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UNIFAVIP | DeVry
CENTRO UNIVERSITÁRIO DO VALE DO IPOJUCA
COORDENAÇÃO DE JORNALISMO
CURSO DE JORNALISMO
Fernanda Marusia Silva Carvalho
UM ESTUDO FOLKCOMUNICACIONAL DA NOVA PROPOSTA DO PROJETO
MULHERES DE ARGILA
CARUARU
2014
2
Fernanda Marusia Silva Carvalho
UM ESTUDO FOLKCOMUNICACIONAL DA NOVA PROPOSTA DO PROJETO
MULHERES DE ARGILA
Monografia apresentada ao curso de Comunicação
Social do UNIFAVIP DeVry- Centro Universitário
do Vale do Ipojuca, como requisito para a
obtenção do título de Bacharel em Comunicação
Social- habilitação em Jornalismo.
Orientador (a): Profª. Ma. Heleniza Saldanha
CARUARU
2014
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Catalogação na fonte Biblioteca do Centro Universitário do Vale do Ipojuca, Caruaru/PE
C331e Carvalho, Fernanda Marusia Silva.
Um estudo folkcomunicacional da nova proposta do projeto
mulheres de argila / Fernanda Marusia Silva Carvalho. – Caruaru:
UNIFAVIP | DeVry, 2014.
67 f.
Orientador: Heleniza Maria Saldanha de Oliveira.
Trabalho de Conclusão de Curso (Jornalismo) – Centro
Universitário do Vale do Ipojuca.
Inclui anexo.
1. Folkcomunicação. 2. Projeto mulheres de argila. 3. Cultura
popular. 4. Novas conjunturas. I. Título.
CDU 070[14.2]
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário: Jadinilson Afonso CRB-4/1367
4
Fernanda Marusia Silva Carvalho
UM ESTUDO FOLKCOMUNICACIONAL DA NOVA PROPOSTA DO PROJETO
MULHERES DE ARGILA
Monografia apresentada ao curso de Comunicação
Social do UNIFAVIP DeVry- Centro Universitário
do Vale do Ipojuca, como requisito para a
obtenção do título de Bacharel em Comunicação
Social- habilitação em Jornalismo.
Orientador (a): Profª. Ma. Heleniza Saldanha
Aprovado em __/__/____
_______________________________
Orientador
_______________________________
Avaliador(a)
_______________________________
Avaliador(a)
CARUARU
2014
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Dedico este trabalho ao imenso amor divino
que é luz em minha caminhada; aos meus pais,
maiores representações deste amor em minha
vida e a minha amada família, pelo encontro
de fraternidade e amizade.
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AGRADECIMENTOS
Antes e, sobretudo, a Deus que com seu perfeito amor me transforma constantemente
em um ser humano melhor, ensinando-me com os milagres diários com os quais me
presenteia, dando ainda mais notoriedade ao milagre maior, o milagre da vida. A Ele e por Ele
todo o esforço e a gratidão pelo dom confiado a mim, o de exercer o Jornalismo como
profissão e senti-lo como vocação a ser apresentada ao mundo. Também pela família e pelos
amigos que me cercam e me dão todo o afeto que necessito para seguir nesta caminhada que
exige tanta empatia, desprendimento, honestidade, respeito, coragem, humildade e amor ao
próximo acima de tudo. Peço que Ele me molde a cada dia mais com as virtudes
imprescindíveis as pessoas de bom coração.
À minha mãe, Sonia Maria da Silva Carvalho, por ser o meu maior exemplo de retidão
e afeto, por ter me educado com toda a proteção e o carinho dos quais só as mães são dotadas.
Em todos os dias de vida que a mim forem permitidos por Deus, dedicar-me-ei sem cessar a
honrar a dádiva de ser sua filha e ter a oportunidade de ser amada pelo ser humano mais
extraordinário que eu tenho a graça de conviver. A ela que está comigo em todos os
momentos sendo meu porto seguro e fonte de inspiração para a superação das dificuldades
diárias, que é responsável por despertar em mim os melhores sentimentos e atitudes, ao maior
presente divino que alguém poderia sonhar em ser contemplado: minha gratidão eterna e o
meu amor incondicional. A ela que é a luz da minha vida, todo o reconhecimento por estes
quatro anos terem sido trilhados.
Ao meu pai, Marcos Antônio da Silva, por quem eu nutro o amor mais profundo e
ilimitado que pensei sentir por alguém. Ele que é o meu super-herói feito de carne e osso,
minha incomparável referência de intelectualidade, tendo me ajudado a construir as primeiras
percepções sobre a importância do conhecimento ainda na infância, por mim considerado
como o meu primeiro professor, aquele que se dispôs a desvendar as lições escolares da
infância ao meu lado e que aos poucos me auxiliou a construir o meu próprio senso
de responsabilidade com relação aos meus estudos e a minha postura de vida, minha mais
sincera gratidão. Levo os ensinamentos por ele transmitidos como norte das minhas decisões,
pois sou imensamente grata a Deus pelo privilégio de ser filha dele, que sempre foi referência
de bondade para todos que o conhecem.
À minha amada família, pela qual eu tenho verdadeira devoção, tendo a convicção de
que sem cada um de meus familiares eu me sentiria incompleta. Primeiramente, aos meus
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avós, nas pessoas de minhas avós, Maria Emília Carvalho e Regina Maria, por representarem
o cuidado divino em meu caminho desde o zelo dos primeiros dias de vida, meu respeito
profundo pela trajetória construída por cada um deles para que eu e meus parentes
pudéssemos ter a alegria e o compromisso de levarmos seus sobrenomes adiante. Em especial,
ao meu avó Fernando Florêncio de Carvalho que não se encontra mais neste plano, mas que
representa a maior bênção de minha vida, com ele aprendi sobre Deus e seu imenso amor
dedicado a todos nós. Homem correto que foi e é nosso exemplo de ética, do qual jamais me
esqueço, tendo a certeza do amor que a mim foi devotado. Aos meus tios, José Bezerra da
Costa e Ivanildo Pontes, dos quais também não mais compartilho da presença física, contando
com a alegria que a eles eu proporcionaria por mais esta conquista e em memória destas
figuras tão significativas no meu percurso de vida. Às minhas tias e tios Voleide Carvalho,
Vilma Carvalho, Rosário Carvalho, Neide Carvalho, Jucineide Pereira, Jucileide Pereira e
Jucieu Pereira, que contribuíram cada um a sua maneira com a minha formação pessoal e
profissional sendo extensão do cuidado de meus pais para mim, dando-me auxílio e amparo
nas horas mais tumultuadas, nas quais eu mais precisei de orientação, com eles sempre pude
contar.
Aos meus primos e primas, Jucielli Augusta, Anderson Jucieu, Thaísa Vivianne,
Wanessa Carvalho, ThassianaVilanni, Catarine Carvalho, Diego Pereira, Soraya Carvalho,
Thássia Vivian, Elias Soares, Neandeara Carvalho, Sayonara Carvalho, Matheus Carvalho,
Lucas Carvalho, Maria Regina, que sempre foram irmãos e irmãs queridos que tão
gentilmente Deus me concedeu. A eles dedico todo o afeto que ofereceria aos meus irmãos de
sangue caso os tivesse. Obrigada por estarem comigo nessas e em outras etapas da vida das
quais tanto precisei de amigos e vocês sempre foram minha maior referência quando se trata
de amizade e carinho. Às minhas amadas Maysa, Alícia, Alice e Isadora por renovarem
constantemente minha fé e esperança na vida com seus gestos de doçura que apenas a infância
pode proporcionar.
Aos mestres e amigos com os quais dividi o cotidiano durante o período escolar, em
especial à turma “Eternos Companheiros” que me acompanhou na transição para o ensino
superior, ensinando-me com pequenos gestos diários a necessidade da convivência cordial, da
preocupação com o outro, do trabalho em equipe e da força do coletivo para a construção
individual. Depois do ambiente escolar, foi na Escola Antenor Simões Rodrigues, através de
todos que a compunham no período em que fui aluna, que pude reforçar a relevância que eu já
dispunha à amizade e afeição por pessoas que possuem histórias de vida diferentes da minha,
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mas que me ensinaram que a beleza dos encontros se dá justamente na troca proporcionada
pela diversidade. Os levo comigo sempre em meu coração.
À turma Jornalismo 1101 da qual tive o privilégio de fazer parte e acompanhar bem de
perto o surgimento de grandes profissionais comprometidos com o social e que estão prontos
para serem detentores de carreiras de muito sucesso dedicadas à composição de uma
sociedade mais justa e de uma cultura de paz que beneficie a todos e todas. Em especial, as
minhas queridas amigas Yngridy Pires, Rebecca Moura e Sabrina Padilha, presentes divinos
concedidos para que eu pudesse me tornar um ser humano melhor, absorvendo o que cada
uma tem como dom, esta e nenhuma outra fase cumprida durante a graduação seria possível
se elas não tivessem sido minhas parceiras não apenas de curso, mas, também, de vida. Juntas
nós somos e seremos sempre mais fortes e para elas dedico este trabalho de conclusão de
curso, pois, embora este tenha se realizado concretamente apenas por mim, elas foram amparo
e acalento essenciais. Ao meu parceiro de todas as horas, Nylber Lins, por ter sido a calmaria
em meio à ansiedade dos compromissos acadêmicos, por segurar minha mão e garantir que
tudo daria certo, mas, especialmente, pelo amor que afaga o meu coração e que só poderia
advir de uma pessoa tão rara, especial e fundamental em minha vida.
Aos admiráveis mestres da graduação, por dividirem tão generosamente suas
experiências na Academia e se empenharem ao máximo para que os alunos descobrissem por
si mesmos os talentos muitas vezes não desenvolvidos. Cada encontro me oportunizou
reflexões importantes que não apenas se deram no campo das ideias, mas também, na vida.
Em especial à Bira Nunes, Irâe Mota, Rosangela Araújo, Luis Adriano, Jane Palmeira,
Tenaflae Lordêlo e Jurani Clementino.
À minha amada orientadora, Heleniza Saldanha. Gratidão imensurável à ela que sabe o
real significado da palavra ensinar e que tem sido, desde o dia que a conheci, inspiração
intelectual e, principalmente, humana para a minha vida. Pela contribuição valiosa dada,
tenho certeza que não apenas a mim, mas a todos que a conhecem como profissional
responsável, comprometida e generosa, e como ser dotado de espiritualidade engajada, de um
coração bondoso e de um comprometimento social que fazem a diferença nos espaços aos
quais ela ocupa e os enche de luminosidade e estímulo. Sinto-me privilegiada por contar com
a sua amizade. Este trabalho é tanto meu quanto seu!
Aos amigos e amigas do exercício da profissão, integrantes da Secretaria de
Comunicação Social, pela amizade e companheirismo diários, por serem exemplos de
comunicadores comprometidos com o bem comum e de parceria bem sucedida e fraternal. As
equipes das secretarias da Mulher e Direitos Humanos e de Políticas Sociais pelo exemplo de
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servidores públicos que me deram durante o tempo em que pude assessorá-las, por me
mostraram a importância das políticas públicas para a vivência da plena cidadania. Às
Mulheres de Argila, referência do encantamento da prática artesanal e do empoderamento das
mulheres na perspectiva de expansão da cultura popular e da igualdade de oportunidade entre
os gêneros.
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Quem Sabe um Dia
Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!
Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!
Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!
Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!
Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois
Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois
Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois
Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois
Mario Quintana
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RESUMO
O estudo buscou analisar a luz da teoria da Folkcomunicação, primeiro ramo do estudo
científico sobre Comunicação desenvolvido no Brasil, a nova proposta de produção artesanal
através da utilização de retalhos de tecido jeans, chamados de ourelas, realizada pelo grupo
Mulheres de Argila, composto por artesãs caruaruenses e algumas advindas de cidades
próximas, tendo por intuito contribuir com as discussões sobre a tese na contemporaneidade
apresentando um exemplo inovador de nova conjuntura da prática artesanal. Para que isto
fosse possível, foi feita uma revisão de literatura de obras de autoria de teóricos renomados na
área a exemplo de Luiz Beltrão, José Marques de Melo e Roberto Benjamim, resgatando-se
conceitos e impressões sobre o tema e assuntos interligados como cultura de massa, cultura
popular e folclore, preocupando-se constantemente em manter o diálogo com o fundador da
teoria, Luiz Beltrão. Entre os métodos também se estabeleceu a análise in loco da dinâmica do
projeto e das integrantes que o compõem, entendo a necessidade de compreender as razões
que motivaram sua criação e de como, na prática, a atividade até então incomum para a região
acontece. Para tal, fez-se reflexões a respeito da visão reducionista ainda aplicada à prática de
maneira geral que a imobiliza em moldes essencialmente tradicionais e de anonimato.
Propondo com isto um olhar mais abrangente na análise das novas manifestações da cultura
popular que aprecie modificações ocasionadas pelo contato com o massivo e com os avanços
sociais e tecnológicos, que visam entre outras questões a sobrevivência da atividade, sem que
se desvalorize a essência da cultura popular identificada em diversos fatores de representação,
usando o projeto como exemplo.
Palavras-chave: Folkcomunicação. Projeto Mulheres de Argila. Artesanato. Novas
Conjunturas. Cultura Popular.
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ABSTRACT
The study sought to through analyze the light of the Folkcommunication's theory, Which was
the first branch of scientific study of communication developed in Brazil, the new Proposal of
craft production through the use of fabric denim scraps, called "selvedge" held by "Clay's
Women "group, composed of craftswomen from Caruaru city and some nearby cities, aiming
to Contribute in discussions about the thesis Mentioned in contemporaneity, presenting an
innovative example of the new conjuncture of artisanal practice. To make this possible, the
literature review of works from renowned theorists in the area Following the example of
Louis Beltran, José Marques de Melo and Robert Benjamin was made, rescuing concepts and
impressions about the topic and interconnected subjects like mass culture, popular culture and
folklore, Worrying Constantly to Maintain a dialogue with the theory's founder, Luis Beltran.
Between the methods was established Also an in situ analysis about the dynamics of the
project and the members que compose it, understanding the need to Comprise the Reasons for
its creation and how, in practice, the hitherto unusual activity for the region happens. To this
end, we developed reflections on the reductionist view Applied to the practice in general que
Essentially freezes in traditional molds and anonymity. Proposing this with a more
comprehensive look at the analysis of new manifestations of popular culture enjoys que
Modifications Caused by contact with the massive social and technological advances and
with, Aimed Among other issues the survival of this activity, without devaluing the essence of
popular culture Identified in several factors of representation, using the project's an example.
Keywords: folk communication. Project Women of Clay. Craft. New conjunctures. Popular
Culture
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12
2 A TEORIA DA FOLKCOMUNICAÇÃO: EXPRESSÕES DA CULTURA POPULAR
NO CENTRO DAS DISCUSSÕES.................................................................................... 18
2.1 Reflexões sobre o conceito de Comunicação................................................................ 18
2.2 O surgimento da Folkcomunicação: o interesse de Luiz Beltrão pela formação
acadêmica o leva a adentrar o território das culturas das camadas populares ............... 20
2.3 Entre o Folclore e a Comunicação de Massa, o surgimento da teoria da
Folkcomunicação ............................................................................................................... 23
2.4 Os líderes comunicadores da Folkcomunicação: personagens comunitários e suas
influências aos grupos ........................................................................................................ 27
2.5 A audiência Folk: definem-se os grupos marginalizados da Folkcomunicação ......... 29
2.6 Manifestações dos grupos marginalizados pelos canais da Folkcomunicação ........... 33
3
A
CONTINUIDADE
DOS
ESTUDOS
FOLKCOMUNICACIONAIS,
A
ABRANGÊNCIA DAS CONSTRUÇÕES INICIAIS ....................................................... 35
3.1 Discussões sobre a cultura popular e a cultura de massa: os caminhos da
Folkcomunicação ............................................................................................................... 36
3.2 Identidade Cultural: o reconhecimento individual e coletivo dentro das
manifestações culturais ...................................................................................................... 40
4 PROJETO MULHERES DE ARGILA: ARTESANATO EM MOSAICOS DE
RETALHOS DE JEANS ................................................................................................... 42
4.1 Mulheres de Argila: a nova proposta à luz da teoria Folkcomunicacional ................ 44
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 51
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 54
ANEXOS ............................................................................................................................ 56
12
1 INTRODUÇÃO
Os estudos científicos sobre Comunicação são relativamente recentes no Brasil. Como
objeto de estudo científico, tornou-se escopo das pesquisas por volta de 1940, mesma fase em
que a indústria cultural ganhou força em território nacional. No entanto, um dos marcos de
pioneirismo na pesquisa científica é a tese formulada vinte e sete anos depois (1967) pelo
teórico Luiz Beltrão.
Intitulada de Folkcomunicação, a teoria avalia os fenômenos comunicacionais das
regiões e comunidades brasileiras historicamente desfavorecidas das políticas públicas
governamentais. Nestes agrupamentos ditos marginalizados, na conceituação do autor, a
linguagem, a moradia e a localização geográfica são reflexos da falta de acesso à saúde,
educação, segurança, cidadania, entre demais serviços sociais, e o ambiente torna-se propício
ao assistencialismo político.
Nestas condições, as práticas culturais se sobressaem e simbolizam também o
potencial comunicativo daquele grupo marginalizado, por se tratarem de manifestações que
disseminam a cultural local e possibilitam a interação coletiva, constituindo parte significativa
do oxigênio social e dos processos de informação. Entre as práticas anteriormente descritas, a
produção artesanal, representante da Cultura Popular, simboliza uma das atividades mais
tradicionais dos grupos historicamente marginalizados.
Entende-se por artesanato a produção de caráter manual de peças que se utilizam de
matéria acessível à comunidade, que é herança geracional entre as famílias e que se configura
em fonte de renda para os que dele sobrevivem. O artesanato é originário do período
Neolítico, na Idade Antiga, na qual os homens confeccionavam instrumentos para a caça,
enquanto as mulheres fabricavam cerâmica e teciam vestimentas. Tradicionalmente familiar,
passada de geração a geração, a prática artesanal retrata os elementos culturais de determinada
localidade através de materiais que também representam as expressões, características,
atividades e personagens de um lugar.
Com o advento da Revolução Industrial teve início o período de desvalorização da
prática artesanal, dando lugar à produção em larga escala intermediada pelo uso de máquinas
modernas, marca do sistema capitalista. Na contemporaneidade, o crescente interesse por
obras originais e únicas faz com que o artesanato adquira status de peculiaridade e
genuinidade, motivando à sociedade civil, as organizações sociais, as instituições e os poderes
públicos a disseminá-lo e preservá-lo como significativa expressão cultural e memória
histórica da sociedade.
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A presente monografia analisa a nova conjuntura de artesanato proposta pelo projeto
Mulheres de Argila, grupo de produção socioeconômica de Caruaru, no Agreste
pernambucano, que produz artesanato a partir de ourelas de tecido jeans. Neste contexto,
entende-se a diferenciação da proposta oferecida no que concerne a atividade de criação a
partir do barro que já se encontra fortalecida e estabilizada na cidade de Caruaru, tendo como
cenário principal de desenvolvimento o Alto do Moura. Em segundo plano, a relação existente
entre este novo tipo de artesanato e as estratégias comerciais também se configurou como
questão de análise, na perspectiva de que a mesma foi criada com o intuito de viabilizar a
existência da prática artesanal em meio à constante efervescência da produção em larga escala
e das inovações tecnológicas.
O projeto criado no ano de 2011 reúne artesãs do Alto do Moura- reconhecido como o
Maior Centro de Artes Figurativas das Américas- e tendo incorporado artesãs da cidade de
Riacho das Almas, através da integração das artesãs com o Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com o Centro Pernambucano de Design, o Movimento
Cultural “Ô di Casa” e a Associação dos Artesãos em Barro e Moradores do Alto do Moura
(AABMAM). O projeto ainda conta com a colaboração dos empresários e empresárias do
Polo de Confecções do Agreste, segundo maior do país, para a criação de peças de decoração
e acessórios com os resíduos do jeans, cedidos por empresas locais. A parceria com o Sebrae
possibilitou que a produção fosse orientada por um profissional em design de moda, o estilista
Melk Z-Da, e que as componentes do coletivo participem de capacitações para o mundo do
trabalho oferecidas pela instituição.
Contrapondo-se à tradicionalidade do barro, o grupo Mulheres de Argila apresenta
uma nova proposta de identidade cultural que não se assemelha a produção artística que tem
como matéria prima o barro, artesanato firmado e forte representante da cultura regional. O
reaproveitamento das sobras do tecido jeans também imprime ao projeto características de
sustentabilidade, reciclagem e preservação ambiental, tendo em vista que os resíduos oriundos
da produção das empresas do segmento têxtil não contavam com um mecanismo de
destinação específico que beneficiasse o meio ambiente.
Neste sentido, a monografia teve por objetivo geral a análise da dinâmica construída
pelo projeto Mulheres de Argila na criação de um novo formato de artesanato que se
fundamenta na produção de peças a partir do tecido em jeans, aliando a prática artesanal, a
atividade comercial e uma nova proposição de cultural até então não explorada por outros
artesãos e artesãs. A pesquisa foi elaborada através de uma perspectiva Folkcomunicacional,
fundamentando-se no conceito de Folkcomunicação e na importância do mesmo para os
14
estudos culturais, sociais e da comunicação.
De tal modo, foi necessário percorrer os
seguintes objetivos específicos: apresentar a dinâmica do projeto que imprime novas
características à produção artesanal; identificar os novos métodos de produção e
comercialização do artesanato desenvolvidos pela cooperativa; analisar as mudanças
proporcionadas ao contexto cultural por esta propositura inédita e, por fim, contribuir para as
discussões acerca das novas conjunturas do artesanato que visam a sobrevivência da prática
cultural na contemporaneidade e o acompanhamento das mudanças de consumo e do mundo
do trabalho.
A visibilidade adquirida pelo projeto Mulheres de Argila, especialmente em âmbito
local, proporcionou o primeiro contato com o grupo que se propõe a desenvolver peças
artesanais com base em um material característico da economia Nordestina: o jeans.
A
cooperativa de cunho socioeconômico demonstra características que foram significativas a
sua escolha como objeto de estudo; a atuação de incentivo ao empoderamento das mulheres,
fortalecendo-as enquanto sujeitas de promoção do próprio sustento, colaborando com a
autonomia financeira das mesmas; o auxílio à disseminação e preservação da cultura popular
caruaruense, contribuindo também para a variação de suas manifestações, entendendo que o
jeans representa a economia atual da região, sendo importante expoente do comércio no
atacado e no varejo do Agreste pernambucano simbolizando a cultura das feiras livres e dos
grandes centros de compras.
Ao escolher avaliar o projeto Mulheres de Argila sob a teoria Folkcomunicacional,
acredita-se na contribuição proporcionada aos estudos da tese a respeito do potencial
comunicativo desenvolvido pelos grupos marginalizados, neste caso entende-se que as
mulheres podem ser caracterizadas como segmento marginalizado face à construção social
histórica do grupo de negação de direitos, para viabilizar a sobrevivência dos conjuntos e de
suas práticas culturais.
Os grupos marginalizados por serem excluídos da composição social, face ao contexto
histórico das colonizações, da posição geográfica menos favorecida e da consequente carência
no que diz respeito aos direitos, as políticas públicas e a liberdade de expressão, acabam por
manter diálogos e práticas significativos para a melhoria da qualidade de vida apenas em
contatos informais e interpessoais.
A pesquisa que segue colabora com os estudos da Folkcomunicação na Academia,
levando em consideração sua importância para a prática jornalística, principalmente para o
aperfeiçoamento do jornalismo de proximidade que chega mais facilmente as expressões
culturais locais. Assim, entende-se que o jornalismo constitui-se como canal imprescindível
15
para a divulgação das culturas locais e de seus atores sociais, tendo como principal função
manter a população informada sobre a cultura de seu povo e suas possíveis novas interfaces,
contribuindo para sua valorização.
Para a construção da monografia, no tocante à metodologia utilizada, a pesquisa
apresenta tipologia híbrida, podendo ser classificada como teórica na perspectiva de
reconstrução de teorias, reflexões e conceitos acerca da Folkcomunicação, com vistas ao
aprimoramento do conhecimento obtido sobre este conceito e da criação de condições
favoráveis para o desenvolvimento de ideias e para a análise in loco do projeto escolhido
como objeto de estudo.
Para avaliar a dinâmica do grupo, fez-se necessário conhecer o perfil das componentes
consultados para auxiliar na compreensão da metodologia e da missão do projeto, para isto,
foi realizado um trabalho de campo, através de visitas técnicas classificando a pesquisa
também como empírica. Inicialmente, havia sido pensado a realização de entrevistas com as
participantes, com o objetivo de captar as impressões e avaliações sobre o tipo de artesanato
que o projeto desenvolve, porém foi observado que a aplicação destes questionários não
auxiliariam no alcance aos resultados da pesquisa, entendendo que seriam passadas
informações de caráter pessoal com base nas modificações proporcionadas ao cotidiano das
artesãs e não propriamente elucidariam aspectos sobre o grupo e sua produção.
Desta maneira, com o intuito de verificar o formato do projeto como um todo, a
obtenção das declarações foi suspensa e as artesãs e demais profissionais envolvidos no
Mulheres de Argila foram ouvidos por intermédio das visitas para a obtenção de informações
fundamentais sobre o dinâmica do projeto, de como as profissionais se colocavam se no
mundo do trabalho antes do projeto, bem como, no caso das artesãs, quais eram as práticas
artesanais, de divulgação e de comercialização adotadas anteriormente a capacitação e as
novas orientações, sem que houvesse necessidade de captar estas respostas de forma escrita e
sem que as perguntas fossem feitas de forma sistemática, até mesmo para que as declarações
afetivas não influenciassem o estudo. A observação desta nova dinâmica proporcionou os
resultados que estão disponíveis no decorrer da pesquisa e que foram utilizados para elucidar
no contexto atual a teoria que da base ao trabalho acadêmico, bem como os outros temas
propostos que estão interligados a mesma.
A pesquisa foi organizada da seguinte maneira: no primeiro capítulo foi desenvolvida
uma revisão de literatura sobre a Folkcomunicação. Dividido em seis subtópicos, o capítulo
tem início com uma abordagem feita ao conceito mais generalizante entre os tratados pelo
estudo, a Comunicação, no intuito de demonstrar a vital importância do mesmo para o
16
surgimento da própria teoria da Folkcomunicação que se torna um desdobramento da
concepção mais ampla aplicada as minorias sociais avaliadas por Beltrão. Em seguida,
aspectos da vida e da trajetória acadêmica e profissional do teórico precursor da tese foram
abordados promovendo uma compreensão do interesse que o mesmo despertou pelas camadas
populares e seu potencial comunicativo. Logo após, a teoria em si é o centro das discussões;
de que forma ela surgiu e em que consiste foram enfoques principais desta passagem que
serve de referencial para os outros capítulos sendo o objeto de análise do estudo que é
retomado constantemente no decorrer da monografia. Para os personagens sociais que
ganharam visibilidade por meio da análise beltraniana também foi dedicado um espaço que
explica como o teórico chegou até eles e qual o papel desempenhado por estes na
concretização do processo comunicativo da Folkcomunicação nos grupos aos quais fazem
parte, além disso destacou-se a fundamental importância da descoberta dos chamados líderes
folkcomunicacionais para a criação da teoria por parte do autor, à medida que o mesmo
avaliou o papel de mediação feito por estes porta-vozes. O quinto subtítulo faz referência aos
grupos marginalizados que configuram a chamada audiência folk, aporte analítico do autor e
recorte de observação que lhe permitiu comprovar suas considerações iniciais acerca desta
teoria, foram enfatizadas as categorizações pontuadas pelo autor que tiveram como eixos
principais de diferenciação dos grupos as definições sobre rural, urbano e culturamente
marginalizados. Encerrando o capítulo, os canais populares pelos quais os grupos exercem seu
potencial comunicativo foram o centro das reflexões, houve a conceituação geral dos canais e
foi dado o enfoque no artesanato como canal, tendo em vista que o projeto analisado o
representa.
O terceiro capítulo destina-se a ponderar sobre a continuidade dos estudos
folkcomunicacionais e a abrangência dada nos dias atuais as ideias que deram início a sua
formulação. É através deste capítulo que começa a ser desenhado o diálogo da teoria com o
contexto atual do processo de hibridização das manifestações populares, mostrando a
necessidade de constante atualização da tese que é ponto primordial de discussão da pesquisa
para que a nova proposta do projeto seja compreendida. O capítulo é subdividido em dois
tópicos, o primeiro trata das conceituações de cultura de massa e de cultura popular, cuja
relação de influências múltiplas foi analisada desde o início por Beltrão, a abordagem destes
dois temas permite reparar que esta relação com o passar do tempo tornou-se ainda mais
próxima e que a diminuição desta disparidade se reflete em expressões culturais híbridas,
mais um ponto importante para este estudo. O outro subtópico foi aplicado a dialogar sobre o
conceito de identidade cultural, pois se entendeu que os expoentes da cultura popular são
17
reflexos desta identidade, deste conjunto de valores de pertencimento e de reconhecimento
coletivo e/ou individual que reverberam nos canais culturais, sendo esta também uma
condição de análise imprescindível para avaliar o projeto.
O coletivo Mulheres de Argila surge no quarto capítulo que discorre sobre sua história,
seu intuito de criação e sua dinâmica de funcionamento, nesta parte ainda foi dado destaque a
conexão entre o grupo e a cultura da região, principalmente, a cultura do artesanato em barro
que é extremamente representativa no município. O tópico seguinte comporta a análise da
pesquisa, os resultados encontrados através da observação do projeto a luz da teoria da
Folkcomunicação, a retomada dos conceitos descritos anteriormente sendo avaliados ponto a
ponto com o exemplo contemporâneo dado pelo projeto de renovação artesanal e ao mesmo
de inspiração do artesanato tradicional. Por fim, foram transmitidas as considerações finais
alicerçadas em toda a discussão gerada pelo estudo, que foi possível devido à junção das
metodologias aplicadas, demonstrando a real possibilidade de ampliação dos horizontes
teóricos da Folkcomunicação dando como exemplo a análise à luz do contexto do projeto
Mulheres de Argila, contribuindo assim com as futuras gerações acadêmicas para que estas
possam manter viva a teoria por meio da sensibilidade de percepção das conjunturas
contemporâneas.
Ainda enquanto considerações apresentadas para concluir a pesquisa em questão, a fim
de contribuir com os estudos culturais, buscou-se defender a legitimação desta nova proposta
apresentada pelo projeto Mulheres de Argila subsidiando-se em definições como as de
hibridização, identidade cultural e, porque não dizer, identidade popular, ressaltando a
possível convivência entre a raiz popular, como fonte de inspiração e essência, e os estímulos
da modernidade, usados como formas de sobrevivência de expressões que se encontram
fragilizadas em meio as novas concepções massivas de consumo, sem que isto signifique a
descaracterização do cultura popular em detrimento da dominação da cultura massiva, mas
que elas possam coexistir como já relatava Beltrão ao criar a teoria folkcomunicacional.
18
2 A
TEORIA
DA
FOLKCOMUNICAÇÃO:
EXPRESSÕES
DA
CULTURA
POPULAR NO CENTRO DAS DISCUSSÕES
2.1 Reflexões sobre o conceito de Comunicação
A comunicação é um processo que viabiliza a existência humana sendo parte
determinante da evolução de homens e mulheres para se tornarem seres dotados de
inteligência, raciocínio, linguagem própria e interação. Por intermédio da comunicação, seja
ela escrita, gestual ou verbal, a humanidade foi capaz de organizar-se socialmente e
desenvolver relações de troca de experiências, ideologias, fatos e hábitos entre seus membros
constituintes. Comunicar-se vai além da transmissão de informações sendo este processo
fundamentalmente responsável pela disseminação das identidades individuais e coletivas que
são indissociáveis das vivências culturais. Martino define da seguinte forma o conceito de
Comuniação:
O termo comunicação vem do latim communicatio, do qual distinguimos três
elementos: uma raiz munis, que significa “estar encarregado de”, que acrescido do
prefixo co, o qual expressa simultaneidade, reunião, temos a idéia de uma “atividade
realizada conjuntamente”, completada pela terminação tio, que por sua vez reforça a
idéia de atividade. E, afetivamente, foi este o seu primeiro significado no
vocabulário religioso aonde o termo aparece pela primeira vez. (MARTINO, 2003,
p.12-13)
Por se tratar de um conceito com o qual lidamos constantemente e de forma quase que
automática, tornou-se comum associar o termo comunicação mais facilmente ao diálogo entre
duas pessoas, a prática da conversação e a expressão através de um idioma. Todavia, a
comunicação engloba percepções mais abrangentes do que apenas o contato verbal entre os
seres. Transmitir informações, signos, mensagens; trocar ideias; compartilhar vivências,
sensações e estabelecer contato estão entre as conotações que o termo consegue abarcar. As
definições citadas anteriormente podem se dar tanto de forma verbal como gestual e também
pode se realizar por intermédio de canais tecnológicos que estabelecem interação.
Embora o ato de se comunicar possa se dar de diferentes maneiras, a linguagem é fator
indispensável para o seu exercício. Sendo assim, ao falarmos no processo comunicacional é
preciso partir do pressuposto de que o conceito está ligado ao desenvolvimento da espécie
humana, configurando-se essencialmente em um fator de construção social que viabilizou a
19
sobrevivência em comunidade. Assim, a comunicação acompanhou as conquistas sociais, as
vanguardas culturais e as inovações tecnológicas ocorridas ao longo do tempo.
Embora a adoção social sobre a necessidade da comunicação tenha acontecido quase
que de maneira instantânea, fazendo com que novos métodos e sistemas de comunicação
tenham sido criados ao longo do tempo acompanhando o avanço biológico e tecnológico da
espécie humana, a Comunicação como objeto de estudo científico teve uma adesão mais
tardia, especialmente no cenário acadêmico brasileiro. Reconhecidamente, o campo das
Ciências da Comunicação no país existe desde a implementação dos cursos de Jornalismo a
nível superior e depois com a criação de institutos de pesquisa de audiência da mídia
(MARQUES DE MELO, 2003), por volta dos anos 50, ainda em caráter de observação e
estruturação dos conhecimentos adquiridos pela prática profissional, o que não significa que
antes disso o tema não tenha sido alvo de pesquisas anteriores em publicações jornalísticas,
por exemplo.
A expansão, em termos acadêmicos, para outras questões relativas a Comunicação que
não somente as que dizem respeito a dinâmica profissional, aconteceu a partir dos anos 60,
ainda segundo o autor. A partir de então, termos como divulgação científica começaram a
surgir e integrar o espaço acadêmico, auxiliando professores e pesquisadores na produção de
novos desdobramentos sobre a Comunicação, que deram possibilidade aos estudos de
ultrapassarem os muros das universidades interferindo mais veementemente nas conjunturas
dos diversos grupos sociais. A criação das sociedades científicas, na organização e no
incentivo de pesquisadores e linhas de pesquisas, também é apontada como fator decisivo no
fortalecimento das Ciências da Comunicação no Brasil.
A sociedade se constitui de grupos significativamente heterogêneos na avaliação de
critérios históricos, culturais, econômicos, políticos, sociais e até linguísticos, e as ciências
que se propõem a analisar aspectos da mesma se deparam com particularidades que exigem
estudos específicos que considerem a personalidade destes grupos e o contexto social no qual
se desenvolvem, para então pesquisá-los de maneira coerente. A comunidade científica de
Comunicação também precisou tornar-se sensível a este paradigma, partindo do pressuposto
de que a comunicação é um processo fundamental para a vida em sociedade e de que dos seus
sistemas, métodos e instrumentos dependem inteiramente, e cada vez mais, as relações sociais
e o legado das gerações para a posteridade.
20
2.2 O surgimento da Folkcomunicação: o interesse de Luiz Beltrão pela formação
acadêmica o leva a adentrar o território das culturas das camadas populares
Luiz Beltrão de Andrade Lima é o precursor da Folkcomunicação, uma teoria
genuinamente brasileira originada da primeira tese de doutoramento desenvolvida no país.
Beltrão dedicou-se aos estudos comunicacionais sendo responsável direto por instituir as
ciências da Comunicação no Brasil e por incentivar a formação acadêmica dos
comunicólogos. O teórico nasceu na cidade de Olinda, em Pernambuco, em 8 de agosto de
1918. A base fundamental de ensino, o autor realizou no Seminário de Olinda e no Ginásio
Pernambucano na cidade do Recife. A iniciação da vivência acadêmica se deu na Faculdade
de Direito na então Universidade do Recife, atualmente Universidade Federal de Pernambuco,
local no qual se graduou em Ciências Jurídicas e Sociais. O Jornalismo se estabeleceria de
fato como campo de atuação profissional a partir da primeira experiência prática, que se deu
em 1936, no setor de reportagem do Diario de Pernambuco. (MARQUES DE MELO, 2008,
p. 204)
O envolvimento de Beltrão com o Jornalismo rendeu ainda passagens em outros
veículos de comunicação do Estado. Mais aquém, Beltrão se interou das causas trabalhistas da
profissão ao se tornar líder sindical. O interesse pela academia germinou através das
participações do comunicólogo em congressos jornalísticos, de âmbito nacional e
internacional, nos quais pode ampliar a visão existente sobre a profissão e o papel social do
comunicólogo, não mais se limitando a prática jornalística e podendo observar a importância
das reflexões teóricas com a troca de experiências com demais entendedores do universo da
Comunicação Social. (MARQUES DE MELO, 2008, p. 204)
O interesse emanado no momento em questão proporcionou a elaboração da primeira
obra literária de Beltrão: “Iniciação à Filosofia do Jornalismo”, obra que lhe proporcionou
angariar o Prêmio Orlando Dantas, em 1959. A propensão para a Academia foi se acentuando
o que resultou na primeira experiência em sala de aula através do convite para lecionar a
disciplina de Ética e Técnica do Jornalismo, na Faculdade de Filosofia Nossa Senhora de
Lourdes, na cidade de João Pessoa, capital do estado da Paraíba. (MARQUES DE MELO,
2008, p. 205)
No mesmo período, Beltrão foi responsável pela idealização do projeto de criação de
um curso superior de Jornalismo para a Universidade Católica de Pernambuco que foi aceito
pela congregação dos jesuítas, responsável pela administração da instituição de ensino
superior, e efetivado no ano de 1961. Gradativamente, a produção intelectual e literária foi se
21
intensificando, o processo de criação e os gêneros jornalísticos, por exemplo, foram temas
escolhidos por Beltrão como conteúdos de abordagem para as obras autorais. (MARQUES
DE MELO, 2008, p. 205)
Um dos pontos altos do envolvimento de Beltrão com os estudos acadêmicos de
Comunicação e com o Centro Internacional de Estudos Superiores de Periodismo para
América Latina (Ciespal) foi a criação do primeiro centro brasileiro de estudos acadêmicos
sobre os fenômenos midiáticos, o Instituto de Ciências da Informação (ICINFORM), em
parceria com a Universidade Católica de Pernambuco. Contanto novamente com o estímulo
do teórico, foi formada a primeira equipe de pesquisadores dedicados aos fenômenos
comunicacionais no Brasil que obteve entre seus resultados a elaboração da primeira revista
científica da área, Comunicações & Problemas, publicação que registrou as primeiras
experiências do autor com a teoria da Folkcomunicação. (MARQUES DE MELO, 2008, p.
205)
Ainda no que se refere à importância do autor para o contexto nacional dos estudos
comunicacionais, Luiz Beltrão esteve encarregado da direção da Faculdade de Comunicação
da Universidade de Brasília a convite do Governo do general Castelo Branco, em meados da
Ditadura Militar no país. Ainda na instituição, a tese sobre a teoria da Folkcomunicação foi
defendida no ano de 1967. (MARQUES DE MELO, 2008, p. 206)
Luiz Beltrão se sobressaiu aos recentes pesquisadores do campo da comunicação que
começaram a surgir no Brasil, pois deu início as observações das questões sociais a partir do
ponto de vista dos estudos comunicacionais, trazendo para o centro, das até então iniciais,
reflexões sistemáticas sobre a comunicação no país temáticas que não eram abordadas pelas
ciências da comunicação, mas que já versavam nas análises desenvolvidas por outras ciências
mais consolidadas. Pode-se dizer que partiu do teórico a iniciativa de pesquisar o lado popular
do social, os agrupamentos que se encontravam escamoteados das atenções sociais, mas que
já haviam despertado a curiosidade de outras ciências que tinham justamente nestas
dicotomias o escopo das análises desenvolvidas.
Neste momento, a teoria começa a ser desenhada pelo teórico como uma nova
disciplina científica. A primeira edição da revista Comunicações & Problemas foi
contemplada com as considerações iniciais de Beltrão acerca da temática. Como descreve
José Marques de Melo em “no artigo semanal sobre o ex-voto, ele suscitava o olhar dos
pesquisadores da comunicação para um tipo de objeto que já vinha sendo competentemente
estudado pelos antropólogos, sociólogos e folcloristas, mas era negligenciado pelos
comunicólogos” (MARQUES DE MELO, 2008, p.19).
22
Luiz Beltrão contempla em um artigo do periódico, que é um marco da divulgação
científica dos estudos comunicacionais, um símbolo da cultura popular o ex-voto que é uma
expressão designada para nomear as oferendas feitas em agradecimento por fiéis religiosos
aos seus santos de devoção em nome de promessas feitas. O enfoque dado às particularidades
da cultura popular resultou na autenticidade das reflexões de Beltrão que em uma das
descrições dadas para elucidar o interesse sobre o recorte popular de suas pesquisas pontuou:
Pois é tempo de não continuarmos a apreciar nessas manifestações apenas os seus
aspectos artísticos, a sua finalidade diversionista, mas procurarmos entendê-las
como linguagem do povo, a expressão do seu pensar e do seu sentir tantas e tantas
vezes discordante e mesmo oposta ao pensar e ao sentir das classes oficiais e
dirigentes. Esse sentido camuflado, que não raro escapa ao próprio estudioso dos
fenômenos sociológicos, é, contudo, perfeitamente compreendido por quantos
tenham com os comunicadores aquela experiência sociocultural comum, condição
essencial a que se complete o circuito de qualquer processo comunicativo
(BELTRÃO, 1965, p.10).
A Folkcomunicação como proposta de estudo comunicacional surge dois anos depois
da publicação do artigo sobre o ex-voto. Com a admiração de nomes como o de Luís da
Câmara Cascudo, renomado folclorista brasileiro, Beltrão apresenta no ano de 1967 em sua
tese de doutoramento “Folkcomunicação, um estudo dos agentes e dos meios populares de
informação de fatos e expressão de ideias”, na Faculdade de Comunicação da Universidade
de Brasília. A repercussão do trabalho empírico e teórico desenvolvido pelo autor resultou na
publicação de um livro Comunicação e Folclore, no ano de 1971, que contemplou a versão
parcial da tese. (MARQUES DE MELO, 2008, p. 206)
Desde a apresentação da pesquisa, a teoria da Folkcomunicação começou a angariar
seguidores com o ávido interesse de percorrer o caminho do estudo da cultura popular que
Beltrão havia iniciado. Como contextualização histórica, faz-se necessária a observação de
que a teoria da Folkcomunicação surgiu no auge do Regime Militar e da censura cultural que
acompanhou os intelectuais que vivenciaram o período, desta maneira o acesso à tese não foi
possível em sua totalidade até meados dos anos 80. Como relata José Marques de Melo:
Aqueles eram tempos de obscurantismo cultural, mantidos pela legislação extraconstitucional decretada pelo AI-5. Assim sendo, a teoria da Folkcomunicação de
Luiz Beltrão circulou incompleta até 1980, quando sopraram os ventos da abertura
‘lenta, gradual e segura’ do general Geisel. (MARQUES DE MELO, 2008, p.20)
No que se refere ainda à trajetória profissional, Luiz Beltrão também atuou na
Fundação Nacional do Índio (Funai), demonstrando novamente o interesse por pesquisar a
23
história nacional através de seus atores sociais. Durante a passagem na Funai, escrever a obra
O índio, um mito brasileiro, em 1977. No âmbito dos centros acadêmicos, ainda foi professor
e pesquisador do Centro de Estudos Universitários de Brasília (CEUB), neste período
escreveu importantes obras que relataram seus estudos sobre a Comunicação de uma maneira
mais ampla, com títulos que discorrem sobre impressões que dialogam com o surgimento dos
estudos acadêmicos da Comunicação, com abordagens mais globais, foram eles: Teoria da
Comunicação: Fundamentos Científicos da Comunicação (1973), Teoria Geral da
Comunicação (1977) e Teoria da Comunicação de Massa (1986). (MARQUES DE MELO,
2008, p. 206-207)
Mas não foi apenas a Academia que contou com o desempenho de Beltrão, o autor
investiu ainda na produção de gêneros literários como os contos, romances e as novelas. No
entanto, de fato, o nome do pesquisador é referência pela criação do campo de estudos da
Folkcomunicação tornando-se responsável pela implantação da disciplina que reflete sobre as
questões sociais das camadas populares, sob o a ótica da Comunicação e do Jornalismo, nas
instituições de ensino superior.
2.3 Entre o Folclore e a Comunicação de Massa, o surgimento da teoria da
Folkcomunicação
A Folkcomunicação desperta a atenção do setor acadêmico das comunicações,
escolhendo como laboratório de investigação expressões da cultura popular e seu potencial
comunicativo. O termo surgiu como resultado das pesquisas científicas do comunicólogo Luiz
Beltrão, símbolo do pioneirismo brasileiro nos estudos sistemáticos dos fenômenos da
comunicação nas instituições de ensino superior. Em 1967, a Folkcomunicação despontou em
virtude da tese de doutoramento apresentada na Universidade de Brasília, no entanto, Beltrão
já havia iniciado as discussões sobre o tema em artigo da revista Comunicações & Problemas
(1965), no qual o autor avaliou o artigo religioso conhecido como ex-voto, expressão cultural
das camadas populares, como possível meio de comunicação entre os integrantes das regiões
que tem o ex-voto como prática e destes com o ambiente externo.
O artefato religioso, traço da religião católica que nomeia aquilo que é oferecido ao
sagrado em reconhecimento a uma graça alcançada podendo ser um objeto, imagem, peça ou
qualquer outro artigo, é tratado como uma espécie de veículo jornalístico que no
entendimento do comunicólogo seria um canal de transmissão de mensagens, que, neste caso,
potencializaria a representação dos santos, anjos ou mártires a quem fosse dedicado para
24
devotos e não devotos que tivesse contato com o símbolo. Desta maneira, Beltrão trouxe para
o universo dos estudos científicos da comunicação uma série de outros símbolos e práticas da
cultura popular que ainda não versavam pelo recente raciocínio teórico da época, no que diz
respeito à comunicação como ciência. Em torno do ex-voto formularam-se os primeiros
pensamentos do autor a respeito da Folkcomunicação, que dariam vazão ao interesse por
outras linguagens, códigos, manifestações e públicos típicos nos mencionados grupos
marginalizados. Como reflete Roberto Benjamin em “à medida em que avançava em sua
pesquisa, Beltrão ia verificando que os agentes comunicadores de fora do sistema
convencional e as modalidades que adotavam para transmissão de sua mensagem eram de
características folclóricas” (BENJAMIN, 2008, p. 282).
Tendo observado a relação estreita entre cultura popular e folclore, que faz com que os
termos se confundam em sentido e percepção, esta inspirou Beltrão a intitular a tese de sua
autoria, na perspectiva de que o teórico se abasteceria das inúmeras exteriorizações destes
conceitos que se fundem e se complementam. Nas palavras do folclorista Luís da Câmara
Cascudo, já citado anteriormente como um dos mais eloquentes incentivadores dos estudos de
Beltrão, sendo reproduzido por José Marques de Melo.
Todos os países do mundo, raças, grupos humanos, famílias, classes profissionais
possuem um patrimônio de tradições que se transmite oralmente e é defendido e
conservado pelo costume. Esse patrimônio é milenar e contemporâneo. Cresce com
os conhecimentos diários desde que se integram nos hábitos grupais, domésticos ou
nacionais. Esse patrimônio é o Folclore. (MARQUES DE MELO apud CASCUDO,
2008, p. 20).
O próprio autor explicou a escolha do termo Folkcomunicação para definir os estudos
que iniciara, que em essência alegavam que a cultura de massa e a cultura popular coexistiam,
sendo esta última responsável por decodificar as mensagens emitidas pelos meios de
comunicação de massa para os grupos sociais excluídos dos avanços da modernidade face a
trajetória de exploração, que resultaram em anos e anos de retrocesso social.
A vinculação estreita entre folclore e comunicação popular, registrada na colheita
dos dados para este estudo, inspirou-me na nomenclatura desse tipo “cistemático” de
transmissão e notícias e expressão do pensamento e das vindicações coletivas.
Denominei-o folkcomunicação, definindo-o como processo de intercâmbio de
informações e manifestação de opiniões, ideias e atitudes da massa, através de
agentes e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore. (MARQUES DE MELO
apud BELTRÃO, 2008, p. 21).
25
Neste sentido, o conceito não está ligado às práticas convencionais dos meios de
comunicação, em suma corporificados nos meios tradicionais, mas, também, aos métodos
utilizados para informar, disseminar informações e as práticas, próprias ou de outras fontes,
aos membros dos grupos marginalizados. Foi observando o processo comunicacional nestas
conjunturas que Beltrão estruturou a teoria folk, considerando a existência dos agentescomunicadores, pertencentes aos conjuntos, como peças fundamentais para que as parcelas
desprivilegiadas se integrem ao sistema da comunicação social, pois caberia a estes o
intermédio das mensagens que não assimilariam as disparidades sociais, econômicas e
políticas dos grupos menos favorecidos em seus discursos homogeneizadores. Ademais, a
identificação deste propulsor possibilitou ao teórico o contato com outras vertentes teóricas
similares que já consideravam a presença de um agente mediador no processo de transmissão
de mensagem. Ainda no universo desta teoria, a falta do intermédio supõe que os receptores
estão familiarizados com a emissão procedente, inferindo conhecimento de códigos e métodos
utilizados na difusão de mensagens como reflete BELTRÃO (1980).
Uma destas vertentes foram as pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos,
brevemente relatadas nos escritos de Beltrão na obra Folkcomunicação: a comunicação dos
marginalizados, que averiguaram os impactos comportamentais nos consumidores de
campanhas políticas e publicitárias. Entre os apontamentos das pesquisas, a aceitabilidade dos
receptores estava diretamente ligada à influência exercida por pessoas de convívio próximo ao
receptor com relação aos temas do que a credibilidade do comunicador e da fonte originais.
Pesquisas estas que também fundamentaram o modelo de mensagens transmitidas com o
objetivo de atingir a massa, que caracteriza a cultura de massa.
Ademais, o público receptor da mensagem massiva é heterogêneo, notadamente no
que diz respeito à cultura; desse modo, o conteúdo latente da comunicação não é
captado por uma parcela significativa da audiência, à qual falta aquela experiência
comum que condiciona a sintonização entre comunicador e receptor. A diferença do
processo do diálogo interpessoal/intergrupal direto, a industrialização da mensagem
massiva não permite a imediata correção, reformulação ou adequação à capacidade
receptiva do indivíduo que a consome. O que o leva, sobretudo se desconhece “a
linguagem” e se situa em “universo de discurso” diverso do comunicador, a procurar
uma conexão com o grupo ou grupos com que se acha relacionado, seja familiar,
ideológico ou profissional, para obter esclarecimento. (BELTRÃO, 1980, p.29)
Outra tendência que inspirou as ideias iniciais da Folkcomunicação foi o modelo de
difusão da comunicação de massa, influenciada também pelos resultados das pesquisas
citadas anteriormente. O modelo criado por Wilbur Schramm, ilustrado pelo desenho de uma
tuba, reforça mais uma vez a ideia de que a receptividade das mensagens depende da difusão
26
das mensagens dentro dos grupos que compõem a audiência como um todo. Neste modelo
também os emissores enviam mensagens através de canais similares que chegam a audiência
que irá discutir os sinais recebidos e a produção destas percepções coletivas resulta em uma
ação comunicacional de retorno e de que disso depende a comunicação de massa, logo os
efeitos desta seriam secundários como descreveu Beltrão a explicar a influência de estudos
como estes para a formulação de sua tese.
Isto posto, criou-se uma associação com outras considerações de nomes importantes
do pensamento teórico comunicacional, a intitulada Teoria da Comunicação em Múltiplas
Etapas. Teoria americana desenvolvida em período eleitoral nos Estados Unidos, o modelo
Two-step-flow- fluxo comunicacional em duas etapas- desenvolvido entre as décadas de 40 e
50 e elaborado por Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet, trata-se da teoria que
considera a existência de duas vertentes na comunicação: a que passa do comunicador ao
chamado líder de opinião e a que é transmitida deste último ao receptor comum, relativizando
novamente a influência direta dos emissores de informações tradicionais que fazem parte da
cultura da massa. A teoria defende que os formadores de opinião comunitários constroem a
opinião pública nas pequenas ou grandes porções habitacionais as quais têm acesso,
valorizando as concepções intelectuais e relações interpessoais do receptor para validar as
influências exercidas.
Beltrão ainda elege os estudos de Robert K. Merton sobre a importância da influência
interpessoal para a comunicação comunitária; Elihu Katz, conjuntamente a Paul Lazarsfeld,
através da obra Personal Influence, e suas observações sobre a influência pessoal. Outros
nomes de destaque ainda são citados como fundamento para a teoria da comunicação em duas
etapas, o teórico replica características generalizantes apontadas nas pesquisas de Kartz e
Lazarsfeld como atributos elementares que auxiliam no entendimento sobre a figura do
agente-comunicador, que versa pelo pensamento de Beltrão ao consolidar a teoria
folkcomunicacional.
Verificou-se, de uma maneira geral, que: ‘1) a influência de outras pessoas em
decisões específicas tende a ser mais frequente- e certamente mais efetiva- que a
dos meios de comunicação de massa; 2) influenciadores e influenciados mantêm
íntimas relações e, consequentemente, tendem a compartilhar das mesmas
características de situação social: é muito raro pessoas de alta situação social
influenciarem outras de baixa condição e vice-versa; 3) indivíduos intimamente
relacionados tendem a ter opiniões e atitudes comuns e relutam em abandonar o
consenso do grupo, mesmo que os argumentos dos meios de comunicação de massa
lhes pareçam atraentes; 4) há especializações na ‘liderança de opinião’- por
exemplo: uma mulher é influente sobre compras, mas provavelmente não o será
quanto a modas; 5) embora a influência passe dos mais para o menos interessados,
estes últimos devem ter suficiente interesse para serem suscetíveis: não há líderes
27
sem partidários e o partidarismo exige interesse; 6) os ‘líderes de opinião’ têm mais
tendência a se exporem aos meios de comunicação de massa, particularmente aos
mais relevantes para suas esferas de influências’. (BELTRÃO apud KARTZ e
LAZARSFELD, 1980, p.31)
Beltrão ao citar Kartz e Lazarsfeld, encontra características amplificadoras sobre os
líderes o que resulta na seleção de aspectos que foram considerados, e são até a atualidade,
como determinantes para identificar entre os grupos analisados os integrantes mais
proeminantes que contribuem de modo expressivo para o êxito dos processos comunicativos.
Em síntese, os autores corroboram com a ideia de que a influência afetiva é tão ou mais
determinantes do que os meios de comunicação para as escolhas individuais; ainda alegam
que o compartilhamento das mesmas vivências e aspectos sociais aproximam o coletivo do
lidar, o que de certa forma reafirma o quesito anterior, pois a medida que as experiências
sociais aproximam os indivíduos a influência exercida sob ambas as partes é mais
significativa; os teóricos ainda dialogam ante a premissa de que as relações interpessoais
sugestionam comportamentos iguais; a credibilidade atribuída pelo grupo a figura dos líderes
e as opiniões dos mesmos foi outro tópico elencado também por sua importância e por fim, na
acessibilidade superior as mensagens transmitidas por fontes externas ao grupo,
principalmente as da grande mídia.
2.4 Os líderes comunicadores da Folkcomunicação: personagens comunitários e suas
influências aos grupos
Baseando-se em estudos de outros pensadores das Teorias da Comunicação, Beltrão se
propôs a observar a presença dos líderes comunicadores nos agrupamentos que segundo ele
desenvolveriam a Folkcomunicação. Desta maneira, a análise se dá através da atribuição dada
a estes personagens reais nas porções as quais fazem parte e que recebem informações
midiáticas, mas que possuem linguagens e manifestações diferentes das que frequentemente
são noticiadas pelos veículos de comunicação de massa. As pesquisas com as quais teve
contato fundamentaram suas observações sobre este personagem, no entanto, Beltrão ampliou
os horizontes traçados para delimitar a existência dos agentes comunicadores, eles os analisou
como parte integrante da estrutura do processo folkcomunicacional, sendo assim, estes
tornaram-se complementares ao entendimento da própria teoria.
Embora as relações investigadas dissessem respeito ao sistema de comunicação
social, a identificação do líder de opinião como agente-comunicador do sistema de
28
folkcomunicação foi o ponto de partida do trabalho desenvolvido por quantos se
dedicaram à busca e análise dos agentes e usuários do processo, das modalidades e
dos feitos da grande corrente paralela de mensagens que permitirá o conhecimento
das expressões do pensamento popular, do seu intercâmbio de ideias e , afinal, das
tentativas de uma convivência, quando não da integração, entre grupos tão
fundamente distanciados. (BELTRÃO, 1980, p.31)
Caberia aos chamados líderes, de forma consciente ou não, sanar determinadas lacunas
causadas pelas disparidades sociais, auxiliando seus grupos de pertença não apenas a
decodificarem as mensagens massificadoras emitidas, mas, também, a desembaraçar
informações que se põem distantes muitas vezes da realidade das partes segregadas,
auxiliando, inclusive e principalmente, na reinteração dessas mensagens, nas discussões
interpessoais e coletivas que promovem o conhecimento sobre fatos, que embora geográfica
ou culturalmente distantes, correspondem a impactos significativos para aquelas parcelas.
Compreende-se assim que sem a participação dos chamados líderes o abismo social entre as
elites e as massas e os marginalizados seriam ainda mais profundo ao julgar que o acesso ao
contexto globalizante que se consolidou acentuado seria ainda maior e impediria aos grupos
minoritários se utilizassem, por exemplo, de tendências aceitas pelas massas na perspectiva de
alcançar melhorias para suas vivências, ou até, que conhecessem o que se passa à exceção de
suas próprias concepções de mundo, fixando-os em seus locais de restrição.
[...] na folkcomunicação há maior elasticidade em sua identificação: os líderes
agentes-comunicadores de folk, aparentemente, nem sempre são ‘autoridades’
reconhecidas, mas possuem uma espécie de carisma, atraindo ouvintes, leitores,
admiradores e seguidores, e , em geral, alcançando posição de conselheiros ou
orientadores da audiência sem uma consciência integral do papel que desempenham.
(BELTRÃO, 1980, p.35)
Ainda sobre os líderes, amparado-se nas considerações de Beltrão (1980), ressalta-se
que se tratam de integrantes com notoriedade nas comunidades as quais fazem parte, tendo a
liderança, o carisma e a empatia com os demais componentes dos grupos como traços de
personalidade. Compete aos líderes comunicarem-se diretamente com a chamada audiência
folk que corresponde a formação grupal em si, no entanto, procura não se dá de forma
unilateral, o grupo também procura o líder na intenção de ter mensagens traduzidas que sejam
equivalentes ao entendimento comum, à praxe do grupo.
O comunicador de folk tem a personalidade característica dos líderes de opinião
identificada (e nele, talvez, ainda mais aguçada) nos seus colegas do sistema de
comunicação social: 1) prestígio na comunidade, independentemente da posição
social ou da situação econômica, graças ao nível de conhecimentos que possui sobre
determinado(s) tema (s) e à aguda percepção de seus reflexos na vida e costumes de
29
sua gente; 2) exposição às mensagens do sistema de comunicação social,
participando da audiência dos meios de massa, mas submetendo os conteúdos ao
crivo de ideias, princípios e normas do seu grupo; 3) frequente contato com fontes
externas autorizadas de informação, com os quais intercambia conhecimentos e
recolhe preciosos subsídios; e, finalmente, 5) arraigadas convicções filosóficas, à
base de suas crenças e costumes tradicionais, da cultura do grupo a que pertence, às
quais submete ideias e inovações antes de acatá-las e difundi-las, com vistas a
alterações que considere benéficas ao procedimento existencial de sua comunidade.
(BELTRÃO, 1980, p.35, grifo do autor)
Os líderes se configuram em pessoas acessíveis a coletividade, ocupam funções de
atribuições significativas para o bem comum, personalizam interesses específicos e possuem
um maior acesso à informações relevantes se comparados aos demais membros do grupos.
Acentua-se que os líderes não apenas se comunicam com a audiência de forma mais
abrangente, mas, também, com outros líderes, com agrupamentos de menor dimensão e até
alcançarem a audiência folk como esfera majoritária. Estes movimentos comunicacionais
assinalam a teoria folkcomunicacional.
2.5 A audiência Folk: definem-se os grupos marginalizados da Folkcomunicação
Outro aspecto indispensável à compreensão da Folkcomunicação é a chamada
audiência folk que se apresenta como um fator decisivo para determinar quais são os usuários
deste tipo de comunicação. Compõem a chamada audiência folk os grupos que o autor
identificou como marginalizados, composições que nos aspectos sociais, culturais, políticos e
econômicos destoam da normatividade dos grupos elitistas e massivos. Os marginalizados
tiveram suas formações originais alteradas por processos de dominação significativos, como a
colonização e a imigração.
Embora o contato e a imposição cultural dos agrupamentos de maior poder aquisitivo
e prestígio social tenham acarretado mudanças comportamentais significativas e o encontro
com objetos e conceitos símbolos da modernidade e dos avanços cronológicos, estes
conjuntos mantém vividas as particularidades das suas formações, o legado das gerações
passadas, as doutrinas próprias que os caracterizam sob o enfoque identitário, representando o
imaginário de pertença individual e coletiva. Como considera Luiz Beltrão:
A expressão marginal surge, na literatura científica, pela primeira vez em 1928, em
artigo de Robert Park sobre as migrações humanas, publicado no American Journal
of Sociology. O migrante é ali definido como ‘híbrido cultural’ um ‘marginal, que,
embora compartilhe da vida e das tradições culturais de dois povos distintos, ‘jamais
decide a romper, mesmo que lhe fosse permitido, com seu passado e suas tradições,
e nunca (é) aceito completamente, por causa do preconceito racial, na nova
sociedade em que procura encontrar um lugar’. Como é fácil constatar, o autor se
30
refere à situação do migrante estrangeiro; contudo, tanto a essência das
características grifadas (oposição à mudança/ preconceito) como a tipificação a
seguir coincidem com nosso objeto: É um indivíduo à margem de duas culturas e de
duas sociedades que nunca se interpenetram e fundiram totalmente’. (BELTRÃO,
1980, p. 38-39, grifo do autor)
Ainda no que se refere aos marginalizados, é fundamental destacar que o termo se
consolidou após o surgimento de outro conceito, o de sociedade de massa, advindo da
Revolução Industrial como marco histórico. O período atenuou os contrastes já existentes
entre os grupos formados pelos novos padrões de consumo material e de informações. O autor
ainda descreve a ausência da criação de meios que auxiliassem os grupos a acompanhar as
mudanças da época na emissão e recepção de mensagens, nos métodos de fabricação, no
crescimento dos grandes centros urbanos comerciais e na inevitável transformação dos
conjuntos urbanos frente ao período de metamorfose. Os marginalizados se desenvolveram
não apenas em espaços afastados do advento da modernidade, mas foram afetados de forma
menos impactante sendo prejudicados pelo acesso limitado a atmosfera progressista.
O fenômeno da marginalidade se caracterizou após a revolução burguesa e sua
ideologia, e se agravou com a Revolução Industrial, geratriz conceptual e formal da
sociedade de massa. Às camadas superiores- a elite do poder econômico e políticoque estabelecem os níveis de civilização e as metas de desenvolvimento, inclusive
sócio-cultural, se contrapõem indivíduos e grupos sem condições (ou a quem sempre
são negadas condições) de alcançá-los, por sua pobreza, por suas culturas
tradicionais, pelo isolacionismo geográfico, rural ou urbano, pelo baixo nível
intelectual ou pelo incoformismo ativo e consciente com a filosofia e/ou a estrutura
social e dominante. (BELTRÃO, 1980, p. 39)
Neste sentido, verifica-se que a própria instituição da cultura de massa e seus
desdobramentos é fator determinante para a consolidação do termo marginalizado, pois foi
através deste processo de consideráveis modificações que a dicotomia prevalecente entre o
enunciado popular comparado a elite e a massa se tornou ainda mais observável. Ademais, o
autor pontua a distinção de sentidos entre os termos marginalizados e marginal, considerando
que o primeiro alude a ideia de exclusão social, de desfavorecimento por rupturas ideológicas,
econômicas, geográficas e culturais, enquanto que marginal conta conduta duvidosa e sentido
pejorativo, não sendo característica dos grupos a que Beltrão se referia.
Do levantamento e análise dessas condições, a que vimos dedicando nossos estudos,
resultou a identificação e classificação de grupos de usuários da folkcomunicação,
através da qual se entendem, já que excluídos, marginalizados (e não marginais,
expressão que evitamos para afastar sua conotação negativa) não só do sistema
político como o do de comunicação social, ambos voltados à preservação do status
quo definido pela ideologia e pela ação planificada dos grupos dirigentes.
(BELTRÃO, 1980, p. 39)
31
A audiência folk é assim categorizada: grupos rurais marginalizados, grupos urbanos
marginalizados e os grupos culturalmente marginalizados, classificações atribuídas por Luiz
Beltrão. A concepção de dois deles é fundamental para o entendimento da proposta desta
pesquisa, são elas a de Grupos Rurais Marginalizados e a de Grupos Culturalmente
Marginalizados.
A primeira delas, a de Grupos Rurais Marginalizados, refere-se às comunidades
desfavorecidas geograficamente e vulneráveis dos pontos de vista econômico, social e
educacional. Localizados em postos afastados dos centros urbanos, as comunidades
reconhecidas como rurais são beneficiadas em menor grau com investimentos de
infraestrutura, serviços básicos e inclusão tecnológica. Os integrantes destes conjuntos, em
sua maioria, dispõem de grau inferior de instrução, por não possuírem as mesmas
oportunidades de acesso ao ensino que são oferecidas aos que vivem em meio urbano, por
consequência estão menos condicionados a empregos formais e mais favoráveis a
desenvolverem as profissões que compõem a tradição familiar dos seus ambientes de berço.
Nestas comunidades, é comum que a linguagem, embora funcionando bem entre os iguais,
seja mais um reflexo da pouca formação escolar, apresentando, por exemplo, vocábulos
próprios ou que não são mais utilizados convencionalemente. Aspectos culturais se
sobressaem neste contexto, levando-se em consideração que os costumes não são afetados
com a mesma intensidade que nos espaços altamente urbanizados, característica que beneficia
a manutenção da tradicionalidade e favorece a hibridização cultural de forma menos
neutralizante que nos meios urbanos. Beltrão aponta que os rurais marginalizados assim o são
“sobretudo devido ao seu isolacionismo geográfico, sua penúria econômica e baixo nível
intelectual.” (1980, p.40)
Os Rurais Marginalizados sofrem com o fantasma da supremacia urbana e são vistos
como permanentes fornecedores de matérias-primas, dispondo de uma participação menos
efetiva nas decisões locais por serem vistos essencialmente como atuantes do primeiro setor
que em pouco se envolvem com resoluções da indústria, do comércio e da participação social.
Beltrão os definiu desta maneira:
Os grupos rurais marginalizados são constituídos de habitantes de áreas isoladas
(carentes de energia elétrica, vias de transporte eficientes e meios de comunicação
industrializados) subinformados, desassistidos ou precariamente contatados pelas
intuições propulsoras da evolução social e, em conseqüência, alheiros às metas de
desenvolvimento perseguidas pelas classes dirigentes do país. (BELTRÃO, 1980,
p.41)
32
Nestes moldes, o projeto Mulheres de Argila, objeto de estudo deste trabalho
acadêmico, desenvolve-se em um espaço caracterizado como rural, afastado do centro e com
poucas vias de acesso, embora oficialmente a delimitação do espaço em questão ainda
corresponda a zona urbana de Caruaru, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). No entanto, as características históricas, de âmbito artesanal, de formação
agrícola, e geográficas distanciam o lugar dos conceitos sobre urbanidade que foram
absorvidos, inclusive, pelo conjunto da população caruaruense que ainda observa o local
como área predominantemente rural.
Ainda no contexto de conjuntos segregados, o conceito de Grupos Culturalmente
Marginalizados também se torna imprescindível para esta pesquisa. Entende-se por grupos à
margem, na perspectiva cultural, os conjuntos que adotam uma ideologia antagonista ao
pensamento geral, emitindo sinais de contraposição que podem ser de ordem religiosa,
comportamental, social e até política. Professam de interpretações próprias que são tratadas
como verdadeiros dogmas e valorizam os costumes desenvolvidos no âmbito local mesmo
que de forma majoritária estes rituais não sejam praticados ou aceitos pela sociedade. Estes
grupos definidos por Beltrão atuam em perspectiva contrária a padrões estabelecidos pela
normatividade impondo ideologias próprias que causam incomodo a outras formações
coletivas que contam com a aceitabilidade coletiva e status social garantido. O autor os
definiu como “Os grupos culturalmente marginalizados, urbanos ou rurais, que representam
contingentes de contestação aos princípios, à moral ou à estrutura social vigente”
(BELTRÃO, 1980, p. 40).
No contexto social, em sua maioria, possuem baixa renda financeira e estão expostos a
subempregos ou a empregos de remuneração insuficiente ou menor que os demais, condição
de vida esta que se reflete em outros âmbitos como em estruturas precárias de moradia,
algumas vezes sem reconhecimento legal, maior dificuldade de ingresso no mundo do
trabalho, violência e preconceito.
Constituem-se de indivíduos marginalizados por contestação à cultura e organização
social estabelecida, em razão de adotarem filosofia e/ou política contraposta a idéias
e práticas generalizadas da comunidade. Desse modo, forçada ou voluntariamente,
tais grupos se acham apartados dos demais que, entretanto, procuram atrair às suas
fileiras, utilizando no proselitismo métodos e meios acessíveis ao público rural e
urbano a que se destinam suas mensagens, sejam convencionais ou de folk, que
manejam com habilidade e audácia (BELTRÃO, 1980, p. 103).
33
Levando-se em conta este cenário, propõe-se que o projeto Mulheres de Argila
também se encaixe na conceituação de Grupos Culturalmente Marginalizados, adotando-se
duas linhas de pensamento. A primeira, o projeto é composto por um grupo formado
inteiramente por mulheres que estão submetidas aos preconceitos sociais, históricos e
culturais sofridos pelo gênero em detrimento de uma cultura machista, que influencia não
apenas a vida pessoal como também a vida profissional das mulheres, comprometendo sua
autonomia econômica com salários baixos ou com a imposição do trabalho doméstico.
A segunda, o grupo desenvolve um artesanato diferenciado do já consolidado
artesanato em barro, característico na região, trazendo uma nova proposta para nativos e
turistas que visitam a cidade de Caruaru. Faz-se necessário também explorar a visão
minimalista ainda aplicada à prática artesanal, como atividade primária, distante das novas
tecnologias e dos métodos formais de comercialização e de técnicas modernas de produção. O
artesanato ainda está enraizado pelo imaginário social como práticas fadadas a reprodução da
vivência popular, como tradição que não se abastece de inovações, como característica
histórica das pequenas cidades interioranas, como arte menos conceituada entre as possíveis
manifestações e que deve apresentar apenas valores simbólicos de custo.
2.6 Manifestações dos grupos marginalizados pelos canais da Folkcomunicação
Os grupos marginalizados possuem uma dinâmica própria e peculiar que se caracteriza
não somente pela intermediação de lideres comunicacionais, mas, também, de canais próprios
para a divulgação de suas tradicionais culturas. Os chamados canais folk são desenvolvidos
no cerne da coletividade dos ditos marginalizados e diretamente afetados pelas condições
financeiras, posições geográficas e traços sociais dos grupos, fazendo inclusive, e
principalmente, referência a identidade cultural dos mesmos. Com isso os grupos nos quais a
literatura de cordel é uma prática histórica e genuína podem utilizá-lo como um tipo de canal
de comunicação, já para algumas comunidades urbanas das grandes metrópoles a tatuagem
pode ser a forma escolhida pelos componentes do grupo para a transmissão de significados e
mensagens relevantes.
Um dos canais mais tradicionais e comuns a diversas populações é o artesanato, modo
cultural popular desenvolvido pelo projeto Mulheres de Argila, objeto de estudo do projeto
em questão. Para Cristina Schmidt, o artesanato como canal folkcomunicacional pode ser
entendido como:
34
O artesanato é uma forma muito recorrente de demonstração do cotidiano. Por meio
dele são registradas cenas do dia-a-dia, histórias, mitologias, tecnologias. Com as
mãos, são registrados os anúncios do momento em madeira, metal, vidro, tecido,
papel ou barro. Também plástico, fios, borracha, linhas, alimentos são usados como
meio para essa produção. É a vida expressa em materiais e formas diversas. É a
comunicação realizada entre os seus interlocutores por meio de canais próprios à sua
identidade, localidade. (SCHMIDT, 2012, p. 203)
O uso desses canais não é uma invenção contemporânea, eles existem muito antes de
serem estudados e constituem parte integrante da trajetória de muitas comunidades brasileiras,
tornando-se referência para a formação das culturas regionais por aludirem a práticas,
costumes, bens materiais e imaterias próprios dos sistemas culturais e de seus atores sociais.
35
3
A
CONTINUIDADE
DOS
ESTUDOS
FOLKCOMUNICACIONAIS,
A
ABRANGÊNCIA DAS CONSTRUÇÕES INICIAIS
Como já destacado por José Marques de Melo (2008), atenta-se para o fato de que
originalmente Beltrão concebia a folkcomunicação como integrante do processo de mediação
das mensagens da cultura das elites, erudita ou massiva, e a cultura das classes trabalhadoras,
rurais ou urbanas, e que embora os canais de comunicação folk não sejam igualmente
vanguardistas como os da indústria cultural são deles que uma parcela da população se
fomenta para se integrar a atualidade, através de linguagens familiares que são capazes de
reler o que é difundido de maneira muitas vezes complexa em se comparando ao caráter
simplificador das expressões da cultura popular. Sobre a Folkcomunicação, Beltrão aponta:
Em outras palavras, a Folkcomunicação é, por natureza e estrutura, um processo
artesanal e horizontal, semelhante em essência aos tipos de comunicação
interpessoal já que suas mensagens são elaboradas, codificadas e transmitidas em
linguagens e canais familiares à audiência, por sua vez conhecida psicológica e
vivencialmente pelo comunicador, ainda que dispersa. (BELTRÃO apud
BELTRÃO, 2004, p. 74)
A teoria originalmente desenvolvida por Beltrão como uma nova área de pesquisa em
Comunicação no Brasil não se limitou aos estudos iniciais do autor. Coube aos seguidores da
folkcom expandir e reinterpretar a tese criada observando as novas realidades
contemporâneas, sem desvincular-se do legado do autor. Esta se mostra mais uma
característica relevante sobre a tese, mesmo tendo sido formulada em 1967, as aplicabilidades
da tese continuam atuais; o nível de conhecimento adquirido sobre a teoria cresce à medida
que ganha resignificações, em que são avaliadas novas relações entre a cultura popular e a
cultura de massa, que o número de seguidores não permanece inerte e que a pesquisa adentra
as universidades brasileiras sendo instituída nas grades curriculares de futuros comunicólogos
como importante reflexão teórica.
Seu objeto de estudo situa-se na fronteira entre o Folclore (resgate e interpretação da
cultura popular) e a Comunicação de Massa (difusão industrial de símbolos por
meios mecânicos ou eletrônicos destinados a audiências amplas, anônimas e
heterogêneas). Se o Folclore compreende formas interpessoais ou grupais de
manifestação cultural protagonizadas pelas classes subalternas, a Folkcomunicação
caracteriza-se pela utilização de mecanismos artesanais de difusão simbólica para
expressar, em linguagem popular, mensagens previamente veiculadas pela indústria
cultural. Se o folclore compreende formas interpessoais ou grupais de manifestação
cultural protagonizadas pelas classes subalternas, a folkcomunicação caracteriza-se
pela utilização de mecanismos artesanais de difusão simbólica para expressar, em
36
linguagem popular, mensagens previamente veiculadas pela indústria cultural.
(MELO, 2008, p.1).
A relação entre folclore, cultura popular e cultura de massa ponderada pelo autor na
folkcomunicação norteia a continuação da pesquisa pelos seguidores de Beltrão mesmo na
atualidade. Explicar esta relação é fundamental para o entendimento da compreensão inicial
que Beltrão fazia de sua propositura, mesmo sabendo que o aperfeiçoamento da mesma por
seguidores beltranianos contemporâneos ampliou as acepções sobre a teoria. José Marques de
Melo também se dedicou a discorrer sobre os termos, assinalando as conexões estabelecidas
pela folkcomunicação.
3.1 Discussões sobre a cultura popular e a cultura de massa: os caminhos da
Folkcomunicação
A Teoria da Folkcomunicação se dedica a pesquisar as manifestações culturais que se
desenvolvem no cenário das camadas consideradas populares. Neste contexto, a abordagem
do conceito de cultura é indispensável para que se observem os estudos folkcomunicacionais
com melhor entendimento. O conceito em questão é um dos mais adotados nas discussões
provocadas pelas ciências humanas e sociais, configurando-se também como um dos mais
abrangentes e de difícil delimitação por se tratar da identidade do ser coletivo e do ser pessoal,
por significar a memória afetiva e histórica de grupos e civilizações que permitem as gerações
contemporâneas perpetuarem traços, costumes, práticas, rituais dos antepassados.
E não apenas a cultura também se estabelece como uma conexão entre o ser humano e
seu local de origem ou de reconhecimento, mas, também, como sobrevivência e de adaptação
as condições do meio. Como sintetiza Santaella em considerações sobre o tema.
A definição também implica que a cultura é mais do que um fenômeno biológico.
Ela inclui todos os elementos do legado humano maduro que foi adquirido através
do seu grupo pela aprendizagem consciente, ou, num nível algo diferente, por
processos de condicionamento – técnicas de várias espécies, sociais ou
institucionais, crenças, modos padronizados de conduta. (SANTAELLA, 2003, p.
31)
Tendo ainda como embasamento a construção teórica de Santaella, a autora pondera
que “há consensos sobre o fato de que cultura é apreendida, que ela permite a adaptação
humana ao seu ambiente natural, que ela é grandemente variável e que se manifesta em
instituições, padrões de pensamento e objetos materiais” (SANTAELLA, 2003, p.30). Dentro
37
do ideário existente sobre a cultura, outras conceituações emergem: como as de cultura
popular e de massa que estão inseridas também no âmbito dos estudos folkcomunicacionais.
No que versa sobre a cultura popular, levando-se em consideração que costumes e
práticas culturais são características históricas e sociais das comunidades das quais se
originaram, às manifestações das camadas sociais marginalizadas convencionou-se a
conotação de representantes da Cultura Popular. Adota-se a perspectiva de que estas
expressões ajudam a contar a trajetória de povos e lugares e são, na maioria das vezes,
desenvolvidas com base em matérias autênticos das condições locais que se encontram com
facilidade na natureza que permeia estas comunidades.
A partir deste recorte, a Folkcomunicação reflete sobre a tradicionalidade, a
rudimentaridade, as expressões quase que inerentes a vivência das camadas sociais a exemplo
das práticas religiosas comuns nestes contextos e que fazem parte do senso comum, da
verdade, da identidade coletiva e pessoal dos indivíduos que compõem os agrupamentos. À
medida que a teoria percorre estes caminhos, conclui-se que as expressões compreendidas
como representantes da cultura popular compõem o campo ideário no qual a
Folkcomunicação se explana.
O conceito de cultura popular é amplo, pois engloba uma série de aspectos que a
caracterizam como valores coletivos, relações sociais, dinâmica própria, materiais peculiares
entre outros. Desta maneira, as interpretações comuns e científicas a respeito do tema não são
hegemônicas, nem tampouco unânimes. Entre as atribuições que são absorvidas pelo conceito
de cultura popular existe o da identificação pessoal, o da pertença do indivíduo, o da
subjetividade. Como descreve Ecléa Bosi “quando não existe um todo social no qual o
indivíduo possa participar e se sentir como parte dele, faltará a seiva que nutre sua identidade”
(BOSI, 1991, p. 66).
Bosi (1991) analisa a cultura popular como um todo congruente, um sistema coerente
e autônomo que não se domina pela cultura vigente e possui uma dinâmica distinta da lógica
totalizante que se emprega. A discussão sobre a relação entre cultura popular, de massa e
erudita perpassa por essas definições, pelo que se entende por cada uma deles. No contexto
contemporâneo da Globalização, das mudanças tecnológicas, da informação unilateral,
midiatizada, intermediada, o diálogo sobre o que de fato pode ser definido como cultura
popular é ainda mais atual e divide as opiniões entre os teóricos que refletem este tipo de
cultura como uma particularidade que destoa dos avanços tecnológicos e se mantém inerte,
tradicional e “pura” entre os que defendem a adaptação aos moldes modernos que auxiliem a
38
perpetuar as práticas e contribuam para a sobrevivência das práticas culturais populares em
meio à absorção social das manifestações ditas de massa, velozes e constantemente mutáveis.
Certeau (1996, p.142) relaciona o conceito de cultura, referindo-se ao termo em
âmbito popular, com os personagens que as põem em prática. “Para que haja cultura, não
basta ser autor das práticas sociais; é preciso que essas práticas sociais tenham significado
para aquele que as realiza”, destaca. No tocante a cultura de massa, trata-se também de um
conceito amplo. A cultura de massa está relacionada a sociedade do consumo, a produção da
indústria cultural, ao Capitalismo, a fabricação em larga escala e ao desenvolvimento dos
meios de comunicação. Nesta concepção, a massa se refere às multidões, ao grande grupo,
que absorve informações transmitidas de maneira unilateral, o emissor fala a massa,
considerando-a homogênea, com pessoas semelhantes que anseiam pelos mesmos produtos,
mensagens e serviços.
O conceito de cultura de massa está correlacionado a criação da indústria cultural,
tendo em vista que esta indústria possui fins lucrativos, trabalha com metas do mundo do
trabalho para atender ao cliente (público), pressupõe e cria hábitos e mecanismos que atraiam
a audiência. Neste âmbito, entende-se que a cultura de massa é o sistema no qual se
desenvolve a indústria cultural que compreende empresas e instituições que trabalham sobre
esta óptica do consumismo e estabelece padrões e personagens que serão adotados pela
massa. Estes padrões podem ser de natureza ideológica, políticas, linguística, social e
comportamental que não incentivam apenas compra e venda, mas o consumo, a ligação entre
consumidor e marca, a afetividade e o desejo de aquisição que pode ser concreta ou
emocional.
A criação e o aperfeiçoamento dos meios de comunicação estão diretamente ligados ao
surgimento da cultura de massa, porque foi a partir do advento destes canais que a ideia de
transmissão de mensagens para grandes públicos pode se concretizar. Em vista disso, as
experiências de comunicação poderiam apresentar-se não apenas entre dois indivíduos ou
entre grupos menores, mas poderia alcançar significativas proporções; pessoas de diferentes
localidades; grupos segmentados e dispersos; representantes das classes mais abastadas e
subalternas.
A era industrial legou-nos o conceito de produção em massa e, com ele, economias
que empregam operários uniformizados e métodos repetitivos na fabricação de um
produto num determinado espaço e tempo. A cultura de massas originou-se no jornal
com seus coadjuvantes, o telégrafo e a fotografia. Acentuou-se com o surgimento do
cinema, uma mídia feita para a recepção coletiva. Mas foi só com a TV que se
solidificou a ideia de homem de massa junto com a ideia de mass media. Não
39
fazíamos ideia de que existiam coisas como consumo de massa e psicologia de
massa até a televisão fazer dela seu próprio conteúdo. A lógica da televisão é a de
uma audiência respondendo informação sem responder. (SANTAELLA, 2003, p.79)
Contextualizada historicamente durante a fase de industrialização, a cultura de massa
encadeou transformações não apenas na forma de emitir e receber informações, mas, também,
no comportamento de consumo e na consciência de mundo das pessoas e nos métodos,
estratégias e noções de cliente e negócios das empresas. O âmbito que proporcionou o
advento da cultura de massa compreende também metamorfoses sociais, como o crescimento
dos ambientes urbanos em detrimento da diminuição da população rural, da efervescência do
segundo e terceiro setores da economia, indústria e serviços, e da inibição do primeiro setor
da economia, a agricultura.
A segunda revolução industrial promoveu uma enorme migração populacional dos
centros rurais para os urbanos, produzindo o fenômeno identificado por Ferdinand
Tõnnies como de mudança das Comunidades para as Sociedades. Na primeira
instituição, as relações sociais se davam de modo direto. No segundo caso, pelas
grandes dimensões que alcançou, necessitava de mediações. É assim que surgem as
massas (analisadas por Gabriel Tarde, por exemplo), também visualizadas enquanto
multidões perigosas (conforme Gustave Le Bon, contemporâneo de Tarde). A
ampliação dessas populações, que chegavam em busca de emprego e de mobilidade
social, gerou, de um lado, a experiência flanérie, estudada por Benjamin, graças ao
anonimato propiciado pelo grande aglomerado urbano, mas também o público,
identificado por Tarde, graças à presença mobilizadora e organizativa da imprensa,
fenômeno igualmente observado por Tocqueville, quando de sua viagem aos
Estados Unidos, ainda na primeira metade do século XIX. (HOHLFELDT, 2008, p.
47)
As mudanças geográficas, econômicas e sociais reverberaram em relações sociais e
práticas
comunicativas
distintas
das
anteriormente
estabelecidas
e
vivenciadas,
principalmente, pelas camadas populares. Estas mudanças também acentuaram a disparidade
entre as camadas sociais, contribuindo para a dicotomia existente entre elas e acentuando a
importância da tradicionalidade, dos costumes, dos hábitos pertencentes aos grupos que se
mantiveram à margem deste desenvolvimento. Na folkcomuicação, Beltrão se dedicou a
analisar a dinâmica que estes grupos mantiveram ou criaram para sobreviver em meio às
transformações que fizeram do acesso as inovações da modernidade ainda mais complexo e
menos natural.
40
3.2 Identidade Cultural: o reconhecimento individual e coletivo dentro das
manifestações culturais
O papel do indivíduo pertencente aos grupos sociais e até mesmo o papel destes
grupos dentro das culturas de massa e popular também devem ser analisados pelo enfoque de
outro conceito: o de identidade cultural. A ideia de identidade cultural abrange uma série de
perspectivas que regem os seres sociais, abarca o conjunto das práticas, teorias, vivências e
tradições que influenciam o modo de ser e agir das pessoas no mundo. Identidade cultural se
refere aos valores de pertença, de reconhecimento a determinado contexto que são
determinados por fatores como sociais, étnicos, histórico entre outros, é um conceito em
construção que vem passando por profundas transformações, pois os indivíduos estão
participando de novas experiências de tempo e espaço , as possibilidades de interelações com
outros processos que não apenas os já assimilados estão se ampliando dando mais liberdade
ao indivíduo de expressar sua identidade cultural de diferentes maneiras.
[...] toda e qualquer identidade é construída. [...] A construção de identidades vale-se
da matéria- prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas
e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de
poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados
pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em
função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social,
bem como em sua visão de tempo/espaço. (CASTELLS, 2000, p. 23-24).
Entende-se que embora o conceito esteja ligado as bases dadas ao indivíduo e aos
grupos sociais durante a sua história, a concepção não é reducionista, pois ao se falar em
identidade foge-se ao determinismo dos fatores, que embora exerçam influência não
condizem aos fatores totalizante para esta definição. Os estímulos dados à raça humana são
constantes e fazer parte de conjuntos de ideias e práticas torna-se ao passar do tempo um filtro
ainda mais próprio, sendo necessário que o ser em questão ao identificar-se com determinada
conjuntura participe desta, contribua com sua perpetuação e se inspire na mesma. O processo
contínuo de identificação cultural é um emaranhado de significações, resignificações e de
traços que permitem aos seres o sentimento de intimidade e de reflexo, assim diz respeito a
intergrar os contextos a se sentir parte daquele âmbito.
Faz-se importante destacar ainda que a identidade cultural em meio ao universo de
pluralidade existente nos dias atuais podem se acentuar justamente por representar a não
existência deste eu coerente, um indivíduo pode não se sentir plenamente identificado com as
mudanças tecnológicas da modernidade, por exemplo, e assim retomar as suas raízes
41
identitárias e senti-las ainda mais fundamentais para a construção do próprio ser. Ou seja,
embora exista uma corrente que impulsiona os seres para esta homogenização, a identidade
cultural tem tamanha relevância que pode significar para o indivíduo o movimento contrário
ao grupo majoritário do qual faz parte.
Em se observando as definições de identidade cultural é possível estabelecer uma
ligação com outro termo, o chamado popular. Embora seja utilizado muitas vezes em caráter
de situacionalidade para esclarecer a origem de outros termos que se colocam conjuntamente,
como a música e a cultura, por exemplo, o vocábulo popular é carregado de significado
ideológico. No sentido denotivo, de maneira geral, faz referência a concepção de povo, porém
abstrativamente está vinculado a expansão do termo, a tudo que ele abarca e simboliza.
Como se vê, popular adquire uma plasticidade conceitual, exigindo, para os dias de
hoje, uma definição que, rigorosamente, passa por movimentos dialéticos intrínsecos
ao próprio conceito, inserido no marco teórico da tradição e atualizado para as atuais
exigências. Nessa perspectiva, é possível mostrar um movimento conceitual que
envolva os elementos que sempre estiveram presentes nos variados momentos
históricos e outros que foram sendo assimilados com o tempo. (NETO, 2002, p.16)
Partindo da noção de que a identidade cultural é um processo ininterrupto e em
constante construção e que está relacionado as vivências individuais e coletivas, é possível
utilizar-se da expressão identidade popular quando justamente este processo de criação do
“eu”, de legitimação deste indivíduo passa pela história do povo ao qual pertence e a reflete,
sendo assim existe o reconhecimento do singular no processo coletivo. A identidade popular,
como optou-se por utilizar também nesta pesquisa, simboliza o filtro cultural, a identificação e
o sentido de pertença pelas quais os integrantes estão ligados afetivamente aos seus grupos de
origem.
42
4 PROJETO MULHERES DE ARGILA: ARTESANATO EM MOSAICOS DE
RETALHOS DE JEANS
A pesquisa se propõe a percorrer os caminhos da Folkcomunicação e analisar a nova
conjuntura de artesanato oferecida pelo projeto “Mulheres de Argila” através de sua atuação
em Caruaru. Na perspectiva de refletir sobre os formatos contemporâneos da prática artesanal
e a manutenção ou não de sua originalidade, em meio à atividade comercial expansiva, a
segmentação da produção, as estratégias de venda e aos novos produtores e consumidores
cada vez mais envolvidos com a tecnologia e seus avanços.
Intitulado Mulheres de Argila, o projeto analisado se desenvolve no Maior Centro de
Artes Figurativas das Américas, o internacionalmente renomado Alto do Moura, localizado no
município de Caruaru, Agreste pernambucano. Precisamente na Rua Mestre Vitalino, via que
recebe o nome de um dos maiores ícones da arte do barro, dezesseis mulheres compõem o
grupo de produção social e econômica criado pela iniciativa do Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), através do Projeto de Artesanato do Agreste do Sebrae
em Pernambuco, com o apoio do Centro Pernambucano de Design.
O projeto surgiu no ano de 2011, e desde então propõe para Caruaru uma nova
conjuntura de artesanato que se diferencia da produção em argila que retrata fatos cotidianos,
festas populares, expressões tradicionais da cultura regional e demais facetas do homem e da
mulher local, prática que se constituiu historicamente como expoente cultural popular da
cultura nordestina. Neste novo contexto, a matéria-prima das artesãs são as ourelas de jeans,
ou bordas de tecido, resultante da expressiva geração de peças em jeans do Polo de
Confecções do Agreste, segundo maior do país no segmento industrial.
Na perspectiva de promover a autossuficiência econômica das artesãs através de uma
proposta inovadora que une produção artesanal, atividade comercial e desenvolvimento
sustentável, o coletivo Mulheres de Argila surgiu da tendência empreendedora do Sebrae
expressa na ideia de formar uma parceria para a confecção de produtos artesanais, sob a
orientação de um profissional de design. Partindo deste plano inicial, observou-se a
necessidade do Polo de Confecções do Agreste em destinar os resíduos oriundos da produção
de roupas, tendo em vista que o material em questão não era reutilizado para outros fins e
ainda não havia se formulado uma solução ecologicamente correta para o descarte do mesmo.
O Polo de Confecções do Agreste, representado mais expressivamente pelas cidades
de Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe e Toritama-embora recente pesquisa realizada em 2012
pelo Sebrae tenha atestado que dez municípios contribuem com o crescimento do polo no
43
cenário atual- é composto por diversas empresas que atuam no segmento têxtil em
Pernambuco. No entanto, não se trata de uma produção homogênea que tenha como matériasprimas as mesmas bases, contrariamente, encontra-se neste conglomerado comercial uma
extensa variedade de cores, tamanhos, texturas e tecidos. Levando- se em consideração a
realidade apresentada, o Sebrae desenvolveu testes com materiais diversos para encontrar a
versão que melhor iria se adaptar a proposta do projeto, para isso o consultor e estilista Melk
Z-Da foi incorporado a realização dos estudos iniciais, sendo favorável a escolha das ourelas
de jeans como matéria-prima para a criação do Mulheres de Argila, identificando em sua
decisão o apelo ecológico do material.
Com as definições preliminares do projeto devidamente estabelecidas, foi firmada
uma parceria com a Associação dos Artesãos em Barro e Moradores do Alto do Moura
(AABMAM) o que viabilizou a criação do grupo de cunho socioeconômico. Desde 2011, as
artesãs que compõem o Mulheres de Argila dedicam-se a confecção de acessórios e
revestimentos de utensílios. Entre bolsas, aventais, pastas, sacolas, capas, cestos, souvenirs,
estojos, descansos de copos, porta-guardanapos, tapetes, carteiras, almofadas, lixeiras,
passadeiras, caixas, luvas, luminárias e, mais recentemente, vestuário, o grupo oferece a
região produções artesanais diferenciadas, associando-se ao conceito de sustentabilidade ao
dispor de uma alternativa prática que soluciona a problemática da destinação dos resíduos da
produção em jeans.
Desde a criação, a sede do grupo se localiza no Alto do Moura, berço histórico da
cultura do artesanato em barro de Caruaru. O espaço ainda comporta a loja própria do projeto,
umas das principais formas de comercialização dos produtos em conjunto com as
participações em feiras de artesanato no Estado, a exemplo da Feira Nacional de Negócios do
Artesanato (Fenearte), realizada no Centro de Convenções de Pernambuco, em Olinda, na
Região Metropolitana do Recife.
As encomendas em atacado foram incorporadas aos métodos de venda como forma
de ampliar a cartela de clientes e as possibilidades de negociação comercial. Firmando-se ao
longo dos nãos, o projeto incorporou mulheres também da cidade de Riacho das Almas,
município próximo a Caruaru.
Constitui-se como marca do Mulheres de Argila homenagear uma artesã do Alto do
Moura a cada coleção elaborada. A personagem em questão não apenas tem seu nome como
título do conjunto de peças produzido, mas, também, tem sua história retrata na divulgação
das coleções e inspira a nomeação das unidades confeccionadas em ourelas de jeans. O nome
é escolhido através de votação coletiva. A iniciativa de titulação simbólica representa a
44
valorização da mulher artesã e de sua história como importante componente da construção da
identidade cultural da cidade.
Em números, por mês, são confeccionadas mil peças resultantes da utilização de
quatro toneladas de jeans absorvidas pelo projeto, doadas pelas chamadas empresasmadrinhas que compõem o Polo de Confecções do Agreste e participam como parceiras na
execução do projeto através da doação dos resíduos.
4.1 Mulheres de Argila: a nova proposta à luz da teoria Folkcomunicacional
O projeto escolhido como objeto de estudo deste trabalho acadêmico contempla
questões pertinentes aos atuais estudos da teoria da Folkcomunicação, que foi escolhida como
reflexão teórica para a realização desta exposição monográfica. A análise da proposta
inovadora do Mulheres de Argila ainda permitiu a abordagem dos conceitos de cultura
popular, cultura
de massa, folclore, hibridização cultural e afirmação das identidades
individuais e culturais, ponderadas no contexto contemporâneo das transformações
proporcionadas pelas inovações tecnológicas que acarretam mudanças psicológicas e
comportamentais da humanidade defronte à era da globalização que supera barreiras físicas e
transforma o mundo em aldeia global conectada ciberneticamente quase que em sua
totalidade.
Após minuciosa revisão de literatura sobre as considerações de teóricos renomados
sobre os assuntos citados acima, observa-se que o coletivo associa-se ao diálogo
folkcomunicacional podendo ser considerado como um exemplo recente para as discussões
levantadas outrora pelo precursor da tese de doutoramento, Luiz Beltrão, ao apresentar
características que o permite ser qualificado como um expoente da Folkcomunicação. A
cooperativa atua no âmbito da cultura popular criando peças artesanais fabricadas a partir do
uso de retalhos de jeans, que seriam descartados no meio ambiente por falta de destino
adequado, contribuindo com a atmosfera cultural da cidade de Caruaru-PE, são peças
utilizadas como artigos de decoração, acessórios e até mesmo vestuário fabricados no Alto do
Moura, Maior Centro de Artes Figurativas das Américas, local de referência para o artesanato
em barro produzido no município internacionalmente prestigiado.
Constituindo-se como o primeiro expoente deste tipo de produção na cidade, o projeto
representa uma nova conjuntura para a prática e o imaginário da atividade artesanal que
caracteriza o agreste pernambucano, especificamente o município de Caruaru. Alimentandose da cultura popular, não apenas se desenvolve no espaço mais característico no sentido
45
folclórico da região, mas, também, homenageia a história de mulheres que se dedicaram a esta
arte popular em suas coleções e oferecem aos consumidores peças familiares a preferência da
comunidade, com características e utilidades que são facilmente reconhecidas por aqueles que
dividem com o projeto as mesmas raízes de identidade.
É nesse sentido que o auto intitulado artesanato valoriza e enaltece a cultura regional
ao escolher inspirar-se na história de mulheres artesãs que contribuíram para a herança
geracional do artesanato em barro local, as histórias de vida e carreira destas atrizes sociais
servem como inspiração para a criação das coleções do projeto, que procuram descrever
aspectos significativos de suas trajetórias nos materiais que são confeccionados. Desta
maneira, cores, formas e nomeações das peças refletem simbolicamente o reconhecimento
dado e a continuidade do legado proporcionada pela escolha das integrantes do grupo.
As estratégias de divulgação utilizadas para promover a difusão das coleções
elucidam esta característica ao descrevem brevemente as razões que fizeram a personagem em
questão ser escolhida para nominar determinado conjunto de produções, como no relato em
alusão à primeira homenageada do projeto, Sá Valdivina.
Artesã contemporânea do mestre Vitalino que, de forma intuitiva, usava elementos
de engenharia nas suas criações que reunia beleza e funcionalidade. Conhecida por
fabricar potes e outros utilitários, além de canos para tubulações, e as famosas
bonecas personalizadas que “tomavam água e faziam xixi”. As bonecas reproduziam
os traços da menina, dona do brinquedo. Durante a pesquisa para o trabalho de
desenvolvimento da coleção, a descoberta da existência de um acervo na
comunidade com duas peças- “potes de barro” feitos pelas mãos da homenageada.1
Em face disso, percebe-se o intuito de perpetuar a importância das personagens para
os anais da cultura regional, resgatando-a e interpretando-a por intermédio de novos moldes.
Neste aspecto, corresponde aos princípios de tradicionalidade defendidos por autores ao tratar
das expressões populares da cultura em termos gerais, no contexto do entendimento sobre o
conceito de folclore que deu base as definições taxonômicas da teoria da Folkcomunicação.
Por questões anteriormente explicitadas, é oportuno afirmar que o coletivo analisado
pode sim corresponder ao entendimento sobre grupos marginalizados defendidos por Beltrão
na construção da primeira teoria científica da área da comunicação no Brasil. Adotando-se
três parâmetros de análise, que se baseiam nos princípios defendidos pelo teórico, sendo eles
o de grupo rural marginalizado, tendo em vista que mesmo se localizando em um espaço
geograficamente definido como urbano, posicionado a sete quilômetros do centro de Caruaru
de acordo com censo/2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE) sendo
1
Trecho retirado de panfleto utilizado para divulgação das coleções do projeto.
46
considerado nos dias atuais como bairro, o espaço apresenta características rurais evidentes
que vão desde a vegetação que circunda o ambiente, até as atividades lucrativas desenvolvidas
que são predominantemente primárias, dominadas pela prática artesanal e agrícola, levando-se
ainda em consideração que os moradores apresentam origem familiar ou própria rural. Ainda
neste aspecto de definição, atenta-se para a existência de um cenário rústico que não apresenta
construções verticais, mas é composto por casas e ateliês que refletem o modo de vida
simples, a herança familiar do arte manual, mas que também já permite a observação das
transformações proporcionadas pelo contato com a cultura de massa, como reflete José Carlos
de Mélo e Silva ao pesquisar as reconversões culturais em outro tipo de artesanato, a cerâmica
figurativa do Alto do Moura.
O Alto do Moura, desde sua localização e, relação ao centro de Caruaru aos hábitos
da sua população, passando pela arquitetura, pelo cotidiano e pelo trabalho, mostrase cada vez mais híbrido como o massivo. Os costumes do homem agropastoril
como a pesca, o passeio no campo, o forno a lenha, o banho de açude, a própria
linguagem se mesclam como o urbano, as novas tecnologias como a antena
parabólica e o aparelho de DVD, com os bares e restaurantes cheios de propaganda
de bebidas, com os clientes e turistas estrangeiros, enfim é um sistema cada vez mais
complexo fruto da lógica do consumo. (SILVA, 2007, p. 73)
Deste modo, em relação ao restante da população urbana do município, a comunidade
do Alto do Moura, da qual as artesãs do Mulheres de Argila fazem parte, não acompanha o
acelerado desenvolvimento que a parte urbana da localidade, de uma maneira geral, sofre. Na
verdade, na visão coletiva dos munícipes e até mesmo de turistas que frequentam o lugar,
especialmente durante os festejos juninos, a conotação atribuída ao bairro é de área rural e não
urbana pelos aspectos antes citados, mas, também pela falta de identificação do visitante que
se reconhece urbano com os aspectos rústicos facilmente percebidos no contexto que
reforçam o distanciamento existente mesmo em se tratando de pessoas pertencentes à mesma
municipalidade.
Ainda no tocante aos grupos marginalizados, o coletivo se comparado a generalidade
do núcleo artesanal, pode ser tido como conjuntura à margem, devido ao fato de apresentar
uma inédita modalidade de artesanato que embora em nome homenageia a principal matériaprima dos artesãos e artesãs do Alto do Moura, a argila, utiliza-se de ourelas de jeans, tecido
disponível e característico da região, segundo maior polo de confecção nacional, matéria que
até então não havia sido usado para finalidades artesanais. Destaca-se ainda a escolha do
berço da produção em barro como ambiente para proporcionar outra experiência as mãos das
profissionais da atividade artística, contemplando conjuntamente consumidores e demais
47
artistas costumados a aquisição e criação, respectivamente, de peças feitas a partir do uso e
preparo da argila que retratam particularidades regionais. Entende-se ademais que a aceitação
da conjuntura recente se trata de processo gradual, sobretudo pela visão reducionista ainda
aplicada aos assuntos relacionados a cultura popular e suas expressões, como pondera José
Marques de Melo (2012, p. 27) ao relatar que “essa ‘visão idealizada’, dando ênfase aos
aspectos ‘autênticos’ e às raízes ‘comunitárias’, conduziu os ‘folcloristas’ a se preocuparem
mais com a ‘instrumentalização’ da cultura popular do que com a sua fenomenologia”.
Constituído em sua totalidade por artesãs, ainda enfrenta os entraves da cultura
machista e do patriarcado que minimiza a participação da mulher no mundo do trabalho e nas
atividades de finalidade lucrativa, tendo em vista ainda que parte delas todas as decisões
comerciais tomadas. Isto posto, as artesãs rompem com a imposição do papel feminino,
direcionado principalmente as mulheres de áreas rurais ou afastadas dos grandes centros
urbanos, fadado as atividades domésticas e familiares, no qual as mulheres não desempenham
contribuição econômica efetiva ou auxiliam o cônjuge nas funções desenvolvidas para manter
a subsistência da casa, sendo, no entanto, considerada como coadjuvante do ofício. Podendo
desta maneira ser considerado como um grupo culturalmente marginalizado, à medida que se
avalia o rompimento com as relações de poder e com a predefinição de funções sociais, além
do empoderamento apresentado por estas mulheres face as desigualdades sociais ainda
existentes.
Ainda sobre as razões que demonstram a viabilidade do estudo folkcomunicacional
aplicado ao projeto, as artesãs tecem à mão os retalhos em jeans até formar peças de mosaico
que servem de base para a produção de todas as peças que são formadas a partir da mesma
essência em desenho. Equipamentos secundários auxiliam no acabamento, mas o processo
principal é realizado à mão, configurando-se como atividade manual requisito que o
caracteriza como representante do artesanato de acordo com o ideário criado em relação ao
significado desta prática. Como associa Marques de Melo (2012, p. 29) em “trata-se, portanto,
de manufatura, combinando arte, técnica e habilidade manual. As mãos são o verdadeiro
instrumento do trabalho do artesão, com frequência auxiliadas por máquinas e ferramentas,
elas próprias de produção artesanal”.
Os artigos originados pelo trabalho das mãos das artesãs destinam-se, em sua maioria,
para serem utilizados como produtos decorativos, contando ainda com peças de indumentária,
neste sentido apresenta-se correspondência com mais uma característica apontada como
marcante na definição de artesanato, baseando-se em Marques de Melo na seguinte passagem:
“Coexistindo, paradoxalmente, com a ‘era industrial’, o artesanato ocupa braços ociosos não
48
assimilados pelas fábricas, produzindo peças ‘utilitárias’ e ‘ornamentais’, geralmente
consumidas pelos usuários dos pacotes turísticos” (2012, p.30).
Faz-se oportuno apontar que esta prática surgiu ainda no período Neolítico, sendo
desempenhada em totalidade pelas mulheres que descobriram materiais propícios a confecção
de utensílios, vestimentas e objetos que foram indispensáveis a evolução humana em quesitos
como o desenvolvimento da criatividade, o aperfeiçoamento de funções motoras e,
principalmente, em questões de sobrevivência já que o uso destas peças permitiu entre outras
coisas a homens e mulheres se protegerem de mudanças climáticas, por exemplo, aspectos
estes que foram apresentados no início desta pesquisa monográfica.
Estabelecendo uma conexão com a cultura de massa, enfoque levantando por Beltrão
ao relacionar a existência dicotômica entre popular e massivo, considera-se que o coletivo
analisado dialoga com esta cultura, alimentando-se de suas mensagens, como já sugeria o
autor. Tendo em vista que o conteúdo disseminado pela mídia em parâmetros de moda,
tendências, decoração e até mesmo discurso são a certo modo absorvidos na nova produção,
com o intuito de produzir peças vendáveis que conquiste a preferência dos consumidores,
entre eles os turistas que se configuram em público de destaque para a proposta inovadora do
projeto. Faz-se necessário ressaltar que a incorporação de disposições massivas não significa a
perda da autenticidade e até mesmo do fundamento do artesanato nesta situação, haja vista o
conceito de hibridização, amplamente difundido nas discussões atuais a respeito dos estudos
culturais. O movimento de hibridização pode ser percebido desde a escolha da matéria-prima
até antes não aproveitada até as novas facetas apresentadas pelo grupo, para o conceito de
hibridização afirma-se que os “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas
discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e
práticas” (SILVA apud CANCLINI, 2007, p.28).
As influências massivas são percebidas em pormenores como a presença do grupo na
rede mundial de computadores, através de site próprio e redes sociais que são aproveitadas
como métodos de divulgação, contando-se com a alta aceitabilidade dessas mídias entre os
membros da sociedade atual; como a utilização de recurso de compra e venda conforme
dispõe de formas de pagamento eletrônicas, por exemplo; e a propagação de discursos da
mídia como os de responsabilidade e sustentabilidade ambientais, disseminados de forma
abrangente por intermédio de veículos de comunicação e seus profissionais, bem como em
propagandas publicitárias, ao oferecer uma alternativa ecologicamente correta para o descarte
do tecido jeans, consumido em abundância no município e cidades adjacentes, demonstrando
alinhamento com as mensagens de conscientização emitidas.
49
É necessário salientar não apenas a visão que o Mulheres de Argila imprime ao Alto
do Moura para os que estão de fora do cenário, mas, também, para os integrantes pertencentes
ao centro. Ao contribuir com a preservação do meio ambiente através do trabalho
desenvolvido oportuniza para demais artesãos e artesãs o contato com uma nova prática
diferenciada da já produzida a partir da argila. Além disso, os outros são apresentados a outras
preocupações sociais como as questões ecológicos e são alertados também para a importância
de expandir as raízes populares com o exemplo dado pelo projeto que inspira a produção nas
histórias, nos personagens e nas vivências de mulheres que dedicaram suas vidas a arte do
barro, a manifestação cultural mais representativa para a cidade.
Ainda neste ponto, é possível observar outro quesito de marginalidade. Por se tratar de
uma proposta inovadora que foge ao senso comum da prática artesanal local entende-se que é
natural certa estranheza entre os membros da comunidade e até mesmo os consumidores que
não estão habituados a observar transformações estruturais tão significativas no modo de criar
o artesanato em Caruaru, que passa constantemente por processos de hibridização e
reconversão culturais, porém os mesmos se dão em formatos já existentes, em expressão
habitualmente familiares que ganham outras formas, cores e finalidade, como as produções
em cerâmica, mas que até então não haviam apresentado uma matéria de base tão inusitada
como na atualidade, através do Mulheres de Argila.
Enfim, é imprescindível acentuar considerações feitas a respeito do potencial
comunicativo do grupo na perspectiva de fortalecer a atuação do mesmo como propagador da
Folkcomunicação, compreendendo as mensagens que são passadas através da produção em
jeans e da atmosfera proporcionada por esta. De modo que, a escolha do título do projeto
reflete as inspirações adquiridas para pô-lo em prática, a relevância dada as mulheres
pertencentes à comunidade do Alto do Moura com suas experiências artísicas e pessoais
reverenciadas na seleção das cores, das ideias esboçadas, dos objetos que serão fabricados e
até mesmo dos nomes que irão receber. Com isto, não apenas a conexão com as personagens é
disseminada, mas a identidade cultural do lugar; a significatividade do barro como fonte de
renda, herança familiar; as raízes caruaruenses e regionais
Enquanto disciplina acadêmica, a Folkcomunicação vivenciou dois momentos
cruciais: a criação do objeto, em consonância com a ideia esboçada por Luiz Beltrão
e a configuração do campo pela prática dos pesquisadores que endossaram sua
proposta inovadora. A mais nova geração que institucionaliza a disciplina defrontase com a missão de atualizar o legado do fundador para dar continuidade ao seu
projeto multifacético, de acordo com a natureza da sociedade que marca a
fisionomia do século XXI. (MELO, 2012, p.37)
50
E essas representações se desenvolvem em meio a um ambiente híbrido com uma
produção atenta aos métodos de comercialização e comportamento da cultura da massa, a
exemplo da exportação para outros estados e até países, das estratégias de divulgação, desde a
participação de eventos referentes ao artesanato da região até ao uso das redes sociais como
mecanismo de alcançar novos públicos, mesmo os que não possuem as mesmas raízes
identitárias, mas, como forma de perpetuar esta cultura que o grupo escolheu representar
desde a titulação até as peças que são oferecidas.
51
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tal discussão foi possível perceber a necessidade da continuidade dos
estudos folkcomunicacionais serem cada vez mais abrangentes, no sentido de aprofundarem
as concepções atribuídas por Luiz Beltrão à teoria levando em consideração as transformações
sofridas pela humanidade, desde as proporções menores até a mais generalizantes como a
globalização que representa o ápice das relações cibernéticas, dos avanços tecnológicos e das
modificações de consumo que acabam por reverberar em quase todos os aspectos das
experiências coletivas e até mesmo individuais. A pesquisa permitiu que na busca por
dialogar com estas metamorfoses fosse encontrado um objeto de estudo que contemplasse
estas questões por associar uma expressão contemporânea da identidade popular com os
traços da modernidade, ligados principalmente à cultura de massa.
O estudo sobre o projeto Mulheres de Argila compreende inquietações do setor
acadêmico com relação às novas conjunturas da prática artesanal, por apresentar entre outros
quesitos a utilização de um material de base inovador para ser transformado pelas mãos das
artesãs em arte através da confecção de peças de indumentária e decoração; por ter como
inspiração criadora a vida de mulheres artesãs do barro como fonte para a projeção das suas
produções, homenageando-as e contribuindo com a perpetuação da tradição do barro e das
pessoas que se dedicaram a construção desta cultura, adotando, inclusive, como nome do
projeto uma referência a esta ligação e ainda assim faz uso das redes sociais, de matérias
publicitários de divulgação, das formas características da comercialização formal, do ateliê
como ponto de vendas, entre as características anteriormente citadas que demonstram o
reflexo da hibridização.
Portanto, foi notório identificar a coexistência das culturas em um mesmo objeto,
aspecto que já havia sido levantando por Beltrão como passível de observação, as culturas
conviverem simultaneamente e influenciarem veículos de comunicação, grupos sociais e seres
de uma maneira geral que partilham deste envolvimento que se atenua constantemente. A
pesquisa contribuiu com este debate vigente que explora a relação entre popular e massivo, na
perspectiva de influenciar outros trabalhos que virão, haja vista que a pesquisa
folkcomunicacional se torna um ângulo ainda mais pertinente para a análise destas novas
articulações, por refletir sobre este contato e analisá-lo, principalmente, sobre o ponto de vista
do impacto as expressões populares.
Ao mesmo tempo, a pesquisa defende que a
identificação do popular não deve se limitar ao caráter reducionista da busca por
manifestações puras, intocáveis. O conceito de popular é amplo e precisa ser tratado como tal,
52
especialmente, nas reflexões desenvolvidas na Academia que irão auxiliar a formação de
outros profissionais da Comunicação. O estudo realizado com base no Mulheres de Argila
demonstrou que embora o coletivo apresente características incomuns, na ótica do popular
tradicional, as raízes identitárias encontram-se firmes e são motivadoras do trabalho
desenvolvido, as peças são resultados da materialização dos valores de pertencimento das
artesãs com o ambiente do Alto do Moura, desde o legado da prática artesanal que, na maioria
das vezes, é familiar, mas, também, é comunitário, até a relação com a supremacia do
artesanato em barro que embora seja reverenciado não corresponde ao trabalho desenvolvido.
A motivação da construção desta pesquisa foi a de justamente contribuir com os
estudos culturais, defendendo a necessidade de que o artesanato seja incentivado e valorizado,
na compreensão de que se trata de um semblante do popular e que assim como a própria
humanidade passa por processos de hibridização ancorados nas transformações tecnológicas,
comportamentais e até mesmo ideológicas pelas quais a humanidade tem passado. Sendo
assim, será cada vez mais natural observar as novas conjunturas, que embora híbridas, não
deixam de representar a cultura popular, mas, que estão atentas a novas necessidades de
exposição e de conduta, como, por exemplo, o discurso de responsabilidade ambiental
defendido pelo projeto na opção feita em reaproveitar o jeans, material adquirido em
abundância na cidade e na região, para transformá-lo através do trabalho manual em peças
com outras utilidades. À medida que se utiliza do tecido para transformá-lo não apenas em
peça, mas em informação, a pesquisa permitiu avaliar o grupo como expoente
folkcomunicacional e a partir deste entendimento foram avaliadas as mensagens que eram
decodificadas por este grupo por meio de suas peças.
Como desfecho, o estudo assentiu à compreensão de que o principal conteúdo
transmitido através desta produção é o da cultura do Alto do Moura, representada com um
base diferente, os mosaicos formados pela junção dos retalhos de jeans à mão. Uma
linguagem diferente, mas não menos autêntica que as demais que foram desenvolvidas de
maneira essencialmente tradicional, anônima por contextos cronológicos e sociais diferentes
dos atuais que compõem o cenário para o desenvolvimento das atividades do projeto.
A pesquisa demonstrou ainda a relevância das expressões da cultura popular na
formação individual e coletiva, no conjunto em questão, trata-se de mulher em busca da
autonomia financeira e do empoderamento que encontraram respaldo para progredirem como
pessoas de direitos com o aproveitamento das técnicas que já lhes eram familiares, ou seja, as
artesãs já se reconheciam no artesanato e optaram por representá-lo, disseminá-lo e valorizá-
53
lo de uma maneira criativa, incomum para os moldes locais e consciente com o ambiente que
as circunda.
Por fim, também como mérito do estudo realizado é preciso reconhecer a importância
do profissional de Comunicação Social como incentivador e anunciante destas novas
conjunturas, das quais o projeto Mulheres de Argila é representante. Entendo que,
principalmente os profissionais do jornalismo de proximidade, precisam estar vigilantes as
essas mudanças que se materializam nas trabalhos artesanais para contribuírem com pesquisas
que têm como fonte estes novos arranjos e para promoverem eles próprios essas discussões
nos veículos que atuam, no intuito de evidenciá-los como reflexo do desenvolvimento local,
do retrato atual dos modelos rurais e do próprio povo ao qual pertence determinada
manifestação. Ainda neste sentido, a análise possibilitou a abrangência de concepções iniciais
de autores que se destacaram na construção da teoria, como exemplo primordial o teórico
Luiz Beltrão, assegurando que cabe aos adeptos buscarem incessantemente analisar teses e
pensamentos sempre à luz das realidade atuais para que estas não se percam em dimensões
obsoletas e que não possam ser aplicadas às novas ressignificações, sendo esta a melhor
maneira de tornar as teorias atemporais. Os seguidores precisam atualizá-las, reaplicá-las a
objetos de estudo que condizem com as modificações ocasionadas pela modernidade e que
afetam concepções de identidade, de pertencimento, de tempo e espaço e que resultam em
novas possibilidades, tanto do ideário massivo quanto do ideário popular, que não só
coexistem, como já afirmava Beltrão, em seus argumentos introdutórios, como se mesclam
em processos que ocasionam em refuncionalizações, até mesmo conjunturas mais ancestrais,
como é o artesanato.
54
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ANEXOS
Fotos: Rafael Lima
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