A VISÃO DE UM CIDADÃO COMUM III ( A Fábrica ) Nuno Melo Imagine-se uma fábrica de vários pisos... Nos pisos inferiores os trabalhadores estão a laborar com mascaras de oxigénio, os filtros estão gastos e mal os protegem do fumo denso que cobre as vastas salas impedindo-os de ver não só o exterior como também uns aos outros... No ar além do fumo paira também o som de uma gravação monocórdica da administração que os alerta para a necessidade da fábrica laborar custe o que custar para cumprir os prazos acordados com os clientes na entrega das encomendas, relembrando as métricas definidas para cada processo na cadeia de produção. Nas paredes enormes ecrãs LCD mostram imagens de fábricas já falidas com uma legenda comum “Estes colaboradores não cumpriram e agora estão no desemprego”. A gravação áudio é interrompida periodicamente pelas vozes dos encarregados gritando ordens e dizendo que a produção está atrasada pelo que se terá de trabalhar mais rapidamente abdicando de todas as regras de segurança, de parâmetros de qualidade, de tempos de pausa e das refeições de forma a recuperar o tempo perdido... Alguns andares mais acima os quadros administrativos e técnicos, trabalham numa azáfama para cumprir com a sua quota-parte nos processos de produção, quota-parte essa que tem aumentado exponencialmente nos últimos tempos. A grande maioria já não se queixa, persiste o cheiro a fumo mas é menos denso e embora se trabalhe de mascara pelo menos os filtros são relativamente novos...mas acima de tudo não se queixam com medo de serem transferidos para os andares de baixo como viram acontecer a alguns, cada vez mais, colegas nos últimos tempos. Nos andares cimeiros ignora-se que exista um fumo opressivo no resto da fábrica, analisam-se gráficos de produção, mapas de excel e fazem-se reuniões sucessivas com os chefes de departamentos onde são visionadas coloridas apresentações em PowerPoint com gráficos mostrando os desvios ao orçamentado e onde se debate como é se pode aumentar a produção e lucros cortando nos custos. Pelo meio os gestores vão tentando, á socapa, fazer uns acordos particulares com os fornecedores para seu benefício pessoal. Finalmente no último andar, o da administração, os vários administradores fazem gravações áudio e vídeo para serem passadas na fábrica. Sabem que o fumo que se sente não é da laboração das máquinas mas sim do fogo que está a consumir lentamente as mesmas e a fábrica inteira...estabelecem contactos com os amigos com vista a arranjar uma nova colocação pois sabem que é uma questão de tempo até a fábrica explodir. Em troca de uma eventual colocação prometem transferir os escassos recursos financeiros da instalação fabril para uma qualquer SGPS á escolha dos amigos. Por fim, no exterior da fábrica juntam-se, aos magotes, jogadores que apostam entre si quanto tempo é que faltará para que surjam labaredas entre o fumo junto às janelas... Só falta dizer o nome desta fábrica...”Fábrica Portugal”. E os pisos? Representam as várias camadas da sociedade Portuguesa actual… Esta é a imagem que tenho do Nosso País, um país a arder, em combustão lenta, e prestes a explodir sem que haja um plano de recuperação/salvação. Ao longo dos últimos meses constatamos que um dos principais problemas da Nação reside numa falta de visão e plano estratégico que nos relance a nível económico. Continuamos a não apostar em sectores estratégicos importantíssimos para a nossa sobrevivência como o da agricultura e pescas importamos cerca de 80% do que consumimos a nível alimentar, isto significa que sem as importações alimentares, num primeiro ciclo produtivo, teríamos comida para cerca de duas semanas sem racionamento. Temos de reduzir a nossa dependência energética rapidamente e relançar a indústria para o consumo interno em primeiro lugar. Fala-se em aumentar exportações (pergunto eu: de quê e para quem?) quando deveríamos estar mais preocupados em reduzir drasticamente as importações, pois não podemos estar dependentes a este nível do exterior. Sim porque não tenham dúvidas que a globalização está a dar lugar ao isolacionismo em passos largos - basta ouvir o discurso moderado do “Estado da União” do presidente Obama, digo moderado, porque se for derrotado nas eleições deste ano qualquer dos seus oponentes republicanos será mais radical na defesa da sua pátria. Mas o maior problema com o qual nos debatemos é um problema moral e cívico bem patente em todos os artigos publicados. A maioria do povo Português tem bases democráticas e cívicas deficientes. Existe um desrespeito individual tremendo sobre o bem-estar colectivo. Desde que se possa continuar a ir de férias, comer bem, frequentar os sítios da moda, apoiar o clube de futebol, mudar de carro e ter o último grito em tecnologia no bolso está tudo bem...os outros que se lixem! Quantas vezes não ouviram estas frases: A justiça não funciona... «não tenho nada a ver com isso, mas já se sabe que funciona melhor para os ricos». Há corrupção... «Eh pá o gajo só estava a fazer pela vida, mas olha que tem feito obra e há piores…», o desemprego não para de aumentar... «Esses gajos não querem vergar a mola preferem estar em casa», a saúde está a ser privatizada... «Acho muito bem, nos hospitais públicos não fazem nada e um gajo espera que se farta», vão existir mais cortes para os servidores do Estado «Até que enfim...cambada de parasitas! Agora é que vão ver o que é bom para a tosse. Se trabalhassem no privado…». O mais triste é que estas frases são proferidas pelas mesmas pessoas que o Estado Democrático, como é a República Portuguesa, tenta proteger. O que fazer? O Nosso país precisa urgentemente de uma Revolução Moral e Cívica acompanhada de uma linha de orientação estratégica a nível económico para sobreviver. Não podemos de forma alguma continuar a pôr a Nossa Soberania, Independência e Nação em risco como se encontra actualmente e muito menos vende-la por mais uns trocos dos nossos credores. É necessário proceder a uma reeducação dos nossos concidadãos para que exista uma participação cívica activa e consciente que permita sanear as instituições dos esquemas e vícios que lesam o País e a Democracia. Mas isto é um processo moroso, o da educação, e tempo é algo que a Pátria não tem. Determinadas medidas necessitam de uma segurança real para que surtam efeito, pois as forças de bloqueio são avassaladoras e os inimigos da Nação e da democracia bem entrincheirados nos órgãos de estado e no tecido empresarial do país. Não podemos continuar a ser reféns de um regime semi-democrático (porque a abstenção nas urnas tem superado a votação efectiva) em que muitos votos, frutos de uma ignorância e de uma manipulação de massas, têm levado a maioria silenciosa a ver os seus direitos fundamentais espezinhados e a Soberania Nacional posta em causa. É premente que surja uma alternativa ao status quo e com urgência porque o tempo começa a esgotar… Um abraço e até para a semana! Nota: O autor pede desculpa pelo uso de calão e algumas palavras que roçam o vernáculo mas o seu uso foi necessário para dar alguma força e vivacidade ao texto.