TEMPO JOVEM
Lâmpada
texto Teresa Carvalho foto Ana Paula
E
ra apenas uma lâmpada
– e pequenina! Quando
foi projectada, foi destinada a uma função igual
a todas as que com ela
foram criadas: iluminar.
Parecia algo de vulgar,
até porque “lâmpadas” já existiam desde Thomas Edison, 1879.
A lâmpada Lulita era apenas mais uma
que saía da linha de montagem naquela manhã. Era igualzinha a tantas outras, formatada como as demais, com
filamentos do mesmo material, com os
mesmos caracteres de identificação, e
embalada numa caixinha de lâmpadas
“iguais”. Mas, quem sabia que não era
“igual”, era a lâmpada acabadinha de
nascer. E mesmo que assim alguém o
entendesse, Lulita consideraria isso de
“simplesmente inaceitável”. Quando,
na linha de montagem, percebeu o que
era, para que serviria e o que lhe era
pedido, abraçou de imediato e agradecida esse sonho: iluminar. Iluminar,
quer dizer: Dar luz.
Identificada com o projecto
Dar luz é transformar o assustador
desconhecido em algo que se deseja
e permite conhecer. Dar luz é possibilitar, aproximar e potencializar. Enquanto explorava a sua natureza, mais
identificada Lulita se sentia com esse
projecto e mais elevada era a motivação para o rea­lizar. Investigou sobre as
múltiplas hipóteses de aplicação dos
seus kilo­watts, apercebeu-se da potência que lhe tinha sido atribuída e da
luminosidade que conseguiria produzir. Compreendeu a fragilidade da sua
constituição e dos muitos cuidados a
ter para permanecer íntegra e potente.
– “Aplicarei o meu potencial da melhor
forma!” – Foi com este compromisso
que Lulita se deixou acomodar num invólucro almofadado, para ser integrada
na encomenda de saída da fábrica de
montagem.
Quero ser farol
A descoberta da sua especificidade alimentou o sonho. E não mais parou.
Descobriu o que queria ser:
– “Quero ser farol! Um farol que orienta os barcos na sua rota de navegação,
sem riscos. Quero ser protecção nas
tempestades!”.
Que nobre, o meu sonho! – pensava Lu­
lita, feliz consigo mesma. Era tão real
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o seu sonho, que nessa noite viu-se a
lançar bem longe os seus raios luminosos, transformando o escuro assustador e perigoso em cenário de beleza
repousante. Para Lulita, bastava sonhar
e passava já a acontecer.
Vergonha de ter sonhado
O dia nasceu e, quando Lulita viu aparecer junto de si a luz do sol, até teve
vergonha de ter sonhado.
– “É tão grande o sol! E como ilumina! Que disparate ter pensado que
seria capaz de iluminar os barcos na
noite. Sou tão fraquinha!”.
E Lulita decidiu nesse dia que o melhor é não esperar ser nada, até porque muitas lâmpadas partem-se, ainda antes de lhes ser dada qualquer
missão, ou até mesmo antes de serem
acomodadas nos seus invólucros. Se
lhe acontecesse o mesmo, para que
serviria sonhar? E foi com estes pensamentos que Lulita sufocou dentro
de si o sonho de ser farol.
Importante é iluminar
Mas, o tempo passava e o sonho de
ser farol ressurgia agora com mais
frequência. O estranho era que o pró-
ANO LIV | Agosto/Setembro de 2008
ou farol?
“O meu papel
é iluminar”.
O importante
é realizar
e bem a
minha missão
prio sonho era suficiente para dar
sentido à sua existência de lâmpada.
Mas, “sonhar” não era “ser”.
Um dia, Lulita decidiu que não iria
sonhar apenas. Pesquisaria melhor sobre si e sobre o farol. Porque era tão
importante para si ser farol? Seria importante «ser farol» ou «estar no lugar»
para o qual está vocacionada? De facto, o farol, para o ser, tem de ter torre,
lentes, lâmpadas, mecanismo de rotação e tantos outros equipamentos. E
todos têm de funcionar em conjunto,
articulados, cada um no seu lugar e a
desempenhar o seu papel.
– “Claro que nunca uma lâmpada
sozinha pode ser farol!” – comentou
Lulita em voz alta, num esforço de
auto-convicção. Foi então que Lulita
percebeu:
– “O meu papel é Iluminar. O importante não é ser farol. Eu seria um fracasso como tal: nenhum barco conseguiria ver-me e continuaria em risco. O
importante é realizar, e bem, a minha
missão. Isso sim, é nobre! O farol é nobre quando é farol! Eu sou nobre quando sou lâmpada. Ambos iluminamos.
Cada um no seu lugar”.
Dar o máximo no seu lugar
Lulita não precisou sufocar mais o
seu sonho. Conquistara algo melhor:
a certeza do que era e de que daria o
máximo no seu lugar.
No dia seguinte, Lulita sentiu-se transportada, retirada do invólucro e enroscada numa estrutura muito alta. Logo
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que enroscada, iluminou tudo à volta,
com uma luminosidade clara, intensa. Olhou em seu redor, maravilhada.
Via água, barcos, cais, e mesmo por
debaixo de si, uns bancos de jardim,
com alguém sentado. Um dos barcos
aproximou-se e atracou. As pessoas
que estavam sentadas levantaram-se
com alarido, ao jeito de quem termina
uma espera prolongada. Marinheiros
e quem os espera festejam o encontro
com abraços efusivos.
Voltar a sonhar
Lulita podia ver as suas expressões de
segurança e felicidade. Percebeu que o
seu lugar fora-lhe atribuído num dos
candeeiros do cais, onde fazia falta
para iluminar a subida dos marinheiros, a espera de quem os aguarda e o
encontro desejado.
Do seu lugar, iluminando onde era necessário, Lulita sabia estar a ser o farol
de quem espera e para quem chega.
Lulita pode voltar a sonhar, mas agora juntando o seu sonho ao sonho do
poste, ao do cais, ao dos bancos, com
os que fazem o seu «lugar real». Agora Lulita sabe que está a realizar a sua
missão! É a lâmpada Lulita!
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Lâmpada ou farol? - Fátima Missionária