Ensino profissionalizante em saúde
ANTENOR AMÂNCIO FILHO
Pesquisador da Escola Politécnica de Saúde da Fiocruz e doutorando da Faculdade de
Educação da UFRJ.
JOSÉ LUIZ TELLES DE ALMEIDA
Pesquisador da Escola Politécnica de Saúde da Fiocruz e doutorando da Escola Nacional de
Saúde Pública/Fiocruz.
No Brasil dos anos 80, a saúde foi marcada pelo denominado “movimento de reforma
sanitária” que aglutinou diferentes segmentos da sociedade com o objetivo de reordenar o
sistema de prestação de serviços.
A conquista marcante desse movimento, no âmbito institucional-legal, foi a incorporação de
um capítulo específico na Constituição Federal de 1988, estabelecendo o direito à saúde, o
dever do Estado em provê-la, a democratização da gestão, a organização do sistema segundo
princípios de descentralização, regionalização, hierarquização e integralidade da assistência à
saúde.
Apesar do arcabouço jurídico-legal bem definido, a implementação do Sistema único de Saúde
não vem constituindo um processo linear. Ao contrário, depara-se com sérios e graves
conflitos e dificuldades estruturais, historicamente produzidos.
Identificam-se, nesse processo, pelo menos três aspectos que se interligam e devem ser
enfrentados com a urgência necessária, pois retêm a capacidade de conferir ou não qualidade à
rede de assistência à saúde:
•
•
•
organização física da rede de serviços regionalizada e hierarquizada;
adequação e qualificação tecnológica dos serviços de saúde;
e formação, atualização e reciclagem dos recursos humanos do setor. 1
Em relação ao último aspecto, é fato que o aprimoramento da qualidade e a ampliação
quantitativa do pessoal responsável pelas ações de saúde têm sido tema constante nos
diferentes fóruns em que se debatem possibilidades e viabilidade de se estruturar e
operacionalizar um sistema de saúde que, sem discriminação, venha a proporcionar acesso e
cobertura eficiente ao conjunto da população.
No caso específico dos recursos humanos de nível médio, a preocupação tem se concentrado
na busca de mecanismos que permitam conferir qualificação formal ao largo contingente de
pessoas que atuam no setor, principalmente na assistência direta ao doente, sem formação requerida para o exercício profissional.
O presente texto objetiva alinhar questões recentes sobre a formação de pessoal de nível médio
em saúde. Na primeira parte, enfoca-se o debate sobre a posição estratégica que a educação,
através do sistema de ensino urgente, vem assumindo nas últimas décadas - em sinergia com
Ensino profissionalizante em saúde
outras políticas setoriais - no alavancamento do desenvolvimento econômico e social de
determinadas sociedades capitalistas contemporâneas. Esta questão é aqui tratada tendo por
referência as atuais transformações na sociedade e seus reflexos na forma de organização do
trabalho, e buscando sempre estabelecer a relação com o sistema educacional brasileiro.
Na segunda parte é enfocada a situação da força de trabalho de nível médio do setor saúde,
buscando caracterizar sua dinâmica nas três últimas décadas, quando se verificou um
incremento significativo de postos de trabalho, em especial, os de categorias auxiliares.
São apontadas, ainda, questões relacionadas às alternativas para formação desse pessoal em
saúde e os desafios postos à educação e à saúde do País, para uma efetiva reorganização do
sistema de saúde.
EDUCAÇÃO E PROCESSO PRODUTIVO: OS NOVOS DESAFIOS
A educação sempre esteve em evidência em momentos relevantes da história da humanidade.
Na Revolução Francesa, por exemplo, a educação pública, universal e gratuita foi uma das
grandes bandeiras do movimento republicano. A renovação educacional foi também tema
específico de intelectuais russos nos primeiros anos da Revolução de Outubro, posteriormente
retomado nos escritos de Gramsci.2
Nas últimas décadas, entretanto, observou-se, especificamente no Brasil, um refluxo nos
debates que envolvem a questão educacional, transformada em assunto de caráter meramente
técnico ou administrativo. Discussões que antes envolviam amplos setores da sociedade
cederam lugar ao discurso de especialistas e foram reduzidas ao conflito de interesses daqueles
mais diretamente envolvidos: pais, professores, Ministério e Secretarias de Educação, editores
de livros e de material didático.
Alguns fatos contribuíram essa posição reducionista do problema. Dentre eles, destaca-se a
rápida expansão do sistema de ensino superior verificada nas últimas décadas, que acabou por
atrair para si os melhores talentos e as principais atenções, deixando em plano secundário a
discussão sobre o ensino fundamental e básico. Acrescenta-se a isso a difusão da idéia de que,
como fenômeno superestrutural, a educação em si pouco poderia fazer para influir nas
transformações das condições de vida ou do sistema de poder da sociedade. As teses de
Althusser, Bourdieu e Passeron, acolhidas e debatidas na década de 70, reafirmavam que os
sistemas educacionais simplesmente reproduziam as estruturas de dominação existentes na
sociedade. Esse tipo de constatação não gerou, no meio dos educadores, o desafio,
questionamento e enfrentamento esperados quanto ao papel e a importância da educação no
contexto social. No dizer de Saviani:
Se tais estudos tiveram o mérito de pôr em evidência o comprometimento da educação com os
interesses dominantes, também é certo que contribuíram para disseminar entre os educadores
um clima de pessimismo e desânimo.3
Por outro lado, nas sociedades de capitalismo avançado, a temática educacional ganha força
nas políticas governamentais, acompanhando as transformações mais gerais verificadas no
processo de organização da produção de bens e serviços.
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Nessas sociedades, observa-se um movimento crescente de substituição da produção
mecanizada, inaugurada com a Revolução Industrial no século XVIII, pela produção
tecnificada. Assiste-se a uma transição onde a automação, via aplicação da microeletrônica,
inaugura novos processos que repercutem sobre o trabalho humano. É nesse cenário que a
educação, aliada a outras políticas sociais, assume papel central na ascensão de alguns países
(dentre os quais destaca-se o Japão) como potências econômicas de primeira grandeza.4 A
revolução tecnológica que se processa nas sociedades contemporâneas aponta para a
substituição da divisão taylorista de tarefas por atividades integradas, realizadas em equipe ou
individualmente, exigindo do trabalhador uma visão global do processo de trabalho em que
está inserido, mais autonomia, iniciativa e maior capacidade de resolver problemas. Essas
novas exigências do processo produtivo remetem para a educação, mediante o ensino na escola
a responsabilidade de propiciar um consistente domínio dos códigos instrumentais da
linguagem, da matemática e de conteúdos científicos.5 Nessa perspectiva, é necessário que o
trabalhador domine requisito intelectuais básicos, tais como:
a) aquisição de noções corretas sobre a origem, a produção e a mudança do mundo físico e da
vida social,
b) domínio da linguagem na sua forma culta, como ferramenta para organizar e expressar o
próprio pensamento, as próprias emoções e compreender as expressões dos outros;
c) domínio de outras formas de comunicação e expressão humanas como a música, a
literatura, as imagens;
d) domínio de noções corretas de grandezas, números e quantidades que sirvam de base ao
desenvolvimento do raciocínio abstrato, lógico, formal e matemático.6
Percebe-se que os pontos mencionados têm identidade muito próxima ao que se poderia
esperar de uma escola de primeiro e segundo graus, posto que as deficiências, nesses níveis de
ensino, repercutem diretamente na capacidade do indivíduo de interagir como sujeito critico na
sociedade.
Por sua vez, alguns consensos parecem estar se firmando no que diz respeito à formulação de
políticas educacionais:
1. a educação, juntamente com a ciência e tecnologia, destaca-se na pauta das macropolíticas
do Estado, como fator importante para a qualificação dos recursos humanos requeridos
pelo novo padrão de desenvolvimento, onde a produtividade e a qualidade dos bens e
produtos são decisivos para a competitividade internacional;
2. a educação é parte indispensável no elenco de medidas para tornar as sociedades mais
igualitárias, solidárias e integradas;
3. a aquisição de conhecimentos básicos e a formação de habilidades cognitivas constituem
condição indispensável para que todas as pessoas consigam, de modo produtivo, conviver
em ambientes saturados de informações, sendo capazes de processar e selecionar as que
consideram relevantes;
4. conhecimento, a informação e uma visão abrangente dos valores são a base para a
cidadania em sociedades plurais, cambiantes e cada vez mais complexas, nas quais a
hegemonia do Estado, dos partidos políticos ou de um setor social específico, tende a ser
substituída por equilíbrios instáveis, que envolvem permanente negociação dos conflitos
para o estabelecimento de consensos.7
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SISTEMA DE ENSINO NO BRASIL: A EXCLUSÃO PELA BASE
Alguns indicadores sobre o sistema de ensino no Brasil permitem constatar o quão distante
estamos da .agenda internacional da modernidade.”
Não se pode negar, o esforço empreendido para a ampliação das oportunidades de acesso ao
ensino fundamental (ensino do 1o grau). O percentual de matrículas na 1a série desse nível de
ensino passou de cerca de 65% em fins da década de 30, a quase 95% no início dos anos 90.
Assinale-se que o crescimento da oferta de vagas para o ensino fundamental ocorreu
justamente num período marcado por acelerado crescimento demográfico, intensos fluxos
migratórios, acentuada urbanização e industrialização.8
Se por um lado o acesso à escola foi assegurado mediante expansão quantitativa da rede de
ensino, por outro não se garantiu o cumprimento da escolaridade obrigatória (conclusão das
oito séries do 1o grau). A tentativa para explicar o fenômeno e identificar óbices existentes na
trajetória escolar do aluno, implicou o questionamento sobre a qualidade do ensino ministrado
– tomando-se como parâmetro tanto a formação do professor quanto a infra-estrutura
implantada – e abrindo espaço para a retomada do debate sobre os rumos da educação. O
resultado desses questionamentos apontou para o entendimento de que as altas taxas de
repetência e de evasão escolar estariam diretamente vinculadas às precárias condições de
funcionamento das escolas de 1o e 2o graus.
A magnitude do problema pode ser expressa no fato de que, utilizando-se métodos estatísticos,
foi verificado que os alunos que se evadem permanecem na escola em média 6,7 anos e
aqueles que conseguem concluir as oito primeiras séries do ensino fundamental o fazem, em
média, em mais de 11 anos.
As taxas de repetência, por sua vez, são excessivamente altas para todas as séries do 1o grau e
representam, na atualidade, o maior impecilho para a universalização do ensino fundamental
em nosso País, dado que as vagas para a primeira série do 1o grau são, em sua grande maioria,
ocupadas pelos alunos repetentes. Esse fato desloca o problema da construção de novas escolas
para a questão da qualidade e pertinência do ensino ministrado, com o objetivo de reverter as
altas taxas de repetência.9
As dificuldades no ensino de 1o. grau encontram repercussão direta no ensino de 2o. grau: o
número de matrículas de 2o. grau no quadro geral de matrículas do País sofre uma queda, ao
longo da década de 80, passando de 10 para 9,5%, quando a expectativa era o aumento dessa
proporção, como verificado em alguns países latino-americanos.
Para aqueles que não conseguem completar o ensino fundamental na idade apropriada, resta a
opção dos cursos , supletivos, em sua maioria privados e de horário noturno, pois grande parte
desse contingente já se encontra, formal ou informalmente, inserido no mercado de trabalho.
Em condições bastante precárias, tais cursos acabam por cumprir a função de dar continuidade
à velha tradição brasileira de um ensino pago de segunda categoria, predominantemente
ministrado às classes subalternas. 10
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Por trás das estatísticas que dão a dimensão da iniqüidade do sistema de ensino em nosso Pais,
desenvolve-se um drama cotidiano, de centenas de milhares de crianças cujas famílias
valorizam a escola, esforçam-se para ali mantê-las e que, ano a ano, defrontam-se com o
fracasso, incorporando-o em suas vidas. Para a sociedade acaba sendo “normal” a convivência
com jovens e adultos que se consideram fracassados, já que impossibilitados de adquirir
habilidades intelectuais básicas.
Pode-se dizer que a formação desses indivíduos, sob o ponto de vista cognitivo, de domínio de
conhecimentos, de habilidades, de compreensão de idéias e valores está a anos de distância das
necessidades que a revolução tecnológica e o exercício da cidadania estão apresentando à
sociedade.11
É certo que mudanças mais significativas vêm ocorrendo com maior intensidade na área industrial, mas o setor de serviços, ainda que de maneira menos intensa, também não se encontra
alheio às inovações tecnológicas e de organização do trabalho. Nesse cenário, as carências
cognitivas dos trabalhadores de saúde, mormente os de nível médio, constituem sérios obstáculos a um processo de real mudança na forma de operar os diferentes serviços de atenção e
assistência à saúde no Brasil.
FORÇA DE TRABALHO DE NÍVEL MÉDIO EM SAÚDE: CARACTERÍSTICAS E TENDÊNCIAS
O início do processo de industrialização, inaugurado no Brasil na década de 50, teve por
conseqüência um rápido movimento de urbanização da sociedade e crescimento significativo
do setor terciário. Registra-se que “entre 1950 e 1980 o setor terciário aumenta sua participação de 26,4 para 44% do total das pessoas ocupadas”.12
A área de saúde, nesse mesmo período, teve incremento significativo em sua força de trabalho,
obedecendo a lógicas diversas geradas por políticas econômicas e sociais. A unificação do
aparato estatal de seguridade social, mediante a criação do Instituto Nacional de Previdência
Social e, posteriormente, do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
(INAMPS), a serviço de uma política imposta sob um regime de exceção, possibilitou a
capitalização da prática médica.13
As décadas de 70 e 80 foram marcadas pelo ritmo acelerado de crescimento da área de saúde,
principalmente do setor privado hospitalar conveniado do INAMPS. Houve, nesse período,
vigorosa absorção de profissionais, com destaque para as categorias de médico e atendente,
essa última caracterizada pela baixa escolaridade e falta de qualificação profissional, respondendo, apesar disso e na maioria das vezes, pela assistência direta ao paciente.
Configurou-se um quadro de polarização que ainda perdura, apesar de pequena redução
verificada nos últimos anos. No entanto, a incorporação de pessoal de nível médio e elementar
nesse mercado não teve por critério a escolaridade e, muito menos, a qualificação profissional
conferida pelo sistema de ensino formal.
A participação do atendente enquanto membro da equipe de enfermagem (em 1980 essa
categoria representava 71,24% do total de empregos de nível médio e elementar na saúde)
constitui sério problema para todo o setor e, em especial, para a própria enfermagem. Como
mencionado, o atendente, em geral, assume tarefas importantes na assistência, notadamente a
médico-hospitalar. É patente a noção de que o trato direto com o paciente internado exige
determinadas habilidades técnicas e cognitivas dificilmente alcançadas em programas
esporádicos e superficiais de treinamento em serviço. A preocupante falta de qualificação
desse contingente obrigou a regulamentação da categoria, através de lei de exercício
profissional.
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Análises existentes vinculam o aumento da força de trabalho sem .qualificação formal ao
próprio crescimento do setor hospitalar privado, uma vez que a “lógica do setor privado foi
sempre rebaixar os salários dos profissionais. na utilização dos atendentes e o descaso pelos
profissionais qualificados de nível médio”.14
No decorrer da década de 80, ainda que a partir de uma política direcionada para o
fortalecimento do setor público, verificou-se a mesma tendência de privilegiar a contratação de
pessoal sem a devida qualificação profissional. Associam-se a esse fenômeno não só o
rebaixamento dos custos, mas também a característica de contratação de pessoal como
mecanismo clientelístico de políticos locais.
Algumas tendências, em âmbito empírico e em perspectiva genérica, quanto a distribuição,
composição e modos de utilização da força de trabalho para os anos 90 no Brasil foram
apontadas por Girardi,15 destacando-se: forte concentração geográfica e social; grande
participação das mulheres no setor; centralização e hegemonia dos profissionais médicos;
baixa qualificação do pessoal auxiliar; baixos salários; assalariamento e degradação do
trabalho médico.
A incorporação de tecnologias, por sua vez, tem introduzido algumas modificações na
composição dessa força de trabalho. A relação entre tecnologia e processo de trabalho em
saúde não ocorre como em outros ramos de atividade, nos quais a tendência mais comum é a
de associar incorporação de tecnologia com liberação de força de trabalho. Em saúde, no
entanto, pode-se identificar duas formas de atuação do progresso técnico:
a) nos meios diagnósticos e terapêuticos;
b) nos atos cirúrgicos e na relação ambulatorial de atendimento médico.
No primeiro caso, o que se observa é que o progresso técnico tem atuado no sentido
convencional de economizar força de trabalho. A automação dos laboratórios de análises
clínicas, por exemplo, através da criação de processos que permitem leitura, classificação e
análise das amostras de sangue por computador, reduziu os postos de trabalho de laboratoristas
nos últimos anos. O mesmo vem ocorrendo no setor de imagem, onde equipamentos mais
modernos de raios-X têm eliminado mão-de-obra, tanto na operação do equipamento como na
revelação da chapa.
No processo de trabalho médico, seja no ambulatório, seja na cirurgia, o mesmo fenômeno não
vem sendo observado. Os novos equipamentos utilizados para melhorar determinado
diagnóstico, (caso de tomógrafos computadorizados) não eliminam o médico e até fazem
surgir um novo tipo de profissional para operar esses equipamentos.16
As habilitações clássicas de nível médio nessas duas formas de atuação encontram-se
atualmente sob questionamento em razão da incorporação de novos procedimentos no
trabalho. Essa constatação conduz, necessariamente, à realização urgente de estudos
sistemáticos sobre transformações recentes no processo de trabalho em saúde e suas repercussões na conformação e nas exigências de formação das habilitações de nível médio em saúde.
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A concepção do Sistema único de Saúde faz emergir novas habilitações, como a de Técnico e
Auxiliar em Vigilância Sanitária e Controle do Meio Ambiente, recentemente aprovadas pelo
Conselho Federal de Educação. Estas habilitações requerem para a sua consecução a confluência de múltiplas áreas de conhecimento, incorporando novas questões como ecologia e
direito, do consumidor, tendo por referência o conceito de saúde consagrado no Artigo 196 da
Constituição Federal.
PROCESSOS DE FORMAÇÃO. E QUALIFICAÇÃO DO PESSOAL DE NÍVEL. MÉDIO PARA A SAÚDE
Pela legislação de ensino vigente, o trabalhador de nível médio é aquele que recebeu, após ter
cumprido a escolaridade de 1o. grau (oito séries), uma habilitação profissionalizante de 2o.
grau, por via regular ou supletiva. O trabalhador de nível elementar é aquele que possui apenas
o 1o. grau de escolaridade.
As habilitações profissionais técnicas e auxiliares estão restritas ao 2o. grau de escolaridade.
No entanto, algumas delas são reconhecidas por órgãos representativos de determinadas
categorias profissionais (como os Conselhos Regionais de Enfermagem por exemplo), que
consideram o 1o. grau suficiente apenas para o nível de auxiliar.
O nível de 2o. grau possibilita, portanto, formar técnicos (habilitação plena) ou auxiliares
(habilitação parcial). O que distingue esses patamares é a carga horária. Para os primeiros
exige-se um mínimo de 2.200 horas, das quais pelo menos 900 são de conteúdo profissionalizante; os auxiliares, por sua vez, se obrigam a uma carga mínima de 2.200 horas, com pelo
menos 300 de conteúdo profissionalizante.
O exame de “suplência profissionalizante” constitui outra alternativa para obter-se uma
habilitação de 2o. grau. Essa modalidade permite diplomar o indivíduo que tenha no mínimo
dois anos de trabalho em instituições de saúde, desde que satisfeito o cumprimento das
disciplinas da chamada educação geral, por via regular ou supletiva. Trata-se de uma formação
não-regular que depende de autorização e reconhecimento por parte do sistema educacional,
via Conselho Estadual de Educação.17
O sistema de ensino regular, no que tange à formação de técnicos e auxiliares, mantém a
tendência em formar pessoal fundamentalmente para os setores primário e secundário da
economia. São exemplos as Escolas Agrotécnicas e as Escolas Técnicas Federais, as primeiras
diplomando técnicos na área de agronomia e as segundas nas áreas de metal-mecânica e
eletro-eletrônica.
No setor serviços, onde se situa a saúde, a formação de pessoal se dá principalmente através do
ensino de suplência, sendo que na modalidade de ensino regular prepondera a formação para
as habilitações de enfermagem e patologia clínica.18
A reforma do ensino de primeiro e segundo graus promovida pela Lei 5.692/71, estabeleceu a
compulsoriedade da profissionalização nesse último nível de ensino. A proposta, entretanto,
não levou em consideração nem a infra-estrutura da rede de ensino para operacionalizar a
profissionalização, nem a valorização social dada ao ensino de terceiro grau. As resistências de
diversos setores da sociedade (professores, empresários do ensino, estudantes, técnicos em
educação), por ocasião do processo gradual de abertura democrática, então vigente no País,
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determinou a edição da Lei 7.044/82. A partir dessa Lei a qualificação para o trabalho (antes
visada pela Lei 5.692/71), foi substituída pela preparação para o trabalho, eliminando-se a
obrigatoriedade da habilitação profissional no 2o. grau.19 As mudanças perpetradas no sistema
de ensino pela Lei 5.692/71, entretanto, fizeram com que o ensino ministrado decaísse em
qualidade. Como registra Cunha:
As escolas públicas de 2o. grau foram desorganizadas, seus currículos transformaram-se num
amontoado de disciplinas, onde se misturam as concepções positivistas do Conselho Federal
de Educação com penduricalhos dos interesses do momento, como a educação moral e cívica.
20
Para os já inseridos no mercado de trabalho resta a opção do ensino de suplência. A despeito
das características, assumidas historicamente, nesta modalidade de ensino, já apontadas neste
texto, o ensino de suplência permite uma maior flexibilidade curricular, onde a formação
profissionalizante independe da formação geral. É mediante essa modalidade que, em fins da
década de 70 e início dos anos 80, se organiza uma estratégia pedagógica que busca dar conta
da formação profissional do trabalhador de saúde de nível médio inserido no mercado de
trabalho. Essa proposta é conhecida como “Projeto Larga Escala”, resultado de acordo
interinstitucional envolvendo o Ministério da Educação, da Saúde, da Previdência e
Assistência Social e Organização Pan-Americana de Saúde.
Decorrência desse movimento, vêm sendo organizados, em todo o território nacional, Centros
Formadores ou Escolas Técnicas em Saúde que adotam o modelo de formação preconizado
pelo “Larga Escala”. Em linhas gerais, esses Centros e Escolas Técnicas têm por características: a descentralização da execução curricular nos serviços; independência das disciplinas
profissionalizantes em relação à educação geral; o próprio processo de trabalho do indivíduo
se constituindo em espaço pedagógico; o aluno considerado enquanto sujeito em seu processo
de aprendizagem; adoção de um sistema permanente de avaliação; assunção à função de
docência dos próprios profissionais de nível superior que atuam nos serviços.
Esse sistema de formação profissional em serviço compõe-se de 26 unidades, regularizadas
junto aos Conselhos Estaduais de Educação. As habilitações mais comumente oferecidas são
as de Técnico e Auxiliar de Enfermagem, Técnico de Higiene Dental, Auxiliar de Consultório
Dentário, Citotécnico e Administração em Serviços de Saúde.
A denominada educação geral é cumprida pelo trabalhador em cursos supletivos de 1o. e 2o.
graus.
O setor saúde pouco tem contribuído ou influenciado, junto ao sistema de ensino, quer em
relação ao acompanhamento e avaliação do processo de profissionalização quer no que diz
respeito às habilitações oferecidas. Avanço recente nessa direção é a competência assumida
pelo Conselho Nacional de Saúde, órgão consultivo do Ministério da Saúde, para opinar sobre
a criação de novas habilitações para a área da saúde. Esta conquista está, porém, ainda muito
aquém dos desafios colocados para ambos os setores.
O ensino de segundo grau torna-se, portanto, campo privilegiado de investigação, dado que é
nesse nível que se estabelecem, ou deveriam se estabelecer, as relações mais estreitas entre
educação e trabalho, a partir da formação profissional.
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É preciso, pois, com base em análises diagnósticas, traçar estratégias que favoreçam a
superação do hiato entre o modelo de formação escolar profissionalizante e as propostas de
reordenamento do setor saúde, consubstanciadas na implantação do Sistema único de Saúde.
NOTAS
1
RODRIGUES NETO, E. Os caminhos do sistema único de saúde no Brasil: algumas considerações e propostas. [S.l. :
NESP/FS/UnB/CSP, 1990. Mimeo. p. 43.
2
Apud. SCHWARTZMAN, S. Educação básica no Brasil: a agenda da modernidade. Estudos Avançados, São Paulo, v.
5, n. 12, p. 49-60, 1991. p. 52.
3
SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo : Cortez, 1988. p. 33-34.
4
SCHWARTZMAN, S. op. cit., p.. 53.
5
MELLO, G. N. Políticas públicas de educação. Estudos Avançados, São Paulo, v. 5, n. 12, p. 7-47, 1991. p. 10.
6
Id. Social democracia e educação: teses para discussão. São Paulo : Cortez, 1990. p. 30.
7
Id. op. cit. (1991), p. 12-13.
8
Id. ibid., p. 13-14.
9
RIBEIRO, S. C. A pedagogia da repetência. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 4, p. 77-92, jul./dez.
1991. p. 80.
10
FREITAG, B. Política educacional e indústria cultural. São Paulo : Cortez, 1987. p. 123.
11
MELLO, G. N. Políticas públicas de educação. Estudos Avançados, São Paulo, v. 5, n. 12, p. 7-47, 1991. p. 23.
12
MÉDICI, A. C. A força de trabalho em saúde no Brasil dos anos 70: percalços e tendências. In: ___. Textos de apoio:
planejamento I: Recursos humanos em Saúde. Rio de Janeiro: ENSP/ABRASCO, 1987. p. 45.
13
CORDEIRO, H. A. Empresas médicas. Rio de Janeiro : Graal, 1984.
14
MÉDICI, A. C. op. cit., p. 45.
15
GIRARDI, S. N. La fuerza de trabajo en el sector salud: elementos teóricos e evidencias empiricas. Educación Médica y
Salud, Washington, v. 25, n. 1, p. 37-47, 1991.
16
MÉDICI, André Cezar. Saúde e crise da modernidade: caminhos, fronteiras e horizontes. Saúde e Sociedade, São Paulo,
v. 1, n. 2, p. 49-78,1992. p. 70-71.
17
NOGUEIRA, R. P., SANTOS, I. Formação de pessoal de nível médio na área de saúde. [S.l. : s.n.], [19-?]. 12 p. Mimeo.
18
SANTOS, I. Profissionalização dos trabalhadores de nível médio em saúde. Brasília: [s.n.], 1993. Painel apresentado na
II Conferência Nacional de Recursos Humanos para a Saúde.
19
CUNHA, L. A., GÓES, M. de. O golpe na educação. Rio de janeiro : Zahar, 1985. p. 71.
20
Id. Ibid., p. 7 1.
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