O observador, fazendo uma reportagem, relata o que vê dentro da fábrica. As máquinas, os operários, as crianças,
as condições de higiene, a jornada de treze horas, o trabalho das mulheres ("a vida dessas pobres operárias, circunscritas assim na fábrica, toma a aparência de uma prisão).
Esse artigo foi publicado pelo jornal "Avanti", constituindo um dos relatos mais completos e minuciosos sobre as
primeiras fábricas têxteis.
Enquanto o público segue com paixão a importante greve dos tecelões não será inoportuno acompanhar-me
na visita a algum dos grandes estabelecimentos têxteis onde tantos operários consomem as suas vidas.
Antes de tudo, passamos em revista a fiação. Os primeiros que encontramos são os batedores. Observamos
somente, porque o trabalho ensurdecedor impede toda conversação. Homens e meninos acompanham o trabalho dessas máquinas infernais, durante treze horas por dia; qualquer desatenção é causa muitas vezes de uma
lesão, e infelizmente o operário, mesmo o mais atento, mancha com seu sangue essas máquinas. Um pó denso, anti-higiênico, voa por toda a sala, tolhe a respiração, atrapalha a visão e em breve milhares de pequenos
flocos de algodão os cobrem com uma densa camada branca como se fosse uma tempestade de neve.
Os ventiladores funcionam afanosamente para livrar todo aquele pó; também os operários inalam poeira, o
que os predispõem a moléstias pulmonares. E dizer que para um trabalho tão propício aos acidentes de trabalho, tão cansativo, tão terrível para a saúde, esses homens não ganham mais do que 90 mil-réis por mês !
A maior parte dos operários tem família, mas o seu horário é tão estafante que as alegrias da família não podem ser usufruídas. De manhã, quando sai para a fábrica, a família está mergulhada no sono, e à tarde o cansaço não permite cerimônias. Quando qualquer criança fica doente apenas pode pensar nela. O trabalho absorve sua atenção e todos os seus pensamentos. Se desgraçadamente algum filho morre, nem tempo para
chorá-lo. Não conhecem outra vida senão a da fábrica.
Nos bancos de fiação trabalham geralmente as mulheres. Dos bancos a tira larga do algodão, depois de passar
pela carda, é reduzida à um longo, interminável e macio fio que vai cair em espirais em grandes recipientes
apropriados. Os bancos de fiação desenrolam aquelas fibras cardadas, dão torção e estiramento e as enrolam
em muitos fusos.
Mas quanta paciência requer este trabalho ! Essas mulheres devem ficar sempre em pé, com a máxima atenção
nos 50 ou mais fusos que giram com uma velocidade vertiginosa; devem emendar muitas vezes o fio quando se
rompe e consertar freqüentemente os defeitos das máquinas.
As pobres meninas das fábricas devem trabalhar onze horas e meia, respirando um ar impuro, com uma miserável recompensa de 45 mil-réis (metade do que recebem os homens) por mês e com freqüência dizimada pelas
multas ! São moças na flor da idade, pálidas, extenuadas por uma vida tão dura, são mães empurradas pela
necessidade a fazer concorrência cruel aos maridos nas mãos dos industriais.
Muitas vezes vi essas mulheres abandonarem momentaneamente o trabalho para amamentar um filho, que
ficava a sua espera na portaria, nos braços de alguma bondosa amiga.
Em tal circunstância, fácil é imaginar que alimento poderá ser este dado por uma mãe mal nutrida ! E que conseqüências funestas poderão arruinar para sempre uma pobre criatura ! Amarga ironia para a sociedade essa
de preocupar-se pela infância e permitir semelhante vergonha ! Quantos jovens sofrem em tais ambiente, em
horários desumanos ! Não conhecem senão trabalho e mais trabalho, com ordenados de fome.
Prosseguimos o nosso caminho, até encontrar outras máquinas. Nessas só trabalham meninos e jovens que
prolongam a operação de estiragem e torção dos fios.
Esses trabalham treze horas por dia; há ainda uma turma que trabalha à noite, com um salário mensal de 20
mil-réis. Se por um instante se descuidam do trabalho, uma multa logo cai para chamá-los ao dever.
Os acidentes de trabalho são freqüentes, e infelizmente pouco considerados, por que sempre se culpa a des atenção.
Após uma não breve parada, retomamos nossa visita pela fábrica.
Começamos pela sala de preparação para a tecelagem. Assim que se entra, um mau cheiro de ambiente fechado e de ácidos evaporados nos adverte logo que as condições higiênicas deste local deixam muito a desejar, para inteiro prejuízo dos trinta operários que ali trabalham.
A sala é pouco ou nada ventilada e as janelas geralmente estão fechadas como se temesse um assalto de ladrões.
O horário dos que ali trabalham deveria ser de onze horas e meia, mas com freqüência um aviso, que não re speita as condições físicas de quem trabalha nem do ambiente anuncia num estilo lacônico, que o trabalho será
estendido para treze horas sem direito a nenhuma gratificação extra. Além do mais, uma multa é aplicada
para quem quer que se ausente muito prolongadamente da sala.
À entrada da sala, vê-se um longo recipiente de pedra, com uma moringa em cima. Parece um bebedouro de
porcos, mas é um recipiente de água, no qual os operários podem matar a sede. Um copo único, raramente lavado, deve bastar para cerca de cem operários. As máquinas de tear não são consertadas do escapamento das
lançadeiras como deveriam ser.
Na sala não há ventiladores suficientes para aspiração de ar viciado e as clarabóias sempre fechadas impedem
qualquer corrente de ar puro. O suor dos trabalhadores se mistura ao fedor dos lubrificantes das máquinas, os
ácidos e tantos outros maus odores, se formam no ar pesado, malsão insuportável. Mais de uma vez vi operárias transportadas desmaiadas para a miserável e suja farmácia do estabelecimento.
O tratamento é desumano, e as multas servem muitas vezes para minguar o reduzido salário.
Avanti, 24 maio 1907
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o trabalho no interior de uma fábrica