XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora
ARQUITETURA DE ENFERMARIAS PEDIÁTRICAS: ESTUDO
DE CASOS EM JUIZ DE FORA.
Juliana Simili de Oliveira (1); José Gustavo Francis Abdalla(2) ; Marcos Martins Borges(3)
(1) Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil. Email: [email protected]
(2) Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil. Email: [email protected]
(3) Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil. Email: [email protected]
Resumo
Este estudo deriva de uma dissertação de mestrado que investiga como o ambiente construído
pode contribuir para a humanização de enfermarias pediátricas. O artigo aborda o problema
da criança e do adolescente no ambiente hospitalar, visto que a internação nesta fase da vida
pode se configurar em uma experiência potencialmente traumática, considerando que ambos
estão em formação e desenvolvimento, tanto físico quanto psicossocial. Assim, para o estudo
foi analisada a percepção dos usuários quanto ao ambiente, demonstrando a relação
existente entre ambiente construído e o bem-estar do paciente. Este caracteriza-se como
sendo uma Pesquisa Exploratória, com abordagem interdisciplinar e qualitativa. Apoiou-se
na literatura multidisciplinar do tema e nos estudos de campo, tendo como referência a
Avaliação Pós-Ocupação. Os estudos de casos foram realizados em duas enfermarias
pediátricas de hospitais gerais de Juiz de Fora e investigou três tipos de usuários: pacientes,
acompanhantes e funcionários. A tabulação das respostas configurou-se na criação de
categorias, que agruparam informações semelhantes e recorrentes. O presente artigo destaca
três: recreação; faixa etária e a acomodação de acompanhantes. Concluiu-se que, além de
atender tecnicamente, os projetos para ambientes de saúde devem atender todas às
necessidades do ser humano, principalmente quando se considera a criança e o adolescente.
Palavras chave: arquitetura, saúde, pediatria, Juiz de Fora, Brasil.
Abstract
This study is part of a dissertation that investigated how the built environment can contribute
to the humanization of pediatric wards. The article talks about the problem of children and
adolescents in hospital, since it can be configured in a traumatic experience, because they're
developing physical and psychosocial. In this study was considered the users' perception
about the environment, demonstrating the relationship between the built environment and the
welfare of the patient. Is an Exploratory Research, with interdisciplinary and qualitative
approach. It leans on the multidisciplinary literature on the subject and field studies, with
reference in the Post-Occupancy Evaluation. The studies of cases were conducted in two
pediatric wards of general hospitals in Juiz de Fora, where the three following types of users
were investigated: patients, caregivers and staff. The tabulation of the responses was
configured in categories, grouped with similar and recurrent information. This article
highlights three: the recreation of the patients, appropriateness to age and caregivers’
accommodation. It was concluded then that, beyond the technical composition, the projects
for spaces of healthcare must meet all the needs of human beings, especially when
considering children and adolescents. This study also points to the need for architectural
designs to be considered, first of all the individuals who inhabit them, guiding and planning
spaces that facilitate their experience in all aspects, respecting the individuality and
particularities of each type of user involved in the production process of healthcare.
Keywords: healthcare architecture, pediatric rooms, Juiz de Fora, Brazil.
2100
XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa analisar como a arquitetura de hospitais pode facilitar o processo de
humanização, particularizando a questão para os ambientes pediátricos. Foi investigado como
o ambiente construído é capaz de contribuir para a melhoria da vivência nas enfermarias
pediátricas. Para isso, considerou-se a percepção dos usuários quanto ao ambiente em que se
encontravam, demonstrando a relação existente entre ambiente construído e o bem-estar do
paciente.
As transformações no cenário atual, o crescimento e difusão de tecnologias e a socialização
dos meios de comunicação, apontam mudanças que refletem também na abordagem dos
serviços de saúde. Na visão geral, há uma busca por tornar, por um lado, o cuidado e, por
outro lado, o espaço hospitalar meios estimulantes para a qualidade de vida dos indivíduos, o
que quer dizer, não somente cuidado com a questão da doença. Nesse sentido, a arquitetura da
saúde tem passado por transformações, entre elas, os ambientes da saúde apresentam um
desenho com relações mais humanas, isto é, todos os envolvidos no processo de produção da
saúde passam a ser valorizados durante a concepção edificação. Em tese, nota-se uma
inversão no modelo doença-cura para um modelo saúde-prevenção, onde a promoção da
saúde passa a ser o foco do cuidado (ABDALLA et. al., 2010; BRASIL, 2009).
A arquitetura de ambientes em saúde (AAS), então, ultrapassa a questão da composição
técnica ao considerar questões não tangíveis, delimitadas por um espaço-tempo e vivenciadas
por uma “grupalidade”, que incluem valores culturais e relações sociais dos indivíduos
assistidos (BRASIL, 2009). Assim, incorpora a necessidade de promover a autoestima dos
usuários e propor condições que estimulem relações múltiplas e benéficas entre pacientes,
acompanhantes e funcionários a fim de contextualizá-los no tempo e no espaço social do qual
fazem parte. A arquitetura é apresentada como um espaço virtual, que à medida que colabora
no desempenho das atividades em uma instituição de saúde, ratifica o caráter de lugar, criando
ou reforçando uma interação entre os indivíduos e o ambiente construído (OLIVEIRA, 2012).
Ela assim se incluirá como mais um dos processos de intervenção no contexto assistencial em
saúde, auxiliando no resgate da individualidade de seus usuários, já que por vezes o fator
pessoal é negligenciado pelo ideal da neutralidade científica da modernidade, que restringiu as
complexidades dos problemas cotidianos a uma pretensa totalidade (SOUSA et. al., 2008).
Contudo, projetos para ambientes de saúde precisam estar atentos às particularidades
eminentes do setor, mais ainda, em cada diferente situação para cada hospital. De modo
lacônico, é impressivo que entre profissionais de arquitetura e engenharias tenham como
senso comum que a “Humanização” é um tratamento estético no AAS e, ainda, outros
profissionais a veem como somente a realização de atividades acolhedoras com pacientes.
Diferentemente, mas não excluindo essas abordagens, observa-se ainda que a Humanização
consiste na contextualização dos usuários, resgatando sua individualidade. Neste sentido,
além do espaço de saúde assumir um papel de procedimento protocolar técnico, já observado
em outros tempos (FOUCAULT, 1989), para ser pleno, não basta ser perfeitamente funcional
(ABDALLA et. al., 2004); ele deve também atender ao indivíduo em outros aspectos da sua
vivência para configurar um lugar (LANGER, 2006), ou seja, algo percebido na virtualidade
da concepção espacial, isto é, ideológica.
Tecnicamente tratando, o artigo aborda o problema da criança e do adolescente no ambiente
hospitalar, onde, para o Ministério da Saúde (BRASIL, 1990), é considerada criança “a
pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de
idade”. Nesta etapa de vida, ambos estão em formação e desenvolvimento, tanto físico quanto
2101
XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora
psicossocial. Quando a criança e o adolescente passam por uma internação, o curso de seu
desenvolvimento é modificado, bem como a sua maneira de vivenciar o mundo, sendo que “a
hospitalização na infância pode se configurar como uma experiência potencialmente
traumática” (MITRE et. al., 2004).
Semelhantemente ao adulto, que possui fatores individuais, pessoais, situacionais e
socioculturais que se combinam na avaliação da situação estressante, a criança também se
utiliza desses componentes para a construção de um momento particular na hospitalização. A
repercussão ou os efeitos dos problemas e dificuldades na vida de uma pessoa não está
relacionado apenas à natureza do evento estressante, mas também à avaliação que a pessoa faz
da situação (CARMO, 2008). Neste sentido, entende-se, tanto para criança, quanto para o
adolescente, que a hospitalização representa a estranheza, o ausentar-se do próprio mundo,
rompendo com seu cotidiano e hábitos, obrigando-os a abandonarem seu espaço, em uma
mudança de sua rotina e na de seus familiares, para, assim, passarem a conviver com a
doença. Neste contexto, ambos acabam por promover um confronto com a dor, com a
limitação física e a passividade, fazendo aflorar sentimentos de culpa, punição e medo da
morte (ALMEIDA et. al., 2005; MITRE et. al., 2004). Para o paciente pediátrico, ainda a
hospitalização representa medo do desconhecido, sofrimento físico com os procedimentos e
sofrimento psicológico relacionado aos sentimentos novos que passa a vivenciar. Para a
família, a hospitalização significa a perda da normalidade, o sentimento de insegurança na
função de progenitores, alteração financeira no orçamento doméstico, dor pelo sofrimento do
filho. A forma como a família lida com os estresses envolvidos no tratamento do filho reflete
o apoio dado à criança durante a hospitalização (CARMO, 2008; HONICKY et. al., 2009).
Considerado esses dois mundos envolvidos na internação pediátrica, ressalta-se aqui que
trabalhar com crianças significa trabalhar também com seus pais, especialmente com relação
aos seus sentimentos e atitudes (HONICKY et. al., 2009). Neste sentindo, o usuário espera
que o espaço físico-arquitetônico não acresça problemas ao momento estressante para a
criança e, ou, o adolescente e seus familiares. Pelo contrário, espera-se que a arquitetura possa
contribuir para o bem-estar de ambos, por meio de um local em que promova o respeito,
dignidade e conforto durante o processo de enfrentamento da doença.
Frente às dificuldades passadas pelos pacientes pediátricos e seus familiares durante a
hospitalização, afloram necessidades que requerem ambientes, entre outros, o arquitetônico,
que os levem a reelaborarem suas experiências, ordenando seus sofrimentos e frustrações e
possibilitando que eles expressem seus sentimentos em relação ao momento particular que
estão vivendo. Quando o espaço é projetado para a criança, a hospitalização pode ser
percebida mais positivamente, sendo um auxiliar no processo de cura (BERGAN et. el.,
2009). Neste sentido, em AAS pediátricos, deve-se ter o objetivo particular de torná-la menos
normativa e aproximando-a do universo da criança, sobretudo quando se nota que a criança
doente é naturalmente frágil e vulnerável (OLIVEIRA, 1993).
2. METODOLOGIA
O presente artigo constitui-se como sendo uma Pesquisa Exploratória, com abordagem
interdisciplinar e qualitativa, apoiada na literatura multidisciplinar do tema e em estudos de
campo, embasados em referência as técnicas e instrumentos da Avaliação Pós-Ocupação
(APO). Neste trabalho, a APO buscou por uma avaliação comportamental, privilegiando a
percepção dos usuários ao experimentar o ambiente, uma vez que se aponta para a
necessidade de serem atendidas não só as condições técnicas e de uso da edificação, mas
também as expectativas psicocomportamentais dos usuários do ambiente construído
(ORNSTEIN, 1992).
2102
XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora
Os objetos de análise deste estudo são hospitais gerais, no município de Juiz de Fora/MG, que
possuíam enfermarias pediátricas. Como limitação, o estudo ocorreu em unidades de atenção
terciária à saúde, com atendimento público ou filantrópico e excluiu as enfermarias neonatais
(crianças de 0 a 28 dias). Outro fator determinante para a escolha dos objetos de análise foi a
receptividade da administração dessas instituições e o interesse para a concretização da
pesquisa. Com isso, duas instituições foram investigadas: o Hospital Universitário da UFJF
(HU-UFJF) e a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora (SCM-JF).
A APO foi estruturada em duas partes: (1) visitas exploratórias e leituras espaciais realizada
in loco pela pesquisadora e (2) aplicação de questionários semi-estruturados nos usuários das
AAS pediátricas.
Durante a primeira etapa (1) foi realizado um levantamento dos aspectos físico-espaciais
gerais do edifício, tais como dimensionamento, sensação de conforto e privacidade, registro
de materiais de acabamento, mobiliário e layout. Tais observações foram anotadas em uma
ficha de avaliação para cada um dos ambientes visitados. Os resultados foram tabulados e
proporcionaram uma compreensão de como se organizam espacialmente as enfermarias
pediátricas, além de ser possível perceber como os usuários desses ambientes vivenciam-no
no cotidiano.
A segunda fase da pesquisa (2) desdobrou-se na aplicação de questionários semi-estruturados.
Estes incluíam a identificação do respondente; o preenchimento de uma sentença aberta (“Eu
gostaria que esta pediatria fosse ou tivesse...”), baseada no Poema dos Desejos, instrumento
desenvolvido por Henry Sanoff (RHEINGANTZ et. al., 2009); e, por fim, as questões
fechadas, de múltipla escolha, em que os entrevistados atribuíram conceitos para o ambiente
em que se encontravam. A elaboração das perguntas desta última parte do questionário teve
como fundamentação o Evidence-Based Design - EBD (Projeto Baseado em Evidências), que
define que os projetos sejam feitos com base em investigações científicas e acadêmicas
(NOBLIS, 2007; MCCULLOUGH, 2009). O questionário foi de um único modelo para todas
as categorias de adultos entrevistados, sendo o mesmo trabalhado parcialmente com as
crianças.
Foi levantado um total de 143 questionários preenchidos por adultos nos dois hospitais. No
HU-UFJF a amostra constitui-se de 20 acompanhantes, 1 paciente, 9 médicos (tutores e
residentes), 5 enfermeiros, 14 técnicos de enfermagem, 1 auxiliar de enfermagem, 1 assistente
social e 1 agente administrativo. Já na SCM-JF foram 49 acompanhantes, 10 pacientes, 5
médicos (tutores e residentes), 2 enfermeiros, 24 técnicos de enfermagem e 1 fonoaudióloga.
Já a participação das crianças, que responderam apenas à identificação e à sentença aberta, foi
constituída por 1 paciente do HU-UFJF e 9 da SCM-JF. A pesquisa não teve como objetivo
comparar as duas instituições, por isso os resultados serão apresentados de maneira conjunta,
apontando as respostas que se destacaram na soma dos dois casos.
A amostra do estudo foi feita por conveniência, ou seja, amostra não probabilística, acidental,
em função de limitações de tempo e recursos. Este tipo de amostra permite que a coleta e a
análise de dados relativos a alguns elementos da população em estudo proporcionem
informações relevantes sobre toda essa população (VELUDO DE OLIVEIRA, 2001). A
repetição dos dados indicou o momento de saturação e foi determinante para o encerramento
da coleta de informações.
Os instrumentos foram aplicados pela mestranda durante o mês de julho de 2011, em
diferentes horários, abrangendo os turnos da manhã, tarde e noite. As visitas ocorreram em
dias alternados, a fim de alcançar o maior número possível de funcionários, uma vez que estes
trabalham com escalas de horários. Desta forma, foi possível atingir uma amostra
representativa de toda a população de usuários.
2103
XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora
Este trabalho foi realizado de acordo com os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução nº
196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde sobre as normas
regulamentadoras de investigação envolvendo seres humanos. Por se tratar de uma pesquisa
na área de saúde, a pesquisa foi submetida à aprovação junto ao Comitê de Ética em Pesquisa
de cada uma das instituições investigadas. Antes da coleta de dados, foram prestados
esclarecimentos aos participantes e a participação no estudo só ocorreu mediante a assinatura
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
3. A ARQUITETURA DAS ENFERMARIAS PEDIÁTRICAS E OS USUÁRIOS DO
AMBIENTE
A tabulação das respostas foi agrupada por meio de informações semelhantes e recorrentes.
Dentre as respostas de ambos os hospitais, o presente artigo irá destacar três categorias: a
recreação dos pacientes, adequação à faixa etária e a acomodação de acompanhantes.
3.1. Recreação
Figura 1 – “Poema dos desejos” preenchidos por pacientes solicitando recreação. Fonte: (a autora).
Através dos dois estudos de casos, foi possível compreender com maior clareza a importância
da recreação no ambiente hospitalar. O “brincar” é para a criança parte de seu contexto
cotidiano e auxilia na organização dos pensamentos e sentimentos, aliando as sensações
quanto ao momento característico que estão vivendo. A recreação faz com que os pacientes e
acompanhantes tiram o foco da doença, atendendo às necessidades não médicas dos pacientes
e permitindo a sensação de “o tempo passar mais rápido”, como descreveu uma das respostas
dos acompanhantes. Durante as visitas, e também através dos questionários, foi perceptível
que a recreação e as distrações positivas são uma necessidade dos pacientes pediátricos
internados.
Segundo os resultados obtidos através dos questionários, os pais e funcionários disseram, em
54% e 51% das respostas, respectivamente, que os espaços para brincadeiras e recreações dos
hospitais visitados são muito bons ou bons. As crianças, na maioria das solicitações (77%),
demonstram seu desejo por mais recreação nos hospitais. Há solicitações de brinquedos,
parquinhos, TV e DVD nos quartos, câmeras fotográficas e animais. Observou-se que o tipo
de distração varia de acordo com a faixa etária, mas é requerida em todas elas (figura 01).
2104
XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora
3.2. Faixa etária
Os resultados demonstraram que em ambos os hospitais existem pacientes de diferentes faixas
etárias dividindo uma mesma enfermaria, já que visam a atender à demanda de internações
contratualizadas com o Sistema Único de Saúde (SUS). A larga abrangência da faixa etária da
pediatria – que no HU-UFJF atende crianças de 28 dias de vida a 18 anos incompletos e na
SCM-JF de 28 dias a 12 anos incompletos – redefinem o perfil dos pacientes a cada momento,
visto que a demanda de internações não é planejada.
Com pacientes bebês, crianças, pré-adolescentes e adolescentes, as enfermarias pediátricas
apresentam alguns inconvenientes arquitetônicos-espaciais, apontados a seguir.
Um ponto a ser destacado são os mobiliários, que nem sempre atendem de forma adequada
aos pacientes internados, com diferentes idades e tamanhos. Cerca de 22% dos
acompanhantes e 43% dos funcionários dos hospitais visitados afirmam que o local possui
mobiliários inadequados aos pacientes, revelando que são necessários ajustes. Os próprios
pacientes relatam suas necessidades, como um deles que, com 10 anos de idade, quando
perguntado sobre o que queria que a enfermaria em que estava tivesse, foi enfático em dizer e
expressar através de desenho: “uma cama do meu tamanho” (figura 02).
Figura 2 - “Poema dos desejos” preenchido por paciente solicitando adequação de mobiliário. Fonte: (a autora).
A inadequação quanto ao dimensionamento dos mobiliários segue também para os banheiros,
que possuem louças infantis, dificultando o seu uso por crianças maiores e pelos adolescentes.
Isso ocasiona um sentimento de deslocamento em relação ao ambiente, afetando diretamente
o emocional dos pacientes já fragilizados.
Outro aspecto a ser considerado em um ambiente de saúde que cuida de crianças e
adolescentes é a ambiência. Em um espaço pediátrico, elementos lúdicos são fundamentais,
remetendo à vivência cotidiana do paciente e desviando a atenção que tende a se deter
somente aos aspectos da doença. Quando questionados quanto à aparência estética das
pediatrias em que se encontravam, 62% dos pais e 69% dos funcionários avaliaram como
sendo boa ou muito boa e, 23% e 27%, respectivamente, como sendo razoável nas questões
fechadas. Isso evidencia, por parte dos acompanhantes, que só o fato de ser atendido já era
considerado um motivo de gratidão, inibindo qualquer tipo de pensamento crítico quanto ao
ambiente físico. Já os funcionários veem melhorias ao longo dos anos, evitando críticas
maiores, e/ou consideram outros aspectos do ambiente mais relevantes, sendo o lúdico muitas
vezes tido como algo supérfluo.
Através dos resultados obtidos na questão aberta, porém, é possível afirmar que os usuários
indicam mudanças e inovações na ambientação das enfermarias, atendendo às expectativas de
cada faixa etária. Segundo um dos pais, deve-se “tentar aproximar o máximo o quarto com o
que temos em casa”. Esta consideração reitera a necessidade subjetiva de contextualização, no
caso, com a moradia, reafirmando a arquitetura como sendo um elemento humanizador, capaz
2105
XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora
de resgatar aspectos de vivência e fazendo com que o espaço se configure em um lugar. Sendo
assim, crianças menores e seus pais tendem a querer um ambiente com “bichinhos” e
desenhos, diferindo dos adolescentes, que apontam cores e ambientes com aspectos menos
infantilizados. Cada usuário tende a projetar no espaço em que se situa elementos capazes de
auxiliar no enfrentamento da doença, sendo estes, na maioria das vezes, reflexo das vivências
cotidianas.
3.3. Acomodação de acompanhantes
A permanência de um acompanhante em período integral é um direito do paciente pediátrico,
assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Nos estudos de
casos, porém, foi possível perceber que o espaço destinado aos acompanhantes nas
enfermarias é precário, com mobiliários inapropriados e desconfortáveis. No HU-UFJF, as
cadeiras possuem estofamento duro e na SCM-JF, as cadeiras são de plástico (figura 03).
Ambas as situações demonstram que a qualidade da permanência do acompanhante na
enfermaria é insatisfatória, visto a que se destinam: proporcionar condições de repouso a uma
pessoa que permanece por dias, sentada ou deitada, sendo que estas devem estar em condições
de auxiliar no cuidado com os pacientes. Fato é que os mobiliários existentes não apresentam
conforto e acabam interferindo até mesmo no psicológico dos pais e pacientes que, além de
lidarem com a doença, acabam ficando mais estressados.
Figura 3 – Acomodação de pacientes no HU-UFJF e SCM-JF, respectivamente. Fonte: (a autora).
Estas afirmações são corroboradas pelos próprios usuários, quando questionados a respeito
das acomodações. Os acompanhantes afirmaram em 43% das respostas que estas são ruins ou
muito ruins e cerca de 35% que são razoáveis. Os funcionários também apontaram, em 35%
das respostas, as acomodações como sendo ruim ou muito ruim e outros 42% como sendo
razoável. A condição de desconforto dos acompanhantes é percebida até mesmo pelos
pacientes que, em 15% de suas solicitações, referiam-se ao desejo de que houvesse camas
para seus pais e acompanhantes (figura 04).
A insatisfação dos acompanhantes reflete-se diretamente nos pacientes que, devido à
hospitalização, já estão com seu psicológico fragilizado. As constantes reclamações feitas
pelos pais fazem com que muitas vezes as crianças e adolescentes se sintam culpados por
estarem ali e fazerem-nos passarem por tal situação.
2106
XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora
Figura 4 - “Poema dos desejos” preenchido por paciente solicitando melhores acomodações para os
acompanhantes. Fonte: (a autora).
4. CONCLUSÕES
Os estudos de casos corroboram o entendimento de que o espaço físico influencia diretamente
na vivência dos ambientes de saúde por seus usuários, visto que as condições físicas dos
hospitais refletem na conduta social e também no estado psicológico dos mesmos. Isso reforça
a idéia de Foucault (1989), que afirma que “a arquitetura hospitalar é um instrumento de cura
do mesmo estatuto que um regime alimentar, uma sangria ou um gesto médico” e dá uma
dimensão a mais sobre a importância do que se tem chamado humanização arquitetônica dos
hospitais, pois acrescenta o emocional do paciente à questão. Percebeu-se que a pressão dos
sofrimentos e da dor vividos fora do ambiente familiar podem ser amenizados pela condição
da infraestrutura física do hospital, proporcionando um ambiente mais confortável e que gere
menos transtornos sociais. Isto é, uma pessoa considera o ambiente confortável quando
observa ou sente um acontecimento ou fenômeno sem preocupação ou incômodo ou então
quando está em um ambiente físico se sentindo em neutralidade em relação a ele
(CORBELLA, 2003).
Através dos resultados desta pesquisa é possível afirmar que a recreação em um AAS
pediátrica melhora a vivência e até mesmo pode influenciar no tratamento da doença, visto
que a criança e/ou adolescente menos estressados e mais ambientados com o espaço em que
estão inseridos pode também facilitar a atuação da equipe assistencial de saúde. Contudo,
apesar da preocupação com a qualidade dos espaços, na prática, os estabelecimentos de saúde
investigados ainda não refletem a plena importância do espaço físico e da ambiência para a
recuperação dos pacientes. As particularidades da infância e da adolescência, o lúdico e a
aproximação com o universo das brincadeiras, muitas vezes são vistos como supérfluos,
sendo improvisados (sem projeto e em espaços adaptados). É preciso que esses espaços
pediátricos sejam projetados com particularidades, uma vez que se entende que as
necessidades da infância e adolescência ultrapassam o aspecto legal e funcional.
Outra constatação é a larga abrangência de faixas etárias nas enfermarias pediátricas. Apesar
da proximidade cronológica dos usuários, elas apresentam uma considerável diferença nos
aspectos físicos, emocionais e intelectuais (OLIVEIRA, 2012). Por exemplo, as enfermarias
pediátricas tendem a serem espaços infantilizados, agradando aos pacientes menores, aos pais
e até mesmo aos funcionários, porém, adolescentes sentem-se agredidos, deslocados e assim
mais fragilizados. Fato é que, o elemento lúdico também deve ser coerente com a idade de
seus pacientes, ou então os objetivos não serão alcançados, podendo gerar reações opostas às
almejadas. Um adolescente deve estar em um espaço ambientado de acordo com sua vivência
cotidiana e não com personagens infantis, ideais para crianças menores, e vice-versa.
Observou-se também a importância da presença do acompanhante em período integral nas
enfermarias pediátricas. As necessidades dos acompanhantes devem ser consideradas não só
no projeto arquitetônico como também pela instituição como um todo, uma vez que estas não
2107
XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora
são as mesmas dos pacientes. Para o bem-estar das crianças e adolescentes internados, seus
acompanhantes devem ser tratados dignamente. Mais do que isso, os pais devem estar em
condições não só de cuidarem de seus filhos como também de influenciá-los quanto à
vivência do espaço, fazendo com que se sintam seguros e protegidos no ambiente hospitalar.
É preciso lembrar que a criança, quando em um ambiente de saúde, continua sendo criança e
os adolescentes continuam a se descobrirem porque, além de tecnicamente corretos, os
projetos de AAS atendem necessidades humanas, isto é, atender às normas não é suficiente.
Sobre a metodologia, a APO mostrou-se satisfatória para o desenvolvimento analítico do
trabalho; o EBD coloca a priori a questão do empírico no design das edificações e permitiu
apontar questões advindas da prática que deram certo e errado. Contudo, ele não estabeleceu
condições de observar a expertise do projetista dos AAS. Ainda, a não inclusão de uma
investigação histórica arquitetônica e construtiva, no campo da análise do espaço
arquitetônico e de avaliação de humanização em saúde é prejudicial, pois leva ao investigador
a desconsiderar concepções, conceitos e dificuldades de desenvolvimento da obra. Por este
aspecto, o EBD falha, pois a arquitetura para a humanização em saúde está imbuída de
questões decorrentes de uma virtualidade conceitual dos lugares, há que se buscarem
conexões entre o indivíduo com o lugar vivenciado, inclusive no seu aspecto idealizado.
REFERÊNCIAS
ABDALLA, J. G. F.; ASSIS, A.; COSME, R. O.; JUNQUEIRA, W. B. C. O invisível de quem cuida: a
humanização das unidades de apoio em ambientes de saúde - uma experiência em Juiz de Fora. In: I Congresso
Nacional da ABDEH / IV Seminário de Engenharia Clínica. Anais... Salvador: FAUBA / GEA-hosp, 2004.
ABDALLA, J. G. F; BORGES, M. M.; OLIVEIRA, J. S. Arquitetura para equipamentos públicos e as redes em
saúde. In: I ENANPARQ (Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo) - Arquitetura, Cidade, Paisagem e Território: percursos e prospectivas, 2010, Rio de
Janeiro. Anais ... Rio de Janeiro: 2010.
ALMEIDA, I. S.; RODRIGUES, B. M. R. D.; SIMOES, S. M. F. Desvelando o cotidiano do adolescente
hospitalizado. Revista brasileira de Enfermagem [online]. Brasília: 2005. Disponível em:
http://www.scielo.br.ez25.periodicos.capes.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003471672005000200003&lng=en&nrm=iso. Acessado em 27 de dezembro de 2011.
BERGAN, C.; BURSZTYN, I.; SANTOS, M. C. O.; TURA, L. F. R. Humanização: representações sociais do
hospital pediátrico. Revista Gaúcha de Enfermagem [online]. Porto Alegre (RS): 2009. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472009000400011. Acessado em 6 de
setembro de 2011.
BRASIL. Ministério da Saúde. Estatuto da criança e do adolescente. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1990.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de
Humanização. Ambiência. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2009.
CARMO, A. A brinquedoteca hospitalar: uma intervenção positiva para criança hospitalizada. Monografia
(Departamento de Educação do Centro de Referência em Distúrbios de Aprendizagem). São Paulo: 2008.
CORBELLA, O.; YANNAS, S. Em busca de uma arquitetura sustentável para os trópicos. Rio de Janeiro:
Revan, 2003.
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de janeiro: Editora Graal, 1989.
HONICKY, M.; SILVA, R. R. O adolescente e o processo de hospitalização: percepção, privação e
elaboração. Psicologia
hospitalar [online].
São
Paulo:
2009.
Disponível
em:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ph/v7n1/v7n1a04.pdf. Acessado em 27 de dezembro de 2011.
LANGER, S. K. Sentimento e forma: uma teoria da arte desenvolvida a partir de filosofia em nova chave. São
Paulo: Perspectiva, 2006.
MCCULLOUGH, C. (org.). Evidence-based design for healthcare facilities. EUA: Edwards Brothers, Inc.,
2009.
2108
XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora
MITRE, R. M. A.; GOMES, R. A promoção do brincar no contexto da hospitalização infantil como ação de
saúde. Ciência
e
Saúde
Coletiva.
Rio
de
Janeiro,
2004.
Disponível
em:
<
http://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S1413-81232004000100015&script=sci_arttext&tlng=pt>.
Acessado
em: 13 de novembro de 2010.
NOBLIS. For the best of reasons. Evidence-Based Design: Application in the MHS. EUA: 2007. Disponível
em: <http://www.noblis.org/MissionAreas/HI/public/Documents/EBDInMHS.pdf>. Acesso em 27 de fevereiro
de 2011.
OLIVEIRA, H. A enfermidade sob o olhar da criança hospitalizada. Cadernos de Saúde Pública. Rio de
Janeiro,
1993.
Disponível
em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S0102311X1993000300020&script=sci_arttext&tlng=pt >. Acessado em: 14 de novembro de 2010.
OLIVEIRA, J. Humanização em Saúde: arquitetura em enfermarias pediátricas. Dissertação (Mestrado em
Ambiente Construído) – Universidade Federal de Juiz de fora, Juiz de Fora, 2012.
ORNSTEIN, S.; ROMÉRO, M. (colab.). Avaliação Pós-ocupação do ambiente construído. São Paulo: Studio
Nobel; EDUSP, 1992.
RHEINGANTZ, P. A.; AZEVEDO G.; BRASILEIRO, A.; ALCANTARA, D.; QUEIROZ, M. Observando a
Qualidade do Lugar: procedimentos para o trabalho de campo. [livro eletrônico] Rio de Janeiro:
PROARQ/UFRJ-FAU, 2009.
SOUZA, W.S.; MOREIRA, M.C.N. A temática da humanização na saúde: alguns apontamentos para debate.
Interface
Comunicação,
Saúde,
Educação.
Botucatu,
2008.
Disponível
em:
<
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-32832008000200008&script=sci_abstract&tlng=pt >. Acessado em:
24 de maio de 2010.
VELUDO DE OLIVEIRA, T. M. Amostragem não probabilística: adequação de situações para uso e limitações
de amostras por conveniência, julgamento e quotas. Administração Online: prática, pesquisa, ensino. 2001.
Disponível em: <http://www.fecap.br/adm_online/art23/tania2.htm>. Acessado em: 17 abril de 2011.
AGRADECIMENTOS
Às direções do HU-UFJF e da SCM-JF, por terem aberto suas portas acolhendo esta pesquisa. A todos os
pacientes pediátricos, seus acompanhantes e funcionários, pela contribuição para a realização deste trabalho. A
CAPES e à UFJF pelo apoio financeiro, permitindo a realização deste trabalho.
2109
Download

ARQUITETURA DE ENFERMARIAS PEDIÁTRICAS