de aula. Cotidiano esse pautado no conteúdo pedagógico e na interação entre os alunos e entre estes e as respectivas professoras. Em outro momento, foram acompanhadas as reuniões dos Conselhos de Classe, nas quais foi possível compreender a relação entre os espaços de sala de aula envolvendo os alunos, e o espaço do Conselho de Classe com as decisões tomadas para a efetivação de processos que, de modo geral, ocasionavam processos de exclusão, mas que supostamente deveriam estar voltadas para uma experiência de inclusão ou reinclusão no nível subsequente. Neste trabalho explorou-­‐se a dimensão temporal destacada das análises produzidas no estudo a partir das análises do espaço escolar e, em destaque, a relação entre a professora e os alunos em sala de aula. Durante a pesquisa de campo em uma escola pública do estado do Rio de Janeiro foram observadas uma sala de aula e as reuniões dos Conselhos de Classe durante um ano letivo. O tempo descrito nas categorias24 encontradas evidenciou-­‐se em ambas as escolas, tanto nos Conselhos de Classe quanto na sala de aula. 22
CASTRO, P.A. Controlar para quê? Uma análise etnográfica da interação entre professor e aluno na sala de aula.
UERJ/ProPEd/FAPERJ/2006.
23
MATTOS, C.L.G. Imagens Etnográficas da Inclusão Escolar: o fracasso escolar na perspectiva do aluno. Programa
Procientista UERJ/SR2, 2005-2008.
24
As categorias emergiram indutivamente das interações em sala de aula e nos Conselhos de Classe recursivamente, num
processo de ir e vir procurando fazer sentido do que era aparente nas imagens de vídeos e nas transcrições. Estas foram
descritas de acordo com o seu padrão de recorrência, a tipicalidade dos fatos ou fenômenos, eventos, ações e falas na sala de
aula, sendo elas: corpo, tarefa, agressão, espaço, barulho, tempo, problemas de aprendizagem e familiares, faltas,
medicalização, violência, estigma, nota e Conselho Tutelar.
As categorias encontradas se articulam no entendimento das situações observadas em que a noção de controle restringia ou restringe o exercício da função pedagógica do professor. Entre as categorias elencadas, a partir das análises realizadas nas interações em sala de aula e nos Conselhos de Classe, encontra-­‐se aquela relacionada à percepção que as professoras, a coordenadora e a direção têm sobre os alunos. É comum se encontrar nos Conselhos de Classe o que Mattos (2005) define como orquestração: A orquestração caracteriza-­‐se por expressões articuladas, de forma interpolada, em conjunto pelo grupo, constituindo-­‐se numa decisão final sobre o sucesso ou fracasso do aluno ou da aluna (MATTOS, 2005, p. 215). Assim, a percepção de um professor a respeito de determinado aluno é acatada pelos demais, em um processo que leva à estigmatização e à iminente exclusão escolar do mesmo. No mesmo sentido, o tempo se apresenta como um fator de delimitação e/ou ordenação do tempo agindo sobre os atores escolares quando da verificação dos resultados, que oscilam entre o sucesso e o fracasso. Nas análises realizadas neste trabalho, o tempo surgiu como delimitação do tempo gasto para a realização das tarefas pedagógicas e para a satisfação das necessidades fisiológicas, sendo articulado com os demais fatores relacionados ao fracasso escolar. O tempo gasto para a realização da tarefa foi percebido neste estudo como tendo sido utilizado para medir a capacidade do aluno no cumprimento da tarefa, inviabilizando o seu tempo de aprender, o qual difere de um indivíduo para o outro. Outro tempo controlado foi o de ir ao banheiro e/ou beber água. O aluno ao solicitar à professora a ida ao banheiro, recebia uma resposta negativa. A solução encontrada nos Conselhos de Classe para as idas ao banheiro foi a de marcar no relógio e vigiar na porta da sala de aula o tempo gasto pelos alunos para irem ao banheiro e retornarem à sala de aula. Diante disso, qual tempo privilegiar para valorizar o pleno desenvolvimento escolar? Essa questão envolve também a crescente demanda pela inclusão escolar, de modo a privilegiar os diferenciados processos do aprender em sala de aula. O espaço físico de sala de aula está permeado pelas relações de poder e essa ocupação e circulação se efetivam pela conotação e importância ao tempo de ensinar e aprender. Saberes e sujeitos escolares: chronos ou kairós? Nada se faz sem desejo. Impor o que quer que seja ao sujeito, se disso não manifestar desejo, é expor-­‐se à recusa ou provocar a rejeição (MEIRIEU, 1998). É a partir desse delineamento que se explorou, neste estudo, a dimensão tempo e espaço que envolve a produção dos saberes entre professores e alunos. As explicações partem da própria etimologia da palavra tempo, na qual a noção aparece dividida entre tempo oportuno e cronológico. A discussão sobre a temporalidade é extensa, envolvendo inúmeros questionamentos, além de orientar as respostas do homem sobre os fenômenos que envolvem a sucessão dos dias, horas e anos. Entretanto, destaca-­‐se neste estudo o tempo como uma delimitação temporal para as atividades escolares, e como este é administrado em função das necessidades dos sujeitos. O interesse pelo tempo data de épocas remotas com diferentes explicações nas áreas do conhecimento: Física, Educação, Sociologia, Antropologia, Psicologia, dentre outras. As horas do relógio, os dias e as noites, o calendário, são formas de orientação criadas para auxiliar na localização temporal. Giddens (2005) afirma que, nas sociedades modernas, o zoneamento das atividades é fortemente influenciado pelo tempo do relógio. Ele cita os monastérios do século XIV como tendo sido as primeiras organizações que esquematizavam as atividades de maneira precisa ao longo dos dias e das semanas. Em seu ensaio sobre o tempo, Elias (1998) assinala que até a época de Galileu (1564-­‐1642), [...] o que chamamos ‘tempo’, ou mesmo o que chamamos ‘natureza’, centrava-­‐
se acima de tudo nas comunidades humanas. O tempo servia aos homens, essencialmente, como meio de orientação no universo social e como modo de regulação de sua coexistência (ELIAS, 1998, p.8). O planejamento das atividades de acordo com as horas, para Giddens (2005), é fundamental para o “zoneamento” das atividades nas instituições. O horário de início, os intervalos e o fim dessas atividades são previamente estabelecidos para o cumprimento das mesmas por todos. Em tais condições, a vida humana se torna, como afirma Machado (2004), “um grande complexo eterno-­‐temporal – em momentos definidos ou não, o chronos cede lugar ao kairós” (p.173). Essa estrutura ‘espaço-­‐tempo’ é acomodada nas instituições escolares fazendo com que professores e alunos tenham horários delimitados para o cumprimento da carga horária. Os que se atrasam, seja professor ou aluno, são prontamente advertidos e orientados quanto ao horário estabelecido para eles. Desse modo, vão se configurando as regras e normas que regem o cotidiano escolar. A preocupação com o controle do tempo pela delimitação e aproveitamento do mesmo está presente na totalidade das atividades desenvolvidas na escola. Percebe-­‐se que a forma de entendimento do tempo inicia-­‐se com a cronologia distribuída no calendário acadêmico, passando por adaptações de acordo com as necessidades diárias de controle dos alunos e alunas. Neste sentido, pode-­‐se destacar a dimensão individual para o entendimento e a incorporação das atividades distribuídas na escola e na sala de aula. Acredita-­‐se que cada aluno tem o seu “tempo” de aprendizagem e este não está diretamente relacionado ao planejamento escolar. Erickson (1982) explica, igualmente, que o sequenciamento da estrutura das atividades orienta-­‐se pelo tempo de ‘agora’ e o ‘momento seguinte’, o tempo estratégico em contraste com o tempo do relógio. Ele acrescenta que os gregos antigos distinguiam o tempo estratégico do tempo do relógio. O primeiro era chamado kairós: o tempo certo, o tempo apropriado. Este é o tempo da história humana, estações e clima. O último tipo de tempo era chamado chronos: o tempo da duração literal, mecanicamente mensurável. (ERICKSON, 1982, p.10 tradução das autoras). Considera-­‐se, neste trabalho, que no âmbito escolar coexistem as duas dimensões de organização do tempo: tempo cronológico (chronos) e tempo oportuno (kairós). A distinção entre o tempo cronológico estabelecido pelo calendário escolar e o tempo de aprendizagem de cada aluno se fez necessário no intuito de evidenciar as práticas escolares voltadas apenas para o cumprimento do currículo estabelecido. Assim, chronos e kairós são dimensões temporais que regem o cotidiano escolar. Denominou-­‐se chronos o tempo cronológico pelo qual a professora controla as tarefas em sala de aula e a movimentação dos alunos, e kairós o tempo imbricado no processo de ensino-­‐aprendizagem que é diferenciado para cada aluno. Na sala de aula estudada, observou-­‐se que a professora distribuía a tarefa enquanto os alunos, em suas carteiras, copiavam para o caderno e, posteriormente, iniciavam a execução. Ocorre que, após distribuir a tarefa, alguns alunos não permaneciam atentos ao que estava sendo proposto pela professora. Ela denotou impaciência, passando a questionar o tempo gasto por eles na realização de qualquer tarefa, apontando o grau de dificuldade das mesmas. Sheila25: Pedro você ainda não acabou...Pedro você já acabou? Pedro: Mas eu não faço rápido tia? Mas eu to fazendo tia. Sheila: Mas está batendo muito papo. O entendimento sobre a tarefa26 pedagógica na sala de aula observada auxiliou no entendimento desse tempo que rege a sala de aula. A tarefa proposta, não fazendo sentido para o aluno, passa a ser mascarada por eles frente à constante cobrança da professora para a realização da mesma. Essa fala “eu faço rápido” denota a entrada do aluno no jogo do tempo cronológico, suplantando o tempo para a aquisição do conhecimento específico para cada um. Como seria possível conjugar nos processos educacionais o chronos e kairós para a valorização da aprendizagem dos alunos? No período de observação de sala de aula, percebeu-­‐se que, sistematicamente, a tarefa se iniciava com a exposição no quadro do que deveria ser copiado pelos alunos e depois resolvido por eles. Durante a cópia do exercício do quadro, eles conversavam entre si e andavam pela sala. A professora ao notar a dispersão, ameaçava apagar o quadro. Os alunos em coro diziam que “ainda não copiei” e retornavam para a atividade em suas carteiras. Encerrada a cópia do quadro, os alunos se dispersavam novamente em vez de iniciarem a resolução dos exercícios propostos. Tadeu: “Tia, vou ter que copiar esse todo aí?” Sheila: Claro, é o texto de hoje! Tadeu: sim, não, sim, não. Laura: Oh tia, não apaga não que eu comecei agora, hein! Sheila: Roger cadê seu trabalho? Roger: não fiz... poxa eu comecei agora. Percebe-­‐se que o tempo para as tarefas foi utilizado pela professora como uma forma de controle, usando a ameaça. Ela, ao perceber que os alunos não estavam copiando, alertava-­‐os, afirmando que apagaria o quadro. Assim, o controle da tarefa era 25
Os nomes foram alterados visando ao preceito ético de preservar o anonimato dos participantes da pesquisa.
26 A construção da palavra tarefa vem do árabe tareha significando trabalho que há de se concluir num certo tempo. Por essa definição percebe-­‐se a transmissão da ideia de que a tarefa do aluno é um trabalho que exige o seu cumprimento num período estipulado, no caso, pelo professor. obtido, uma vez que a professora também possuía tarefas a serem cumpridas. Ela controlava a turma pela tarefa e controlava a tarefa dela mesma para cumprir sua obrigação. Isto se dava porque a professora, inserida num sistema socioeducativo no qual é necessário o cumprimento de um currículo mínimo pré-­‐estabelecido e imposto, distribuía as tarefas em sala de aula sem considerar a aprendizagem real do aluno. Dessa forma, percebe-­‐se que a professora acreditava estar desempenhando seu papel enquanto profissional que possui deveres estabelecidos a serem cumpridos em detrimento do binômio ensinar-­‐aprender. Esse ciclo ocorreu durante todo o período de observação, evidenciando a invalidação do tempo de aprendizagem de cada aluno em função do tempo cronológico. As atividades permaneciam sem correção e, consequentemente, os alunos que permaneciam de acordo com as exigências da professora, ou seja, sentados e copiando, não recebiam o retorno do que aprenderem ou mesmo o sentido de assim permanecerem em sala de aula. Os alunos e alunas, por sua vez, acreditam que a tarefa é um dever deles em sala de aula, não perpassando por um entendimento maior quanto à sua utilidade. Estes entendiam a tarefa como uma atividade enfadonha que, sendo cumprida o mais rápido possível ou não cumprida, liberava-­‐os para a realização de atividades mais agradáveis, longe das exigências da sala de aula. No decorrer das atividades em sala de aula e das interações entre os alunos e a professora, surgiam os pedidos para satisfazer as necessidades fisiológicas27, modo pelo qual o tempo cronológico era soberano regendo as atividades da professora e dos alunos. As solicitações para ir ao banheiro e beber água eram as mais frequentes. Edgar: oh professora, posso ir no banheiro? Sheila: Você veio pra cá foi pra estudar, não foi, então vamos estudar. No evento destacado acima entre a interação da professora Sheila com o aluno Edgar, foi possível observar a anulação da necessidade fisiológica do aluno, justificando que este veio para a escolar para estudar. 27
A pirâmide de Maslow classificou as necessidades de forma hierárquica da seguinte forma: na base as fisiológicas
(básicas), seguidas das de segurança, amor/relacionamento, estima e no topo a realização pessoal.
Ocorre que a professora, no cumprimento das determinações estabelecidas no Conselho de Classe, somente permite a saída de um aluno de cada vez e controla o tempo que ele leva para utilizar o banheiro ou beber água e retornar para a sala de aula. A sugestão feita por uma professora na reunião foi a de estabelecer horários para a ida ao banheiro. Esses horários ocorriam duas vezes no período de aula, no início e no final, desconsiderando-­‐se que as necessidades fisiológicas não funcionam ao mesmo tempo em todos os alunos. Amélia: A minha turma é assim, quando dá 9:30 vão dois meninos e duas meninas ao banheiro, olho na porta, controlo o tempo, não sobe. Depois eles vão ao banheiro de novo 11:30, mesma coisa, olho, controlo, eles não sobem. Há duas semanas atrás o banheiro das meninas estava interditado... (Conselho de Classe) Se, por um lado, tal medida parece ir contra as necessidades dos seres humanos, por outro, a escola é o espaço de socialização que privilegia o estabelecimento de regras. Os alunos passam a ter contato com novas regras de socialização pautadas na forma como a escola organiza suas funções burocráticas e administrativas, ou seja, horários de entrada, saída, merenda, recreação e conteúdos pedagógicos. O estabelecimento de regras na escola se deu a partir de uma situação que foi considerada problemática pela direção da escola e pelos professores. As regras foram criadas durante uma reunião de Conselho de Classe, levando em consideração a necessidade de controle e bem-­‐estar escolar definido pelos docentes. Se o aluno permanecer fora da sala de aula por muito tempo causará transtornos ao ambiente escolar, então tal tempo passaria a ser delimitado e controlado. Isso significa que as regras são criadas por uma realidade que se torna problemática, sobretudo, na perspectiva dos professores. A real problemática nessas saídas da sala de aula consistia no fato de que o aluno não ia somente ao banheiro, ele também andava pelos corredores, em alguns casos chamando alunos de outras turmas para conversar. Dessa forma, tornou-­‐se necessária a implementação do controle do tempo de saída e retorno para a sala e da movimentação pelos corredores. Essa medida que pareceu, num primeiro momento, uma forma de rigidez quanto às necessidades fisiológicas que nem sempre ocorrem no horário determinado pela professora, num segundo momento foi percebida como sendo uma forma de controlar o espaço escolar. Entende-­‐se que as saídas da sala de aula para o atendimento das necessidades fisiológicas deveriam ser organizadas de maneira menos rígida, permitindo a saída dos alunos de modo a não comprometer o funcionamento das demais turmas da escola. As adaptações organizacionais, acompanhadas de um posicionamento junto aos alunos, identificando as condições que melhor se adaptam ao funcionamento da escola como um todo, poderiam ser pensadas levando em conta o menor prejuízo para ambos. Nesse sentido, acrescenta-­‐se a indagação feita por Elias (1998) para melhor compreender as regras sobre a utilização dos demais espaços da escola, como o banheiro. Elias argumenta: [...] que os relógios sejam instrumentos construídos e utilizados pelos homens em função das exigências de sua vida comunitária, é fácil de entender. Mas, que o tempo tenha igualmente um caráter instrumental é algo que não se entende com facilidade (ELIAS, 1998, p.9). Ainda que o controle do tempo apresente uma sociedade aprisionada num tempo cronológico, é importante dimensionar o tempo-­‐espaço na trajetória escolar de modo a valorizar essas duas instâncias. O tempo que os alunos levam, por exemplo, para se encaminharem para a sala de aula após a utilização do refeitório é, em dada medida, importante para o início da compreensão da necessidade de cumprir horários. De certa forma, o controle das atividades pelo tempo prepara o aluno para a inserção na sociedade cronológica. O tempo kairós foi desconsiderado na escola em sua funcionalidade, tendo em vista a suplantação do tempo oportuno do aluno pela cronologia do calendário acadêmico. Inclui-­‐se nessa discussão o planejamento pedagógico orientado pela rotina escolar com caráter de organização do tempo e espaço do processo de ensino-­‐
aprendizagem. A rotina é então considerada “o elemento estruturante do cotidiano, norteia, orienta e organiza o dia-­‐a-­‐dia.” (PROENÇA, 1998). A relação entre o tempo e o espaço é explicada por Foucault (1987), aludindo as formas de organização das mesas e cadeiras enfileiradas, gerenciando os corpos dos alunos em seu tempo-­‐espaço em sala de aula. Isso ainda remete para a preocupação da escola em manter o aluno sentado, ocupado, não cedendo espaço para a ociosidade. Para determinar o controle das atividades, Foucault destaca cinco pontos: i) o horário; ii) a elaboração temporal do ato; iii) donde o corpo e o gesto postos em correlação; iv) a articulação corpo-­‐objeto e v) a utilização exaustiva. Foucault explica que (i) o horário foi rapidamente difundido nas instituições escolares e hospitalares onde havia o pressuposto do estabelecimento de regras e censuras. O segundo ponto (ii) implica o controle dos gestos e dos movimentos, uma espécie de cadência, exemplificado pela marcha das tropas (p.129). Pela correlação entre corpo e gestos (iii), Foucault ressalta que “no bom emprego do corpo, que permite um bom emprego do tempo, nada deve ficar ocioso ou inútil” (p.130) e, cita a boa caligrafia que pressupõe uma ‘ginástica’ abrangendo o corpo inteiro. Da articulação entre corpo-­‐objeto (iv) decorre a ordenação entre corpo e objeto, constituindo uma engrenagem, onde é fixada uma “ordem canônica em que cada uma dessas correlações ocupa um lugar determinado [...] constituindo um complexo corpo-­‐arma, corpo-­‐
instrumento, corpo-­‐máquina” (p.130). No último ponto (v), o autor destaca a passagem de um princípio da não ociosidade para a disciplina, intensificando o uso do tempo, onde fosse obtido um “ponto ideal em que o máximo de rapidez encontra o máximo de eficiência. (p.131). Percebe-­‐se, neste estudo, que o tempo passível de controle por parte dos professores é aquele que pode ser mensurado: o tempo de cópia da tarefa, o tempo de entrada e saída da sala de aula, a hora da merenda, o horário de ir ao banheiro e beber água. O tempo de aprendizagem, por exemplo, não permite medidas exatas em função do seu caráter subjetivo e, portanto, não passa pela noção de controle. Tempo é chronos e kairós. É chronos como tempo horizontal e kairós como tempo transversal, que atravessa a temporalidade cotidiana e usual, dando-­‐lhe especial significação. (NOVAES, 1994). Significação essa, que na escola estudada, foi dada apenas em função do zoneamento das atividades por chronos em detrimento do kairós. Mesmo que o tempo oportuno, de aprender, não seja passível de ser objetivamente controlado, ele é por vezes submetido aos parâmetros de uma rotina estruturante no cotidiano escolar. Ainda se pode acrescentar a possibilidade de esse tempo ser comparado à indisciplina, considerada uma insubordinação às normas escolares. A discussão dos professores que convencionou ser importante permanecer em sala de aula e não circular pelos corredores foi unilateral, no sentido de não pensar em soluções para o engajamento dos alunos nas atividades em sala de aula. Nesse sentido, urge pensar em alternativas para a prática de sala de aula para mais do que manter alunos e alunas sentados e copiando. Alude-­‐se ao professor como pesquisador e observador da própria prática onde estejam privilegiados os aspectos didáticos e pedagógicos da construção dos saberes em sala de aula. Ainda que, ao longo de décadas, registrou-­‐se um conjunto de propostas educacionais diferenciadas para a escola, observa-­‐se que o imperativo é o formato estanque e fragmentado no qual a organização e o trabalho escolar permanecem orientados pela lógica linear. Como afirma Freitas, [...] os tempos e espaços da escola são, portanto, contraditórios e tensos – como tensa e contraditória é a própria sociedade que a cerca. Há uma permanente disputa em tais espaços que reflete as diferentes concepções de educação, as diferentes finalidades educativas atribuídas. (FREITAS, 2004, p.1). É nesse campo de tensões, no qual se encontra a escola pública, que a pesquisa etnográfica oportuniza a discussão entre a prática pedagógica, a teoria e a pesquisa, ampliando as possibilidades de repensar a sala de aula e a relação professor-­‐aluno como central na produção de conhecimentos. O olhar etnográfico, a partir das imagens de vídeo, permite que o tempo de sala de aula seja revisitado, fazendo conhecer as nuances das trajetórias escolares. Desse modo, tanto o pesquisador quanto o professor dialogicamente interpretam os eventos de sala de aula, ampliando as possibilidades de atuação no sentido de uma pedagogia sensível aos valores sociais e culturais, além de uma escola democrática. Considerações finais Na sala de aula estudada, o controle do espaço escolar pelo tempo surgiu como uma espécie de pano de fundo para percebemos que era mais importante para a professora cumprir as exigências do currículo mínimo estabelecido do que criar um espaço de aprendizagem na sala de aula. A professora, no cumprimento de suas atribuições, impõe ao aluno o seu tempo de execução das tarefas propostas, desconsiderando a individualidade do processo de ensino-­‐aprendizagem. A professora também possui suas tarefas e quanto mais rápido elas forem realizadas ela também poderá estar livre para atividades menos exaustivas do que a gestão da sala de aula. Durante as visitas de observação, percebeu-­‐se que o tempo de ensinar e aprender no espaço escolar era orientado pela professora no sentido de reduzir o sentido da tarefa apenas para a cópia. Os alunos e alunas ao terminarem ou não a cópia da tarefa do quadro não recebiam o feedback pelo seu trabalho, e a professora não demonstrava se incomodar em fornecer-­‐lhes a correção. É importante que o aluno conheça o que é considerado acerto e erro em relação ao que está sendo estudado. Assim, estar presente na sala de aula sem que seja criado um espaço de aprendizagem implica somente a presença física, na qual o aluno não vê sentido na tarefa pedagógica. Em outro momento, problematizou-­‐se sobre o tempo controlado para as necessidades fisiológicas. A solicitação dos alunos para saírem da sala e irem ao banheiro era inicialmente negada pela professora, sob a alegação de que eles não retornariam para a sala e ficariam passeando pelos corredores da escola, consequentemente, importunando os alunos de outras salas. A solução encontrada nos Conselhos de Classe foi a de delimitar no relógio o tempo gasto entre a saída de sala e o retorno à mesma. Entende-­‐se que é necessário compreender os tempos de ensinar e aprender como uma possibilidade de transformação do espaço escolar, privilegiando os saberes e as práticas de/entre alunos e professores. Da mesma forma, o sujeito do conhecimento é singular na construção dos processos diários de aprender, cabendo a escola garantir pelo princípio da inclusão ligado à integração social a compreensão e a ressignificação do sentido da educação como um caminho para a superação das desigualdades. Por conseguinte, urge compreender as práticas e os atores nos espaços escolares que levam, muitas vezes, à exclusão pela impossibilidade de serem compreendidos em suas diferenças, permanecendo o controle dos tempos escolares para que alunos e alunas sejam mantidos de acordo com as normas instituídas para educar pelo controle. Referências ARAÚJO, L.P.; MAURÍCIO, L.V. A proposta da progressão continuada na visão de professores da rede municipal do Rio de Janeiro em exercício no projeto. In: Anais do XIII ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO, Abril, 2006, Recife, PE. BARRETO, E.S.S.; SOUSA, S.Z. Ciclos: Estudos sobre as políticas implementadas no Brasil. In: Anais da 27º REUNIÃO ANUAL DA ANPED, Novembro, 2004, Caxambu, MG. BARRETO, E.S.S.; MITRULIS, E. Trajetória e desafios dos ciclos escolares no País. Estudos Avançados, São Paulo, v.15, n.42, maio/ago, p. 103-­‐140, 2001. CASTRO, P.A. Controlar para quê? 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O texto eletrônico; inevitavelmente lido de outra maneira, nos liberta para novas práticas e novas formas de apropriação do escrito e, novas posturas leitoras, desaparecendo as gestualidades regularmente expostas e as sensações do leitor, associadas ao manuseio do suporte cultural. Assistindo ao mesmo tempo, “[...] a mudança na técnica de produção e reprodução dos textos no suporte da escrita e na maneira de ler” (BELO, 2002, p. 29). Por outro lado, em oposição ao determinismo tecnológico, nos apropriamos das palavras de Chartier (1994) ao reafirmarmos que as técnicas, não existem para além do que os seus produtores e utilizadores fazem delas. Práticas e técnicas sociais e culturalmente construídas por produtores, produtos e consumidores culturais; que embora, cada suporte, estrutura de transmissão e recepção da escrita afete profundamente os possíveis usos e interpretações do texto lido; este, sem materialidade e sem localização em sua representação eletrônica, “[...] pode atingir qualquer leitor dotado do material necessário para recebê-­‐
lo”(CHARTIER, 1994, p. 104). No que diz respeito à produção do livro, Sousa (2002, p. 1), comenta que: Se no inicio de séculos [depois da Revolução de Gutemberg] se publicavam cerca de 10.000 livros por ano, hoje temos milhões de documentos científicos e técnicos publicados no mesmo período de tempo. [...] em 1750, duplicou-­‐se pela primeira vez o conhecimento da humanidade desde os tempos de Cristo. Em 1900 repetiu-­‐se o fenômeno. A seguir operou-­‐se em 1950. Hoje o conhecimento humano passa para o dobro de 5 em 5 anos. Calcula-­‐se que no ano 2020 essa duplicação ocorrerá cada 75 dias. Caberia nos perguntar se agora, com estas mudanças de novos comportamentos e apropriações, mudanças tecnológicas e o acelerado crescimento na produção e circulação do livro, as escolas estão atualmente preparadas para estimular a leitura a partir das novas posturas a serem tomadas frente à hipertextualidade materializada nos novos suportes culturais? Sabermos se os professores conseguem ter uma visão holística da crise, que existe com respeito à formação leitora e às praticas culturais de apropriação? Indagarmos se a escola terá condições de apresentar um currículo que tenha todos os elementos complexos e heterogêneos que representem as necessidades reais dos seus alunos como indivíduos e, como produtores e produtos da cultura? Questionarmos se os conteúdos e as metodologias aplicadas no ensino e aprendizagem da leitura, estarão centrados nos interesses de todos os discentes e em sintonia com as novas tecnologias da educação?. Neste trabalho analisam-­‐se os fatores que influenciam nas diversas apropriações das materialidades culturais, analisando, descrevendo e avaliando o ensino aprendizagem da leitura e o comportamento leitor dos(as) professores(as), como leitores(as) e, como formadores (as) de leitores(as), através das noções, concepções e reflexões dos diferentes teóricos em foco. Trata-­‐se de expor a situação em que o Maranhão se encontra no que respeita às práticas leitoras, à aliteratura, ao livro didático, às formas de ler e às apropriações do sentido dos textos. Concluindo-­‐se com a importância que as crenças têm; seja por parte do aluno, seja por parte do professor, para a formação leitora e para a atitude frente à leitura, no ato de ler, analisando e interpretando estas múltiplas determinações inseridas no processo de apropriação da leitura e no ambiente do leitor A leitura, os leitores e os livros no Brasil de hoje No Brasil especificamente, o sistema educacional é amplamente contrastante, caracterizando-­‐se pelo aumento do fracasso escolar produzido pela exclusão social, segundo Candau (2002), existem índices que nos mostram as desvantagens que os negros e pardos estão com relação aos brancos. Dados do PNUD28 de 1996 demonstram que a população branca estuda em media 5,9 anos diferenciando-­‐se dos negros e pardos em 3,3 anos, apesar da sua presença na população brasileira ser demograficamente expressiva 44,2% (4,9% de pretos e de 39,3% de pardos), caracterizados por constituírem a minoria, no que diz respeito, às relações de poder e do exercício cidadão, marginalizada social, cultural ou etnicamente com tendências ao fracasso no sistema educativo; portanto sem perspectiva de futuro. Com 53,9 milhões de pobres, o equivalente a 31,7% da população, o Brasil aparece em penúltimo lugar em 28
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
termos de distribuição de renda numa lista de 130 países29. Apesar de que o Brasil de acordo com os dados do CERLAC 30 , tenha produzido em 1996, 348 milhões de livros, ocupando o oitavo lugar em produção, − volume próximo ao alcançado pela produção francesa (413 milhões) e superior a países desenvolvidos como a Itália − e, que seja responsável por 53% da produção latino americana (BATISTA, 1999); nos resultados obtidos no Programa de Avaliação Internacional comparada -­‐ PISA31 2004, que analisa o desempenho dos alunos de 15 anos de idade, o Brasil continuo nas últimas posições, lendo-­‐se em media 2.4 livros por ano, cifras muito baixa se comparada com o consumo per capita francês, sete livro no mesmo período. Em 2002, a população de 15 anos e mais tinha apenas 6,5 séries completas, não concluindo a 8a série do ensino fundamental obrigatório, não passando de 3,6 nas zonas rurais, motivando este quadro a uma profissionalização precária, “[...] num país de práticas leitoras tão precárias e de um sistema literário rarefeito” (ZILBERMAN; LAJOLO, 1996, p. 91). O SAEB32, em 2004 revelara que cerca da metade dos alunos que chegavam à 4a série tinha grandes dificuldades em leitura. Numa escala de 125 a 375, os alunos das escolas estaduais atingiram a média de 170; os das escolas municipais 161 e os das particulares 215, revelando como tônica geral ‘a deficiência’ no ensino, tanto nas escolas públicas, como nas particulares. Se nos referimos particularmente a São Luís do Maranhão33, a realidade é mais alarmante. Em primeiro lugar, por pertencer ao Norte e Nordeste do país, tradicionalmente descriminado e excluído na sua generalidade pelo Sul e o Centro Oeste e; em segundo, por estar ainda no século XXI, comandado pelas oligarquias enraizadas no poder por mais de 40 anos. Contemplando o índice de desenvolvimento humano (IDH)34 do Brasil que é de 0,766, o Maranhão tem o pior índice de desenvolvimento humano do país, 0,636 para 0,656 no Piauí, Estado vizinho. Segundo o IBGE, 27 municípios com menor renda per 29
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgado pelo ministro do planejamento,
Paulo Bernardo, 2006.
30
Centro Regional para o fomento do livro em América Latina e o Caribe.
31
Verificar informações no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira – INEP.
32
Sistema de Avaliação da Educação Básica.
33
Artigo ‘Carta capital’ publicado na revista Seu Pais, 2005.
34
Índice de Desenvolvimento Humano, medido numa escala de (0 a 1), quanto mais próximo de 1, melhor será
a vida da população.
capita são Maranhenses. Das cem cidades brasileiras com menor renda, 83 estão localizadas neste Estado, que apresentam a menor média de escolaridade; 3,6 anos, para 6,4 anos da média nacional. A taxa de analfabetismo atinge 22% da população com mais de 10 anos de idade. No fim de 2002, apenas 58, dos 217 municípios ofereciam ensino médio. Nos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio – Enem, os participantes no 2006 obtiveram médias de desempenho iguais a 36,90 na parte objetiva da prova e 52,08 na redação, numa escala que vai de 0 a 100, obtendo os piores índices35. Resultados que ao apontar um Maranhão, culturalmente considerado um dos Estados de maior conservação da tradição, avaliado pela UNESCO, quando da candidatura de sua capital São Luís, como Patrimônio da Humanidade, pela sua estrutura arquitetônica, suas riquezas naturais e preservação de seus costumes, crenças, festejos, ritmos e danças que caracterizam o Brasil colonial; também denunciam seus problemas educacionais, onde o nível cultural deste povo do nordeste, sua integração no processo de alfabetização, a continuidade dos estudos de suas crianças, jovens e adultos, o desenvolvimento humano e o direito à educação presente na Constituição Federal, estão em ampla desvantagem em relação ao resto do país. As configurações atuais sobre as práticas leitoras, na perspectiva escolar Não precisamos queimar livros para matar a nossa civilização; precisamos apenas não lê-­‐los por uma geração (PETER J. L. FISCHER, 2003). A reflexão sobre as concepções, avaliações e critérios sobre as práticas leitoras, a formação do leitor e as apropriações das materialidades culturais dos(as) professores(as) em foco, partindo das suas narrativas, em diferentes períodos políticos, econômicos e educacionais, nos vem dando, um aval para podermos desvelar, interpretar e compreender, se os mesmos têm manifestado novas posturas estratégicas e procedimentos inovadores que auxiliem na (re)significação dos protocolos de leitura (CHARTIER, 2003) e das diferentes materialidades de suporte. Reflexão que ao visar os diferentes modelos educativos em que estes(as) professores(as) têm sido sujeitos atuantes, seja na sua formação intelectual, seja na profissional, nos ajudará a entender a natureza dos novos procedimentos adotados nas situações de leitura (GOULEMOT, 1996), na escolha dos textos e nas estratégias adotadas no comportamento leitor. 35
Verificar o site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP.
Sabermos se desde o campo de ação, eles se têm esforçado por refletir, criar e recriar, conhecendo a realidade em que têm estado inseridos, compartilhando e compreendendo o cotidiano dos seus alunos; novas práticas, estratégias de ação e ambientes favoráveis que resultem inovadores no processo de ensino e aprendizagem da leitura e, na manipulação, interação e convívio com estes objetos culturais. Práticas concebidas, reformuladas e extraídas da sua criatividade, da sua experiência educativa e de sua interação com a cultura local de sua sala de aula. Cultura escolar que se faz específica por seus contornos, particularidades e conotações. Novas estratégias e procedimentos, que dependem mais da visão de mundo (GOFFMAN, 1985) e da sua imaginação com respeito a seu campo atuante como professores(as) leitores(as) e como formadores(as) de leitores, que dos próprios artefatos tecnológicos em si. “O limite da inovação é, apenas, o limite da imaginação, e a capacidade de transgressão e de romper com a rotina as qualidades mínimas requeridas pelo ato de inovar” (FINO, 2003, p. 3). Mudanças na rotina do processo de ensino e aprendizagem da leitura, na formação leitora e na concepção e crenças no ato de ler dos sujeitos envolvidos, que tenham possibilitado a estes(as) professores(as), criar e transgredir os modelos já pré-­‐estabelecidos, sedimentados, regulados e aprovados. O questionarmos o por que algumas pessoas leem e outras que sabem ler preferem não fazê-­‐lo? O por que algumas pessoas usam a leituras como fonte de informação e prazer para toda a vida e outras após completarem sua educação formal, raramente o fazem? O refletirmos sobre o que as escolas e os(as) professores(as) têm feito para promover uma leitura prazerosa e não obrigatória? Quais mecanismos têm criado para trabalhar sobre novas visões do ensino e aprendizagem da leitura, a partir de práticas inovadoras e, não unicamente, do treinamento tradicional de habilidades pragmáticas, baseadas nas atitudes cognitivas, visando a resolução de problemas nos exames classificatórios?. Estas seriam umas das tantas perguntas que nós pesquisadores nos fazemos. Questionamentos que nos orientem na procura paralela de alguns vestígios ou respostas em práticas anteriores, de professores(as) antigos(as) e em contextos diferentes que de alguma forma na comparabilidade destas histórias de vidas como leitores e como formadores de leitores, considerando as suas individualidades e as variações históricas de suas formações, nos ressaltem a disparidade das suas “utensilagens mentais” (CHARTIER, 2003), esclarecendo-­‐nos e nos contestando, o porque desta realidade. Se para Cramer e Castle (2001), a aliteratura, pode ser atualmente um problema maior que o analfabetismo, parecendo cada vez mais evidente, que os principais impedimentos à alfabetização não são de natureza cognitiva, podendo-­‐se traduzir esta, “[...] na falta de hábito da leitura, especialmente em leitores capazes que preferem não ler” (CRAMER; CASTLE, 2001, p.14); leitores(as) que não apresentam dificuldades para aprender, mas não o desejam. Para Kline (2001) existe um falso analfabetismo irreversível, se analisados a quantidade de papel com mensagens impressos36 destinados às lixeiras. Na realidade, para este autor, o que está mudando, é o que se está lendo e o por que se está lendo. Por outro lado, a não preocupação dos(as) professores(as) com as crenças do(a) aluno(a), as atitudes, os motivadores externos e o estado emocional como fatores que influenciam a intenção de ler e os comportamentos causalmente ligados com o ambiente do leitor ou com sua estrutura social, faz da prática leitora, uma atividade decodificadora, mecânica e não significativa37 (McKENNA, 2001). Se o inovar sobre as práticas tradicionais do ato de ler, para alguns autores, se baseia em focalizar não só os aspectos cognitivos; mas em considerar os aspectos afetivos e que estes sejam tratados de forma organizada, visando o cultivo do amor pela leitura (CRAMER; CASTLE, 2001); para outros, o optar por ler é muito mais importante que o gostar de ler (KLINE, 2001), constituindo-­‐se esta uma escolha circunstancial, onde o quê lê?, por que lê? e, o como alguém lê?, é muito mais importante do que se lê ou quando lê, já que o amor pela leitura, “[...] não é a única área na esfera afetiva, nem explica a maioria de nossas razões cotidianas para ler” (KLINE, 2001, p. 25). O dominar o papel da atitude38 como agente causal no ato da leitura ou no período que a pessoa aprende; o relacioná-­‐lo com o papel proposto pelas normas subjetivas ou as crenças e expectativas mantidas por pessoas significativas no ambiente do leitor; e por último, o acréscimo da intenção de ler e da importância dos fatores internos e externos nessa intenção; não são suficientes para justificar muitos 36
37
38
Em detrimento dos profetas do nirvana eletrônico que continuam a ver uma sociedade sem papel
(KLINE, 2001).
Olhar os modelos expostos por Mathewwson (1994), Ruddell-Speaker (1985), Fishbein e Ajzen
(1975,1980, 1989), revisão de Liska (1984) expondo as formas de aquisição de atitude de leitura
(McKENNA, 2001).
Predisposição condicionada a responder de uma maneira consistentemente favorável ou desfavorável
com relação a um determinado objeto (McKENNA,2001).
comportamentos, em especial, aqueles que necessitam de habilidades e de interações sociais segundo o pensamento liskaniano39. Afetando desta forma, a ‘atitude’ diretamente; isto é, o comportamento sem ser medido pelas intenções. Por outro lado se na visão de Mckenna (2001), a intenção de ler do aluno se dá por suas crenças e pelas expectativas do professor, e o conhecimento da expectativa deste último, penetra no conjunto de crenças normativas do aluno, estas crenças40 que estão casualmente relacionadas com o desenvolvimento da atitude, se faz necessário e importante, entendê-­‐las, influenciá-­‐las e modificá-­‐las (MCKENNA, 2001), encorajando o aprendiz a desenvolver a autoconfiança, sua independência e uma disposição para aprender. Conhecer as crenças proeminentes de um aluno a partir da sua classificação sobre as varias afirmações com respeito à leitura ou deduzindo finalizações de seus comentários abertos sobre o tema em questão, seria uma prática inovadora que mais que interpretar os conceitos e as atitudes do docente num contexto determinado, ajudariam ao professor a transformar essas crenças: enfraquecendo-­‐as ou eliminando-­‐
as, introduzindo novas crenças em relação ao ato praticado de leitura ou, mudando a forma como o estudante avalia os atributos desta prática, onde de fato, é “[...] o conjunto de análise da realidade, sobre a qual se pretende agir, e a visão da realidade que se pretende criar, o detonador de mudanças” (FINO, 2003, p.3), residindo esta inovação, não nos artefatos tecnológicos, mas fora deles. Mudanças que para ser concretizadas, o professor deve ter presente os fatores que afetam o desenvolvimento da atitude de leitura, refletindo sobre o papel que estas crenças do leitor exercem sobre o ato de ler e seus resultados; sobre o próprio ato de leitura e; sobre as expectativas sociais dos outros e a motivação para ajustar-­‐se a elas, sejam em situações de aprendizado cooperativo, sejam em programas de envolvimento parental ou de tutelagem, redesenhando o contexto em que a tecnologia será utilizada a partir de sua experiência e criatividade. “A influência da cultura, da família, do grupo de iguais e de outros fatores ambientais, leva a crenças sobre o quanto a leitura é valorizada pelas pessoas” (McKENNA, 2001, p. 44). 39
40
Pensamento expresso no modelo de Liska (1984), que (re)significa as formas de aquisições das
atitudes de leitura. (MCKENNA, 2001)
Descritivas –observação pessoal direta–, deduzíveis –conclusões lógicas– e, informativas –
adquiridas de fontes externas–, (FISHBEIN e AJZEN 1989 apud McKENNA, 2001).
As competências dos professores, as considerações afetivas e suas atitudes em relação aos alunos são os fatores mais importantes que influenciam o desenvolvimento de sua formação leitora, independentemente do que as crianças trazem de casa, devendo elas, “[...] experimentar o sucesso, especialmente quando estão aprendendo a ler” (DWYER, J; DWYER, E., 2001, p.83). Leitura, que ao mesmo tempo em que é observadora, é participante, denunciando uma diferença quando as atividades são realizadas pelo próprio interesse dos discentes41 ou realizada devido a recompensas externas42 (NELL, 2001), no local da sociabilidade do ato de ler (SILVA, 2000). Para Sousa (2004, p.159) o professor que se define por inovar sua prática é levado: A sair do espaço particular que a autonomia lhe dá, a romper o status que ela consegue distanciar-­‐se do objetivo presente, aqui e agora, e assumir uma atitude crítica projetando-­‐se sempre no futuro. É capaz de fazer a avaliação do meio social onde se integra sem ter medo das reações dos que a envolvem. Considera-­‐se uma pessoa criativa, com projetos, com imaginação... concebe-­‐se participando na transformação progressiva do seu meio, não criticando apenas por criticar, porque a sua crítica é sempre acompanhada de capacidade de mudança. Professores que quando forçados a ter que escolher entre o encontro da leitura afetiva e estruturar os aspectos da alfabetização; isto é, escolher entre o promover atitudes positivas e enfatizar o desenvolvimento das habilidades; estas últimas, se fazem quase sempre as mais importantes. Na realidade, são as atitudes em relação à alfabetização que deveriam ser, o outro do planejamento e das atividades do ensino e aprendizagem da leitura como estratégia de mudança e de criatividade, tendo como resultado “[...] um ambiente onde os alunos se entregaram aos seus trabalhos com um grau de motivação intrínseca muito elevado, a ponto de dispensar qualquer tipo de apelo ou de encorajamento” (FINO, 2001, p.9). Mudanças na prática pedagógica do professor como facilitador, tendo expectativas positivas sobre o potencial do docente, como também, mudanças no comportamento do aluno frente à materialidade impressa e a sua apropriação ou reapropriação (CHARTIER, 2003). “Se ensinarmos uma criança a ler, mas se não desenvolvemos o gosto dela pela leitura, todo nosso ensino é em vão. Teremos produzido uma nação de ‘alfabetizados analfabetos’, aqueles que sabem ler mas não leem” (HUCK, 1973, p. 203 apud HEATHINGTON, 2001, p.221), ou produzidos aqueles que sabendo ler, não sabem por quê, quando 41
42
Atividades paratélicas
Atividades télicas.
ler, ou o que ler. Conclusão Acreditamos, a partir de todos estes argumentos, que os professores devam considerar as vidas de seus alunos e começarem a entender o por quê alguns deles, não podem responder no mesmo ritmo de outros. Tratarem de mudar a visão sedimentada que eles têm sobre o conceito de leitor relutante ou reticente, e substituí-­‐la por leitor desmotivado, compreendendo que discentes fracassados na leitura, não necessitam de ser culpados, e sem de ser ajudados, a terem sucesso no ato de ler. Refletirem, que se estes alunos não têm conseguido aprender, foi porque eles, como professores e formadores de leitores, não têm cumprido o seu papel e não os têm ensinado. Seguindo constantemente padrões inúteis nas suas práticas e tendo ignorado totalmente as suas necessidades, já que um dia, estes não-­‐leitores, estiveram dispostos e acreditaram que poderiam ler, alunos que “[...] sempre quiseram ler, ainda querem, simplesmente se pudessem fazê-­‐lo” (SCHULTZ, 201. p. 246). Uma mudança de critérios, ações e reflexões dos(as) professores(as) leitores(as) e formadores(as) de leitores(as), uma mudança nas práticas e nos procedimentos adotados na sala de aula no ato de ler, seria parafraseando Elias( 1994), dar um golpe de mestre no tabuleiro societal e cultural destes discentes e, nas situações de leitura que os mesmos se encontram. Tendo como resposta, um contra golpe que vire o jogo, transformando, sejam leitores relutantes ou desmotivados, sejam os não-­‐leitores ou os aliterados; em leitores para toda a vida. Os professores paralelamente às análises das crenças dos alunos de sua sala de aula, devem examinar num processo continuum suas próprias crenças sobre o ensino da alfabetização. Crenças vindas de muitos eventos e de muitas fontes passadas: o como foram ensinados na escola enquanto crianças; como foram educados para ensinar por seus professores no magistério; como foram treinados por seus professores monitores e o como aprenderam a ensinar por sua própria conta. Crenças derivadas de suas experiências e de suas vivências no plano educativo, refletidas nos comportamentos e formando a base do papel que eles desempenharão no incentivo das atitudes em relação à alfabetização. Crenças sobre práticas inovadoras no ensino e aprendizagem da leitura e na formação leitora dos alunos que serão concebidas e significadas, não pela tecnologia imposta, mas pela experiência pedagógica e o desejo de transgressão do professor ao criar novos ambientes e novas estratégias que valorizem o conhecimento anterior dos seus alunos, que respondam a suas necessidades e propiciem novas alternativas de compreensão e entendimento. Crenças negociadas e contestadas, num spannungsgleichgewicht43, nas situações de leitura com os atores envolvidos no ato de ler, expressadas e materializadas na práxis educativa. Lugar onde nós nos tornamos aprendizes literários “[...] descobrindo como tomar nossas próprias decisões enquanto observamos atentamente os comportamentos de leitura e escrita do professor” (CASTLE, 2001, p. 167). Afirmação que contribui para a configuração atual das práticas leitoras no cotidiano escolar. REFERÊNCIAS BATISTA, Antonio Augusto Gómez. Um objeto variável e instável: textos, impressos e livros didáticos. In: Leitura, história e história de leitura. São Paulo: Fapesp, 1999. BELO, André. História & livro e leitura. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. CANDAU, Vera Maria. Sociedade, Educação e Cultura(s). Editora Vozes: Petrópolis, 2002. CASTLE, Marrietta. Ajudando as crianças na escolha de livros. In: Incentivando o amor pela leitura. Porto Alegre: Artmend, 2001. cap. 10. CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XVI e XVIII. Brasília: Universidade de Brasília, 1994. ________. Formas e sentido. Cultura escrita: entre distinção apropriação. São Paulo: Mercado de Letras (ALB), 2003. CRAMER, Eugene H.; CASTLE, Marrietta. Desenvolvendo leitores para toda a vida. In: Incentivando o amor pela leitura. Porto Alegre: Artmend, 2001. Introdução. DWYER, Edward J; DEYER, Evelyn, E. Como as attitudes do professor influenciam o progresso da leitura. In: Incentivando o amor pela leitura. Porto Alegre: Artmend, 2001. Cap. 5, p. (79-­‐89). ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro. 1994. FINO, C. “Escola da Pena: o emergir de uma cultura ‘nova’”. In: Tecnologias em Educação, estudos e investigações. Actas do ao X Colóquio Internacional da AFIRSE/APELF (p. 390 – 401). Lisboa: Universidade de Lisboa, 2001. 43
Equilíbrio de tensões, conforme Elias (1994).
FINO, C. O lugar das tecnologias na formação inicial dos professores: o caso da universidade da Madeira. In: A Formação dos Professores à Luz da Investigação. Actas do XII Colóquio Internacional da AFIRSE/APELF, (pp.). Lisboa: Universidade de Lisboa, 2003. GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes,1985 GOULEMOT, Jean Marie. Da leitura como produção dos sentidos. In: Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. HEATHINGTON, Betty S. Afeto versus habilidades: escolhas para professores. In: Incentivando o amor pela leitura. Porto Alegre: Artmend, 2001. cap. 14. KLEIN, Lloyd, W. Leitura sociedade. In: Incentivando o amor pela leitura. Porto Alegre: Artmend, 2001. cap. 1. McKENNA, Michael C. Em direção a um modelo de aquisição de atitude de leitura. In: Incentivando o amor pela leitura. Porto Alegre: Artmend, 2001. cap. 2. NELL, Victor. O apetite insaciável. In: Incentivando o amor pela leitura. Porto Alegre: Artmend, 2001. cap. 14. SCHULTZ, Irene. Escrevendo histórias para leitores desmotivados...por que é necessário?. In: Incentivando o amor pela leitura. Porto Alegre: Artmed, 2001. Cap. 16. p. 243-­‐253. SILVA, Tomas Tadeu da (org). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. SOUSA, Jesus Maria. Trabalhar com cenários do futuro. In: O particular e o global no virar do milênio: cruzar saberes em educação. Lisboa: Edições Colobri/Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, 2002. p. 699 –706. SOUSA, J. M.. Educação: textos de intervenção. Funchal: Editora Liberal, 2004. ZILBERMAN, Regina; LAJOLO, Marisa. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1996. ESCOLA, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E REPRESENTAÇÃO DO EU: INVESTIGANDO O COTIDIANO Walcéa Barreto Alves Escola, Representações sociais e representação do eu: investigando o cotidiano Esta pesquisa busca compreender como as representações sociais que os alunos têm sobre a escola permeiam a construção da sua autoimagem. O objetivo principal consiste em averiguar de que forma estas representações interferem na construção subjetiva da identidade do aluno enquanto tal e que consequências estas podem trazer para o processo de ensino-­‐aprendizagem. O referencial teórico que norteia a investigação é a teoria das representações sociais, de Serge Moscovici, trazendo a compreensão de que estas representações são produto do diálogo constante entre o individual e o coletivo. No percurso dos estudos sobre a escola e sobre o “sujeito aprendiz” – o aluno -­‐ a teoria das representações sociais, de Serge Moscovici, se apresentou como um caminho instigante para embasar a investigação do que pretendemos analisar a respeito do encontro – e por que não, também desencontros -­‐ entre o individual e o social na dinâmica do processo educativo. Mais especificamente neste estudo, intento relacionar, como as representações sociais da escola podem ir ao encontro da constituição do indivíduo em seu papel de aluno. Para tanto, buscamos apoio também em Erving Goffman para delinearmos o conceito de “representação do eu”, que pretendemos desenvolver neste trabalho. Como metodologia, a abordagem etnográfica é o nosso referencial de prática de pesquisa, que norteia a investigação no sentido de poder captar do cotidiano da escola as vivências, interações e os significados que emergem das redes de relações que constituem a dinâmica da sala de aula. O levantamento de dados recorre à utilização de ferramentas da pesquisa de abordagem etnográfica, tais como a observação participante, anotações de campo, realização de questionários e entrevistas, procurando-­‐se, nas respostas dos sujeitos, as suas representações. As análises orientam-­‐se pelas dimensões das representações sociais, a atitude, a informação e o campo de representação, empregando-­‐se a metodologia de análise de conteúdo, fundamentada em Bardin (2006). As representações sociais O estudo de representações sociais se mostra como um campo crescente de investigação, em grande expansão e reconhecimento na área científica – em especial no que diz respeito às ciências humanas e da saúde. Jodelet (2005b) retrata o quanto o campo vem crescendo no Brasil nas últimas décadas através de esforços dos estudiosos na área, que promovem eventos de cunho internacional, onde se vislumbram debates interessantes e profícuos ao crescimento e “solidificação” da teoria. Segundo a autora, esta ganha uma vasta perspectiva no que diz respeito às possibilidades e demandas dos mais variados campos de estudo, visto que pode atender às questões de trabalhos de pesquisa, abarcando vários domínios científicos. O conceito de representação social foi proposto por Moscovici em um momento de quebra de paradigmas na Psicologia Social e na ciência. O autor considerava fundamental e essencial um novo delineamento do campo da Psicologia Social. O caráter extremamente cognitivista da área naquele período, para Moscovici, não refletia o caráter social ao qual a Psicologia deveria propor em sua atuação e seus estudos. Este campo de estudo estava preso à patologização do termo social. Sendo assim, o autor propõe uma reformulação do conceito de Psicologia Social com o intuito de dar novos ares e uma nova noção, imprimindo uma nova “cara” a esta área de estudo (Jovchelovitch, 2008). O conceito de representação social emerge da concepção durkheimiana de representações coletivas, em que se observam questões mais gerais ligadas à sociedade. Estas representações estariam ligadas a uma construção coletiva perpetuada pelo espaço e pelo tempo, sendo passadas de geração a geração (religião, mitos,...) (Sá, 1993). Moscovici (2003) pontua que a sua visão sobre representações se diferencia da de Durkheim, que possuía uma “concepção bastante estática dessas representações” (p.47). Vê as representações como algo em constante mudança, alimentada pelas relações vivenciadas no cotidiano dos indivíduos, tendo um ”caráter móvel e circulante”. O autor afirma que na Sociologia as representações sociais eram vistas como “artifícios explanatórios, irredutíveis a qualquer análise posterior” (idem, p.45). No entanto, sua proposta era a de esmiuçar o tema, investigá-­‐lo em sua essência, e passar a considerá-­‐lo não mais como um conceito, mas como um fenômeno. Destaca que Piaget exerceu grande influência para que esta compreensão se devolvesse – tanto do entendimento das representações sociais enquanto fenômeno quanto da necessidade de se realizar uma investigação que pudesse acompanhar a partir de seu interior a formação e a dinâmica exercida pelas representações sociais no indivíduo e no social. Moscovici, em sua definição acerca do fenômeno das representações sociais, faz um paralelo em que divide as “ciências sagradas e profanas enquanto universos reificados e consensuais”. Ele delimita que: O contraste entre os dois universos possui um impacto psicológico. Os limites entre eles dividem a realidade coletiva e, de dato, a realidade física, em duas. É facilmente constatável que as ciências são os meios pelos quais nós compreendemos o universo reificado, enquanto as representações sociais tratam com o universo consensual. A finalidade do primeiro é estabelecer um mapa de forças, dos objetos e acontecimentos que são independentes de nossos desejos e fora de nossa consciência e aos quais nós devemos reagir de modo imparcial e submisso. Pelo fato de ocultar valores e vantagens, eles procuram encorajar precisão intelectual e evidência empírica. As representações, por outro lado, restauram a consciência coletiva e lhe dão forma, explicando os objetos e acontecimentos de tal modo que eles se tornam acessíveis a qualquer um e coincidem com nossos interesses imediatos (MOSCOVICI, 2003, p.52). Sendo assim, delimita que as representações sociais são o material específico e peculiar do universo consensual e que a sua ciência deve ser a Psicologia Social. As representações sociais são, dessa forma, conhecimentos do senso comum, construídos e mobilizados nos universos consensuais, que muitas vezes consistem em transformações operadas sobre informações oriundas dos universos reificados (SÁ, 2007, p.591). Moscovici não nega a existência e importância do universo reificado, reforçando o fato de que este se refere ao conhecimento científico e erudito, a padrões impostos e preposicionados à mente humana, enquanto possuidor de “objetos” que estão no mundo para serem percebidos e internalizados pelos seres humanos. O universo reificado pontua a hierarquização dos saberes, refere-­‐se ao universo do objeto, das coisas. Segundo o autor, consiste em parte integrante e inerente às relações de conhecimento do mundo moderno. No entanto, sua maior estima enquanto objeto de estudo está voltada para o universo consensual, que seria o universo do pensamento mágico, das ideias, onde circulam os significados, se formulam conhecimentos e onde, consequentemente a isto, se articulam e se efetuam práticas cotidianas de interação e relações imbricadas no ambiente social. Esta “estima”, conforme pontuamos, não se refere a um envolvimento emocional com o tema, conforme pode parecer, mas traz a ideia de implicação afetiva (no sentido de afetar, provocar efeito) voltada para a motivação de encontrar em meio a tantos dilemas e discussões na área da ciência, o lugar do sujeito, do indivíduo e do social enquanto elementos efetivos de construção do conhecimento. Moscovici une a visão de sua definição do universo consensual com a particularidade e característica das representações sociais em transformar o não-­‐
familiar em familiar: Em seu todo, a dinâmica das relações é uma dinâmica de familiarização, onde os objetos, pessoas se acontecimentos são percebidos e compreendidos em relação a prévios encontros e paradigmas. Com resultado disso, a memória prevalece sobre a dedução, o passado sobre o presente, a resposta sobre o estímulo e aas imagens sobre a “realidade”(...) essa consciência é usada também como um critério para avaliar o que é incomum, anormal e assim por diante. Ou, em outras palavras, o que é não-­‐familiar (2003, p.55). Esta dinâmica das relações pode ser entendida como uma espécie de “tradução” de algo que não é comum ao conhecimento de um determinado grupo. Este movimento implicaria numa certa estratégia de sobrevivência frente ao que é novo, visto que conformando-­‐o ao que já é conhecido, torna a convivência e a compreensão mais aceitáveis e “suportáveis”. Todo este processo se voltaria para o estabelecimento de um equilíbrio frente a algo que vem de fora, algo diferente, que provoca desarmonia e instabilidade nos esquemas conceituais que o grupo já possui. Encontramos referência bem próxima e análoga à teoria de Piaget sobre a construção do conhecimento quando ele cita a necessidade do organismo em assimilar e acomodar novos conhecimentos a fim de restabelecer o equilíbrio que foi desestabilizado diante do novo conhecimento adquirido pelo indivíduo. Da mesma forma, “as representações sociais constituem campos de saber em movimento que, por meio de processo de comunicação, empregam a ancoragem e a objetificação para tornar o não-­‐familiar familiar” (JOVCHELOVITCH, 2008, p.108). Os dois processos geradores das representações sociais, a ancoragem e a objetivação, são similares aos processos de assimilação e acomodação descritos na Epistemologia Genética formulada por Piaget. Moscovici, no entanto, aprofunda e particulariza os conceitos através de uma aplicabilidade psicossocial no entendimento da formação das representações sociais. Destaca que “o primeiro mecanismo tenta ancorar ideias estranhas, reduzi-­‐las a categorias e a imagens comuns, colocá-­‐las em um contexto familiar” (2003, p.60), enquanto que “o objetivo do segundo mecanismo é objetivá-­‐los, isto é, transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferir o que está na mente em algo que exista no mundo físico” (idem, p.61). O autor coloca que o processo de classificar, nomear determinada coisa que pareça estranha à primeira vista, o que consiste na ancoragem, permite que ela entre em um campo de aproximação e de aceitação dentro de algo que já pode ser reconhecido com base em uma referência anterior. “Ao nomear algo, nós o libertamos de um anonimato perturbador, para dotá-­‐lo de uma genealogia e para incluí-­‐lo em um complexo de palavras específicas, para localizá-­‐lo, de fato na matriz de identidade de nossa cultura.” (idem, p.66). Ela opera no sentido do pensamento conceitual, ligando, referenciando os novos conhecimentos num sistema pré-­‐existente (Sá, 2007). A ancoragem dá sentido ao objeto, aproxima-­‐o daquilo que já se conhece. A ancoragem, desta forma, consiste num movimento de se trazer o que não se conhece para o universo conhecido. A objetivação, segundo Moscovici, consiste em “reproduzir um conceito em uma imagem” (2003, p.71-­‐72). Ela dá forma à representação, tornando-­‐a parte da realidade existente, simboliza figurativamente o conceito, dando-­‐lhe concretude, tornando-­‐o como que palpável. Ela está relacionada à atividade perceptiva no processo de formação da representação social (Sá, 2007). A objetivação tem uma construção seletiva. Tem certa propriedade de “cortar e colar”, num processo de esquematização. Esse movimento reconfigura as características e cria uma nova representação, transforma um objeto solto, disperso, em algo único, em objeto específico. E a partir daí se naturaliza o objeto. Estes dois processos caracterizam a formação das representações sociais. Ambos fazem parte do pensamento natural, diferente do pensamento científico, que tem outros cânones e objetivos. Moscovici (2003) coloca que a concentração de seus estudos é na emergência das representações sociais, por considerar ser o processo de transformação o momento ideal para que os fenômenos sejam percebidos com mais clareza. A TRS considera os conhecimentos em sua especificidade, sem delegar julgamento de valor a estes. Não considera um tipo de conhecimento como superior ao outro, mas destaca cada um em sua essência e na escala de importância que representa àquele meio social. Daí a ruptura de Moscovici tanto com Piaget quanto com Durkheim – ambos partem de uma concepção evolucionista do pensamento – para o primeiro, as estruturas do pensamento infantil eram inferiores ao pensamento adulto, tendo o organismo que alcançar a maturidade evolutiva a fim de alcançar o pensamento lógico, que seria o mais completo e “ideal”; para o segundo, o pensamento primitivo seria uma forma mais elementar do “pensamento civilizado”. O que se preconizava nestes teóricos era a substituição de um pensamento mais elementar por um pensamento mais elaborado. Inspirado por Lévy-­‐Bruhl, Moscovici se opõe a este tipo de entendimento, defendendo a coexistência de diversas formas de pensar, baseado na compreensão da existência de diversos tipos de racionalidade, regidas cada qual por suas peculiaridades. Assim, entende as representações construídas na vida cotidiana como um tipo sui generis de pensamento. Para ele, as representações sociais eram irredutíveis a outras formas de pensamento. Elas contêm uma racionalidade cuja lógica obedece a regras diferentes, que devem ser avaliadas em sues próprios termos e sem referência a um padrão absoluto (JOVCHELOVITCH, 2008, p.105). Teóricos como Vygotsky e Freud também influenciaram as concepções desenvolvidas na TRS. A teoria vygotskiana reforçou especialmente a questão da descontinuidade na transformação entre modalidades de saber, pressupondo coexistência ao invés de substituição. Também exerceu grande identificação com a TRS o fato de se considerar que o social tem profunda interferência nas mudanças mentais dos indivíduos, que se constituem como seres sócio-­‐históricos. A questão da visão da interferência dos processos culturais nos comportamentos dos indivíduos trouxe o reforço da compreensão de que o indivíduo é atravessado e atravessa os processos socioculturais na estrutura em que está inserido. A teoria freudiana traz sua contribuição à medida que “traz à tona os trabalhos de interiorização, os processos pelos quais as representações passam da vida de todos para a vida de um, do nível da consciência para o nível do inconsciente” (idem, ibidem, p.116). Daí vemos a ponte que Moscovici faz para a interface entre o individual e o coletivo, a forma como o pensamento pode ser único, do indivíduo, e como ele passaria a fazer parte do coletivo, sendo compartilhado por uma grande comunidade, passando a fazer parte da representação coletiva do grupo, ficando meio que “inconsciente” quanto a sua influência na tomada de decisões e práticas cotidianas. Outra influência de singular importância é a compreensão de que as construções psicológicas têm efeito de ação concreta no mundo exterior. (...) o imaginado e o desejado são tão reais quanto o concreto. Compreender uma construção psicológica, mesmo que peculiar e bizarra, possui uma realidade e uma lógica própria e necessita ser reconhecida é central à teoria das representações sociais; ela é central ao estudo dos saberes em contexto e é central para a construção de uma teoria dialógica do que define a racionalidade do conhecimento e das visões de mundo (idem, ibidem, p.117). Diante destas contribuições teóricas se constitui a TRS baseada numa concepção de que o conhecimento passa por transformações conforme os indivíduos do meio social tenham o sentimento de pertença a ele. Desta forma, as representações sociais são perpassadas pelas vivências, hábitos culturais, simbolismos e significações locais daquela comunidade. O indivíduo, enquanto participante, constituinte e constituído pelo social, confere ao saber uma característica de interpretação peculiar, uma racionalidade particular, mas autêntica, baseada nos significados que atravessam aquela cultura e as vivências que atravessam o seu cotidiano -­‐ a transformação se dá a partir dos processos de comunicação, conforme podemos ver nos estudos de Moscovici. Jovchelovitch aponta para a “centralidade da comunicação na produção de representações” (2008, p.89). A Teoria das Representações Sociais tem um duplo compromisso – com o social e o individual (idem, p.90). Pontua a dimensão simbólica das representações, que expressa visões particulares do mundo, identidades e imaginações específicas, e a dimensão social das representações: (...) o poder da realidade social de enquadrar nosso pensamento individual adquire a força de um ambiente simbólico. (...) Inúmeras questões inter-­‐
relacionadas permeiam o corpus conceitual da teoria. Elas incluem o papel do social na constituição do conhecimento, o papel da função simbólica na formação do conhecimento do senso comum (ibidem, idem). A pertença do indivíduo a determinado meio social interfere de modo determinante a produção de saberes e a construção do conhecimento. A pertença vem a priori, não o conhecimento: “Os fenomenólogos mostraram que antes mesmo de podermos pensar em conhecer nós pertencemos: nós partimos da pertença, não do conhecimento” (ibidem, p.91). Daí termos a consciência de que o social, o pertencimento, a significação do todo, constrói saber, constrói o conhecimento ao invés de poluí-­‐lo, como defendiam as ideias advindas da Psicologia Social que defendia a “tradição cognitiva do conhecedor individual, ao separar indivíduo e contexto, confirma a visão de que o verdadeiro conhecimento é uma conquista da de-­‐socialização – visão é parte do legado cartesiano e da própria concepção da psicologia moderna” (ibidem, ibidem). A tradição fenomenológica vem se contrapor a isto – cujo legado a teoria das representações deve muito. O sujeito produz o conhecimento enquanto ser individual, no entanto, ele carrega em si contexto multidimensional, que se refere a uma localização no social, na sua cultura, sendo referenciado também num contexto histórico. As representações sociais, segundo Moscovici, constroem a realidade e não apenas a representam ou retratam, se constituindo enquanto fato social. A teoria consiste em um estudo do pensamento do senso comum; é um estudo do cotidiano. A linguagem é central no estudo das representações sociais porque pelo que é dito, através da interação, é construída a representação. Na interface entre o individual e o social, no cerne do senso comum, situa-­‐se o estudo das representações sociais. As representações sociais não se configuram simplesmente por presentificar algo que está ausente, mas imprimem uma dinâmica de caracterização, interpretação e delimitação de ações e práticas sociais de determinado grupo. Conforme JODELET (2001), as representações sociais (...) nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-­‐se frente a eles de forma defensiva, “portanto”, (...) orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais (p.17,22). Sendo assim, muito mais que um simples reflexo da realidade vivenciada pelos indivíduos, as RS fazem parte do processo ativo de construção de identidade do grupo, tendo papel fundamental na coesão dos indivíduos pertencentes àquele meio social, assim como na condução e prescrição de comportamentos, ações, julgamentos e formação de identidade grupal. As representações têm também por função situar os indivíduos e os grupos no campo social [permitindo] a elaboração de uma identidade social e pessoal gratificante, ou seja, compatível com sistemas de normas e de valores social e historicamente determinados. (...) A referência às representações como definindo a identidade de um grupo vai por outro lado desempenhar um papel importante no controle social exercido pela coletividade sobre cada um de seus membros, em particular nos processos de socialização (ABRIC apud BASSANI, 2007). Como vemos em Berger e Luckman (1983) a realidade é socialmente construída, através de interações face a face estabelecidas cotidianamente pelos indivíduos de determinado meio social. Sendo assim, a realidade é um fazer contínuo baseado nas vivências dos indivíduos, em construções e desconstruções ocorridas conforme a os processos cotidianos de mediação entre os sujeitos, especialmente através da linguagem e da comunicação. Os aparatos para o indivíduo sobreviver a este meio em que se insere são pressupostos básicos para sua vivência em comunidade – ele se adapta e se relaciona com as normas, convenções e ditames construídos em conjunto com os demais. O julgamento de comportamentos inadequados também se baseia nas próprias construções dos indivíduos, fazendo valer acordos ora explícitos ora implícitos que permeiam as relações indivíduo-­‐meio. Diante disto, vemos que as representações sociais têm um duplo papel: ao mesmo tempo em que é estruturada pela sociedade é estruturante dela, pois dela parte e para ela se volta a partir do momento em que emerge dos discursos e interações, mas também apresenta características determinantes em relação ao meio ao qual se refere, a partir do momento em que podem ser consideradas como “modalidades de conhecimento prático” (SPINK, 1993), direcionadas a decisões sobre ações, mapeamento de atitudes e levantamento de aspectos valorativos do comportamento. Moscovici aponta para o fato de que as representações tanto intervêm em nossa atividade cognitiva quanto a determinam também, o que reforça a discussão apresentada no parágrafo anterior. O autor frisa duas funções das RS: Em primeiro lugar, elas convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos que encontram. Elas lhe dão uma forma definitiva, as localizam em uma determinada categoria e gradualmente as colocam como um modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um grupo de pessoas. Todos os novos elementos se juntam a esse modelo e se sintetizam nele. (...) Em segundo lugar, as representações são prescritivas, isto é, elas se impõem sobre nós com uma força irresistível. Essa força é uma combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado. (MOSCOVICI, 2003, p.34 e 36 – grifos do autor). As representações sociais estão fortemente imbuídas do social com a particularidade de considerar as individualidades, tanto na formação das representações quanto na prescrição que elas apresentam ao modus vivendis dos indivíduos. A iniciativa e aprimoramento teórico de Moscovici refletem uma busca tanto no sentido de realocar o indivíduo enquanto sujeito do conhecimento – reconhecendo que é atravessado pelo social e, portanto constitui e é constituído por ele – e de reabilitar o senso comum, de dar-­‐lhe status epistemológico, credibilidade no sentido de ser compreendido como meio legítimo de produção de saber. “Moscovici se engajou e, um “entendimento dos entendimentos” concebendo as representações construídas na vida cotidiana como um tipo sui generis de pensamento.” (JOVCHELOVITCH, 2008, p.105). Diante deste enquadramento teórico, o senso comum, o cotidiano – o cerne das representações sociais – é considerado como um meio de produção de formas de pensar que coexistem com a ciência, não se configurando como inferiores nem superiores. Esta concepção dá espaço para o reconhecimento da diferença como aquilo que ela é e não como aquilo que ela deixaria de ser se fosse o que “devesse ser”, ou seja, não comparada a um padrão absoluto, mas referenciada e valorizada em seus próprios termos. Esta definição se baseia na afirmação e na crença de que o conhecimento é produzido sempre em um contexto – ele está imerso em um momento histórico, político e social e, sendo assim, é atravessado por uma ideologia, uma característica peculiar àquele momento pelo qual a sociedade e os indivíduos nela inseridos passam. Sendo assim, defende que o conhecimento é produzido por indivíduos que estão em interação constante uns com os outros – desta interação entre o individual e o social – surgem as representações sociais, que permeiam as vivências, os discursos e até mesmo a caracterização de determinado grupo. A fenomenologia da vida cotidiana, contudo, se interessa pela legitimidade de tais saberes e das dimensões que eles expressam identidades, práticas, relações, tradições culturais e a história de uma comunidade (...) Nesse sentido a teoria das representações sociais luta contra a ideia de que o conhecimento cotidiano é distorção e erro: pelo contrário, ela tenta recuperar o status epistemológico dos saberes ligados à vida cotidiana e ao senso comum e “entender os entendimentos” que eles expressam. (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 87 e 88). Pode-­‐se afirmar que o posicionamento de Moscovici dentro desta discussão está bem delimitado no conceito de polifasia cognitiva, que ele mesmo formulou e que aqui, foi referenciado por Jovchelovitch (2008): “A polifasia cognitiva refere-­‐se, pois a um estado em que diferentes tipos de saber, possuindo diferentes racionalidades, vivem lado a lado no mesmo indivíduo ou coletivo” (p.125). Tal definição pontua a variabilidade de sistemas de saber, tornando relevante e indispensável o entendimento da diversidade como pressuposto inerente à necessidade de compreender as diferentes formas que o conhecimento assume e as racionalidades diversas que lhe sustentam. A teoria das representações sociais, (...) toma, como ponto de partida, a diversidade dos indivíduos, atitudes e fenômenos, em toda sua estranheza e imprevisibilidade. Seu objetivo é descobrir como os indivíduos e grupos podem construir um mundo estável, previsível, a partir de tal diversidade (MOSCOVICI, 2003, p.79). Partindo do princípio de que “todo conhecimento é ao mesmo tempo simbólico e social” (JOVCHELOVITCH, 2008, p.88), podemos compreender que a diversidade é intrínseca ao processo de construção de saberes, visto que o simbólico é sempre composto por vários sujeitos que compõem este simbólico, a nível individual, e que o social tanto permeia quanto é permeado por este fluxo de representações. No que tange ao desenvolvimento da teoria e ao movimento atual de quebra de paradigma da hegemonia da racionalidade científica, a constatação da diversidade como elemento basal da sociedade contemporânea e a abertura do diálogo entre as diversas racionalidades possibilitarão a produção e valorização dos saberes em contexto, ampliando os horizontes de uma nova concepção de ciência. O reconhecimento da diversidade nas lógicas contidas em visões de mundo e da coexistência de diferentes racionalidades no mesmo grupo de pessoas não apenas elimina muitos dos efeitos deformadores das construções cêntricas, mas também contribui para ampliar a sabedoria da razão, para a produção de uma razão que, em vez de negar, é capaz de comunicar-­‐se com suas próprias diferenças (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 126). As diversas racionalidades levam-­‐nos a refletir sobre as diversas subjetividades que compõem o locus social. No entanto, leva-­‐nos também a buscar compreender como o individual se manifesta, atravessa e é atravessado pelo social em suas diversas possibilidades e necessidades de atuação na dinâmica de interação com os demais indivíduos. Esta atuação é uma escolha? É premeditada ou ditada pelo meio social ou pelo próprio indivíduo? As representações que dão significação ao exterior têm impacto sobre aquelas que refletem a sua subjetividade? O sociólogo Erving Goffman (2009) apresenta um conceito sobre representação do eu utilizando a perspectiva da representação teatral, através da qual situa princípios e caracteriza as interações sociais entre indivíduos. Seu enfoque é baseado na “micro-­‐
interação”, se destinando ao seu estudo dentro do contexto de um pequeno grupo num dado momento e num determinado espaço. No meu entender, este trabalho serve como uma espécie e manual que descreve detalhadamente uma perspectiva sociológica a partir da qual é possível estudar a vida social, principalmente aquela que é organizada dentro dos limites físicos de um prédio ou de uma fábrica (p.9). Partindo desta premissa, o foco do autor vem ao encontro do objetivado em nosso estudo: micro-­‐interações na sala de aula e no espaço físico da escola. O conceito de representação do eu vai se delineando com base num caráter dramatúrgico que busca refletir sobre as necessidades de atuação do indivíduo nas interações que estabelece em seu meio social. Encontramos no conceito de Erving Goffman, o mote da nossa pesquisa quando o autor trabalha a representação do eu na vida cotidiana, enfatizando a necessidade do indivíduo em desempenhar vários papéis durante sua vida e a forma como ele desempenha cada papel em cada cenário que se lhe apresenta: os embates e enlaces das interações que se entrecruzam com as demandas sociais. Aqui destacamos o palco principal: a escola; o papel principal: o de aluno; os coadjuvantes ou espectadores: os colegas de turma, os professores, a direção da escola – as partes de poder instituído dentro dos muros da instituição. As representações do eu no cotidiano, no encontro entre as subjetividades, segundo Goffman, são muitas vezes, dirigidas intencionalmente no sentido de refletir uma imagem considerada pelo indivíduo como a mais adequada para aquele momento e para aquele meio social no qual está inserido. O autor denomina como região de fachada aquela em que cada indivíduo elege a melhor forma de refletir sua imagem: “Fachada, portanto, é o equipamento expressivo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação” (GOFFMAN, 1985, p.29). Compondo todo o contexto da proposta de análise das interações e da representação do eu através de uma perspectiva dramatúrgica, impele-­‐nos também a buscar observar, conhecer e compreender não apenas o espetáculo em si, mas também os bastidores, como Goffman denomina -­‐ aquele local em que os atores deixam suas máscaras e podem exercer o seu papel mais espontaneamente, sem ter que responder ou corresponder a alguém ou a alguma demanda social: Foi dito antes que quando a atividade de alguém se passa na presença de outras pessoas, alguns aspectos da atividade são expressivamente acentuados e outros, que poderiam desacreditar a impressão incentivada, são suprimidos. É claro que os fatos acentuados aparecem naquilo que chamei de região de fachada; deveria ser igualmente claro que pode haver outra região – uma ‘região de fundo’ ou ‘dos bastidores’ – onde os fatos suprimidos aparecem. (...) Aqui é onde as ilusões e impressões são abertamente construídas (idem, ibidem, p.106). Em geral, porquanto, a conduta dos bastidores é aquela que admite pequenos atos, que podem facilmente ser tomados como símbolos de intimidade e desrespeito pelos outros e pela região enquanto a conduta da região de fachada é aquela que não admite tais comportamentos eventualmente ofensivos (idem, ibidem p.121). Baseando-­‐nos nestes aspectos, buscaremos a investigação sobre a interface entre a representação social da escola e a representação do eu. A preocupação com o indivíduo na formação de sua identidade enquanto aluno e na constituição de sua subjetividade direciona nosso horizonte para uma perspectiva de compreensão sobre as complexas relações interpessoais em sala de aula que possam ser contributivas para a constituição deste sujeito. No entanto, estas reflexões também estão imbuídas por fatores macrossociais, políticos e ideológicos, assim como representações sociais que permeiam e norteiam as relações interpessoais vivenciadas pelos indivíduos que compõem o cenário da sala de aula. Estes são atravessadas por questões que vão além do “aqui e agora” da interação. Entendendo que as subjetividades se constituem em contínua relação com o outro, ou seja, na interação, instiga-­‐nos também estudar como a construção do conceito do outro – baseado no “ideal moderno” -­‐ atravessa as relações e práticas educacionais. Ao refletir e dialogar sobre a Educação e, mais especificamente, sobre o cotidiano da escola, é importante fazermos um movimento de interface entre a macro e microanálise dos fatores que envolvem a dinâmica do ato educativo. Para Bhabha, considerar a diversidade pura e simplesmente não garante a “diferença em igualdade”, mas sim cria um “falso consenso”, uma “falsa convivência” (DUSCHATZKY e SKLIAR, 2001). O falso consenso traz certa sensação de harmonia e acolhimento que impede a clareza de visão sobre a diferença e os efeitos sociais e econômicos advindos desta. O entendimento da diferença enquanto lugar de enunciação e narrativa da cultura provoca inquietação frente à estabilidade da sociedade na sua concepção sobre a diversidade. Trazer para a retórica o conceito de diferença como tal desestabiliza o discurso de falso consenso, propicia a visibilização e a viabilização da “diferença em igualdade” como mola propulsora da mobilização para a mudança. Igualdade esta que não significa mesmidade, mas justiça, equidade. Diversidade e diferença: dois lados de uma mesma moeda. A primeira, configurando estabilidade, harmonia, mesmidade; a segunda, turbulência, inquietação, alteridade em ebulição. Discutindo sobre o conceito de diferença trazido por Bhabha (2007), deparamo-­‐
nos com o discurso de que a demarcação da diferença se dá pela regulação e não pela emancipação. Daí os embates da escola diante do outro que não quer se conformar. Diante do outro que quer fazer valer a sua diferença, ter o seu “direito à narração” e expressão, fazer valer a sua cultura. Permitir falarem as vozes: as vozes da educação. Permitir que o outro se represente enquanto eu, enquanto subjetividade. O conceito de diferença, conforme proposto por Bhabha, é um lugar de enunciação, de narração – onde os sujeitos têm liberdade de vez e voz, onde têm seu espaço para narrar-­‐se a si mesmo, narrar sua cultura, narrar suas vivências, seus lemas e dilemas. O entendimento e a valorização do indivíduo enquanto ser existente e atuante no mundo leva em conta a expressão de sua significação, de sua cultura, de sua alteridade. É importante considerar as representações mentais dos indivíduos, as ideias sobre o outro, o entendimento das situações humanas de conflito. A imagem que elaboramos de nós mesmos em relação aos outros. E esse é o terreno da educação (Sacristán, 2003, p.49). A escola precisa ser vista como outro espaço. Talvez precise ouvir do outro qual é o seu lugar; talvez precise dar voz à diferença para que ela própria diga qual é a sua temporalidade e sua espacialidade. Deve dar o direito à narração, possibilitando uma interlocução que possibilite um entendimento e entrecruzamento de linguagens. Procedimentos metodológicos A pesquisa do cotidiano escolar e dos processos educacionais tem a peculiaridade de se realizar meio a uma dinâmica intensa de interações e construção de significados. Considera-­‐se, nesta conjuntura, ser essencial uma investigação imbuída da contextualização da realidade vivenciada pelos sujeitos do processo educativo. É de extrema importância a inserção da pesquisa no dia a dia da escola, para que os significados que dele emergem possam ser vivenciados também no processo de pesquisa e entendidos à luz do contexto macro e micro social do qual a escola faz parte.
Na perspectiva de estudar o cotidiano escolar a partir da ótica dos próprios integrantes deste contexto, utilizamos como referencial metodológico a investigação de base qualitativa e de cunho etnográfico. Buscamos, através desta metodologia, enfatizar “os aspectos subjetivos do comportamento humano e preconiza que é preciso penetrar no universo conceitual dos sujeitos para poder entender como e que tipo de sentido eles dão aos acontecimentos e às interações sociais que ocorrem em sua vida diária.” (ANDRÉ, 1995, p.18). Consideramos como importantes fontes de coleta de dados a observação participante, a descrição densa dos fatos observados e entrevistas semiestruturadas, que são instrumentos que constituem a abordagem etnográfica de investigação. A proposta da etnografia é que o pesquisador atue como um observador perspicaz e atento aos acontecimentos, interações e significações do locus de estudo. Daí entendermos como uma proposta de investigação propícia às questões de pesquisa. Diante do impacto que as representações sociais têm sobre o comportamento dos sujeitos que compõe determinada realidade e diante da dinâmica do cotidiano escolar, a abordagem etnográfica se apresenta como instrumento para “desvelar os encontros e desencontros que permeiam o dia-­‐a-­‐dia da prática escolar, descrever as ações e representações dos seus atores sociais, reconstruir sua linguagem, suas formas de comunicação e os significados que são criados e recriados no cotidiano do seu fazer pedagógico” (ANDRÉ, 1995, p.41). O locus da pesquisa é uma escola da rede municipal na periferia da cidade do Rio de Janeiro. Os sujeitos da pesquisa são alunos com idade entre 14 e 17 anos, matriculados no 9º ano do ensino fundamental. A entrada no campo de pesquisa se deu no segundo semestre de 2008. Neste período foi iniciada a observação de sala de aula. Para captar as representações sociais dos alunos sobre a escola, foram aplicados questionários de Evocação Livre de Palavras. Ao todo, foram aplicados 69 questionários. Os dados obtidos serão processados pelo software EVOC, que permite a visualização do quadro de quatro casas, que reflete a estrutura da representação social do termo indutor destacando a forma como os indivíduos representam, no caso desta pesquisa, a palavra escola. Considerações finais A possibilidade de observar e acompanhar o cotidiano dos alunos permitiu uma visão da dinâmica da escola e da sala de aula, as relações de poder envolvidas no processo de ensino-­‐aprendizagem, o papel representativo de cada professor colaborador, da direção da escola e dos demais colaboradores. Desta forma, além de poder ver os alunos, em geral e alguns em destaque no contexto da sala de aula, pôde-­‐se entender um pouco mais da dinâmica da instituição como um todo e como esta interferia em cada sala de aula. A abordagem etnográfica, assim, permite uma visão do campo das representações, do texto e do contexto dos indivíduos, do meio em que estão inseridos. As respostas colhidas através do questionário de evocação livre permitiram, ainda que de forma bem incipiente, uma visualização das concepções que os alunos têm sobre a escola. Em continuidade à pesquisa serão realizadas entrevistas etnográficas a fim de aprofundarmos os dados coletados durante a observação participante e nos questionários de evocação livre e explicitarmos o campo representacional que envolve os atores sociais integrantes da pesquisa. A análise dos dados será realizada através do método indutivo e ferramentas de análise de discurso, baseados na teoria de Laurence Bardin. Empregaremos o uso de vinhetas etnográficas a partir das descrições e interpretações dos dados de campo, acompanhadas de material de ligação e interpretação consubstanciadas ou não por elementos teóricos, no intuito de ilustrar os resultados da pesquisa. Referências ALVES, Walcéa Barreto. A Reflexividade na Pesquisa Etnográfica. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-­‐Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2003. ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da Prática Escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995. 128p. BASSANI, Elizabete. Representação Social: Conceito e Funções. Disponível em: <http://www.neaad.ufes.br/subsite/psicologia/obs12elizabete.htm> Acesso em agosto de 2007. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2006. BERGER, Peter L. e LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade: Tratado de Sociologia do Conhecimento. Tradução de Floriano de Souza Fernandes. 5a edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1983. 247p. BHABHA, Homi K. Ética e Estética do Globalismo: Uma Perspectiva Pós-­‐Colonial In BHABHA, H. K . et all A Urgência da Teoria. Lisboa: Edições Tinta da China, 2007. p.21-­‐
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311X1993000300017&script=sci_arttext&tlng> Acesso em agosto de 2009. REPETÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO ETNOGRÁFICO Suziane de Santana Vasconcellos Este texto foi elaborado a partir de um estudo de abordagem etnográfica que foi realizado em uma 1ª série (2º ano) do Ensino Fundamental de uma escola pública do estado do Rio de Janeiro com o intuito de discutir o fenômeno da repetência a partir da perspectiva dos sujeitos da pesquisa, docentes e alunos(as) de uma classe de repetentes, criada exclusivamente no ano de 2008 para atender esses alunos(as) que passaram pela experiência da repetência, entre uma a cinco vezes. A repetência pode ser compreendida a partir de vários pontos, uma vez que é fenômeno de difícil análise. Portanto, buscamos primeiramente compreender esse fenômeno a partir de estudos acadêmicos já realizados para em seguida abordarmos o estudo de cunho etnográfico que realizamos. Tanto na literatura acadêmica quanto no ‘senso comum’, este conceito é expresso por um conjunto de duplas de palavras opostas; reprovação & aprovação; frequência & evasão; promoção & repetência. Entretanto, seu significado no âmbito do sistema escolar, está relacionado a pelo menos dois processos, que estabelecem uma relação tempo e espaço dentro da escola: o primeiro, é de continuidade, pois durante o período letivo, alunos são aprovados, reprovados, frequentam ou não; e o segundo é de transição entre períodos escolares, momento em que os alunos são promovidos para a série seguinte, repetem e cursam a mesma série no ano seguinte ou evadem-­‐se por absenteísmo (ALVES; ORTIGÃO; FRANCO, 2007, p. 163). Para entender a importância de um estudo sobre a repetência é necessário mostrar alguns dos dados nacionais, reveladores da dificuldade do sistema educacional em combater a repetência escolar. Análises do IBGE (BRASIL, 2009) mostram que a taxa brasileira de repetentes para o último ano do Ensino Fundamental é de 78,0%, e que este número se concentra na população urbana e rural mais pobre do País (LA CONCLUSIÓN, 2004 apud IBGE, 2009, p.43). O documento oficial explica que os padrões na relação entre o acesso, a progressão e a conclusão nesse nível de ensino são assimétricos. Explica ainda que altas taxas de repetência escolar no país são comuns para os países latinos, pois, em 2006, a taxa de retenção na última série do Ensino Fundamental era de 98.0%, para Cuba e Venezuela, e de 80,0%, para Equador e Bolívia. O documento também serve como um indicador que permite estimar quantos alunos, de um determinado grupo, iniciam a primeira série do Fundamental e alçam à última série, assim como serve 88 para avaliar o número de anos que os alunos despendem para concluírem este nível de ensino (BRASIL, 2009). No entanto, a comparação entre alguns países revela que a situação do Brasil pode ser considerada confortável, se comparada às taxas desses países, tal como pode ser observado no gráfico 2.10, apresentado no documento (idem, p. 430). De outra feita, dados da UNESCO (2010), combinando repetência e evasão escolar na America Latina, revelam que uma vez considerado outro corte estatístico, a taxa para o Brasil fica em torno de 24%, seguido da Guatemala, com 14,9%, e do Peru, com 10,2%. A argentina apresenta 5,9% de reprovação e de evasão, as menores taxas ficaram para Bolívia e Chile, com 2,4% e Cuba, com 1,9%. Concluindo, o Brasil lidera o ranking da repetência e da evasão escolar. Estes dados apontam ainda a existência de um grande número de alunos fora da escola, o que representa cerca de 2,4% da população nessa faixa etária, ou seja, algo em torno de 680 mil alunos não têm acesso à escola. Outro indicador para medir a repetência escolar foi criado recentemente pelo sistema educacional brasileiro, é o Índice do Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Criado em 2005, esta avaliação nacional aponta resultados desalentadores para o sistema do ensino nacional. Embora tenham se expandido nos anos noventa, as políticas educacionais compensatórias e assistencialistas, tais como: a promoção automática, a progressão continuada, a aceleração da aprendizagem, o sistema de ciclos e a bolsa família, os índices do IDEB (quadro II) indicam a inoperância, em curto prazo, destas políticas. Vale lembrar que procuramos, ao longo deste estudo, compreender a repetência em sua complexidade, caracterizada, dentre outros fatores, por revelar instância das interrelações entre alunos, escolas e famílias (ORTIGÃO e ALVES, 2005). Um dos pressupostos é o de que a reprovação afeta a autoestima e a motivação do aluno, contribuindo para que o mesmo se sinta incapaz de atender às exigências da escola. Embora esses dados sejam reveladores da natureza da repetência, nas interações de sala de aula, em particular, e nas interações entre os alunos e a escola, os alunos e suas famílias e entre as famílias e a escola, pesquisas anteriores exploraram o tema e podem contribuir para o entendimento do mesmo. Estudos desenvolvidos por Ribeiro (1991) e Patto (1999) são marcos teóricos importantes que servem de ponto de partida para essas análises. Eles tratam da repetência e do fracasso escolar, permanecendo como referências obrigatórias para os estudos sobre repetência. Entretanto, nos trabalhos de Pazello (et al, 2005) e Klein (et al, 2009) é que podemos encontrar indicadores sobre os sujeitos da repetência, além de suas percepções sobre a forma como é construída. Ribeiro (1991), em seus estudos sobre a repetência, no início dos anos noventa, revela que é a repetência, e não a evasão, a vilã do fracasso escolar, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O autor afirma que a prática da repetência está inserida na pedagogia educacional. O autor investigou ainda a distorção idade/série, atribuindo à repetência o peso de ser uma das causas deste processo. Na época, o estudo de Ribeiro (idem) indicou que, na primeira série do Ensino Fundamental, a repetência era mais grave e preocupante, do que nas demais séries deste nível de ensino. Ele afirmou que a possibilidade de um ‘aluno novo’ ser aprovado na primeira série é quase o dobro daquele que já sofreu reprovação, o que significou dizer que a repetência levava à repetência, melhor dizendo, quando um aluno é reprovado, ele aumenta sua probabilidade de novas reprovações. Outra pesquisa realizada por Patto (1990), nos anos noventa, partiu do pressuposto teórico da determinação histórico-­‐social. Esta pesquisa utilizou dados de observações e entrevistas com alunos repetentes, de uma escola pública da periferia da cidade de São Paulo, bem como entrevistas com suas famílias. Neste estudo a autora explica que o fracasso escolar está historicamente estruturado nas ações dos participantes envolvidos na escola. A pesquisa de Ribeiro (1991) e a pesquisa de Patto (1990) sustentam as explicações para o fracasso escolar em pesquisas atuais. Assim, para entender o fracasso escolar é preciso entender a repetência. As explicações e definições de Pzello et al (2005) trazem uma contribuição, nesse caso, repetentes são aqueles que cursam uma mesma série, após terem sido reprovados por avaliação ou por frequência. Para Klein (et al, 2009) a repetência e a frequência, na mesma série do ano anterior, seja por qualquer motivo, são os elementos que definem se um aluno é repente. Relacionar a repetência à avaliação e à frequência é uma definição limitada sobre o tema. De acordo com Klein e Fontive existem outros motivos que podem levar à reprovação do aluno, como os já apontados por Patto. Entre esses motivos destacamos o fato de que a repetência e a multirreprovação geram a distorção idade-­‐série. Esta pode ser definida como o distanciamento entre a idade entendida como adequada para cada série, nas diferentes formas de organização do processo de escolarização. O MEC considera dois anos ou mais, como uma medida para a distorção idade-­‐série no Brasil. Esta questão tem sido acompanhada pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) que tem como objetivo sistematizar informações que permitam avaliar a evolução da qualidade da educação, desde os anos noventa, informações que vem sendo utilizadas principalmente pelo Ministério da Educação e pelas secretarias estaduais e municipais de educação, na definição de ações voltadas para a melhoria dos índices da escola básica problema. O sistema de avaliação da educação básica também aponta para a definição e direcionamento de recursos técnicos e financeiros às áreas consideradas prioritárias, visando à redução das desigualdades educacionais. O SAEB, criado pela Portaria n.º 931, de 21 de março de 2005, é composto por dois processos: a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC). Da mesma forma, os pesquisadores discutem que a reprovação deriva de diversos fatores, tais como: a renda familiar, a quantidade de alunos em sala de aula, o nível educacional da família, a baixa autoestima e as desigualdades socioeducacionais (GOUVEIA, 2000; CRAHAY, 2006, 2007; ORTIGÃO e ALVES, 2005). Além disso, Mattos (1992) afirma haver diversas nuances da repetência e que estas contribuem para o crescimento do fracasso escolar. Pesquisando repetentes (com um histórico de cinco anos ou mais), a autora concluiu que a repetência pode estar relacionada à desorganização da escola, à fraca formação de professores para lidar com os alunos, ao desinteresse de alguns alunos sobre as atividades escolares. Ela afirma que o fracasso escolar pode levar à morte de jovens, pois entre quarenta e nove (49) jovens participantes de sua pesquisa, dezenove (19) foram assassinados, antes de completarem vinte (20) anos (2007). Outras explicações sobre a decisão pela repetência estão relacionadas à tradição meritocrática da escola, que atribui ao próprio aluno, à responsabilidade pelo seu desempenho. Desta forma, a baixa e /ou insuficiente qualificação do aluno, ou seja, o não domínio do conteúdo estabelecido para a série cursada, é atribuído, por exemplo, à sua capacidade intelectual, obtendo ou não um desempenho adequado. E a falta de conhecimento passa a ser um objeto individual de cada aluno. Neste caso, a estratégia é de “culpar a vítima” (RYAN, 1971; DUBET, 2003). Com isso, a “cultura da repetência” (EARP, 2006) está presente sistematicamente no sistema escolar, lembrando que quase sempre ela não oferece opções aos repetentes para a superação de suas dificuldades. A reprovação afeta o processo de escolarização e é vista no plano econômico como um fato difícil de ser resolvido. Barros; Mendonça (1998) afirmam que o custo por aluno reprovado, tanto para a família quanto para o sistema público, funciona como um bloqueio à escola de qualidade. Góis (2003, p.01) afirma que a repetência, não só prejudica o aluno, como também gera um alto custo para o governo, pois se o aluno leva dez anos, ao invés de nove, para concluir o Ensino Fundamental, “o poder público terá de investir 25% a mais nesse aluno, para que ele consiga atingir o nível de ensino desejado”. Os custos da reprovação no Brasil podem ser observados em um levantamento, com base nos dados do Ministério da Educação (MEC), calculado a partir das estatísticas mais recentes, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Com base nesses dados é possível afirmar que o Brasil pagou, ou ainda paga, dez bilhões e seiscentos milhões de reais pela reprovação, pois os investimentos, por aluno, na educação básica, ficaram em torno de mil e quinhentos reais (R$ 1,5 mil) por aluno. Considerando o fato de que mais de sete (07) milhões de alunos sofreram reprovação, no ano de 2005, o país precisou repetir o gasto feito com eles (R$ 10,6 bilhões) no ano seguinte. Deste modo, Góis (2005) afirma que o governo gasta muitos recursos para fazer à mesma coisa. Contudo, o foco da repetência, nesta dissertação, não é o econômico, e sim o educacional, uma vez que a repetência é um problema que permanece sem solução na educação nacional. A repetência pode ser considerada positiva para a aprendizagem do aluno, pois de acordo com Mazzotti (2003) podemos pensar nela como parte do processo pedagógico, nesse caso, uma característica do sistema escolar brasileiro. Neste sentido o autor afirma que a reprovação tem a função de suprir deficiências, atuando como uma nova oportunidade para o aluno fixar conceitos não aprendidos. Apontando, assim, os fatores positivos da reprovação. Segundo Alexander (1999), a repetência pode ser positiva, caso seja aplicada corretamente, visando determinados alunos como, por exemplo, os alunos que apresentam dificuldades específicas de aprendizado, com habilidade e maturidade emocional inadequadas à sua idade cronológica. De acordo com o autor, esses alunos podem ser favorecidos por um tempo adicional de aprendizado proporcionado pela reprovação. Barros; Mendonça (1998) afirmam que: o aprendizado de um aluno com nível de conhecimento muito inferior à medida da sua turma seria dificultado e, portanto, a reprovação e a subsequente repetência iriam favorecer melhor adequação do conhecimento deste aluno ao do grupo ao qual pertence, possibilitando o seu melhor desempenho (BARROS; MENDONÇA, 1998, p.11). Neste sentido, o pertencimento a um determinado grupo “mais homogêneo” serve como justificativa para a reprovação. Deste modo, Barreto; Sousa (2004) também falam que a reprovação é aprovada pela maioria dos professores, para garantir a aprendizagem do aluno, neste caso a reprovação serviria de motivação para aprender. A repetência tem como objetivo, neste caso, de “diferenciar os alunos que sabem dos que não sabem” (BARRETO; SOUSA, 2004, p. 16). Outro fator positivo apontado para a repetência é que ela pode contribuir para disciplinar os alunos para fazer com que eles realizem as tarefas escolares. Como afirmam Barreto; Sousa (2004): a não reprovação é acusada de: provocar a desqualificação do ensino e da aprendizagem, sucatear a escola, desvalorizar o trabalho do professor, tirar a sua motivação para ensinar e a do aluno para estudar e realizar as tarefas escolares, provocando maior indisciplina. Como consequência, denuncia-­‐se estar, a escola, diplomando analfabetos, e os governos, divulgando as taxas de aprovação como evidência de melhoria de qualidade de ensino, sendo que estes têm como alvo a economia de recursos, que decorreria da extinção da reprovação (BARRETO; SOUSA, p.16). A partir da fala dos autores é possível perceber que eles veem de forma crítica a reprovação, denunciando aspectos políticos e econômicos, alvos das políticas educacionais que já mencionamos. A reprovação tem pontos negativos e estes prevalecem sobre os positivos, que visam, por exemplo, correlacionar repetência com a baixa autoestima e aos estigmas atribuídos ao aluno. A baixa autoestima e os estigmas são apontados ainda por Erick From, (1992) e Goffman (1993), como fatores que contribuem para o fracasso escolar. A baixa autoestima pode influenciar o risco de repetência, quando alunos que gostam de determinada matéria são comparados com outros que não gostam, mas estão em risco de serem reprovados (ORTIGÃO; ALVES, 2005). Barros; Mendonça (1998) analisam o aumento da possibilidade de repetência, vista como um indício de que a cada nova reprovação, o ambiente daqueles chamados “alunos repetentes” ficaria ainda mais restrito, modificando as relações deste aluno dentro e fora da escola, modificando o clima escolar para o repetente. Como demonstramos uma vez estabelecido um ciclo vicioso de repetência, ele pode resultar no fracasso escolar. Crahay (2006) observa que nos anos que se seguem à repetência, as dificuldades vão sendo aprofundadas, assim como desempenho desse aluno, que geralmente não apresenta melhoras expressivas capazes de confirmar a positividade da repetência. Neste sentido, Freitas (2007) explica que a repetência é um antigo problema que leva à exclusão, agora unida a outras tantas, mais recentes, desenvolvidas pelo sistema educacional. Além disso, o autor afirma que a reprovação, como parte da exclusão escolar, possui novas formas que estão sendo implementadas nos sistemas escolares e sobre estas não se tem muito controle e conhecimento. Sendo assim, “as novas formas de exclusão atuam agora por dentro da Escola Fundamental. Adiam a eliminação do aluno e internalizam o processo de exclusão” (FREITAS, 2007, p.973). É uma exclusão pela inclusão que exclui, isto é, o aluno é incluído no sistema, mas na aprendizagem é reprovado, sendo assim excluído do processo educacional que promove a inclusão, ou ainda, uma inclusão numérica. A repetência pode ser causada por diferentes fatores e observada por diferentes ângulos e em nossa pesquisa percebermos que fatores como absenteísmo, violência, exclusão dentre outros poderiam contribuir para o processo que leva a repetência. A exclusão da classe de repetentes Em 2008 pela primeira vez na escola João Pedro IX 44 foi criada uma turma para atender apenas os alunos repetentes da 1ª série do ensino fundamental. Essa turma era composta por 15 alunos e 06 alunas e de acordo com a diretora da escola a turma foi criada para os alunos e alunas que tivessem o mesmo nível de aprendizagem e tinha como objetivo auxiliar o desempenho destes alunos. Entretanto, para outros docentes essa turma não poderia alcançar o objetivo esperado uma vez que os alunos eram vistos como repetentes com sérias dificuldades de aprendizagem. Neste sentido, a supervisora da escola revela que ficou chocada a obter a informação de que foi criada uma turma com esse perfil: “Eu cheguei aqui, eu fui informada que a turma era formada de alunos repetentes com sérias dificuldades no aprendizado, tanto na leitura, como na escrita. Então pra mim foi choque, né? E saber que a professora que pegou a turma, é uma professora inexperiente no sentido de que ela nunca havia pego uma turma nesse, nesse nível, realmente é assustador, né? Tanto para ela, como pra mim, como pra qualquer pessoa.” (Supervisora Márcia-­‐ durante entrevista) A supervisora ficou apreensiva uma vez que ela entendeu que a turma era problemática e por isso diferente das demais turmas. Em entrevista ela afirma que auxiliou durante um período a professora Maria, professora responsável pela turma de repetentes, pois ela era responsável por “uma turma problemática” que os outros professores não eram. Outros docentes também apontavam a turma de repetentes como um “problema” para escola. Durante o conselho de classe a professora Janaina define que “os alunos 44
Nome fictício para preservar o nome da escola e de todos os sujeitos participantes da pesquisa.
repetentes são desinteressados e bagunceiros”. E para a professora Clarisse os alunos repetentes da 1ª série eram “desestimulados, então eles fazem da aula um “auê”. – Já que eu não sei nada, eu vou atrapalhar a aula. É uma forma deles chamarem a atenção da gente.” A professora Maria fala do problema da turma de repetentes e revela que em nenhum momento foi esclarecido para professora Maria que se tratava de uma turma de repetentes da 1ª série. A professora Maria ainda afirma que: “Quando me entregaram essa turma, me falaram assim: Maria, o problema dessa turma é o comportamento. Então está ótimo, se é só comportamento, está ótimo. Mas não era só o comportamento. Era o aprendizado deles, era o conteúdo deles. Eles não tinham base nenhuma. E não era uma turma de alfabetização, ou que é só o nível dois. Eram mesclados: tinha um pouquinho de alfabetização inicio, um pouquinho de meio, e um pouquinho de final de alfabetização. Então eu tinha que trabalhar com três planejamentos. ... Então esse ano foi bastante complicado, foi bastante estressante, corrido”. Portanto, é possível perceber que já existia um pré-­‐conceito sobre a turma de repetentes, onde os alunos e alunas eram considerados problemas, com isso, muitos deles eram estigmatizados e excluídos pelos docentes da escola e pelos próprios alunos. Neste sentido, duas alunas afirmam, durante entrevista, que tiveram dificuldade para se relacionarem com os colegas da turma de repetentes. Raquel, aluna multi -­‐
repetente, revela sua dificuldade com os demais colegas de sala e explica que faltava as aulas, pois “não gostava de vir pra escola não... não gostava não, era muito ruim... porque os garotos estavam querendo me bater, e minha mãe não mandava eu vir pra escola.” A aluna também afirmou não gostar de alguns alunos da classe, pois eles viviam a perseguindo. Segundo a professora Maria esta aluna apresentou um grande índice de faltas e dificuldades de aprendizagem principalmente na escrita ao longo do ano. Flávia, aluna repetente, revela durante entrevista que preferia ficar na turma antiga, pois tinha amigas e enquanto nessa ela não falava com ninguém por que ninguém queria conversar com ela. Ela também afirma que não gosta dos colegas de classe porque todos batiam nela e ninguém deixava ela brincar -­‐ “Porque quando eles estão brincando eu quero brincar e eles não deixam” (Flávia em entrevista). Esta aluna passou o ano letivo de 2008 isolada dos demais alunos e de acordo com a professora Maria, Flávia apresentou dificuldade de aprendizagem na leitura e na escrita. A fala das alunas contribuiu para percebermos o incomodo das mesmas em permanecer na classe de repetentes, uma vez que elas eram perseguidas e excluídas pelos demais alunos. Durante a nossa pesquisa não foi possível perceber qual o real propósito na formação da turma de repetentes, visto que, a mesma tinha o objetivo, de acordo com a diretora, de reunir os alunos com o mesmo nível de aprendizagem, entretanto, percebeu-­‐se pela fala de alguns docentes que a classe de repetentes era uma classe com alunos que apresentavam diferentes níveis de aprendizagem e com diferentes distorções idade-­‐série. Além disso, a formação desta classe proporcionou um pré-­‐conceito por parte dos docentes e dos próprios alunos. A turma de repetentes não permaneceu nos anos decorrentes, e não foi esclarecido o motivo da desistência na continuação da turma. Portanto, podemos concluir que a criação da classe de repetentes pode ter contribuído para o surgimento de conflitos, tais como: o estigma e a exclusão escolar, fatores estes que, como vimos anteriormente, podem contribuir para o processo que leva a repetência e sucessivamente para o fracasso escolar. A partir do estudo da classe de repetentes levantamos algumas possibilidades relacionadas à repetência com o intuito de discuti-­‐la e consequentemente contribuir para pesquisas que busquem compreender este fenômeno. Referência ALVES, F.; ORTIGÃO, I. A Repetência escolar e os diferentes tipos de capital: um estudo a partir dos dados do SAEB -­‐ 2001. 28ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. Caxambu, MG, 2005. ANGELUCCI, C. B.; et al. O estado da arte da pesquisa sobre o fracasso escolar (1991-­‐
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e violação dos direitos humanos, que são indicadores de desigualdades vivenciadas nos sistemas carcerários e de internação para o cumprimento de medidas socioeducacionais. Neste artigo apresentam-­‐se os resultados referentes a situação de vulnerabilidade vivenciada pelas jovens, mulheres nas instituições de privação de liberdade e a percepção que mulheres e jovens têm da educação, dentro e fora dos espaços de privação. É importante ressaltar que esses temas se entrelaçam nos relatos das participantes, de modo interdependente, evidenciando um emaranhado de desigualdades e dificuldades na vida das participantes. O tema educação foi recorrente durante as entrevistas e análise dos dados, seja a educação formal, oferecida pela escola regular, ou não formal, oferecida por meio de cursos de formação profissional, arte, informática, ou qualquer outro realizado nos espaços de privação. Essas atividades eram percebidas pelas jovens e mulheres como uma das formas de reinserção social, além do trabalho. A educação e o trabalho são apontados como meios que favorecem a reinserção social. Sobre a escola na prisão, a equipe de pesquisa foi informada que, embora a frequência à escola gere “tempo de remição da pena”, o trabalho é considerado pelas mulheres como mais atrativo por render maior tempo de remição e, em alguns casos, dinheiro. No caso das jovens infratoras, a escola é obrigatória na instituição. A 45 As vulnerabilidades fazem com que não se possa viver com um mínimo considerável de dignidade humana. Quando se tem acesso aos serviços sociais básicos, raramente seus direitos são respeitados, impossibilitando que o sujeito possa exercer sua condição de cidadão de fato. certificação é considerada pelas jovens como uma forma de reinserção social. Elas acreditam que as certificações podem favorecer e/ou facilitar o acesso delas ao mercado de trabalho. As situações de vulnerabilidade e contingência, vivenciadas dentro e fora dos espaços de privação de liberdade, são descritas como fatores que afastam jovens e mulheres da escola. Dentre os motivos apontados por elas para terem abandonado a escola estão: os filhos e a família; ter entrado na “vida do crime” – como elas explicam –; o uso de drogas; a necessidade de trabalhar; problemas vivenciados na escola, como brigas com colegas, professores e múltiplas reprovações. No que se referem aos motivos para não frequentarem a escola na prisão, destacaram: a falta de estímulo e/ou desejo; estar grávida e/ou ter tido o filho na prisão; angústia e depressão decorrentes da situação de privação; e necessidade de trabalhar para reduzir o tempo de condenação. A partir dessas considerações, este artigo pautou-­‐se nos seguintes questionamentos: (1) Como os estudos e pesquisas têm apresentado a educação de jovens e mulheres em espaços de privação de liberdade? (2) Qual a natureza das percepções das mulheres em espaços de privação de liberdade sobre seu percurso educacional? A partir desses questionamentos aborda-­‐se a situação educacional de jovens e mulheres em privação de liberdade. Estudos e pesquisas que tratam da educação de jovens e mulheres privadas de liberdade e os relatos das jovens e mulheres sobre seu percurso educacional. Acredita-­‐se que a reflexão sobre essa temática poderá contribuir para a promoção de melhorias educacionais nesses espaços, especialmente, por serem informações acessadas a partir das percepções das jovens e mulheres em privação de liberdade. A abordagem etnográfica crítica de pesquisa A abordagem etnográfica crítica e o sociointeracionismo (MATTOS; CASTRO, 2011) serviram como bases metodológico-­‐epistemológicas para a realização da pesquisa, a partir dessas bases toma-­‐se como foco principal dessa pesquisa um grupo específico – as jovens e mulheres em privação de liberdade. Neste sentido, a análise realizada permitiu a compreensão desta cultura como um todo e, ao mesmo tempo, como uma cultura singular, visto que o encarceramento consiste em uma situação particular e temporal de um grupo de pessoas excluídas da sociedade por força da Lei. Para a realização de uma pesquisa com tais características esses princípios foram atendidos dentro das limitações impostas pelo ambiente de pesquisa, cujo acesso e permanência foram complexos e, de certo modo, cercados de cuidados por parte dos pesquisadores quanto, por exemplo, à segurança da equipe e dos dados coletados. A preocupação com os dados coletados se deu por serem estes de natureza sigilosa, pessoal e sensíveis, com indicativos de um descompasso entre o que é idealizado como direitos aos seres humanos e a realidade vivenciada pelas jovens e mulheres em privação de liberdade. Para a realização do estudo foram selecionadas jovens e mulheres em privação de liberdade como sujeitos primários. Os nomes das instituições e dos sujeitos foram modificados mantendo o compromisso ético da pesquisa de preservar a identidade dos participantes. O loci de estudo foram três instituições sendo duas penitenciárias femininas no Rio de Janeiro, que chamaremos neste artigo de Penitenciária que acolhe as mulheres presas com filhos recém-­‐nascidos; a Penitenciária Feminina do Rio de Janeiro, unidade de regime fechado no Rio de Janeiro; a Penitenciária Feminina de Brasília, unidade de regime fechado em Brasília e uma instituição para cumprimento de medida socioeducativa de internação, que chamaremos Getúlio Vargas (GV). Como instrumento de pesquisa utilizou-­‐se a entrevista etnográfica (MATTOS, 2011) para a obtenção dos dados com duração de tempo variando entre 40 minutos e 2 horas registradas em áudio e vídeo e, posteriormente, transcritas. As oitenta entrevistas realizadas permitiram que as jovens e mulheres relatassem suas percepções e apreensões quanto às suas vidas, de modo claro e pertinente para os objetivos da pesquisa. Complementar a pesquisa de campo foram analisadas leis e documentos de registro educacional, incluindo a vida escolar, os resultados semestrais de aproveitamento, a infração cometida, o número de reincidências e a vida familiar. Para realizar a análise dos dados, optou-­‐se pelo método indutivo e os procedimentos contínuos e progressivos. As questões foram sendo reformuladas a partir das análises realizadas e dos resultados obtidos, de modo a garantir não somente a objetividade, como também para tentar conservar a subjetividade tanto dos participantes quanto de cada membro da equipe de pesquisa, em especial dos pesquisadores que realizaram as entrevistas etnográficas. A cada semana de visita ao campo, os dados foram colocados em uma dimensão crítica para fins de reformulação e compreensão. As entrevistas foram assistidas em reuniões coletivas com a equipe e redimensionadas de acordo com as questões e objetivos da pesquisa. Assim, foram sendo ajustados os mecanismos de questionamento para que o foco do trabalho fosse aprimorado com o decorrer das entrevistas e das visitas. A situação educacional em privação de liberdade: estudos e pesquisas A verificação de produção acadêmica relacionada ao tema -­‐ Educação em Privação de Liberdade -­‐ realizou-­‐se por meio de busca em bases de dados online e em bibliotecas para compor uma análise bibliográfica sobre como tem sido tratada a educação de jovens e mulheres. Essa busca sobre o tema educação de mulheres presas originou um total de sete artigos acadêmicos e oito teses e dissertações sobre esta temática. Por este motivo essa busca foi ampliada para as categorias: educação prisional; prisão; gênero; maternidade no cárcere; prisão de mulheres e jovens infratores. Foram encontrados um total de 74 artigos científicos e 61 teses e dissertações sobre esses temas, que foram organizados nas seguintes categorias: •
74 artigos científicos organizados nas categorias: educação de mulheres presas (sete artigos); educação prisional (21 artigos); gravidez no cárcere (cinco artigos encontrados); prisão de mulheres (31 artigos) e jovens infratores (dez artigos encontrados). •
61 teses e dissertações de mestrado organizados nas categorias: educação de mulheres presas (oito teses e dissertações); educação prisional (15); jovens infratores (13); mulheres presas (19) e prisão (seis). Especificamente sobre educação de mulheres presas essa busca resultou na seguinte distribuição entre teses, dissertações e artigos científicos: cinco dissertações de mestrado (BRAUNSTEIN, 2007; DA SILVA, 2006; GRACIANO, 2005; MANZATO, 2007; OLIVEIRA, 2008) e duas teses de doutorado (GRACIANO, 2010; NONATO, 2010). Esses números denotam a atualidade do tema no campo da educação. Dos artigos científicos, sete discutem a temática sobre educação de mulheres privadas de liberdade (GRACIANO; SCHILLING, 2008; ANJOS, 2006; CUNHA, 2010; GOMES, 2011; OLIVEIRA, NONATO, STAUDT, 2009; DA SILVA, 2009a; DA SILVA, 2009b; TAVARES, BÁRBARA, CARVALHO, 2008). Destaca-­‐se sobre essa análise bibliográfica que, as teses, as dissertações e os artigos encontrados são relativos a estudos dos últimos sete anos. Não foram encontrados trabalhos anteriores ao ano de 2005. Como afirma Graciano e Schilling (2008), a produção acadêmica sobre educação prisional é bastante recente, o que denota a invisibilidade desse tipo de educação. Conforme observado em pesquisa bibliográfica, o tema não foi objeto de estudo nas pesquisas acadêmicas referentes à educação de jovens e adultos nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Apenas a partir de 2000 foram identificadas algumas poucas teses e dissertações de mestrado (BOLETIM EBULIÇÃO, 2006). Entre as obras pesquisadas, verifica-­‐se que o marco referencial é a possibilidade de instrumentalização da educação para a ressocialização, ou reeducação ou reinserção social (p. 112). No que se refere a essa modalidade de educação, Braunstein (2007), em sua pesquisa de mestrado sobre a trajetória e práxis em uma unidade prisional destinada à prisão de mulheres, destaca, dentre outros aspectos, a importância de dar visibilidade a essa temática no âmbito das políticas públicas, da criação de uma execução penal especial para a mulher privada de liberdade, assim como a importância da aplicação de penas alternativas. O autor afirma que se deparou em sua pesquisa com a dificuldade de encontrar bibliografia referente ao tema, o que “indica ainda persistir certa invisibilidade da questão do encarceramento de mulheres no conjunto da produção acadêmica e científica” (BRAUNSTEIN, 2007, p. 16). Sobre a criação de políticas públicas de educação para o público de jovens e adultos, Graciano e Schilling (2008) afirmam que, desde a década de 1940 até o ano de 2005, nenhuma ação pública realizada pelo governo federal, para este público específico, chegou à prisão por meio do Ministério da Educação. A falta de orientação do governo federal colabora para a falta de controle externo das atividades realizadas nos estados, o que “contribui de maneira decisiva para as arbitrariedades praticadas nos Estados” (p. 115). A ausência de ações reforça a invisibilidade da educação nos espaços prisionais, sobretudo de jovens e mulheres. A dissertação de Tavares (2011) investigou a produção, circulação e recepção de um jornal produzido por mulheres privadas de liberdade no Rio de Janeiro. Dentre os resultados da pesquisa, e que alerta para a invisibilidade da educação nos espaços de privação, está o fato de que o tema educação não era comum nos textos do jornal. O que, de acordo com a autora, demonstra o quanto a temática ainda está distante da vida dessas mulheres. Segundo Tavares (2011, p. 116), muitos fatores afastam as mulheres da escola da prisão. Dentre eles, destaca que “às vezes, preferem apenas o trabalho, por este oferecer maior tempo de remissão e por haver algumas complicações burocráticas quanto ao aliar remissão por estudo e por trabalho” (p.116). Graciano (2005) investigou a efetivação do direito à educação escolar a partir da noção contemporânea de direitos humanos em sua dissertação de mestrado. A autora realizou entrevistas com mulheres que frequentavam a escola em uma penitenciária feminina em São Paulo. A autora relata uma série de impedimentos para o cumprimento da obrigação de oferta de educação escolar nas prisões por parte do Estado, como a falta de incentivo para as mulheres frequentarem a escola, o que, segundo a autora, torna difícil acreditar que a escola na prisão tenha sido construída para ser frequentada e valorizada pela população carcerária (p. 135). Ainda segundo a autora: A especificidade da condição das pessoas encarceradas deve ser considerada na formulação dos projetos político-­‐pedagógicos, levando em conta suas necessidades e anseios conjunturais e futuros. No entanto, não pode justificar a ausência de material didático, indefinição e falta de controle sobre a carga horária; oscilação constante quanto à definição dos educadores; precariedade no processo de certificação, entre outros aspectos (GRACIANO, 2005, p. 136). Ainda que a escola na prisão necessite de investimentos, de recursos materiais, de profissionais especializados, os pesquisadores Graciano (2005, 2010), Oliveira (2008), Nonato (2010), Braunstein (2007), Tavares (2011) e Da Silva (2006) são unânimes em afirmar que a escola é um importante espaço de mudança da realidade dessas mulheres. Como afirma Graciano (2005): Expostas a uma situação limite, as mulheres que frequentam a escola na prisão são levadas a atos-­‐limite (...), de transformarem a possibilidade da educação numa fonte de resistência da sua condição humana ou, como forma de preservar sua dignidade humana, conforme determina a noção contemporânea dos direitos humanos (GRACIANO, 2005, p. 133). Nonato (2010), em sua tese de doutorado – sobre a oferta de educação superior em uma penitenciária feminina em Porto Alegre – destaca que o processo de formação das mulheres no contexto do cárcere contribui de forma significativa tanto para as mulheres presas, quanto para uma “maior humanização dos funcionários envolvidos na experiência educativa” (p. 08). A autora (2010, p. 196) destaca que a inserção das mulheres privadas de liberdade no ensino superior colabora para a problematização e o posicionamento dessas em suas vidas, no entanto, “essa mudança que ocorre num dimensão pessoal não é suficiente para mudar a realidade social encontrada no cárcere” (p. 196). A falta de investimento em políticas públicas de educação, apresentadas no estudo de Nonato (2010) abre espaço para a oferta de atividades educativas pela sociedade civil e voluntários no interior das instituições de privação, objeto de estudo de Graciano (2010) que investigou, em sua tese de doutorado, as parcerias entre o Estado e sociedade civil nas prisões de São Paulo. Graciano (2010) alerta para a necessidade de que sejam criados critérios claros para o destino de recursos públicos para a efetivação de convênios do Estado com organizações da sociedade civil. Segundo a autora, diante da fragilidade da oferta, muitas das práticas de educação não formal, incluindo os cursos profissionalizantes, são marcados pela precariedade e pelo improviso. (GRACIANO, 2010, p. 226). A fragilidade da ação do Estado em gerir essas práticas fragiliza as ações por sua “descontinuidade, uma vez que são mantidas com recursos pontuais” (GRACIANO, 2010, p. 228). A participação da sociedade civil nas instituições de privação de liberdade também foi um dos resultados da pesquisa de Tavares (2011). Segundo a autora, um dos fatores revelados nos escritos do jornal é a forte presença de professores voluntários e da sociedade civil na oferta de atividades educativas nas prisões. O que, ressalta a autora, “não se constituem como uma política de Estado que pensa o processo formativo das internas em sua amplitude” (p. 114). Como destacam Oliveira, Nonato e Staudt (2009), a urgência de criação de políticas públicas passa necessariamente pela oferta de educação, sem a qual é difícil enfrentar os processos excludentes que são comuns nos espaços de privação de liberdade. Para as autoras, essa proposta, no entanto, não tem apelo social, devido especialmente ao aumento da criminalidade. A sociedade, de um modo geral, reage de forma negativa a boas políticas públicas de reintegração social. Entendem que a falta de boas políticas de reintegração é uma forma de fazer com que esses sujeitos sofram pelo mau que cometeram a sociedade. “Esquecem, no entanto, que a criminalidade é um fato social, e carrega consigo inúmeras causas, nem sempre de ordem pessoal” (OLIVEIRA, NONATO, STAUDT, 2009, p.208). Ainda segundo as autoras (OLIVEIRA, NONATO, STAUDT, 2009), o investimento em políticas públicas de inclusão para a população privada de liberdade é um aporte para uma nova maneira de contribuir para o atendimento “a grupos minoritários e estigmatizados como o feminino que, em função dos papéis que ocupa, acaba se deparando com o mundo do crime do qual até então vinha se mantendo distante” (p. 207). A análise bibliográfica sobre o tema, apresentado neste artigo, revela que a invisibilidade da situação das mulheres privadas de liberdade está presente no investimento em políticas públicas para esse grupo específico da população, mas também na própria produção acadêmica sobre a temática. Reverter o quadro de exclusão socioeducacional apresentado nesses estudos é uma tarefa que carece não só de investimento público, mas da necessidade de conhecer e revelar a perspectiva das jovens e mulheres privadas de liberdade sobre o que elas entendem e desejam sobre a escola. Acredita-­‐se que dessa forma será possível confrontar os resultados dos estudos, a proposição de políticas públicas de educação e a atuação da sociedade civil com as reais necessidades das jovens e mulheres privadas de liberdade. No subitem que se segue, apresenta-­‐se os resultados das análises sobre o percurso educacional das mulheres privadas de liberdade no formato de vinhetas etnográficas, apresentando os relatos das jovens e mulheres sobre seus percursos educacionais a partir da fala das próprias mulheres entrevistadas neste estudo. As categorias temáticas suscitadas a partir da análise de dados das entrevistas aparecem imbricadas nas falas das participantes. É possível perceber que uma mesma categoria estará presente na fala de diversas entrevistadas, assim como uma única entrevistada levanta diferentes categorias que são relevantes para a compreensão do objeto de estudo da pesquisa. O percurso educacional de jovens e mulheres privadas de liberdade: uma história de interdições O percurso educacional das jovens e mulheres entrevistadas neste estudo é marcado por interdições. O uso de drogas, a exclusão escolar e a gravidez na adolescência são motivos apresentados pelas mulheres e jovens privadas de liberdade para a saída da escola, tendo, em sua maioria, ocorrido no início da adolescência. Fatores como a gravidez precoce, a evasão escolar e a falta de orientação por parte da escola e da família devem ser entendidos de forma associada, pois um elemento não está dissociado do outro nos relatos sobre o percurso educacional das adolescentes. A escola é um espaço importante de interações, agente de transformação, mas também pode ser considerado um locus propiciador de condições que podem possibilitar muitos encontros, não só com o conhecimento. Schenker; Minayo (2005, p. 710) destacam vários aspectos que afastam os jovens da escola, entre eles o uso abusivo de drogas. Para as autoras, “a escola é o espaço privilegiado dos encontros e interações entre jovens. No entanto, mesmo no âmbito educacional, existem fatores específicos que predispõem os adolescentes ao uso de drogas, como por exemplo, a falta de motivação para os estudos, o absenteísmo e o mau desempenho escolar”. O caso de Patrícia é um retrato de como esses elementos estão associados à vida das jovens. Com 17 anos de idade – cumprindo medida socioeducativa de internação – está cursando o 1o ano do Ensino Médio. Grávida antes de ser presa, na época da entrevista (agosto de 2010) tinha acabado de ter o bebê, que ficou morando com ela na instituição. Patrícia estava internada há 2 meses e 10 dias na instituição socioeducativa, onde fez o curso de manicure, teatro, fotografia e bordado. Relata que quando terminar o Ensino Médio pretende fazer faculdade de direito. A história de Patrícia confunde-­‐se com a de outras jovens que abandonam a escola por motivos diversos, dentre eles a gravidez e o uso de drogas. Entrevistadora: Você já ficou reprovada alguma vez? Patrícia: Já. Porque eu parei de estudar tem dois anos. Em um ano eu só fui até a metade da escola, que é a metade do ano. Depois eu não fui mais. Entrevistadora: Que série você estava? Patrícia: No primeiro. Entrevistadora: E por que você quis sair? Patrícia: Porque assim eu comecei a usar droga, aí desanimei. Engravidei também desanimei de ir pra escola. Entrevistadora:– Ah, então você acabou de sair da escola. Patrícia – É. Entrevistadora:– Tem quanto tempo isso? Patrícia – Um ano e meio, porque quando eu comecei a usar droga, eu parei, aí depois eu peguei e engravidei (Fragmento da entrevista realizada na GV com Patrícia em agosto de 2010). Patrícia relata que houve por parte da escola um empenho para que retornasse. No entanto, além do uso de drogas, a participante destaca a falta de motivação para frequentar a escola. Entrevistadora: E quando você saiu, os professores, alguém foi te procurar? Patrícia: O diretor. Ele foi lá em casa atrás de mim perguntar por que eu não estava indo mais pra escola. Aí a minha mãe falou que eu não tava querendo ir. Quanto mais assim, porque eu falava com ela que ia pra escola e não ia. Aí, a minha mãe me deu um esporro. Ela pensou que eu estava indo pra escola. Entrevistadora: Aí você falou o que? Patrícia: Ah mãe não quero mais estudar não, muito chato. Ela mandava eu ir pra escola, eu não ia. Continuei não indo. Entrevistadora: E por que era muito chato? Patrícia: Ah, porque eu enjoei de escola, ficar ouvindo o professor falando, copiando dever é chato. E agora eu quero voltar a estudar para acabar os meus estudos, arrumar um emprego (Fragmento da entrevista realizada na GV com Patrícia em agosto de 2010). Schenker e Minayo (2005, p. 710) destacam que o uso de drogas deve ser entendido em correlação com outros elementos, como, por exemplo, a falta de motivação para estudar. Questionada sobre o que poderia ser diferente na escola para que a escola não fosse “chata”, a participante responde: Patrícia: Sei lá. Não adianta né? Porque escola tudo tem professor, tudo tem que explicar, tudo tem que aturar (Fragmento da entrevista realizada na GV com Patrícia em agosto de 2010). Patrícia reconhece a importância da escola como um espaço que possibilitaria a ela uma integração social de outra ordem por vias da escolarização e do emprego. Por outro lado, a mesma percebe uma impossibilidade de a escola se modificar para dar conta de suas demandas enquanto sujeito da aprendizagem, isto é, ela permanecerá sendo “chata”. Patrícia não vislumbra a possibilidade de mudanças na escola, como ela diz “escola tudo tem professor, tudo tem que aturar”. Os elementos professor e explicar são vistos como imutáveis na dinâmica que envolve o espaço escolar, ao qual ela não gostaria de ter que se adaptar, mas entende que para poder conseguir um emprego e cursar a faculdade de direito tem que se submeter ao modelo escolar vigente. A fala de Patrícia é bastante significativa sobre qual o sentido da escola para as participantes e explica, assim como as demais participantes, que a escola é um espaço importante, mas que elas não querem estudar. Quando a falta de interesse em frequentar a escola junta-­‐se a outros fatores como o uso de drogas, a gravidez e as comunidades de convivência (SCHENKER e MINAYO, 2005), podem produzir uma zona de vulnerabilidade (CASTEL, 2007), provocando a evasão escolar. Este é o caso de Daiane, 25 anos de idade – presa em uma penitenciária feminina no Rio de Janeiro. Daiane estava no 2º ano do Ensino Médio quando foi presa, há quatro anos. Na época da entrevista (agosto de 2010) faltavam sete meses para sair da prisão. O relato de Daiane demonstra que a falta de orientação por parte da direção da escola em que estudou fora da prisão fez com que ela ficasse reprovada por falta quando ficou grávida. Oliveira (1998, p. 4) afirma que o impacto da gravidez na adolescência é maior entre as jovens pobres, que quase nunca conseguem completar a educação básica após o nascimento do filho. Para a autora, a necessidade de trabalhar, a falta de creches para deixar a criança, “o constrangimento e a pressão de diretores, professores, colegas e pais de colegas estão entre os fatores que determinam a saída da escola antes do nascimento do filho” (OLIVEIRA, 1998). A falta de orientação foi um dos fatores que levou Daiane a abandonar a escolar após o nascimento de seu filho, como é possível identificar no relato abaixo: Entrevistadora: você já foi reprovada alguma vez? Daiane: só fui reprovada no ano que eu engravidei, que aí, fui reprovada por falta Entrevistadora: mas você quando engravida você tem direito a ter licença maternidade, você não pediu? Daiane: eu era muito novinha, estudava em colégio público… nem sabia, eu engravidei assim, quase na metade do ano, aí também aquela coisa toda da gravidez, eu já estudava à noite, perdi o interesse pela escola, aquela coisa toda, aí, fui reprovada por falta. Entrevistadora: aí você já perdeu um ano, já podia ter terminado, então? Daiane: pois é, perdi um ano porque estava grávida, depois fiquei um ano inteiro sem estudar, depois quando comecei a estudar, já comecei a fazer o supletivo a noite, porque durante o dia eu trabalhava (Fragmento da entrevista realizada na Penitenciária Feminina do RJ com Daiane em agosto de 2010). A necessidade de trabalhar durante o dia é apontada, ainda, como um fator que dificultou a permanência na escola. No entanto, Daiane conseguiu estudar até o 2º ano do Ensino Médio em uma escola pública estadual, até quando foi presa. O processo de escolarização é, então, rompido com a prisão, embora tanto a escola de fora da prisão, quanto a escola da prisão estivessem vinculadas ao mesmo sistema público de ensino. A comunicação entre as escolas não conta com a interlocução da Secretaria de Educação, órgão que tem como missão assegurar e garantir o acesso, permanência e sucesso dos alunos dentro de sala de aula46. Entrevistadora: Você chegou a frequentar a escola aqui? Daiane: Cheguei a frequentar um pouco aqui e na outra unidade também. Entrevistadora: Porque pra você falta pouquíssimo pra terminar o Ensino Médio. Daiane: Falta e foi interrompido pela prisão. Quando eu fui presa eu tava estudando. Eu fui presa no final do ano, eu já ia terminar, eu fui presa em outubro. Entrevistadora: E você não tinha nota pra ser aprovada? Daiane: Ter até tinha, mas aí eu não fiz as últimas provas, então não tinha como a escola justificar que eu ia passar, porque eu tava presa. Não teria. Entrevistadora: Se você tivesse chegado aqui e terminado, né? Daiane: Não, porque não tinha como, porque na época a gente primeiro vai pra delegacia, depois chega aqui. Na delegacia a gente não tem acesso a escola. 46 Dado disponível na página da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro <http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-­‐id=140730>. Acesso em: 22 de janeiro de 2013. Agora, eu até vi numa reportagem, que agora, na delegacia tem acesso a escola, mas na época não tinha isso. (Fragmento da entrevista realizada na Penitenciária Feminina do RJ com Daiane em agosto de 2010). O relato de Daiane demonstra que os vínculos formados ao longo da vida não foram suficientes para que ela permanecesse na escola. Ao ser presa, instituições como a família, a escola e a prisão não estiveram integradas para orientá-­‐la a finalizar sua escolaridade básica. Com a prisão, Daiane rompe definitivamente com a escola, que estava, antes de ser presa, a dois meses do término. A falta de interlocução entre as escolas também ocorre no caso de Bruna, que cumpre medida socioeducativa de internação, e alega que foi rebaixada de ano quando matriculada na instituição. Bruna, 16 anos – cumprindo medida socioeducativa de internação -­‐ estava cursando o 6o ano do Ensino Fundamental quando foi presa. Está grávida do primeiro filho, e o pai da criança é traficante de drogas, com dois filhos com outra mulher (“ele tá na vida errada, é da boca de fumo”). Mora com a mãe e o padrasto. Tem dois irmãos, um com 22 anos de idade e outro de 18 anos. O mais velho já é casado e tem um filho. O segundo não estuda (“É um vagabundo, não quer nada”). A jovem está cumprindo três meses de medida socioeducativa de internação. É a segunda vez que está cumprindo medida socioeducativa. Na primeira vez pulou o muro da instituição de semiliberdade e fugiu. Decidiu entregar-­‐se para cumprir o resto da medida. No momento da entrevista, cumpria os três últimos meses de internação. Bruna: Prefiro cumprir a medida aqui do que lá no Criam. Eu não gosto de lá não, porque eles dão muita liberdade pros adolescentes, acontece briga direto, acontece que aqui também tem, mas eu acho melhor cumprir aqui do que cumprir lá, mesmo sendo semiliberdade, indo pra casa toda semana, prefiro cumprir aqui do que cumprir lá (Fragmento da entrevista realizada na GV com Bruna em agosto de 2010). O percurso educacional de Bruna é marcado por reprovações, ficou reprovada três vezes na antiga 5ª série do Ensino Fundamental (atual 6º ano), no último ano foi aprovada. Estava cursando o 7º ano quando foi presa e internada na instituição. Bruna conta que começou a estudar com a prima, que tem 16 anos, e na época da entrevista estava cursando o 2º ano do Ensino Médio. De acordo com Bruna as reprovações ocorreram devido ao excesso de faltas e à bagunça. Como pode-­‐se observar no relato transcrito abaixo: Entrevistadora: Você era boa aluna? Bruna: Não. Era boa aluna, mas fazia muita bagunça na sala de aula. Entrevistadora: O que você fazia? Bruna: Coisa de adolescente, que adolescente faz. Entrevistadora: O que adolescente faz? Bruna: Fica falando na sala de aula, não respeita professor, essas coisas. Entrevistadora: E o que que a professora fazia? Bruna: Ué, dava esporro! E quando acontecia alguma coisa de mais, levava pra secretaria. Entrevistadora: E você já foi pra secretaria? Bruna: Ah! Já fui muito já. (...) Bruna: Eu estudava, professora, eu fazia bagunça, mas estudava. Eu estudava muito. (Ficava reprovada) por causa de bagunça, faltava muita aula. Eu fiquei um tempão na mesma série, mas eu sabia. Eu não sou uma menina burra não, fazia vários cursos, várias coisas. (Fragmento da entrevista realizada na GVcom Bruna em agosto de 2010). Questionada sobre a afirmação de que ficava reprovada, porque fazia bagunça, Bruna responde: Entrevistadora: Você acha que professor reprova aluno porque ele faz bagunça? Bruna: Também! Entrevistadora: Mas isso vale ponto, fazer bagunça? Bruna: Vale. Entrevistadora: Mas eles te falavam isso? Bruna: Todo aluno sabe que vale ponto comportamento dentro de sala de aula, respeitar professor, todo aluno sabe. Toda escola tem isso, bom comportamento. (Fragmento da entrevista realizada na GV com Bruna em agosto de 2010). A fala de Bruna demonstra que ela conhece o que a escola espera que os alunos façam. Como destaca Castro (2011, p. 122), os alunos são reflexivos e críticos sobre os processos de tornar-­‐se aluno e estabelecem ao longo da vida escolar uma trajetória de sucesso ou fracasso escolar. Segundo a autora, eles compreendem que para “fazer parte do jogo escolar e se tornarem escolarizados precisam enquadrar-­‐se às normas escolares”. Bruna demonstra conhecer esse jogo e mostra-­‐se conformada com o fato:“tem que estudar para ter um futuro bom, faz parte, fazer o quê?” Bruna: Você não vai conseguir um bom emprego sem o estudo. Não quero só ficar andando pra trás igual eu tô não, mesma série, fazendo a mesma coisa, repetindo a mesma coisa, mesma série sempre, sempre, sempre enjoa”. (Fragmento da entrevista realizada na GV com Bruna em agosto de 2010). O aluno que resiste a jogar esse jogo é punido, pela nota ou pela reprovação. Para reverter a situação de fracassado é preciso enquadrar-­‐se às normas estabelecidas pela instituição. Esse fato manifesta-­‐se de diversas formas nas instituições educativas, sejam elas de privação ou não. Bruna vê na educação e no trabalho meios de “mudar de vida”. Segundo ela, saber que está grávida tem sido um fator favorável para essa mudança. Bruna: Não sei o que eu quero da minha vida, certo. Eu falo que quero fuma, mas não posso falá que eu tô grávida, mas eu vivia falando, quando eu saí daqui vou fuma mermo a minha maconha, vou fuma, não quero sabe de nada. (Fragmento da entrevista realizada na GV com Bruna em agosto de 2010). Na instituição socioeducativa de internação Bruna está frequentando o 5º ano. De acordo com Bruna, houve uma confusão no momento da matrícula e ela acabou rebaixada de ano. Bruna: Porque no tempo que eu tava estudando não existia esse negócio de 5a série, 6o ano não, começou depois, esse negócio de ser 5o ano, 6o ano. Agora 5a série, é 4a, 6o ano é 5a série. Eu tava fazendo a 5a série lá, agora com esse negócio de 5a série é 4o ano, eu tô fazendo a 5a série aqui. (...). É por causa dessa diretora doida, eu falei: diretora não existia isso lá não. Eu tava fazendo a 5a série, passei pra 6a série. Mas não adianta falar com ela, mesmo tendo o meu histórico, 5a série. Mas lá fora eu vou fazer a 6a série, porque só ela que é doida da cabeça. Eu ia fazer a 6a série lá fora (Fragmento da entrevista realizada na GV com Bruna em agosto de 2010). A situação descrita por Bruna é similar à que ocorreu com Daiane. Nas devidas proporções, as duas foram penalizadas pela falta de organização das instituições escolares. Bruna quando diz que foi rebaixada de ano na escola da instituição socioeducativa, e Daiane, por ter sido reprovada por falta quando estava grávida do primeiro filho. Essas instituições estão presentes nos espaços de privação de liberdade, são representativas e têm mediadores dentro do próprio sistema, por meio dos professores, diretores, médicos, psicólogos, assistentes sociais, dos familiares e das próprias jovens e mulheres. No entanto, como afirma Schenker e Minayo (2005, p. 710), falando sobre o uso de drogas: “quando a facilidade da oferta se junta à desorganização social e aos outros elementos predisponentes no âmbito familiar e institucional, produz-­‐se uma sintonia de fatores”. Esta sintonia, no caso das jovens e mulheres privadas de liberdade, afastou elas da escola. A falta de interlocução que ocorre, no âmbito das escolas, entre profissionais da área da saúde e da família das jovens e mulheres, é um aspecto que coloca a jovem em uma zona de vulnerabilidade, que nos casos de Bruna e Daiane fizeram com que elas abandonassem a escola regular. Em contraponto à zona de vulnerabilidade está o que chamamos neste trabalho de zona de contato (TORRE, 2005). A zona de contato é a interlocução positiva e bem sucedida entre essas instituições, representadas pelos seus mediadores, como exemplificam Fox e Fine (2010, p. 11) “os jovens de comunidades e etnias variadas, entre jovens e adultos; advogados, educadores, profissionais da área da saúde e da educação, a própria justiça criminal e a saúde pública”. Entretanto, nesse artigo, utilizamos essas referências, de forma particularizada, quando tratamos a zona de contato mediada por interlocutores como família, escola, posto de saúde, organizações não governamentais, além das próprias jovens e mulheres privadas de liberdade. Embora pertençam ao espaço exterior, esses interlocutores estão presentes de forma organizada e formal nos espaços de privação de liberdade. A mediação positiva entre esses sujeitos, feita de forma representativa, organizada e participativa, compõe uma rede de apoio às jovens e mulheres privadas de liberdade que irá auxiliar efetivamente na sua reinserção social. A zona de contato promove esta interlocução. A instituição socioeducativa e a prisão feminina na perspectiva da zona de contato têm condições de promover a reabilitação socioeducacional das jovens e mulheres privadas de liberdade, pressuposto máximo da utilidade da pena. No entanto, para além da obrigatoriedade legal, está a perspectiva das próprias mulheres sobre a educação que tem nas prisões e a que desejam ter. As mulheres e jovens participantes desta pesquisa declararam que a educação nos espaços de privação de liberdade é um importante instrumento de reinserção social. Elas são unânimes em afirmar que para conseguir um bom emprego é importante terminar a escola. No entanto, ao contrário desse discurso, especialmente nas prisões femininas, o índice de mulheres que frequenta a escola ainda é muito baixo. As participantes deste estudo ainda acreditam na escola e no seu poder de favorecer a reinserção social. No entanto, o modelo de escola vigente não é percebido como local que atenda as necessidades educacionais que elas trazem. Dentre os aspectos que aparecem nos relatos das jovens e mulheres existe um grupo insatisfeito com o conteúdo que está sendo trabalhado na escola e o outro que além de não demonstrar interesse sobre os conteúdos e tarefas desenvolvidas na escola também não parecem compreender o sentido e a necessidade de aprendê-­‐los. Do conjunto de análises apresentadas neste estudo depreende-­‐se a necessidade de propor uma educação que esteja orientada para a realidade dessas jovens e mulheres, possibilitando, assim, a retomada do processo de escolarização e sua conclusão, seja dentro ou fora da prisão. O contato com elas pode ser realizado para viabilizar a construção de políticas públicas que efetivamente cumpram o papel de promover a reinserção social daqueles que, outrora, cumpriram penas restritivas de liberdade ou medidas socioeducativas. Considerações finais Descrever a perspectiva das jovens e mulheres sobre a educação em espaços de privação de liberdade e como são construídas as vulnerabilidades socioeducacionais enfrentadas por elas nesses espaços foram as principais questões que orientaram este estudo. Esse conhecimento partiu da escuta atenta das falas dessas jovens e mulheres nas entrevistas realizadas durante o trabalho de campo, fato que gerou a necessidade de aprofundamento do campo teórico que trata dos temas relativos ao espaço de privação de liberdade e aos sujeitos que permeiam esses espaços. Esses temas versaram sobre a exclusão e os processos que levam à desigualdade, à vulnerabilidade e à marginalização que resultam da dialética entre as instituições e suas interações com os sujeitos sociais. Os conceitos de vulnerabilidade, marginalidade e desigualdade social, expressos neste artigo, partiram dos estudos de Castel (1997) e do entendimento das dinâmicas de exclusão para além do recorte por categorias, ou seja, de que existiria uma forma única de explicar os processos que levam a exclusão social. Neste sentido, concorda-­‐se as palavras de Martins (1997) quando ele afirma que, ao estudar os processos que levam a exclusão é necessário perceber o movimento que impele os sujeitos para fora da vida social, “para fora de suas ‘melhores’ e mais ‘justas’ e ‘corretas’ relações sociais, privando-­‐as dos direitos que dão sentido a essas relações.” (p. 16). É deste movimento que emana a compreensão das histórias dessas jovens e mulheres para os quais se aplicam os conceitos vulnerabilidade, marginalidade e desigualdade social que nos auxiliam a compreender e analisar criticamente a situação de exclusão socioeducacional em que estão inseridas as jovens e mulheres, sujeitos deste estudo. Pode-­‐se afirmar, a partir dos conceitos de zona de integração, vulnerabilidade e exclusão (CASTEL, 1997), que as jovens e mulheres transitam da vulnerabilidade para a exclusão. Essa transitoriedade, vivenciada especialmente nos espaços de privação de liberdade, cuja natureza é excludente, transpõe-­‐se para situações que estão além do próprio contexto de privação. Isso significa que, ao sair da instituição de privação de liberdade, essas mulheres poderão enfrentar um contexto sociocultural e, muitas vezes econômico, que ratifica a condição de “mulher presa”, negando-­‐lhes oportunidades que deveriam ser oferecidas como direito inalienável expresso na própria Constituição Federal e na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos. A negação desses direitos mantém essas mulheres e jovens em uma situação de vulnerabilidade e desestabilização, que pode fazer com que permaneçam instaladas na marginalização social. A desestabilização implica em uma série de rupturas que empurram esses sujeitos para fora dos circuitos das interações sociais e que podem ser representadas pela marginalidade profunda. No que se refere às questões socioeducativas, as desigualdades sociais estão presentes nos espaços de privação de liberdade quando os direitos básicos de jovens e mulheres deixam de ser garantidos, devido à precarização dos serviços oferecidos a elas. Soma-­‐se a isso a própria condição de desigualdade presente no contexto social do qual a maioria das jovens e mulheres é originária e, ainda, pela própria condição de ser mulher em uma sociedade que ainda tenta superar o machismo. Esta condição é marcada pela invisibilidade e pela exclusão socioeducacional a que são submetidas cotidianamente e que se amplia, especialmente, no caso das jovens e mulheres privadas de liberdade, pela banalização do sistema punitivo, pelo autoritarismo e pelas humilhações exacerbadas presentes nas instituições pesquisadas. Sobre esta situação é necessário pontuar que o universo das jovens e mulheres privadas de liberdade caracteriza-­‐se pela ruptura de vínculos familiares, pelo abandono e pelo afastamento de atividades educacionais, sobretudo do ambiente escolar. Os relatos das jovens e mulheres informam que o percurso educacional é, na maioria dos casos, caracterizado por interdições relativas às múltiplas reprovações, exclusão escolar, uso excessivo de drogas, falta de orientação familiar e necessidade de trabalhar. Além desses aspectos, o processo de escolarização costuma ser interrompido pela própria prisão, o que é uma incoerência, pois a educação é um direito social e, portanto, assegurado aos sujeitos que encontram-­‐se privados de liberdade. O discurso sobre a escola nas entrevistas foi marcado pela contradição. Ainda que a educação nas instituições pesquisadas seja vista como um importante espaço de reinserção social, em linhas gerais, elas afirmam que a escola não atende às suas necessidades educacionais. Identificou-­‐se, neste estudo, que para atender as demandas desses sujeitos é preciso reconhecer as jovens e mulheres em privação de liberdade como interlocutoras dos processos de criação e revisão de políticas públicas mais sensíveis a este público. Neste sentido, este trabalho propôs-­‐se a ouvi-­‐las considerando a legitimidade de suas falas sobre a realidade em que vivem e seu percurso educacional. Concorda-­‐se com Julião (2009), ao afirmar que se deve investir “na criação de uma escola para os sistemas de privação de liberdade com uma política de educação que privilegie, sob qualquer custo, a busca pela formação de um cidadão consciente da sua realidade social” (p. 425). Nesta pesquisa, buscou-­‐se ir além, ao adotar-­‐se a visão e a perspectiva das jovens e mulheres como informantes primárias na busca por orientar políticas por uma escola que atenda as suas necessidades. Acredita-­‐se que, assim, elas possam superar a realidade vivenciada na instituição, orientando suas vidas de forma crítica, autônoma e emancipatória. Neste sentido, a educação pode representar “um fio invisível” que liga jovens e mulheres às suas vidas fora do ambiente de privação. Quanto à promoção de políticas públicas de educação, urge compreender a realidade de jovens e mulheres em privação de liberdade, ouvindo-­‐as na tentativa de compreender a situação vivenciada por elas e informando sobre o sistema de privação de liberdade como um todo. O distanciamento entre os sujeitos para os quais se propõem as políticas públicas no Brasil e os que são atendidos efetivamente por elas demarca limites impostos pelas desigualdades sociais e educacionais, especialmente para a população mais pobre. No caso das jovens e mulheres em privação de liberdade, pode-­‐se afirmar, que esse distanciamento é acentuado pela intolerância das instituições, sejam elas a própria família, a prisão, a escola, os hospitais, dentre outras. A essas instituições faltam informações para desvelar a singularidade dos sujeitos, no intrincado processo de descoberta e respeito ao outro. Neste aspecto, a ação dialógica proposta por Freire (1992), que parte do diálogo e colaboração entre os sujeitos, é uma alternativa para a elaboração de políticas de inclusão que atendam de forma mais legítima e menos alienante, a realidade das jovens e mulheres privadas de liberdade. Neste estudo defende-­‐se que qualquer política pública de inclusão social deve ser feita com o sujeito marginalizado, precisando ser pensada e executada a partir da percepção dos próprios sujeitos sobre a situação de exclusão. Não se promove mudança social de fora para dentro, imposta pelos estatutos institucionais. A opção por ouvir essas jovens e mulheres neste estudo partiu do pressuposto de que a estas mulheres tem sido continuamente negado o direito à palavra e, acompanhando esse pressuposto, um princípio sobre o qual se desenrolou todo este trabalho: não se faz pesquisa, nem política pública, nem educação, sem o sujeito para a qual estas ações se dirijam. Referências ALMEIDA, S. M. de. Educação e reinserção social para jovens e adultos privados de liberdade: a experiência do programa Salto para o Futuro. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POBREZA, 2., 2008, Rio de Janeiro. Anais: a situação de crianças e adolescentes na América Latina. 2008. v. 2. p. 1-­‐16. ANJOS. R. A. dos. A Educação de mulheres encarceradas. Linhas, v. 7, n. 2, 2006. Disponível em: <http://www.periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/viewFile/ 1341/1150>. Acesso em: 12 out. 2011. BRAUNSTEIN, Hélio Roberto. 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Luís Paulo Cruz Borges
Este texto trabalha a temática da exclusão social e educacional de alunos das classes
menos favorecidas socialmente e economicamente e abordará a questão da influência da
bagagem cultural desses alunos, ou seja, todo o conhecimento que a pessoa adquiriu durante
as relações e experiências no seu contexto social, em suas trajetórias escolares e se isso
ocasiona uma desvantagem educacional, além de cultural, podendo acarretar o fracasso
escolar. É sabido que a escola e a sociedade dão preferência para a cultura e os conhecimentos
que encaram como relevantes para ela e como consequência ocorre a dominância dessa
cultura sobre todas as outras existentes.
Bourdieu (2002) alerta que a escola e a sociedade são reflexos uma da outra e devido a
isso a exclusão ocorrida dentro da escola é reproduzida na exclusão social e cultural na
sociedade. Percebe-se isso ao entendermos que os conhecimentos elegidos pela escola para
serem ensinados são os conhecimentos julgados necessários para se viver na sociedade. Essa
questão foi retirada de um dos temas abordados na monografia de Bastos (2014), elaborada e
desenvolvida entre os trabalhos do Núcleo de Etnografia e Educação - NetEDU. Foi
considerada relevante, pois apesar de existirem vários estudos e textos sobre a temática em
questão, bagagem cultural, ainda há muitas lacunas a serem preenchidas.
O presente trabalho justifica-se por entender que a sociedade muda de tempos em
tempos seus conceitos, os valores, as ideias, ou seja, não é algo estático, porém, a escola não
está conseguindo acompanhar o ritmo da sociedade em relação a aceitação da pluralidade de
culturas. Por isso esse assunto é importante, tanto para os pesquisadores, quanto para os
alunos e professores, é preciso respeitar as diferentes formas de pensar, de cultura e valores e
entendê-las como possuidoras legítimas de conhecimento. Para este trabalho foram usados os
autores Charlot (2002, 2003, 2009), Bourdieu (1989, 1996, 2001), Borges (2008, 2009),
Mattos (2007, 2009), Duarte (2004) e Leontiev (2004).
Metodologia
Para realizar este trabalho foi utilizada pesquisa bibliográfica com análises de artigos,
textos e livros com uso de análise por mapas conceituais, além de entrevistas
semiestruturadas. De acordo com Mattos et al (2009, p. 6) “As análises dos mapas são feitas
de forma qualitativa, permitindo assim uma relação de significados e significante a sua
construção. Os mapas representam de forma clara o conjunto de conceitos construídos em
uma produção de conhecimento.”
Durante a pesquisa foi percebido que esse tema envolve temáticas relacionadas à
exclusão social/ educacional; inclusão educacional; cultura do aluno frente à cultura da escola.
A partir desta percepção, surgiram termos e temas que se repetiram e, através do método de
comparação, chegou-se ao tema bagagem cultural de Bourdieu (2001), foco deste trabalho.
Diante disso, buscou-se entender o que seria bagagem cultural, como ela é vista na escola,
como essa visão da mesma interfere na aprendizagem e na trajetória escolar do aluno e, por
fim, o que pode e o que tem sido feito para melhorar a situação. O seguinte quadro demonstra
a partir das análises, a justificativa de se estudar essas temáticas recorrentes assim como a
relação delas com o objeto deste trabalho:
BAGAGEM CULTURAL
Exclusão Social
Exclusão Educacional
Ocorre um impasse se devemos ou não tratar todos iguais,
assim como a democracia prevê e como muitas pessoas
querem. Mas se tratarmos todos iguais, isso poderia ser visto
como indiferença às desigualdades existentes na sociedade,
tanto culturalmente, socialmente quanto politicamente e
diante desta situação, poderia ter um aumento do abismo
entre os dominantes e dominados.
Há um questionamento se o que a escola realmente avalia é
a cultura e a linguagem, ou seja, a escola ensina o que não
avalia perpetuando a reprodução social, mas por ser
implícito é considerado um fato natural associar o “bom
aluno” com o aluno que é inteligente quando na verdade não
é apenas inteligente, mas possuidor da cultura culta e
predominante tanto na sociedade quanto na escola.
Inclusão Educacional
A escola é um local específico distante da experiência
cotidiana dos alunos. Não se ensina o que pode aprender na
comunidade, mas deve ser “vinculada à comunidade”
tornando-se “nossa escola” e não “deles”, dos dominantes.
Esse universalismo e especificidade só têm valor se servir
para esclarecer o mundo da criança e ampliá-lo. É difícil,
pois nos dias atuais se preza mais passar no vestibular do
que a compreensão da vida.
Cultura do aluno x A bagagem cultural pode influenciar no processo
cultura da escola
educacional dos alunos se partir do pressuposto de que a
escola ensina apenas uma cultura, apenas uma forma de
conhecimento e aqueles que não o possuem estão em certa
desvantagem culturalmente e por consequência terão uma
desvantagem na hora do ensino-aprendizagem.
Fonte: Bastos (2014)
Foram usados autores como Bourdieu (1989, 1996, 2001), Charlot (2002, 2003, 2009),
Mattos (2007, 2009), Borges (2008, 2009) Duarte (2004) e Leontiev (1978) e suas ideias
serão dialogadas com Bastos (2014). Duarte (2004), baseando-se na ideia de Leontiev (1978)
aborda a questão da cultura acreditando que ela ocorre por meio do processo de apropriação,
ou seja, são reproduzidas no indivíduo “as aptidões e funções humanas historicamente
formadas” (DUARTE, 2004 p. 169). Pode-se entender que é através do processo de
apropriação que ocorre a construção da identidade enquanto sujeito ativo e crítico.
Relacionado a esse processo está a objetivação “pois não há apropriação da cultura se não
tiver ocorrido a objetivação do ser humano nos produtos culturais de sua atividade social”
(LEONTIEV, 1978, p. 272). Entende-se que esses processos se dão pela interação entre os
seres humanos, através da experiência social e uma aprendizagem significativa, onde o sujeito
irá conseguir relacionar o conhecimento que ele está aprendendo com o conhecimento que ele
já possui, conseguindo assim enxergar uma conexão e estabelecer um sentido. Percebe-se
então diante das palavras de Leontiev (1978) que a formação enquanto sujeito é um processo
educativo, podendo ocorrer de forma direta ou não, intencional ou não, porém, esse
aprendizado ocorre por meio de atividades práticas ou explanações orais.
Trazendo para a educação, tais processos são voltados para a formação dos sujeitos e
estes podem ocorrer de forma consciente ou alienada, educativo e intencional onde o aluno é
levado a se apropriar dos conhecimentos que a escola quer transmitir.
Outra temática abordada por Duarte (2004) é em relação à alienação existente na
sociedade capitalista e que acaba se reproduzindo na escola. Ocorre a alienação porque a
escola e a sociedade querem produzir coletivamente um patrimônio, este cultural e intelectual
em todas as pessoas. Porém, algumas não conseguem ou não tem acesso a esse patrimônio,
ocasionando a não apropriação dos conhecimentos produzindo então as desigualdades sociais,
económicas e culturais.
Borges (2008) contribui ao estudo com sua concepção sobre a existência de uma
educação compensatória, que pode ser entendida como o conjunto de medidas políticas e
pedagógicas que visam compensar as deficiências, no caso intelectuais e escolares das
crianças das classes cultural, social e economicamente desprestigiadas, a fim de que elas
tenham oportunidade de ascensão social,
para aqueles alunos que possuem tanto deficit
cultural, quanto social e político. Porém o que ocorre é a exclusão da criança que não
consegue se adaptar ao modelo da escola e ela por sua vez não se enquadra e não aceita a
criança como sujeito da aprendizagem e possuidor de conhecimento tão legítimo quanto ao
que ela quer transmitir. De acordo com Borges (2008, p. 3) “Neste sentido o aluno é visto
como um indivíduo a-histórico e despossuído de qualquer identidade cultural.” Como afirma
o autor, a “teoria da carência cultural” confirma que a cultura influencia diretamente o
desenvolvimento social, psicológico do indivíduo afetando assim seu processo de
aprendizagem.
Mattos (2009) também aborda a questão das teorias sobre o fracasso escolar que
surgiram ao longo das décadas finais do século XX, e indica a teoria da Culpa da Vítima e da
Cultura da Pobreza, como possíveis ideias utilizadas pela escola que culpabilizam os alunos
das camadas menos favorecidas da sociedade por seu fracasso escolar. A autora defende que a
escola deveria servir como um espaço para a construção do conhecimento, socialização e de
comunicação que ocorrem por meio da interação. Mattos (2009, p. 3) acredita que “este tipo
de interação se dá quando o professor se aproxima do aluno a fim de melhor compreender
seus conhecimentos, para que os mesmos possam ser utilizados como ferramentas para
desenvolver atividades que auxiliem a aprendizagem do aluno e consequentemente possibilite
a inclusão deste aluno.” Porém, o que ocorre é que o professor não está levando em
consideração o que o aluno tem a oferecer, então “o professor se distancia do aluno com
dificuldade de aprendizagem, mostrando mais interesse em cumprir o planejamento escolar do
que auxiliar o aluno com um diferente ritmo de aprendizagem resultando, muitas vezes, na
exclusão do aluno com dificuldade de aprendizagem” (MATTOS, 2009, p. 3).
Teorias sobre o fracasso escolar existem, e são várias, entretanto, compartilhando da
ideia do Leontiev (1978), acredito que atribuir aos fatores biológicos (herança genética,
processos neurofisiológicos, hormônios etc.) as diferenças sociais, culturais e educacionais
seja um equívoco. Não nascemos pré-dispostos a algum conhecimento, mas a apropriação que
temos sobre tal campo de atividade, conhecimento é que possibilita que tenhamos cada vez
mais apropriação.
É sabido que o fator que mais influencia no fracasso escolar é a
condição social do aluno. Com base nessa premissa, Bourdieu (2001) salienta que as crianças
dessas classes sociais desfavorecidas de capital cultural, este entendido como as redes de
relações interpessoais que cada um constrói nos ambientes do seu contexto social, com os
benefícios ou malefícios, possuem menos oportunidades de apresentar êxito escolar tendo que
se esforçar em dobro para conseguir tal feito.
Para esses alunos, de acordo com Bourdieu (2001), a escola “tende a ser considerada
cada vez mais, tanto pelas famílias quanto pelos próprios alunos, como um engodo, fonte de
uma imensa decepção coletiva: essa espécie de terra prometida, semelhante ao horizonte, que
recua na medida em que se avança em sua direção (BOURDIEU, 2001, p. 221)”. Diante da
visão que os alunos possuem da escola, Charlot (2002) afirma que:
“O aluno de bairro popular não está esperando uma pedagogia ativa, ele está esperando uma pedagogia segura, que lhe possibilite passar para a próxima série. O ideal do aluno é preencher com cruzes o que é verdadeiro ou o que é falso. Nesse procedimento, há uma chance sobre duas de encontrar a resposta. Esse é o ideal do aluno. Mas, evidentemente, isso é contrário à formação. O aluno está reclamando uma pedagogia sem risco. E, muitas vezes, o professor está tentando fazer uma pedagogia sem riscos também. Mas, uma pedagogia sem risco é uma pedagogia sem formação, pela qual não se aprende nada.” (CHARLOT, 2002, p. 29.) Charlot (2002) declara que como o aluno não é motivado e nem mobilizado na escola
para a busca, para o aprimoramento do conhecimento, este conhecimento que não condiz com
sua realidade, o aluno acaba desistindo da escola, pois seu habitus, um conjunto de
disposições psíquicas, duráveis e transponíveis, que foram estruturadas socialmente e
funcionam como princípios de estruturação das práticas e das representações não são levados
em consideração diante os saberes que a escola denomina como a verdade absoluta. Para
tentar reverter essa situação, é preciso compreender como o indivíduo age e o porquê dele agir
dessa forma, como funciona o pensamento dele. É preciso então, analisar o habitus dos alunos
e para que se possa analisar o habitus é preciso analisar as condições que ele foi construído, o
contexto social na qual o indivíduo está inserido.
Pode-se perceber que “o que acontece na escola depende fundamentalmente do capital
cultural e do habitus dos alunos. Quem tem as disposições psíquicas e o capital cultural
requeridos pela escola se torna um aluno bem-sucedido; quem não os tem fracassa.”
(CHARLOT. 2002, p. 90). Assim como Charlot (2002), esse trabalho se interessa pelo
processo de relação com o saber dos alunos e alunas das classes populares.
Resultados e discussões
Este trabalho abordou a questão das dificuldades que escola na contemporaneidade
está enfrentando frente às diferenças culturais, sociais e políticas dos alunos. Foi percebido
que os alunos conhecidos como “desprestigiados”, aqueles que não possuem o conhecimento
elegido pela sociedade e pela escola como o ideal a ser transmitido, podem enfrentar
dificuldades na hora da aprendizagem, dentre elas a exclusão educacional. Esses alunos que
geralmente são das camadas populares, por terem pouca oportunidade de acesso à “cultura
dominante” chegam à escola e enxergam um mundo diferente do que eles conhecem, e se
veem aprendendo coisas que eles não vão usar em seu cotidiano. Consequentemente eles vão
para a escola apenas porque são obrigados e não veem ali um espaço para ampliar o
conhecimento que eles já possuem porque este não é reconhecido como legítimo ou tão
legitimo. Com base no trabalho de campo realizado a fim de obter dados para a conclusão da
monografia, essa situação pode ser percebida na fala de um dos sujeitos entrevistados, Rosa
diz que
“... Se a gente entender que dentro da escola está sempre essa disputa de saberes, de culturas então assim que você coloca isso dentro da escola, você escolhe um tipo de cultura e de saber invisibilizando tantas outras possibilidades e tantos outros de formação de identidade” (Entrevistada Rosa, aluna de pedagogia da UERJ). É sabido que a escola é vista como libertadora, onde o mestre se posiciona ao lado de
seus aprendizes para que juntos possam organizar as atividades desenvolvidas nas classes,
todas baseadas no debate de temáticas sócio-políticas, inerentes ao contexto vivenciado por
eles, porém ela mascara a conservação social e legitima as desigualdades sociais fazendo
valer o pensamento da importância da herança cultural, conhecimento que nossos pais ou
ancestrais deixaram ou ensinaram a nós e a concepção do dom natural dos indivíduos. Ou
seja, o que ocorre é que a escola correlaciona a ideia do aluno ser inteligente com a herança
cultural que ele possui fazendo parecer perante os outros alunos que não possuem essa
herança, que quem possui a herança tem um dom natural para ser inteligente e bom aluno.
Com base nas palavras de Bourdieu (1975) ocorre a reprodução de saberes na escola
porque há um desprezo da expressão cultural das classes menos favorecidas, chamada
também de classe dominada, pela cultura dominante. Ou seja, o sistema escolar cumpre uma
função de legitimação para promover a “ordem social” existente nas relações de força entre as
classes, onde uma se impõe sobre a outra.
A situação que ocorre dentro da escola é que o professor deposita seus valores morais,
pessoais e sociais ao ensinar sem levar em conta qualquer indício de pertencimento social de
seus alunos diante o conteúdo ensinado equivocando-se ao acreditar que há cumplicidade
prévia, e da mesma forma, sobre o assunto entre todos os alunos na sala de aula. Não se
preocupa dentre outras coisas com o manejo da linguagem e nas avaliações oral/escrita onde
se comprovam a existência de um privilégio cultural, visto que a escola dá preferência a
certos conteúdos, formas de falar e agir. Correlacionando a esse pensamento sobre a escola,
cito Charlot (2009), ao afirmar que o ponto importante nessa relação escolar é a mobilização
de ambas as partes, ou seja, o aluno precisa entender o sentido da escola e de estudar e o
professor ensinar na mesma lógica que os alunos entendam. Para ele, o problema não é a
escola e sim o sentido, a atividade e o prazer que não estão tendo tanta importância quanto o
fato de estar presente na escola ser suficiente.
Somos todos diferentes, pertencemos a universos sociais e culturais diferentes, mas
não é por causa disso que a sociedade e a escola devem “inculcar” nos alunos que há um
conhecimento, há uma educação, ou melhor, um futuro predestinado a cada um. Todo mundo
possui uma cultura, uma linguagem, um capital informacional e todos merecem uma educação
de qualidade onde não restrinja os sujeitos ao fracasso escolar e social, onde todos nós
tenhamos um sentimento de pertencimento dentro ou fora da escola, onde nosso
conhecimento, nossa bagagem cultural tenha tanto valor quanto qualquer outra. Deve-se
entender que não devemos tratar todos iguais senão chegaremos a um impasse visto que isso
só justificaria a indiferença diante às desigualdades sociais, do ensino e do que é exigido.
Considerações finais
A escola é conhecida por ser um ambiente de construção de conhecimento, onde todos
têm acesso e oportunidade para essa aprendizagem, porém essa ideia apenas mascara o que
acontece na realidade. O que ocorre é que apenas o acesso à escola não garante a igualdade de
oportunidades de acesso ao conhecimento dentro dela. Um método de ensino, uma forma de
ensinar pode ser eficaz para um aluno e para outro não.
O que ocorre na tentativa de democratização do ensino, ou seja, uma educação que
visa a emancipação, uma educação pública cujo sentido seja a justiça social, multicultural,
autônoma, inclusiva e crítica com o objetivo de construção de identidades.
É preciso evidenciar que há muito mais o que se levar em conta, não podendo apenas
analisar a criança dentro da escola, mas é preciso ser levado em conta o que há por trás de
todo o comportamento dela no ambiente escolar, ou seja, seu contexto social. Como se
percebe, há muitos problemas, muitas vertentes a serem analisadas, vários fatores que
influenciam o processo ensino-aprendizado, vários culpados apontados e muita soluções
sendo propostas, mas pouca coisa realmente sendo feita. Algumas lacunas ainda devem ser
discutidas por todos nós, professores, alunos, pesquisadores, por exemplo, quais seriam as
soluções efetivas para melhorar a qualidade e o acesso a educação? Elas existem? Devemos
tentar mudar o nosso modo de viver em sociedade primeiro ou a mudança começa na escola?
A educação deve despertar no sujeito a crítica, a autonomia intelectual e política, a fim
desse sujeito criar uma consciência do por que ele está ali e seu papel na sociedade. A escola
deve ir além no ato de ensinar o conhecimento científico, deve construir uma formação
humana possível. Portanto, um possível direcionamento para uma inclusão escolar, ou seja,
onde todos se sentem pertencidos no ambiente escolar, onde todos tenham uma aprendizagem
significativa pode estar na interação entre professor/aluno e no modo como o professor se
relaciona com o aluno, buscando compreendê-lo e observando melhor o seu comportamento,
na tentativa de explorar melhor o conhecimento que o aluno já possui, sem rotulá-lo ou
excluí-lo.
Referências
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Fundamental pela int
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A abordagem de pesquisa etnográfica nos estudos