Posição da SPEA sobre
a Energia Eólica em Portugal
Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
1. Introdução
A energia eólica é a fonte de energia que regista maior crescimento em todo o mundo. A
percentagem de crescimento anual é superior a 37% e Portugal não é excepção. Na
Europa, a Directiva 2001/77/CE de 27 de Setembro de 2001 visa impor o aumento da
percentagem da electricidade produzida a partir de fontes renováveis na União Europeia
de 14% em 1997 para 22% em 2010. Segundo esta Directiva, até ao ano referido, 39% da
electricidade consumida em Portugal deverá ser proveniente de fontes renováveis.
Apesar deste tipo de energia constituir actualmente uma parcela significativa dos recursos
utilizados para produção de electricidade (devido principalmente aos grandes
aproveitamentos hidroeléctricos), a verdade é que o seu potencial de exploração se
encontra subaproveitado.
A construção de grandes barragens em Portugal para produzir energia eléctrica já não
representa uma alternativa viável. Portugal esgotou a sua “capacidade de carga” no que
respeita a estes empreendimentos e quaisquer novas barragens dificilmente compensarão
energeticamente o forte investimento económico e os impactes sócio-ambientais que
poderão provocar.
A energia eólica constitui uma das melhores soluções ao nível das energias renováveis.
Devido ao seu carácter não poluente, desempenha ou pode desempenhar um papel
fundamental na concretização do compromisso nacional em reduzir as emissões de gases
com efeito de estufa e na contribuição para um desenvolvimento sustentável.
Por outro lado, a produção a partir do recurso eólico revela-se também economicamente
competitiva relativamente às demais fontes de energia: o custo de geração da energia
eólica é dos mais baixos, sendo apenas ultrapassado pelo gás (podendo, em locais muito
ventosos, equiparar-se). No entanto, atendendo ao ritmo de desenvolvimento tecnológico
que se tem observado nesta área, é provável que, a prazo, a energia eólica se venha a
tornar na mais barata fonte de produção de electricidade.
As primeiras instalações eólicas em Portugal datam da década de 1990, e a sua
implantação foi feita sem grande debate no que diz respeito ao estudo e à avaliação prévia
dos lugares escolhidos. A situação actual é completamente diferente: este meio de
produção de energia subiu em Portugal de 18,41MW em 1996 para 190MW em 2002. No
final de 2004, entre instalações ligadas e em construção, o valor de potência instalada
acumulada ultrapassou os 1250 MW (fonte: INEGI 2004), o que corresponde a mais de 800
turbinas, prevendo-se que em 2010 atinja os 2600MW (Direcção Geral de Energia, Rede
Eléctrica Nacional, S. A. in Saraiva 2003).
Posição da SPEA sobre a Energia Eólica em Portugal. Iván Ramírez, SPEA, 2005.
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Assim, começam a surgir no país instalações eólicas que afectam muito significativamente
espaços naturais de enorme valor ecológico e ornitológico. Estes lugares, nem sempre
protegidos legalmente, são escolhidos pelo seu potencial eólico, e os factores ambientais
são relegados sem justificação. Mais ainda, o recente interesse pela energia eólica tem
motivado novos projectos de parques situados directamente no meio aquático,
nomeadamente nas áreas de ventos fortes situadas na plataforma continental e no interior
de grandes estuários. Estas novas instalações, muito mais extensas do que as conhecidas
em terra firme, representam um claro desafio ambiental, devido ao insuficiente quadram
legal existente.
Foi bastante difícil no passado defender a ideia, hoje amplamente aceite, de que até as
energias consideradas alternativas ou “limpas” podem ter impactes ambientais muito
negativos; no caso particular da energia eólica, a diversidade biológica, os habitats
naturais e o património cultural/paisagístico são os mais afectados. Na actualidade,
existem diversos estudos que provam que os parques indevidamente colocados
representam uma séria ameaça para as aves, provocando mortalidade elevada de aves
planadoras e de outros grupos animais, como os morcegos.
Grosso modo, os parques eólicos podem ter três tipos de impacto sobre as aves:
a) Mortalidade por colisão directa
b) Perturbação das rotas de voo e dos comportamentos/grau de utilização das áreas
c) Destruição do habitat através da construção das infra-estruturas
Nos últimos anos, a SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, tem iniciado
diversas actividades orientadas para conseguir uma implantação ordenada dos parques
eólicos, minimizando as ameaças para as aves selvagens e para os seus habitats (ex: Paul
da Serra, Madeira). O objectivo deste documento é, por um lado, apresentar uma posição
clara da SPEA nesta matéria e, por outro, fornecer informação aos promotores e
responsáveis pela implementação da energia eólica em Portugal que possa servir como
referência para futuras reuniões e seminários.
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2.
Posição da SPEA
Ao longo dos últimos anos, e devido ao grande incremento do número de parques eólicos
em Portugal, a SPEA tem actualizado a sua posição no que diz respeito à energia eólica e
tem revisto as suas exigências de planificação ambiental para o sector, que são resumidas
nos seguintes pontos:
•
A SPEA encontra-se claramente a favor do desenvolvimento das energias renováveis em
Portugal. É essencial minimizar o contributo de outras fontes de energia não renováveis
(combustíveis fósseis) a longo e médio prazo.
•
Neste sentido, o compromisso firmado pelo Estado Português no âmbito do protocolo
de Quioto, de redução das fontes do CO2 em Portugal (39% da Energia obtida através de
energias renováveis em 2010), terá que ser atingido mediante a implantação de energias
consideradas “limpas”.
•
No entanto, todas as formas de produção de electricidade, mesmo as consideradas
renováveis ou “alternativas”, como a energia eólica, apresentam impactes ambientais
negativos. Assim, a SPEA considera essencial estabelecer processos de avaliação
ambiental rigorosos que permitam minimizar estes impactes. Estes processos deverão
começar muito antes da instalação dos parques eólicos e terão que ser repetidos de forma
sistemática.
•
A SPEA considera que os Parques Eólicos não devem ter efeitos negativos em áreas
designadas para a conservação da natureza, ou que o possam vir a ser no futuro,
incluindo Áreas Importantes para as Aves (IBAs - Important Bird Areas). Não é
recomendável que sejam instalados nesses locais, sendo para tal necessário a
demonstração da sua compatibilidade e/ou a falta de alternativas menos impactantes.
•
A SPEA considera que uma boa estratégia política terá de considerar objectivos
ambientais, energéticos e sociais. Isto só poderá ser realizado através dos seguintes
princípios:
-
Promoção de políticas de poupança energética, de eficiência energética e de
diminuição da procura energética em Portugal. Para uma politica energética
sustentável, a gestão da procura é tão ou mais importante do que a gestão da
oferta.
-
Substituição das instalações energéticas mais perigosas para o ambiente.
-
Incremento do auto-abastecimento em pequenos núcleos populacionais, de forma
a minimizar os impactes derivados do transporte e armazenamento da energia
eléctrica.
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-
Estabelecimento de uma estratégia ambiental definida que identifique áreas
prioritárias para a conservação da diversidade biológica em Portugal. Estas áreas
prioritárias não poderão sofrer alterações significativas, nomeadamente as
derivadas da instalação de parques eólicos. Estes espaços prioritários serão
classificados devido à sua importância ecológica, incluindo a importância
ornitológica. O inventário IBAs da SPEA constitui a ferramenta ideal para o
estabelecimento desta rede de áreas prioritárias em Portugal no que diz respeito
às aves.
•
A SPEA considera que os impactes cumulativos derivados da implantação de diversos
parques eólicos não são suficientemente avaliados na legislação actual. Assim, a
implementação de um parque eólico num determinado local deverá considerar a
existência ou provável futura existência de outros empreendimentos semelhantes na
região. De modo a que seja efectuada uma correcta avaliação da área e dos potenciais
impactes é determinante que exista uma cooperação entre promotores. Infelizmente,
frequentemente os processos de avaliação de impacte ambiental (AIA) dos parques
eólicos não consideram outras áreas situadas na vizinhança. Ao realizar os processos
de AIA de forma independente, torna-se muito difícil avaliar o verdadeiro impacto
global destas instalações na área de estudo.
•
No caso de parques eólicos planeados para zonas transfronteiriças, deverá ser
estabelecida uma cooperação com as autoridades do Governo espanhol, para avaliar
impactos do outro lado da fronteira. O mesmo deverá ser exigido das autoridades
espanholas.
•
A SPEA considera fundamental avaliar o impacte ambiental não só da área de
implantação dos aerogeradores, mas também dos acessos e das linhas eléctricas de alta
ou média tensão associadas a estes empreendimentos.
•
A SPEA considera importante identificar e classificar áreas protegidas marinhas, antes de
se identificarem os locais para desenvolvimento dos futuros parques eólicos offshore.
Neste sentido, a SPEA desenvolve desde Outubro de 2004, um projecto de 4 anos (LIFE
IBAs Marinhas) que visa identificar as zonas mais importantes para as Aves Marinhas na
Zona Económica Exclusiva Portuguesa.
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•
Finalmente, os processos de avaliação de impacte ambiental, AIA, constituem a
ferramenta fundamental para o estudo e determinação da viabilidade de quaisquer
empreendimentos. Assim, a SPEA defende os seguintes conteúdos nestes processos:
a) Estudo da avifauna sedentária. Neste tema terão que ser consideradas todas as
espécies residentes que irão ser afectadas pelo empreendimento. É essencial
estudar não apenas a abundância das aves, mas também a utilização do habitat e o
comportamento das espécies (nomeadamente rotas utilizadas e alturas de voo),
identificando se for necessário aquelas áreas onde a instalação dos aerogeradores
comportará maiores impactes para as aves. No caso de um parque eólico, os
objectos naturais de estudo deverão ser, para além da avifauna, os quirópteros, a
flora e os habitats. Considerando apenas a avifauna, poderão ser seleccionadas
determinadas espécies-alvo que se preveja virem a ser os principais receptores
dos impactes (ex. aves planadoras).
b) Estudo da avifauna migratória. É muito importante realizar estudos das aves
migratórias (nas passagens pré e pós-nupciais) nas áreas de estudo. (((A avaliação
destas áreas de utilização torna-se essencial para definir os potenciais perigos das
linhas eléctricas e dos aerogeradores que poderão ser colocados. É importante
considerar os impactes cumulativos que poderão produzir-se em casos de pouca
visibilidade, como, por exemplo, em circunstâncias meteorológicas adversas.
As alíneas a) e b) serão apenas possíveis mediante um estudo prolongado no
tempo e realizado de forma sistemática. Este estudo das aves e dos outros grupos
de fauna presentes nos habitats identificados terão que cobrir todas as épocas do
ano e idealmente considerarão os factores cumulativos de outros parques que
possam existir na vizinhança. Estes estudos deverão ser custeados pelo Governo
e/ou pela indústria eólica.
c) Desenho do parque. Apenas depois de se ter realizado o estudo sobre abundância
das espécies e utilização da área se deverá iniciar-se o desenho do parque eólico. A
localização dos aerogeradores terá que considerar sempre zonas de passagem e
corredores livres de aerogeradores, de forma minimizar os possíveis impactes
sobre aves em voo. Deverão ser adoptadas soluções técnicas orientadas a reduzir o
número de aerogeradores instalados, caso seja necessário.
d) Monitorização. Deverão elaborar-se planos de seguimento dos parques eólicos,
incluindo os períodos prévios á instalação dos mesmos e também durante a sua
fase operativa. A monitorização deverá avaliar e quantificar os impactes nas aves e
as causas da sua mortalidade. Terão que ser consideradas a fenologia e a biologia
das espécies objecto de estudo (que podem ser extremamente variáveis), de modo
a cobrir o conjunto dos ciclos biológicos, evitando a perda de dados relevantes.
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Os dados obtidos através destes processos de monitorização deverão ser públicos e
poderão ser utilizados para definir e adoptar medidas compensatórias destinadas a
minimizar os impactes causados, ou eventualmente para modificar determinados
aspectos do projecto. A monitorização deverá ser custeada pelo Governo e/ou pela
indústria eólica.
e) Análise estatística. Este tipo de amostragem permite a obtenção de uma grande
quantidade de informação, o que é compatível com o estabelecimento de um
desenho experimental orientado para a validação estatística dos dados. Deste
modo obtém-se um maior grau de confiança na interpretação dos mesmos.
g) Sistemas de Informação Geográfica (SIG). Os SIG assumem uma importância
fundamental, uma vez que permitem integrar todos os dados biológicos recolhidos
e produzir nova informação que servirá de apoio à decisão. A escala de abordagem
é adaptável à dimensão do projecto considerando-se o valor 1:1.000 adequado à
maioria dos casos.
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