PROJETO COLCHA DE RETALHOS: O AMBIENTE ESCOLAR COMO LUGAR
DE INTERVENÇÃO E CARTOGRAFIA DE EXPERIÊNCIAS.
Luana Pereira de Sousa
Graduanda de Pedagogia FFP/UERJ
PIBID/CAPES/UERJ
[email protected]
Nerice Deolinda Rozendo dos Santos
Graduanda de Pedagogia FFP/UERJ
PIBID/CAPES/UERJ
[email protected]
Raysa Flávia Souza da Silva
Graduanda de Pedagogia FFP/UERJ
PIBID/CAPES/UERJ
[email protected]
O Projeto Colcha de Retalhos é uma ressonância do subprojeto de pedagogia da FFP do
PIBID/CAPES/UERJ/2011-2013. Atualmente em processo de recriação, as bolsistas
procuram se deslocar da lógica onde se reserva um lugar, se planeja uma atividade e se espera
que o alunado venha para se colocar na brecha de ir ao encontro dos alunos, ao encontro da
experiência que conforme Larrosa é sempre uma relação. O projeto tem como um de seus
objetivos tecer parceria e relações através de articulações e planejamentos com professores,
do ensino fundamental II, do Colégio Estadual Conselheiro Macedo Soares (CECMS)Niterói. O desenvolvimento do trabalho acontece através de intervenções por meio de
atividades que contribuam para a formação dos alunos bem como das bolsistas, constituindo
assim um trabalho coletivo, que visa colaborar para o aprendizado dos conteúdos pedagógicos
trabalhados nas disciplinas escolares. Outra proposta do projeto é utilizar-se do território do
pátio do colégio, como lugar de acontecimentos que podem ser cartografados. As oficinas são
compostas por atividades de conteúdos pedagógicos, trabalhadas de forma lúdica e
interdisciplinar, favorecendo a produção de uma formação docente experiencial, utilizando-se
de intervenções inventivas, como propõe Rosimeri de Oliveira Dias, visando proporcionar
oportunidades para os alunos refletirem sobre o que acontece e o que pode ser feito no pátio,
local habitado e tão desejado por eles. Para tanto, utilizamos o método da cartografia, no qual
a pesquisa é intervenção, conhecer e fazer, pesquisar e intervir são processos intrínsecos. As
análises e intervenções do projeto são pautadas na noção de experiência como propõe Jorge
Larrosa e o método da cartografia, como formulado por Giles Deleuze e Felix Guattari.
Palavras chave: Formação inventiva de professores, Cartografia, Experiência.
Mas houve um instante: não estou falando do futuro, estou falando de uma
atualidade permanente. E isto quer dizer que a esperança não existe porque ela não é
mais um futuro adiado, é hoje. [...] pois prescindir da esperança significa que eu
tenho que passar a viver, e não apenas a me prometer a vida. (LISPECTOR, 2009, p.
148)
Como pensar e fazer formação de professores atenta àquilo que nos acontece no entre
lugar da universidade e da escola básica? Seria possível uma atenção ao presente da formação
como materialidade do que nos passa, como rota de aprendizagem das imprevisibilidades?
Quais os sentidos que se abrem quando universidade e escola básica se juntam para pensar e
fazer formação de professores? Estas são algumas das questões que nos movem para pensar as
políticas de formação de professores. E quando falamos em políticas, no plural, incluímos as
dimensões micropolíticas (DELEUZE; GUATTARI, 2004). Estas estão atentas àquilo que nos
passa, aos processos em constituição, aos encontros que não foram descritos ainda, as feituras
que o entre lugar – universidade e escola básica – podem fazer emergir.
É neste contexto micropolítico, que este trabalho se propõe a expressar alguns traçados
da experiência do Subprojeto de Pedagogia da Faculdade de Formação de Professores-FFP da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, do Projeto “Saber Escolar e formação Docente na
Educação Básica” PIBID/CAPES/UERJ. O Subprojeto de Pedagogia coloca em análise a
micropolítica do Colégio Estadual Conselheiro Macedo Soares – CECMS – localizado em
Niterói/RJ, que representa a escola parceira. Este Subprojeto forja conexões entre a escola
básica e a universidade com o intuito de potencializar uma formação docente diferenciada e
experiencial. A perspectiva da micropolítica, como pensada por Gilles Deleuze e Felix
Guattari (2004), coloca em análise o cotidiano da escola e o discute como um campo de
forças. Dias (2011) acentua o que Deleuze e Guattari enunciam sobre micropolítica: ela é uma
experimentação ativa. O intuito, então, do Subprojeto de Pedagogia, é expressar os diferentes
modos de fazer e de conhecer Escola Básica e Formação de Professores, atentos à constituição
de uma política, um certo modo de produzir um conhecimento que nunca se dá de maneira
unilateral. Tarefa nada fácil e que não basta boa vontade, nos exige atenção ao presente.
Requer trabalho, requer pensar o dia a dia, escrever diários de campo, estudar outros
referenciais que usualmente não se aprendem no campo da Pedagogia, experimentar e analisar
aquilo que se experimentou. Um exercício constante contra práticas hegemônicas de captura
do viver que ocorrem nas relações cotidianas de formar professores. Nesta forma de trabalhar
e de se formar, emerge a construção da expressão de um modo de fazer, criando um conjunto
de práticas; um ethos, uma atitude por meio de um olhar atento ao presente, aos efeitos que
alimentam o encanto dos encontros (DELEUZE; PARNET, 2004). Isso significa dizer que ao
nos encontrarmos não tomamos a experiência presente como transitória ou passageira, mas
perpetuamos sua força, sua potência de exigência de decifração; daquilo que nos força a
pensar e a produzir sentido (DIAS, 2012a).
O Subprojeto de Pedagogia acontece em parceria com a escola básica por meio de
cinco trabalhos desenvolvidos pelos bolsistas de Iniciação à Docência e suas Supervisões por
professores da escola: “Colcha de Retalhos”, “Biblioteca Viva”, “Jornal do Macedo”,
“Murais” e “Oficinas de Informática”. Para este texto, usaremos como eixo de análise e de
intervenção (LOURAU, 1993) o projeto “Colcha de Retalhos”. Seu objetivo é possibilitar aos
alunos da escola básica e aos bolsistas de ID, uma experiência que abrace as orientações da
Formação Inventiva de professores (DIAS, 2009, 2011a, 2012a). Para a autora uma formação
inventiva de professores
[...] não é um conjunto de regras para serem aplicadas, nem um saber pronto para ser
transmitido; não há uma receita geral, nem conceitos globalizantes. O que há são
deslocamentos, entre formas e forças. Uma formação inventiva não é questão de
aquisição de saber e de transmissão de informação. É preciso praticar uma formação
inventiva. Neste contexto, a formação do professor não se fundamenta na
experiência passada, mas encontra sua chave na experiência presente. (DIAS, 2011b,
p.171).
Colocar atenção no presente significa dizer que os projetos investem no processo de
formação inicial e continuada de professores, como se esses fossem uma dimensão de
invenção de si e de mundo (KASTRUP, 2001). Significando dizer que não ensinamos algo a
alguém para que este aplique modelos ou didáticas. Ao contrário, trabalhamos com
ferramentas que facultam a possibilidade de se implicar (PAULON, 2005). Isto implica dizer
que colocamos questão e fazemos problema nos modos de articulação institucional,
desnaturalizando processos, estranhando as experiências, ou seja, refletir sobre as
experiências. Ao fazer isto, a tarefa do professor desloca-se de um processo de
desenvolvimento, adaptação e aquisição, para uma dimensão de encurtar distâncias
(KASTRUP, 2008), colocando-se em permanente inacabamento. Trata-se de uma
“aprendizagem inventiva que remete à invenção de mundos, à invenção de novas realidades,
de uma ideia que às vezes só entendemos aos poucos, é preciso que ela ressoe em nós”
(KASTRUP, 2012, p. 53).
Por isto, usamos ferramentas na formação inicial e continuada de professores que se
aliam a produção de sentidos e diferença nos territórios escolares 1. Questão cara para uma
formação inventiva de professores (DIAS, 2012a, p.30), pois
o problema da formação inventiva de professores coloca em análise nossa
capacidade de lidar com a alteridade, com a diferença que circula na formação e que
também nos habita. Com isto, é possível afirmar que formação não é simplesmente
dar forma ao futuro professor, mas produzir um território que se compõe como um
campo de forças criando ética, estética e politicamente outras formas de habitar, de
pensar e de fazer formação.
Com estas ferramentas de análise e de intervenção, semanalmente, desde março de
2012, são realizadas oficinas, no âmbito do projeto “Colcha de retalhos”, cuja proposta é a de
produzir encontros instigantes, que propiciem estranhamento (KASTRUP, 2001). Para a
autora, quando somos tocados pelos signos, pela diferença, temos uma experiência de
problematização, de invenção do problema. Só a partir daí é que surge a busca para tentar dar
solução e sentido a questão ou problema produzido. A ideia é a produção de diferentes
modos de vida e de conhecimento.
Uma formação inventiva é, em especial, uma questão de aprendizado de como
manter vivo um campo problemático, deixando vibrar as forças intensivas para que
estas possam criar formas e desformar cristalizações no percurso da vida. Algo
parecido com uma desaprendizagem (Dias, 2011), como diria Michel Foucault
(2004, p. 117): “uma feição de desbaste em relação ao ensino recebido, aos hábitos
estabelecidos e ao meio”. Contrária a esta posição, tanto a escola como a
universidade esperam que seus professores e alunos resolvam problemas, respondam
corretamente, deem conta dos currículos e dos conteúdos, tenham êxitos na solução
de problemas ou em avaliações que ganham diferentes nomes. Habitualmente
corremos contra o tempo para dar conta de tarefas e ter êxito no ensino e na
aprendizagem, com isto deixamos de lado a constituição de territórios de
pensamentos e de conhecimentos. Por este motivo, pensamos com ferramentas que
1
Isto significa dizer que pensamos e fazemos uma Pedagogia com a escola básica que remete a uma formação
inventiva de professores (Dias, 2012), que envolve as noções de produção de subjetividade (Deleuze, 2005),
políticas de cognição (Kastrup, 2005), estética da existência (Foucault, 2004), arte e invenção (Kastrup, 2001).
forçam o pensamento a pensar e auxiliam na análise de territórios moventes como é
o caso da escola básica e da universidade. (DIAS, 2011b. p.17)
Neste contexto inventivo, forjamos o projeto “Colcha de retalhos”. A ideia inicial foi
trabalhar com oficinas, tomando a leitura e a escrita como eixos de análise e de intervenção.
Mas a partir de um período de habitação do território; ou seja, um momento de nos afetarmos
com o território escolar e seus agentes (alunos professores, funcionários), o trabalho foi se
modificando, tomando uma nova configuração (PASSOS, KASTRUP, ESCÓSSIA, 2009).
Percebemos a necessidade de incorporar ao planejamento das atividades o conhecimento
prévio que os alunos trazem ou propõem nos encontros. As análises e intervenções funcionam
tendo como eixo a literatura (leitura, escrita, arte, ouvir o outro, falar e pensar) com o intuito
de ampliar os territórios de pensamento por meio de uma aprendizagem inventiva
(KASTRUP. 2001). Utilizamos atividades com diferentes tipos de textos, discutimos a
respeito de assuntos trazidos e também de assuntos que “surgem” em meio aos encontros. O
trabalho se efetiva através de encontros no pátio, onde são organizadas oficinas, o intuito é
produzir um lugar de possibilidade de leitura, discussão e escrita dentro de um parâmetro de
liberdade, no qual se expressar implica também ouvir e problematizar, o que desencadeia um
processo de aprendizagem a partir da construção/desconstrução de conhecimentos. Segundo
Moehlecke, 2012,
Assim, o oficinar pode se constituir como ferramenta para o pesquisar, no momento
em que extraímos, da experiência múltipla, uma singularidade colocada em sentido e
variação. Uma narrativa, ao encontrar um pequeno caos, desfaz-se de saberes
prévios e goza de uma pequena liberdade, o risco de uma análise em proliferação.
Podemos fazer um jogo entre o viver a experiência e os efeitos no conhecer dos
integrantes e pesquisadores. Há, pois, um engendramento entre forma e força, atores
e coautores de um processo inventivo. (p.168.)
Ouvir e conhecer, ao contrário do que pensávamos, é ganhar tempo e não perdê-lo.
Neste contexto, não basta falar e transmitir, é necessário escutar o outro e pensar juntos sobre
o que nos passa e nos acontece nos processos de ler, escrever, falar, aprender. Segundo Freire
“É ouvindo o educando que a professora se prepara cada vez mais para ser ouvida pelo
educando. Mas, ao aprender com o educando a falar com ele porque o ouviu, ensina o
educando a ouvi-la também.” (1997 p. 59).
Deste modo a proposta agora é que os encontros da oficina sejam instigantes, que
propiciem estranhamento, experiências de problematização, de invenção do problema. Só a
partir daí surge à busca de tentar dar solução e sentido as questões ou problemas produzidos.
Assim, nesta perspectiva, toda aprendizagem começa com a invenção do problema. Como
podemos observar em um trecho de diário de campo,
[...] resolvemos fazer uma atividade livre, para que os alunos se expressassem, para
que pudéssemos sentir o que eles gostariam de fazer naquele espaço e tempo. Eles
poderiam escrever e desenhar. Após todos terminarem, resolvemos perguntar o
motivo do desenho e da escrita, o que eles desejavam expressar com aquela obra
produzida. Quando um aluno se manifestou perguntando o motivo de, sempre,
questionarmos suas respostas. Esse fato me chamou bastante a atenção e me deixou
feliz, pois eu percebi que de alguma forma os alunos estão sendo afetados pelo
nosso modo de implicação com problematização. (trecho do diário de campo 17/04/2013)
O diário de campo (LOURAU, 1993) é um dispositivo que funciona como um
disparador das problematizações do que temos conseguido cartografar entre universidade e
escola. O diário funciona como uma ferramenta que expressa, enuncia e tensiona como foram
os encontros. “Ele nos permite conhecimento da vivencia cotidiana de campo (não o “como
fazer” das normas, mas o “como foi feito” da prática)” (LOURAU, 1993, p. 77).
Contudo, conhecer e fazer, pesquisar e intervir não se separam, mas precisam ser
cartografados (PASSOS, KASTRUP; ESCÓSSIA, 2009). Nossos autores e intercessores
afirmam que toda a pesquisa é intervenção. Não há desimplicação. O que ocorre são
diferentes modos de implicação – uma desnaturalização do processo, colocando a instituição
– formação – em constantes tensionamentos de uma construção permanente. Os dispositivos
utilizados colocam atenção no mergulho ativo na experiência, esta pensada como o que nos
passa, atravessa e nos transforma (LARROSA, 2004). Habitamos o território escolar fazendo
ver e falar o que nos passa, acontece e nos transforma.
[...] Neste terceiro encontro trabalhamos na oficina um assunto que saiu
recentemente nos noticiários, sobre uma fabrica desativada que foi implodida para
que no local seja construído um centro cultural, com atividades diversificadas, entre
elas funk, hip hop e grafite. Nosso intuito era conversar sobre a notícia,
problematizar e leva-los a refletir. Levamos cópias do jornal com a reportagem para
eles lerem, e questionamos se conheciam algum prédio desativado e como eles
transformariam esse local. Entregamos folhas de papel e vários materiais, como:
lápis de cor, canetas coloridas, tintas guache, pincéis e copos descartáveis para que
eles representassem esse espaço transformado. No início estranharam, ficaram sem
saber o que fazer, mas logo foram se sentindo mais a vontade, pegaram os materiais
escolhidos e foram desenhar, colorir, picotar e colar. Achei que eles fossem fazer
muita sujeira com a tinta, no entanto, para minha surpresa não aconteceu. Foi muito
tranquilo, se concentraram e cada um desenhou o que planejava para esse espaço:
pista para skate, kart, sala para balé, academia, salas para atividades de música e
outros. Como sempre pedíamos que registrassem no caderno, e no início eles não
gostavam, dessa vez, assim que terminaram os trabalhos, eles pediram o caderno
para relatar o que acharam da atividade. Ainda escrevem pouco, mas ficamos
satisfeitas por eles desejarem escrever. Um deles escreveu que gostou de aprender
textos novos e outro colocou que a notícia pode trazer conhecimento.(diário de
campo 04/09/2013)
Instigar os alunos para que eles possam produzir máquinas de inventar e de conhecer.
“Um corpo passa a investigar as experiências em suas maquinações, mas ele também sofre a
transmutação de valores e ideias” (Moehlecke, 2012. p.169). Isto se faz não oferecendo
respostas prontas, pré-formuladas, mas pela feitura de problemas, fazendo com que outros
eixos sejam puxados e pensados, para que façam parte de uma experiência e que essa seja
ampliada em suas esferas cotidianas. Ainda segundo a autora citada acima, “Ao intervir no
vivido, ou fazer dançar as palavras, uma oficina se compõe enquanto maquinação do ser em
seu anseio por um mundo em criação”.
Operamos em meio a um processo que nos força a conhecer. Assim, nesta perspectiva,
toda aprendizagem começa com a invenção do problema. O processo se dá como uma atenção
ao presente, o que está sendo construído/desconstruído, produzido nos encontros entre
iniciação à docência e escola básica. Isso nos levou a perceber que os alunos já notaram o
nosso modo de implicação.
Costurando as atividades desenvolvidas durante o ano de 2013. Os alunos estavam
eufóricos, pois era o nosso último encontro. Alguns que não compareciam há
semanas vieram hoje. Sentamo-nos no chão da sala e começamos a organizar os
trabalhos. Montamos um cartaz com várias atividades antes realizadas, colamos
retalhos em volta, formando uma verdadeira colcha. Cada aluno escolheu um
retalho, e com uma caneta ou tinta para tecidos escreveu o seu nome e uma palavra
que representasse o significado do projeto para si. Para finalizar, fomos registrar
esse momento. Colocamos a máquina no automático e na hora do click, a máquina
tombou e fotografou o chão. Todos riram, e o Pedro, nosso mais jovem participante,
disse: - O chão também faz parte do projeto. Essa frase nos marcou. Afinal, este
projeto acontece na escola, onde o chão também faz parte. Muitas atividades
aconteceram justamente no chão da escola.Valeu a experiência. Tivemos dias que as
oficinas foram surpreendentes, outros em que nos frustramos por não ter
correspondido as nossas expectativas. Essas experiências nos mostraram que a vida
e, principalmente o cotidiano em sala de aula não são estáveis, nem presumíveis e
que se possa controlar, nenhum dia é igual ao outro. Foi trabalhoso, instigante,
prazeroso. Ao final me pergunto se os tais objetivos foram alcançados, mas reflito e
me deparo com outra pergunta: Quais eram mesmos os objetivos? Bom, queríamos
estimular a leitura e a escrita e através disso o pensamento crítico e reflexivo. Se no
ultimo encontro, um aluno escolhe a palavra compartilhar, outro escolhe
experiência, outro diz que o chão faz parte da escola, como palavras que definem o
projeto, acredito ter mantido vivo o campo problemático. O desafio é manter vivo o
que nos força a pensar... (04/12/2013)
Com este pensamento problematizador é que são construídas e reinventadas as
atividades pedagógicas do projeto colcha de retalhos. O trabalho com a literatura não é algo
novo, a novidade, e nem segue esta pretensão, mas um caminho que nos propomos a
percorrer, e como fazer, é o que tem se configurado como o diferencial, ou seja, o caminho
não será linear e nem traçado somente por nós bolsistas, mas com a participação e sugestão
dos alunos, da coordenação e das supervisoras do Subprojeto de Pedagogia da FFP.
Neste modo de pensar e fazer a formação inicial de professores, tomamos a educação
como uma experiência (DIAS, 2011). Ou seja, pensar o que ainda não foi pensado sobre o que
está sendo feito e o que nos entusiasma a pensar. Concebemos o planejamento e as práticas
como sendo partes fundamentais e instigantes do processo educacional, e não como algo
pronto acabado para simplesmente ser aplicado. Habitamos os territórios – escola e
universidade - não como uma inovação assim interpretada e noticiada, mas como uma
experiência.
Com isto, quando falamos em formação experienciada expressamos uma
micropolítica. A formação de professores passa a ser um campo de relações de força,
construído coletivamente, deixando de ser um conjugado de métodos e didáticas (DIAS,
2011). Ao contrário, ela se apresenta de múltiplos modos e, ao mesmo tempo, pode ser
abordada como as análises dos gestos, das naturalizações de concepções. Seria entendida
como um processo de formação/transformação de si e do mundo no qual os sujeitos, professor
e aluno, se formam constantemente. A parte delicada para a efetivação do trabalho foi
possibilitar, a nós mesmas – bolsistas – um processo de desconstrução. Uma concordância de
que somos aprendizes, sujeitos à errância, a dessubjetivação; uma aprendizagem que se
constitui entre uma necessária desaprendizagem.
Tal experiência de desaprendizagem tenciona a ideia de que a formação de professores
possui um ideal de atividades pedagógicas para serem aplicadas. Por isto, temos a sensação de
falta. O “dar certo” inibe a abertura para a experiência, na medida em que o a priori nos cega
e nos fragiliza. Nossa experiência no projeto Colcha de retalhos libera-nos da pretensão do
conhecimento definitivo. Com isto, vimos à necessidade de nos estranharmos aos modos de
nos formar como professores, forjando uma constante desaprendizagem, para se fazer a escola
e a formação de outras maneiras, a partir da perspectiva da invenção (DIAS, 2011, 2012) e de
práticas de pesquisa. Pois segundo Scheinvar, 2012
Em práticas de pesquisas, o produzir está sempre presente na tensão entre os
pressupostos e os percursos inventados. Produzir não é apenas conclusão, mas
processo. [...] O produzir não se restringe ao limite chamado resultado, está no
movimento articulado em torno do conhecimento, que inclusive apresenta
resultados. A pesquisa é um campo de produção por definir relações, sugerir
procedimentos, apontar abordagens, estabelecer hierarquias, desqualificar olhares,
potencializar caminhos. (p.196.)
Temos, com este trabalho, encontrado nos referenciais e no cotidiano da escola
algumas pistas para tecer nossa iniciação à docência pela perspectiva da invenção.
Perspectiva esta que torna a formação inicial de professores uma experiência complexa, um
campo de estudo, uma dedicação e, principalmente, uma atitude cotidiana de luta e
enfrentamento das formas já colocadas; para darmos visibilidade às forças e subjetividades
em constituição, sempre passíveis de modificação, por isto, transitórias. Para a efetivação do
trabalho foi necessário possibilitar a nós mesmos um processo de desconstrução. Uma
concordância de que somos aprendizes, sujeitos à errância, à dessubjetivação; uma
aprendizagem que se constitui entre uma necessária desaprendizagem.
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