COMUNICAÇÃO ORAL
EDUCAÇÃO INCLUSIVA E ARTE: A CONSTRUÇÃO DE UMA TRAJETÓRIA
GT03: Métodos e Teorias Metodológicas
Doutora Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva
UDESC/CAPES1
Mestre Adriane Cristine Kirst
UDESC/CNPq2
Resumo: Este Artigo tem como objetivo apresentar as diversas etapas, projetos e articulações que
envolvem as pesquisa do Grupo de Pesquisa Educação, Arte e Inclusão. Ao longo da construção
acadêmica do grupo pôde-se perceber investigações e ações voltadas para um ensino de arte crítico e
reflexivo, nos quais os temas envolvem a educação inclusiva no que se refere as pessoas com
deficiência, questões étnico raciais e inclusão tecnológica, formando neste sentido, um tripé que se
articula em si.
PALAVRAS CHAVE: Arte Educação; pesquisa e formação de professores.
Apresentamos as investigações realizadas pelo Grupo de Pesquisa: Educação,
Arte e Inclusão, CNPq/UDESC, no contexto do ensino de arte, com o objetivo de
apresentar o recorte metodológico proposto na perspectiva dos estudos com objetos
complexos. Inicialmente apresentamos uma síntese dos principais projetos desde sua
criação no ano de 2006 até 2011, com vistas a contextualizar a temática abordada e
apresentar o enfoque metodológico.
Articulado ao tripé ensino, pesquisa e extensão o grupo de pesquisa vem
desenvolvendo sua trajetória no sentido de ampliar os estudos que subsidiem a
formação de professores de artes, o ensino escolar, bem como o trabalho em espaços
culturais múltiplos, tecendo relações entre a arte e a educação no contexto inclusivo.
A formação de pesquisadores para essa temática tanto na graduação, como na pósgraduação, tem se constituído alvo principal dos estudos desenvolvidos.
Considerando a inclusão um termo polissêmico no contexto social, o grupo de
pesquisa propõe a análise dos estudos em foco a partir de três perspectivas inclusivas:
uma que se refere às pessoas com deficiência, outra a questões étnico raciais e a
construção de um currículo multicultural-crítico e uma última que diz respeito à
inclusão como fenômeno tecnológico capaz de ampliar o acesso a informação e a
formação crítica. Nossas investigações têm aprofundado a abordagem metodológica
qualitativa, por entender que ela contribui de forma coerente para o aprofundamento
dos fenômenos educativos no contexto do ensino de arte.
O grupo de pesquisa tem realizado parceria com educadores de Portugal,
Espanha, Estados Unidos e Argentina tanto no contexto da educação, como no
contexto da arte. Acreditamos que o trabalho em grupo, as atividades colaborativas e
o estudo investigativo têm apresentado bons resultados no sentido de conhecer melhor
1
2
Realizando Estágio Pós-doutoral com apoio da CAPES.
Bolsista de Apoio Técnico – CNPq.
nosso objeto de estudo, o ensino de arte inclusivo, podendo desta forma ampliar as
contribuições da área para essa temática. Nos últimos anos o grupo de pesquisa tem
apresentado suas sistematizações em forma de livros publicados, um em 2009, um
em 2010 e um previsto para 2012. A experiência da escrita nos auxilia no registro e
reflexão dos caminhos trilhados.
1. Contextualizando
O grupo de pesquisa Educação, Arte e Inclusão nasceu no ano de 2006 já
inscrito na base de dados do CNPq e vem ao longo dos últimos anos sistematizando
seus estudos a fim de contribuir para a compreensão do fenômeno inclusão/exclusão
na formação de professores de arte. O grupo é composto por dez doutores divididos
na área de educação e arte, nesse texto apresentamos um recorte de uma das linhas
intituladas Ensino de Arte, Formação de professores e Inclusão.
O primeiro estudo realizado, nesta linha, entre os anos de 2006 e 2007 teve
como objetivo mapear a participação dos estudantes com deficiência nos cursos
superiores da UDESC. Como haviam pouquíssimos estudantes com deficiência
inseridos no ensino superior, buscamos identificar a partir dos dados disponíveis no
Instituto Nacional de Pesquisa – INEP, qual a demanda de estudantes com deficiência
nas cidades onde a UDESC tinha sede, atingindo assim onze cidades, pois é uma
universidade multi-campi.
Essa etapa foi fundamental para
conhecer os dados sobre a participação de
pessoas com deficiência no ensino
fundamental e médio e também para
aprofundar o conhecimento da legislação e das
políticas públicas. Embora este estudo não
seja específico da área de arte, ele serviu de Figure 1 - MAPA DE SANTA CATARINA
base para os demais projetos voltados ao
ensino de arte, pois partiu de um levantamento bibliográfico para a construção de uma
mapa conceitual e sua relação com as políticas públicas e os dados do INEP, já
mencionados.
Considerando os elementos encontrados na realidade escolar como a falta de
adaptação de materiais, de formação dos professores, somadas as dificuldades
estruturais, nos anos de 2007 e 2008, desenvolvemos o estudo intitulado Construção
metodológica do fazer pedagógico de arte: desafios da inclusão. A investigação teve
como objetivo identificar como os professores de arte desenvolviam seu trabalho a
fim de incluir as crianças com deficiência. Esse estudo já foi detalhado em Fonseca da
Silva (2009 e 2010). No entanto podemos destacar que do ponto de vista
metodológico utilizamos duas entrevistas, uma padrão, para todos os professores de
arte que tinham alunos com deficiência nas aulas de artes visuais, totalizando nove
professores e a segunda entrevista foi realizada ao final da pesquisa, depois de
observar oito aulas de cada professor a fim de elucidar as questões específicas do
processo de criação metodológico de cada um deles para com as crianças com
deficiência. As observações tinham como foco as interações entre a professora e os
estudantes, por vezes mais de um em sala de aula.
Figure 2 - ATIVIDADE DE SALA DE AULA
No ano de 2008 até 2010 realizamos uma investigação intitulada: Laboratório
de Educação Inclusiva: metodologias de inclusão, o projeto contou com
financiamento da Fundação de Apoio a Pesquisa de Santa Catarina – FAPESC. Esse
projeto propôs como foco de estudo as interações que as crianças com deficiências e
crianças comuns realizavam com objetos pedagógicos, para aprender arte. No
encaminhamento metodológico da experiência foram construídas três oficinas de artes
com público entre oito e dez crianças. Na primeira oficina, voltada para surdos e
ouvintes o tema do estudo foi os “sons e movimentos”. Na segunda oficina, voltada
para os cegos, baixa visão e videntes, o tema foi as “artes visuais na
contemporaneidade” e na última oficina, cujo tema era os “diferentes processos de
alfabetização, estética e letramento”, inserimos também a interface com a tecnologia.
Situado no campo da pesquisa aplicada, o estudo foi registrado no livro que encontrase no prelo intitulado: Objetos pedagógicos: uma experiência inclusiva em oficinas de
artes, a ser editado pela editora Junqueira Marin em 2012.
Figure 3 OBRA MENA BARRETO QUE
FOI ADAPTADA PARA ESTUDANTES CEGOS
Destacamos também que no ano de 2009 iniciamos um projeto de investigação
com o objetivo de identificar a contribuição da experiência de atuação de professores
de artes em Organizações não Governamentais, ministrando conteúdos de arteeducação para públicos cegos. Pretendíamos sistematizar essa experiência como
elemento de qualificação da formação de professores que atuam com crianças com
deficiência na escola. Este projeto Arte e Inclusão nas ONGs no Brasil e na Espanha:
um retrato polissêmico da formação de professores de artes teceu ainda um
comparativo entre a realidade de uma ONG em Santa Catarina e uma ONG na
Espanha3. O projeto recebeu financiamento do Edital de Ciências Humanas – 2010 do
CNPq.
Atualmente iniciamos a implementação do projeto intitulado Cria
consolidaç
Especiais –
LAVAIPE. O projeto que é financiado pelo Edital Universal do CNPq tem como
objeto de estudo identificar como a pessoa cega interage com as artes visuais
contemporâneas por meio de sistemas eletrônicos de reconhecimento sensorial. A
partir da criação de ambientes imersivos pretendemos identificar as possibilidades de
interação estética do cego com as proposições artísticas empreendidas pela equipe. No
primeiro momento propomos a criação de ambientes artísticos artificiais em
laboratório e no segundo momento levar essa experiência para os espaços artísticoculturais da cidade. Buscamos com a investigação criar um espaço de interação
artística para pessoas cegas a partir das tecnologias e seus desdobramentos que
possibilitem uma inovação a partir de dois conceitos iniciais: Realidade Virtual e
Realidade Aumentada. Ao propiciar essa experiência interativa pretendemos analisar
como se constituem para as pessoas cegas essas sensações estéticas.
É importante destacar que a tecnologia desenvolvida nesse projeto utilizada
para a fruição em arte, pode ser reaproveitada em atividades da vida diária, como o
curso de treinamento de cegos para adaptarem-se ao convívio social, nas ruas e nas
instituições. Treinamento que permite preparar o cego dentro de um ambiente seguro,
essa tecnologia pode montar qualquer cenário em segundos. Poder simular chuva (e
por que não vento?) e ver como o cego reage para atravessar a "rua" virtual nestas
condições. Acreditamos que a partir das experiências pilotos poderemos a médio e
longo prazo criar um dispositivo barato e móvel, utilizando webcams e circuitos
eletrônicos simples, que possam simular o mesmo ambiente virtual a um custo barato.
Este ambiente não teria muita precisão, mas seria o suficiente para uma boa
experiência na própria casa do usuário no que diz respeito a diversos tipos de
simulação sensorial.
No campo da arte, foco desse projeto, o indivíduo cego poderia ter acesso às
produções artísticas no contexto da Arte Contemporânea, interações por meio de arte
tecnológica, o acesso a produções veiculadas na Internet e em Museus virtuais. Da
mesma forma as pesquisas poderiam ter respostas relativas a interação dos cegos com
esses artefatos artísticos e tecnológicos.
3
A coleta de dados na Espanha fez parte do Estágio de Pós-Doutorado da Professora Maria Cristina da
Rosa Fonseca da Silva, junto ao departamento de didática da Expressão Musical e Plástica da
Universidade de Sevillha. US – Espanha com bolsa da CAPES. 2010-2011.
2. Metodologias de Pesquisa com objetos complexos
Partimos de um ponto inicial que é a pesquisa qualitativa para melhor
compreender a pesquisa com objetos complexos. Segundo Flick (2009) a pesquisa
qualitativa procura entender, descrever e em algumas situações explicar o contexto
social. Ressalta ainda que a abordagem não utiliza-se de experiências de laboratório,
ao contrário, busca identificar os fenômenos sociais a partir de uma vivência mais
aprofundada com o objeto de pesquisa no contexto onde ele se manifesta. O autor
destaca algumas formas mais utilizadas: 01- ressalta as experiências de contextos
individuais e grupais. 02 – analisa também fenômenos que estão sendo vivenciados,
em construção que utilizam-se de observação, registro da prática e da interação entre
o grupo.
Os estudos documentais também podem ser analisados a partir de uma
perspectiva qualitativa. “Essas abordagens têm em comum o fato de buscarem
esmiuçar a forma como as pessoas constroem o mundo à sua volta, o que estão
fazendo ou o que está lhes acontecendo em termos que tenham sentido e que
ofereçam uma visão rica”. (FLICK, 2009, p.8).
Sair dos modelos mais conhecidos de pesquisa que já são reconhecidos como
instrumentos de coleta de dados geram a necessidade de apresentar justificativas
plausíveis para subsidiar as práticas inovadoras. É comum que os pesquisadores na
área das ciências humanas e das artes utilizem parte de sua produção para fortalecer a
metodologia de pesquisa, pois esse convencimento reitera a validade da pesquisa.
Morin (2008) ao caracterizar a complexidade destaca que esse tema é ainda
marginal no pensamento científico, no epistemológico e no filosófico. O autor
também destaca que o trato do tema por autores “marginais” fez com que esse tema se
revestisse de alguns mal entendidos, entre eles o autor destaca dois, a saber: o
primeiro é a concepção da complexidade como receita, como resposta pronta, fato que
fragiliza o entendimento de complexidade como motivação para pensar. O segundo
mal entendido destacado por Morin (2008) está na confusão entre complexidade e
completude.
Nesse caso o autor destaca que a complexidade trata da incompletude do
conhecimento, ao menos no sentido de buscar o aprofundamento da análise e não as
respostas mais superficiais. Acreditamos que na sociedade em que vivemos esse
aspecto de buscar a profundidade do conhecimento é pouco valorizado ao mesmo
tempo em que denuncia esse caráter de incompletude do conhecimento.
Ao caracterizar um conjunto de caminhos para conduzir ao “desafio da
complexidade, Morin (2008) destaca cinco avenidas. A primeira diz respeito ao
princípio da irredutibilidade do acaso e da desordem. A segunda avenida é a
transgressão. A terceira avenida destaca a complicação. A quarta trata do movimento
de ordem e desordem que gera uma organização, que é considerada a quinta avenida.
Já a sexta avenida aborda a relação entre o todo e as partes, que na teoria marxista
poderia ser chamada de dialética. Já a sétima avenida destaca a crise dos conceitos
fechados e claros e a oitava sugere a volta do observador a sua observação, ou seja a
volta do olhar ao objeto complexo.
Os objetos de estudo complexos podem ser considerados aqueles que exigem
do pesquisador e de sua equipe a quebra dos procedimentos comuns e a criação de
inovações na pesquisa para a melhor leitura e interpretação dos dados. A principal
ferramenta de pesquisa no campo das ciências humanas e das artes é a experiência
que o pesquisador tem no trato dos dados complexos. Essa trajetória de formação do
pesquisador nasce nos cursos de graduação a partir da inserção dos trabalhos de
conclusão de curso. As atividades de iniciação científica e de estudos de pósgraduação ampliaram e aprofundaram essa formação investigativa.
No processo de análise de dados a experiência do pesquisador auxilia a
identificar os aspectos de complexidade e suas relações com os diferentes prismas
encontrados nos materiais colhidos. Exige ainda um cuidado com o recorte do objeto,
a sistematização do referencial e a identificação dos aspectos que emergem dos dados,
aquilo que não era esperado, o novo que surge do material colhido.
Nas pesquisas abordadas anteriormente no primeiro tópico destacamos como
objeto complexo os estudos que desenvolveram material para públicos com
deficiência abordado por Fonseca da Silva (2009a e 2009b), pois o estudo apresentou
num mesmo contexto de classe de artes, diferentes trajetórias que não puderam ser
comparadas. Cada indivíduo e seu professor de arte estabeleciam um conjunto de
relações singular fazendo com que o pesquisador analisasse cada prática de forma
descritiva e ao mesmo tempo sistematizar as diferentes abordagens metodológicas no
campo da ação didática em artes visuais.
No projeto LAVAIPE introduzimos o manuseio dos conceitos
tecnológicos experimentados no percurso das pesquisas em arte. Identificamos a não
linearidade dos objetos de investigação como um elemento de complexidade pois esse
tipo de coleta produz diferentes tipo de dados que por sua vez dialogam entre si
porque partem de um mesmo contexto investigativo e ao mesmo tempo destoam no
sentido de uma leitura comparativa. Exemplificamos essa situação quando temos
como dados coletados o resultado de entrevistas, vídeos, fotografias e observações, ou
mesmo objetos artísticos. Nesse caso a multiplicidade de variáveis se por um lado
apontam uma riqueza para o estudo, por outro exigem do pesquisador uma análise
descritiva e fundamentada.
Considerando as diferenças entre as pesquisas do âmbito das ciências sociais,
e de ciências naturais, pode-se dizer que existem um fosso entre as abordagens
epistemológicas e metodológicas de investigação nas duas realidades. (DA MATTA,
1997) apresenta em seu texto, uma gênese das pesquisas na área de ciências sociais e
de como os primeiros estudos utilizaram-se de instrumentos de pesquisa das ciências
naturais. Neste caso o autor historiciza o campo para mostrar as diferenças de objetos
de estudos das duas ciências. De um lado as pesquisas que utilizam como objeto de
estudo o homem e sua produção cultural, necessitando de métodos de investigação
distintos das ciências naturais. O autor aponta as transformações que se seguiram no
âmbito das ciências humanas e de como novas abordagens foram sendo construídas
para possibilitar a investigação no cenário das ciências sociais. Do outro lado, o autor
destaca as diferenças de objeto de estudos e encaminhamento metodológico das
ciências naturais.
As pesquisas no âmbito das ciências humanas e da arte utilizam uma
abordagem epistemológica de pesquisa no campo qualitativo, fato este que a
diferencia das ciências naturais, não só em relação às questões filosóficas da
abordagem, como também o perfil do pesquisador, as técnicas de coleta de dados e o
modo de interpretação dos dados. (LEITE e COLOMBO, 2006) utilizam uma
classificação de Luna (1997), onde o autor enumera que qualquer pesquisa deve
reunir um grupo de características fundamentais para ser considerada uma pesquisa.
01 – definir um problema de pesquisa, 02 – mostrar como vai responder as questões
propostas, 03 – definir as fontes de informação, 04- descrever as ações que
produziram as informações, 05- identificar os modos como os dados serão tratados,
06 – qualificar um escopo teórico para análise dos dados, 07 – identificar as respostas
às perguntas formuladas no problema, 8- demonstrar a confiabilidade da pesquisa, 9indicação da generalidade dos resultados, quando for possível. Partindo das nove
propostas de Luna (1997) é possível definir um conjunto de questões que ampliam a
possibilidade de qualidade da pesquisa.
Gonzaga (2006) aborda o tema da pesquisa qualitativa, situando as
dificuldades da abordagem, pois não existe um modelo pronto e acabado, a qualidade
da pesquisa se constitui na ação de formação do pesquisador, no diálogo com as
fontes teóricas. A formação do pesquisador impulsiona uma trajetória que despende
tempo e dedicação na busca de respostas para o objeto de pesquisa.
Outro aspecto a considerar diz respeito à formação dos bolsistas de iniciação
científica situando-os nos fundamentos teóricos, no âmbito das propostas
metodológicas e da coleta de dados, além de propor uma maneira de se relacionar
com os sujeitos da pesquisa e com os dados de modo geral. A atividade de iniciação
científica tem o objetivo de proporcionar uma formação de pesquisador para o
estudante no contexto da graduação, bem como, aproximá-lo do contexto da
sociedade a partir da atividade de pesquisa.
Um conjunto de questões do ponto de vista da produção e da formação estética
se enfileira no cenário dessa proposta e muitas perguntas se colocam na ordem do dia.
Como ocorre a interação virtual do cego com a arte? Qual o papel do som nesse
contexto? Como o corpo interfere nesse cenário? Que sensações as propostas
interativas acarretam ao cego? Quais as diferenças entre os ambientes virtuais
produzidos em laboratório e os ambientes imersivos nos espaços expositivos? Que
mudanças ocorrem no cenário da arte contemporânea em direção as relações entre
arte e tecnologia? Que estética permeia a arte digital? Arantes (2005) resgata o
movimento de transformação ocorrido no cenário das artes, inclusive apontado a
atualidade do pensamento de Walter Benjamin em relação à reprodutibilidade técnica
da obra de arte. Da mesma forma a autora enfatiza os princípios dessa estética digital
e aponta duas direções, dos artistas que se utilizam da mídia computacional para
desenvolvimento de suas produções artísticas e dos artistas que utilizam os recursos
multimídia para construir uma interatividade entre artista e público, ou mesmo entre
público e público, ou ainda público e máquina. Nosso objeto de estudo está
circunscrito ao cenário das interações entre a pessoa cega e a arte, tendo como
elemento de relação às possibilidades tecnológicas de produzir um pensamento
estético a partir do envolvimento corporal do cego. Acreditamos que essa experiência
auxiliará a pessoa cega a compreender o universo da arte contemporânea e estabelecer
com ela uma relação estética, ampliando seu modo de perceber o mundo.
3. Considerações Finais:
Com a intenção de intercambiar as produções de investigadores dentro e fora
do Brasil, o grupo prioriza os temas que relacionam educação e arte com a temática
da inclusão. Neste sentido tomamos o tema da inclusão numa abordagem ampla.
Consideramos a inclusão social, tecnológica, interétnica e das pessoas com
necessidades especiais.
Partilhamos um referencial teórico-prático que identifique, analise e
diagnostique a situação da inclusão no Brasil, suas políticas públicas, as práticas
culturais na escola e as inovações escolares. O grupo de pesquisa produz uma
interface com o campo do Ensino de Arte no que diz respeito à produção de objetos
pedagógicos para a inclusão, focando uma parcela de suas pesquisas na formação do
professor de arte, da produção artística de crianças em classes inclusivas. A
tecnologia em sua multidisciplinaridade é um fio condutor que atravessa a trajetória
do grupo de investigação.
Considerando as diversas trajetórias da Arte Contemporânea podemos dizer
que na atualidade ela atinge o público de diversas formas, desde a dimensão do
material até a dimensão do entrecruzamento das fronteiras entre o que no passado se
convencionou chamar de linguagens artísticas. Alguns objetos artísticos ultrapassam
as barreiras das artes plásticas e visuais, música, teatro, dança, cinema, poesia e tantas
quantas linguagens pudermos definir. Ao construir essa interterritorialidade entre as
linguagens surge o fio condutor que propusemos abordar no projeto LAVAIPE, que é
a interatividade por meio de tecnologias. Domingues (2002, p.47) aponta que “Os
sistemas interativos permitem que os sentidos digitalizados convertam o mundo em
unidades binárias, signos de linguagem, que se acoplam em hibridizações com a
linguagem dos mundos virtuais interativos” Esse sistema modifica a interação virtual,
o modo do indivíduo se relacionar com a tecnologia e constrói novas formas de
comunicação, neste caso não é só a forma de se comunicar, mas toda a corporeidade
que modifica.
Giannetti (2006) descreve algumas criações no sentido de promover as
primeiras interatividades homem máquina, marcando o ano de 1962 como a primeira
experiência utilizando um capacete simulador de imersão. No caso da pesquisa com
cegos destacamos um aspecto, também ressaltado por Giannetti, que diz respeito ao
domínio ou não da interatividade, com duas situações em relação ao controle das
interações: uma primeira tendência onde os indivíduos controlam suas sensações e
outra, cujo elemento surpresa permite usufruir da imersão sem controle.
Mais uma vez o entorno virtual participa do processo de fruição e o corpo se
constitui como objeto de interação. Melin (2008) relata como os artistas nas décadas
de 1960 e 1970, quando surgem as primeiras câmeras, desenvolvem suas
performances diante delas. A centralidade que permanece nesse contexto é uma ideia
do corpo como matéria artística da performance. No caso da pesquisa proposta o
corpo se constitui como matéria da interação entre o cego e a arte. O projeto exigirá
um processo criativo e performático que possibilite a proposição de experiências
estéticas pelo grupo de pesquisa que sejam fruídas pelos cegos de modo tecnológico.
Assim identificamos neste início da investigação a necessidade de sistematizar de
forma mais detalhada os processos de coleta e leitura dos dados a fim de qualificar a
metodologia e validar os dados oriundos dela.
Uma das questões que se coloca como objeto de estudo é se a experimentação
do cego no ambiente artístico criado prescindirá de mediação educativa, ou ainda se
ela acontecerá somente no processo do laboratório e não nas instituições culturais, ou
se ao contrário, se não ocorrerá no laboratório e sim na exposição. Pode-se dizer que
no âmbito da Arte existe um debate caloroso em relação ao papel da mediação
educativa nos espaços expositivos, desde Bourdieu (2007), que desenvolveu pesquisa
na década de 1950 nos museus da França até os dias de hoje por autores como
Coutinho (2009) e Koneski (2008) que apresentam diferenças acerca do pensamento
mediativo.
As mudanças na política de inclusão brasileira, também do ponto de vista do
desenvolvimento da cultura, da ciência e da tecnologia e suas imbricações com a
inserção de novos segmentos no mercado de trabalho, têm criado redes de apoio para
projetos que envolvam públicos especiais. Desse modo o LAVAIPE, Laboratório
Virtual de Arte Interativa para Públicos Especiais, criado pelo Grupo de Pesquisa:
Educação, Arte e Inclusão, formado por profissionais, técnicos e estudantes de
diversos centros da UDESC, busca investigar as possibilidades de espaços de
acessibilidade para públicos especiais no âmbito da educação e da arte.
Tendo foco na temática educação, arte e inclusão, o LAVAIPE pretende
ampliar as possibilidades investigativas a partir da fruição da arte em ambientes
virtuais que possibilitem experiências estéticas para públicos especiais.
Cresce em nosso contexto a existência de museus virtuais (BAHIA, 2008), de
games que utilizam a arte como conteúdo, ou mesmo como veículo de ludicidade, de
possibilidades de cinema, áudio e vídeo com grande interatividade. Os jogos
eletrônicos atuais, como o “W ”, por exemplo, também ampliam seus potenciais de
interatividade e envolvem adultos e crianças num conceito diferenciado de jogo. A
interatividade não se restringe à escolha de direções e botões para clicar, todo o corpo
se envolve nessa experiência. Por outro lado é raro que essas experiências de
interação envolvam e sejam acessíveis para públicos especiais. Mesmo no campo da
educação a distância essa experiência é pequena. Nossa proposição tem a pretensão
de preencher essa lacuna. Igualmente desenvolvemos nos últimos anos pesquisa com
professores de artes e crianças em interação com a arte e desenvolvemos um conjunto
de materiais para ampliar as experiências estéticas dos públicos especiais.
Finalizamos esse artigo que buscou sistematizar um recorte da abordagem
metodológica abordada a fim de socializar as experiências com objetos complexos
propostas pelo grupo.
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